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Documento 62002CJ0078

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 6 de Novembro de 2003.
Elliniko Dimosio contra Maria Karageorgou (C-78/02), Katina Petrova (C-79/02) e Loukas Vlachos (C-80/02).
Pedido de decisão prejudicial: Dioikitiko Efeteio Athinon - Grécia.
Sexta Directiva IVA - Artigo 21.º, n.º 1, alínea c) - Devedores do imposto - Pessoa que menciona o imposto numa factura - Imposto pago por erro por alguém que não é sujeito passivo e inscrito na factura que este passa.
Processos apensos C-78/02 a C-80/02.

Colectânea de Jurisprudência 2003 I-13295

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2003:604

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

6 de Novembro de 2003 ( *1 )

Nos processos apensos C-78/02 a C-80/02,

que têm por objecto pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Dioikitiko Efeteio Athinon (Grécia), destinados a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Elliniko Dimosio

e

Maria Karageorgou (C-78/02),

Katina Petrova (C-79/02),

Lõukas Vlachos (C-80/02),

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), e, em particular, da norma prevista no artigo 21.°, ponto 1, alínea c), desta directiva, segundo a qual o imposto sobre o valor acrescentado é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa factura,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: J.-P. Puissochet, presidente de secção, R. Schintgen, V. Skouris, N. Colneric e J. N. Cunha Rodrigues (relator), juízes,

advogado-geral: L. A. Geelhoed,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação do Governo helénico, por M. Apessos e S. Detsis, na qualidade de agentes,

em representação de M. Karageorgou, por E. Metaxaki e P. Yatagantzidis, dikigori,

em representação de K. Petrova e L. Vlachos, por A. Koutsolampros, dikigoros,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Traversa e H. Tserepa-Lacombe, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Governo helénico, de M. Karageorgou e da Comissão, na audiência de 20 de Março de 2003,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiencia de 15 de Maio de 2003,

profere o presente

Acórdão

1

Por despachos de 31 de Janeiro de 2002, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 11 de Março seguinte, o Dioikitiko Efeteio Athinon (Tribunal Administrativo de Segunda Instância de Atenas) (Grécia) colocou, nos termos do artigo 234.° CE, duas questões prejudiciais, em cada um dos processos, formuladas em termos idênticos, sobre a interpretação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 Fl p. 54; a seguir «Sexta Directiva»), e, em particular, da norma prevista no artigo 21.°, n.° 1, alínea e), desta directiva, segundo a qual o imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa factura.

2

As referidas questões foram suscitadas no quadro de litígios entre o Elliniko Dimosio (Estado helénico) e tradutores que trabalham para o Ministério dos Negócios Estrangeiros helénico, os quais alegam ter facturado o IVA por erro e pedem a sua restituição.

Enquadramento jurídico

Legislação comunitária

3

O artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Directiva sujeita a IVA as entregas de bens e as prestações de serviços efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

4

O artigo 4.° da Sexta Directiva enuncia:

«1.

Por ‘sujeito passivo’ entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.

2.

As actividades económicas referidas no n.° 1 são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. [...]

[...]

4.

A expressão ‘de modo independente’, utilizada no n.° 1, exclui da tributação os assalariados e outras pessoas, na medida em que se encontrem vinculados à entidade patronal por um contrato de trabalho ou por qualquer outra relação jurídica que estabeleça vínculos de subordinação no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração e à responsabilidade da entidade patronal.

[...]

5.

Os Estados, as colectividades territoriais e outros organismos de direito público não serão considerados sujeitos passivos relativamente às actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando em conexão com essas mesmas actividades ou operações cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.

Contudo, se exercerem tais actividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente a tais actividades ou operações, desde que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.

As entidades acima referidas serão sempre consideradas sujeitos passivos, designadamente no que se refere às operações enumeradas no anexo D, desde que as mesmas não sejam insignificantes.

[...]»

5

O artigo 21.°, ponto 1, alinea c), da Sexta Directiva prevê:

«O imposto sobre o valor acrescentado é devido:

1.

No regime interno:

[...]

c)

Por todas as pessoas que mencionem o imposto sobre o valor acrescentado numa factura ou em qualquer outro documento que a substitua».

Legislação nacional

6

O artigo 2.°, n.° 1, da Lei n.° 1642/1986 relativa à aplicação do IVA e outras disposições (FEK A' 125), na redacção em vigor antes da sua substituição pelo artigo 1.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 2093/1992 (FEK A' 181), prevê que o imposto sobre o valor acrescentado incide, designadamente, sobre «as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade».

7

Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Lei n.° 1642/1986, na redacção em vigor antes da sua substituição pelo artigo 1.° da Lei n.° 2093/1992, «estão sujeitas ao imposto quaisquer pessoas singulares ou colectivas ou quaisquer associações de pessoas, nacionais ou estrangeiras, que exerçam de modo independente uma actividade económica, independentemente do lugar de estabelecimento e do fim ou do resultado dessa actividade. Não são havidos como exercendo uma actividade económica de modo independente os assalariados e outras pessoas singulares vinculadas à entidade patronal por um contrato de trabalho ou por qualquer outra relação jurídica que estabeleça um vínculo de subordinação no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração e à responsabilidade da entidade patronal».

8

Por último, o artigo 28.°, n.° 1, da mesma lei, na redacção em vigor antes da sua substituição pelo artigo 1.°, n.° 42, da já referida Lei n.° 2093/1992, estabelece que:

«Pelas entregas de bens e pelas prestações de serviços estão sujeitos a imposto: a) o sujeito passivo estabelecido no território do país, pelas operações por ele efectuadas; [...]; d) qualquer outra pessoa que mencione o imposto na factura que emite ou em qualquer outro documento que a substitua [...]».

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

Processo C-78/02

9

Pela decisão n.° F.09323 do secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 12 de Abril de 1988, M. Karageorgou foi nomeada tradutora de grego para inglês ao serviço do departamento de tradução do referido ministério.

10

Depois de ter apresentado ao chefe da Dimosia Oïkonomiki Ypiresia (repartição de finanças) de Cholargos (Grécia) (a seguir «DOY»), relativamente ao exercício dessa actividade, declarações fiscais provisórias e uma declaração de liquidação do IVA, para o exercício de 1992, revogou estas declarações, através do seu requerimento n.° 22240, de 29 de Dezembro de 1994, exigindo a restituição do IVA por indevidamente pago.

11

Em apoio do seu pedido de revogação, M. Karageorgou sustentou que tinha apresentado as referidas declarações por erro quanto ao direito aplicável, uma vez que não estava sujeita a IVA em relação às remunerações auferidas no âmbito da sua actividade de tradutora.

12

No seu requerimento, M. Karageorgou alega que tinha um vínculo de subordinação relativamente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em matéria de condições de trabalho e de remuneração, já que, por um lado, não era ela própria que fixava a sua remuneração e, por outro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros era responsável em relação a terceiros pelos seus actos e omissões na qualidade de tradutora. Alega ainda que o IVA pago com as suas declarações de 1992 não foi repercutido no consumidor (pois nem ela nem o ministério cobraram esse montante aos particulares nem às pessoas colectivas a quem se destinaram essas traduções) pelo que esse montante constitui uma parte da sua remuneração e não um imposto.

13

Na sua resposta n.° 22240-22241, de 9 de Fevereiro de 1995, o chefe da DOY indeferiu o requerimento da interessada, por um lado, porque as condições de trabalho aplicáveis a M. Karageorgou eram diferentes das dos assalariados e, por outro, porque o IVA tinha sido por ela validamente pago, uma vez que o havia inscrito nos recibos passados ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, não tendo, portanto, direito à restituição do imposto pago.

14

Pela decisão n.° 275/1995, a presidente do Dioikitiko Protodikeio Athinon (Tribunal Administrativo de Primeira Instância de Atenas) (Grécia) julgou procedente o recurso interposto por M. Karageorgou e o seu pedido de revogação das declarações de IVA para o exercício de 1992, anulando o despacho de indeferimento do chefe da DOY, e ordenou a restituição do montante que a mesma havia pago. A fundamentação da decisão refere, nomeadamente, que os tradutores actuam como órgãos do Estado, único responsável pelas suas acções e omissões, uma vez que as traduções elaboradas pelos tradutores são documentos públicos e que M. Karageorgou exercia a sua actividade numa relação de subordinação no que respeita às condições de trabalho e de remuneração.

15

O Elliniko Dimosio recorreu desta decisão para o Dioikitiko Efeteio Athinon, invocando, designadamente, o fundamento que já aduzira em primeira instância, segundo o qual M. Karageorgou estava obrigada, independentemente da natureza do seu trabalho, ao pagamento do imposto em causa, porque o tinha mencionado nos recibos passados durante o período em causa, nos termos do artigo 28.°, n.° 1, alínea d), da Lei n.° 1642/1986.

16

Pela decisão n.° 90/1996, a presidente do Dioikitiko Efeteio Athinon negou provimento ao recurso, confirmando a decisão proferida em primeira instância. Contudo, não examinou o fundamento de recurso segundo o qual M. Karageorgou estava obrigada ao pagamento do imposto controvertido, uma vez que o tinha mencionado nos recibos passados durante o período em causa.

17

O Elliniko Dimosio, invocando a omissão acima referida, recorreu para o Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado) (Grécia) e pediu a anulação da decisão do Dioikitiko Efeteio Athinon.

18

Pela decisão n.° 1659/1999, o Symvoulio tis Epikrateias anulou a decisão do Dioikitiko Efeteio Athinon, na parte relativa ao fundamento relacionado com a menção do IVA no recibo, considerando que esse fundamento de recurso era essencial e que, por isso, o Tribunal de Segunda Instância se tinha abstido erradamente de o examinar, e fez baixar o processo ao Dioikitiko Efeteio Athinon para nova apreciação.

Processos C-79/02 e C-80/02

19

Nos processos C-79/02 e C-80/02, relativos a K. Petrova e L. Vlachos, respectivamente, a matéria de facto e o processo principal são semelhantes aos do processo C-78/02.

Questões prejudiciais

20

O Dioikitiko Efeteio Athinon decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça, em cada um dos processos principais, as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Tem a natureza de IVA, na acepção da Sexta Directiva IVA (77/388/CEE), o montante indicado na factura por aquele que presta serviços ao Estado no quadro de um contrato com contornos de empreitada quando, por um lado, esse prestador considera erradamente que presta os serviços na qualidade de profissional liberal, mas na realidade se encontra numa relação de trabalho subordinado, e a pedido do seu empregador debita o IVA nos recibos que passa, calculando-o não sobre o total das remunerações legais que recebe do Estado, que constituem a base tributável legal do IVA, cobrado a seguir com as remunerações legais, mas a partir das suas remunerações com base no método matemático da dedução interna, considerando que nestas se inclui também o IVA devido, e, por outro, o Estado paga as remunerações legais diminuídas do IVA que considera incluído nestas?

2)

Pode afastar-se o princípio da formalidade do imposto consagrado pelo artigo 21.°, ponto 1, alínea c), da Sexta Directiva IVA (77/388/CEE) (segundo o qual, se o IVA for mencionado na factura ou em qualquer outro documento que a substitua, esse imposto tem que ser pago ao Estado) quando o Estado, prosseguindo a actividade no exercício da sua autoridade pública, não actua como sujeito passivo na acepção do n.° 5 do artigo 4.° da mesma directiva para efeitos de aplicação do mecanismo das deduções e o imposto não pode ser repercutido e não é repercutido no consumidor final (que é o particular que contrata com o Estado a tradução de documentos) e, por outro lado, o prestador do serviço reivindica o direito à restituição do imposto que pagou à autoridade fiscal após eventual dedução do imposto a montante, de modo a excluir o seu enriquecimento sem causa?»

21

Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 2002, os processos C-78/02, C-79/02 e C-80/02 foram apensos para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

Quanto à primeira questão prejudicial

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

22

O Governo helénico explica que o Serviço de Tradução foi criado no seio do Ministério dos Negócios Estrangeiros para a tradução oficial de documentos públicos e privados. Os particulares que desejem obter uma tradução depositam o texto a traduzir nesse serviço, ao qual pagam igualmente o direito correspondente, fixado pelo referido ministério, sendo-lhes passado um recibo. O montante deste direito inclui tanto a remuneração da tradução como o IVA correspondente, sem que este seja mencionado separadamente.

23

O Serviço de Tradução do referido ministério envia, em seguida, os textos a particulares (tradutores independentes). Estes tradutores não têm uma relação de trabalho com o ministério. Exercem também outras profissões, como as de médico ou advogado, alheias, por definição, à qualidade de funcionário. Daí que trabalhem onde e quando lhes convier e sejam remunerados em função da quantidade do trabalho fornecido.

24

Após a tradução, os textos são devolvidos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde os particulares em causa os recuperam. Por último, os direitos cobrados pelas traduções são repartidos por esse ministério entre os tradutores, em função dos serviços prestados por cada um. Ao receber estes montantes, cada tradutor passa um recibo no qual inscreve a remuneração e o IVA correspondente. Os tradutores pagam o montante de IVA à autoridade fiscal, após a dedução do IVA que lhes tiver sido aplicado no momento da aquisição de bens ou serviços.

25

O Governo helénico propõe que se responda da seguinte forma à primeira questão prejudicial: o montante, calculado com base no método da dedução interna, que aquele que presta serviços a título independente, ainda que sob vigilância do Estado, inscreve na factura ou no recibo a título da prestação de serviços e recebe tem a natureza de IVA, na acepção da Sexta Directiva, quando o particular, destinatário do serviço e consumidor final, pagou ao Estado um montante de IVA que integra o total dessa remuneração, formando um montante único.

26

M. Karageorgou sustenta que o imposto em apreço não apresenta as características essenciais do IVA, na medida em que corresponde a uma parte da remuneração dos tradutores que não foi imputada a terceiros nem deles recebida. Assim, o imposto controvertido não pode ser qualificado de IVA pelo mero facto de ser mencionado como tal nos recibos que os tradutores passam pelas suas prestações de serviços.

27

Em observações idênticas, K. Petrova e L. Vlachos precisam que, quando os documentos são entregues ao Ministérios dos Negócios Estrangeiros para tradução, os particulares que solicitam uma tradução oficial pagam a remuneração correspondente, indicada pelo funcionário competente e não sujeita a IVA. No momento em que o Estado helénico autentica essas traduções, mediante aposição do selo oficial, age no exercício do poder público, pelo que não pode tributar com IVA essa operação. Os tradutores são depois pagos pelo ministério com base nas traduções efectuadas e no preço por página, fixado em decreto ministerial. O ministério convida-os a passar um recibo global pelos serviços prestados. Este recibo é obrigatoriamente elaborado pelo Serviço de Contabilidade do ministério e inclui um montante de IVA, que é deduzido da remuneração legal fixada pelo referido decreto ministerial por página traduzida.

28

O Ministério dos Negócios Estrangeiros não recebe (nem pode legalmente receber) o IVA a cargo dos particulares, com os quais só ele se relaciona. Consequentemente, o imposto em causa no presente processo não tem a natureza de IVA, uma vez que não é, nem pode ser, repercutido no consumidor final.

29

A Comissão das Comunidades Europeias sustenta que o artigo 2.°, ponto 1, da Sexta Directiva prevê que estão sujeitas a IVA as entregas de bens e as prestações de serviços, efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade. Por conseguinte, uma operação efectuada (mesmo a título oneroso) por uma pessoa não sujeita ao IVA não é tributada com esse imposto.

30

No caso em apreço, as instâncias nacionais já declararam não só que os tradutores não estão sujeitos a IVA relativamente à traduções que se destinam ao Ministérios dos Negócios Estrangeiros, mas também que nem sequer existe operação, em particular a título oneroso, uma vez que se considera que entre os tradutores e o Estado há uma relação que estabelece vínculos de subordinação no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração e à responsabilidade da entidade patronal, pelo que aqueles podem ser considerados parte integrante do pessoal do Estado. Consequentemente, o caso referido na primeira questão prejudicial não é abrangido pelo âmbito de aplicação da legislação comunitária em vigor em matéria de IVA.

31

O montante inscrito por erro na factura não pode, pois, revestir a natureza de IVA na acepção da Sexta Directiva, independentemente de o Estado o ter ou não qualificado erradamente de IVA. Pela mesma razão, o artigo 21.°, ponto 1, alínea c), da mesma directiva também não é aplicável ao caso em apreço. O montante em causa pode ser restituído ao interessado simplesmente enquanto montante indevidamente pago.

Apreciação do Tribunal de Justiça

32

Resulta dos despachos de reenvio, neste aspecto confirmados pelas observações das partes, que se considera que a remuneração dos tradutores inclui um montante equivalente ao IVA devido, pelo que o montante que lhes é efectivamente pago é constituído pela sua remuneração legal deduzido o montante correspondente ao IVA.

33

Para determinar se o montante assim deduzido deve ser considerado IVA, é necessário apurar se os tradutores estão sujeitos às disposições relativas ao IVA em relação aos serviços que prestam ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

34

Resulta do artigo 2.° da Sexta Directiva que as entregas de bens e as prestações de serviços efectuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade estão sujeitas a IVA.

35

O artigo 4.° da Sexta Directiva define a pessoa que deve ser considerada «sujeito passivo» na acepção da directiva. O n.° 1 deste artigo define como «sujeito passivo» a pessoa que exerce uma actividade económica «de modo independente». O n.° 4 do mesmo artigo precisa que a expressão «de modo independente» exclui da tributação não apenas os assalariados, mas também outras pessoas «vinculad[a]s à entidade patronal por um contrato de trabalho ou por qualquer outra relação jurídica que estabeleça vínculos de subordinação no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração e à responsabilidade da entidade patronal».

36

Segundo os despachos de reenvio, o órgão jurisdicional chamado a pronunciar-se em primeira instância declarou que os tradutores exercem a sua actividade numa relação de subordinação relativamente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros no que respeita às condições de trabalho e de remuneração. Neste ponto, as decisões da primeira instância foram confirmadas em recurso e as decisões proferidas em sede de recurso não foram anuladas pelo Symvoulio tis Epikrateias. O órgão jurisdicional de reenvio considera, pois, que os factos relacionados com este ponto estão assentes.

37

Nas observações escritas que apresentou ao Tribunal de Justiça, o Governo helénico qualificou os tradutores de trabalhadores independentes e defendeu que a natureza dos vínculos de subordinação que mantêm com o Ministério dos Negócios Estrangeiros é ainda objecto de apreciações divergentes pelos diferentes órgãos jurisdicionais helénicos. Não obstante, este governo precisou, nas suas alegações, que não tencionava contestar a jurisprudência mencionada no número anterior, segundo a qual os tradutores exercem a sua actividade numa relação de subordinação.

38

A este propósito, cumpre salientar que, nos termos do artigo 234.° CE, que se baseia numa clara separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, este último apenas tem competência para se pronunciar sobre a interpretação ou a validade de um diploma comunitário, com base nos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (acórdão de 16 de Setembro de 1999, WWF e o., C-435/97, Colect., p. I-5613, n.° 31, e jurisprudência aí referida).

39

O Tribunal de Justiça não pode assumir posição relativamente à natureza dos vínculos que ligam os tradutores ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Na resposta às questões prejudiciais, o Tribunal de Justiça deve basear-se na apreciação efectuada pelo órgão jurisdicional nacional, segundo a qual os tradutores exercem a sua actividade no âmbito de uma relação de subordinação.

40

Partindo desta premissa, deduz-se que, no caso em apreço, os tradutores não exercem uma actividade económica «de modo independente» na acepção do artigo 4.°, n.° 4, da Sexta Directiva, pelo que não são «sujeitos passivos» na acepção do n.° 1 do mesmo artigo. Assim, por força do artigo 2.°, ponto 1, desta directiva, os serviços que prestam ao Ministério dos Negócios Estrangeiros não estão sujeitos a IVA.

41

Consequentemente, se os referidos tradutores inscreverem por erro um montante de IVA nas facturas que passam relativamente a esses serviços, esse montante não pode ser qualificado de IVA.

42

A primeira questão prejudicial deve pois ser respondida no sentido de que o montante mencionado como IVA na factura por aquele que presta serviços ao Estado não pode ser qualificado de IVA quando esse prestador considera erradamente que presta os serviços na qualidade de profissional liberal, mas na realidade se encontra numa relação de trabalho subordinado.

Quanto à segunda questão prejudicial

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

43

O Governo helénico alega que as disposições da Sexta Directiva, em particular as do artigo 21.°, ponto 1, alínea c), são expressão do princípio da formalidade do IVA. Caso se passe um recibo por uma prestação de serviços e o prestador indique um montante de IVA que recebeu a mais, existe a obrigação de pagar esse montante ao Estado, ficando assim excluída a obrigação de restituir o referido montante por pagamento indevido. Este princípio visa, sobretudo, evitar a fraude fiscal que pode resultar da sujeição do montante de IVA, inscrito na factura ou noutro documento que a substitua, ao mecanismo da dedução. Mesmo no caso de esse montante não ser abrangido pelo sistema do IVA e não estar sujeito ao procedimento de dedução, o princípio da formalidade do imposto exige que o IVA inscrito no recibo seja pago ao Estado, pois, caso contrário, verificar-se-ia um enriquecimento sem causa de quem passa o recibo, em detrimento dos consumidores que pagaram o IVA pelos serviços prestados.

44

Por conseguinte, o Governo helénico propõe que se responda da seguinte forma à segunda questão prejudicial: o princípio da formalidade do imposto consagrado pelo artigo 21.°, ponto 1, alínea c), da Sexta Directiva não pode afastar-se quando o Estado, prosseguindo a actividade em causa, actua como intermediário e não como sujeito passivo, quando o imposto é repercutido no consumidor final, destinatário dos serviços de tradução, e quando o prestador desses serviços paga à autoridade fiscal o montante do IVA que cobrou, após eventual dedução do imposto a montante, o que significa que aplica o procedimento de dedução.

45

M. Karageorgou sustenta que o artigo 21.°, ponto 1, alínea c), da Sexta Directiva não se opõe à correcção do IVA mencionado por erro numa factura ou noutro documento que a substitua, em particular quando a exclusão da possibilidade de efectuar uma correcção e de pedir a restituição do IVA mencionado por erro não for necessária para evitar a fraude ou a evasão fiscal.

46

K. Petrova e L. Vlachos consideram que o princípio da formalidade do imposto deve ceder no caso em apreço, uma vez que não se trata aqui de IVA. Este princípio deve ceder sempre que não possa aplicar-se e o imposto não tenha sido repercutido, não tendo pois havido enriquecimento do operador.

47

A Comissão refere que a Sexta Directiva não prevê qualquer disposição em matéria de regularização de um montante de IVA mencionado por erro numa factura por aquele que a passa. Consequentemente, cabe, em princípio, aos Estados-Membros determinar as condições em que é possível regularizar um montante de IVA indevidamente inscrito numa factura.

Apreciação do Tribunal de Justiça

48

Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 21.°, ponto 1, alínea c), da Sexta Directiva, segundo o qual o IVA é devido ao Estado se for mencionado numa factura ou em qualquer outro documento que a substitua, se opõe à restituição de um montante de IVA que foi mencionado por erro numa factura quando o Estado não actua como sujeito passivo na acepção do artigo 4.°, n.° 5, da mesma directiva e o referido imposto não foi repercutido no consumidor final.

49

A Sexta Directiva não prevê expressamente a hipótese de o IVA ser mencionado por erro numa factura, apesar de não ser devido. Por conseguinte, enquanto esta lacuna não for colmatada pelo legislador comunitário, compete aos Estados-Membros encontrar uma solução (acórdão de 19 de Setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C-454/98, Colect., p. I-6973, n.os 48 e 49).

50

A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que, para garantir a neutralidade do IVA, compete aos Estados-Membros prever, nas respectivas ordens jurídicas, a possibilidade de correcção de qualquer imposto indevidamente apurado quando o emitente da factura demonstre a sua boa fé (acórdão de 13 de Dezembro de 1989, Genius Holding, C-342/87, Colect., p. I-4227, n.° 18). Contudo, quando o emitente da factura eliminou completamente, em tempo útil, o risco de perda de receitas fiscais, o imposto indevidamente facturado pode ser regularizado, sem que esta regularização possa ser subordinada à boa fé do emitente da referida factura (acórdão Schmeink & Cofreth e Strobel, já referido, n.os 60 e 63).

51

Conforme resulta dos n.os 40 e 41 do presente acórdão, os serviços em causa no processo principal não estão sujeitos a IVA, pelo que o montante inscrito por erro nas facturas relativas a esses serviços não pode ser qualificado de IVA.

52

Em caso de regularização do montante assim inscrito, que em caso algum pode constituir IVA, não existe qualquer risco de perda de receitas fiscais no âmbito do regime do IVA. Assim, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 50 do presente acórdão, não é necessário demonstrar a boa fé do emitente da factura para que o montante indevidamente facturado possa ser regularizado.

53

Resulta do exposto que a segunda questão prejudicial deve ser respondida no sentido de que o artigo 21.°, ponto 1, alinea c), da Sexta Directiva não se opõe à restituição de um montante de IVA que foi mencionado por erro numa factura ou em qualquer outro documento que a substitua quando os serviços em causa não estejam sujeitos a IVA e o montante facturado não possa, assim, ser qualificado de IVA.

Quanto às despesas

54

As despesas efectuadas pela Comissão, que apresentou observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Dioikitiko Efeteio Athinon, por despachos de 31 de Janeiro de 2002, declara:

 

1)

O montante mencionado como imposto sobre o valor acrescentado na factura por aquele que presta serviços ao Estado não pode ser qualificado de imposto sobre o valor acrescentado quando esse prestador considera erradamente que presta os serviços na qualidade de profissional liberal, mas na realidade se encontra numa relação de trabalho subordinado.

 

2)

O artigo 21.°, ponto 1, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, não se opõe à restituição de um montante de imposto sobre o valor acrescentado que foi mencionado por erro numa factura ou em qualquer outro documento que a substitua quando os serviços em causa não estejam sujeitos a imposto sobre o valor acrescentado e o montante facturado não possa, assim, ser qualificado de imposto sobre o valor acrescentado.

 

Puissochet

Schintgen

Skouris

Colneric

Cunha Rodrigues

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de Novembro de 2003.

O secretário

R. Grass

O presidente

V. Skouris


( *1 ) Língua do processo: grego.

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