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Documento 62001CJ0383

Acórdão do Tribunal de 17 de Junho de 2003.
De Danske Bilimportører contra Skatteministeriet, Told- og Skattestyrelsen.
Pedido de decisão prejudicial: Østre Landsret - Dinamarca.
Livre circulação de mercadorias - Imposto sobre a matrícula dos veículos automóveis novos - Imposição interna - Medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa.
Processo C-383/01.

Colectânea de Jurisprudência 2003 I-06065

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2003:352

62001J0383

Acórdão do Tribunal de 17 de Junho de 2003. - De Danske Bilimportører contra Skatteministeriet, Told- og Skattestyrelsen. - Pedido de decisão prejudicial: Østre Landsret - Dinamarca. - Livre circulação de mercadorias - Imposto sobre a matrícula dos veículos automóveis novos - Imposição interna - Medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa. - Processo C-383/01.

Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-06065


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Disposições fiscais - Imposições internas - Imposto sobre a matrícula dos veículos automóveis novos na falta de produção nacional similar ou concorrente - Apreciação à luz do artigo 90.° CE - Condições - Conformidade com esta disposição - Apreciação do imposto com base nos artigos 28.° CE e seguintes - Exclusão na falta de dados que permitam estabelecer uma infracção à livre circulação de mercadorias

(Artigos 28.° CE e 90.° CE)

Sumário


$$Um imposto sobre a matrícula de veículos automóveis novos instituído por um Estado-Membro que não tem produção nacional de veículos constitui, uma vez que se insere num regime geral de imposições internas que abrange sistematicamente categorias de veículos segundo critérios objectivos aplicados independentemente da origem dos produtos, uma imposição interna cuja compatibilidade com o direito comunitário deve ser examinada à luz do artigo 90.° CE. Esta disposição deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a um imposto como este desde que não exista qualquer produção nacional de automóveis nem de produtos susceptíveis de concorrência com os veículos automóveis no Estado-Membro em causa.

Além disso, se é certo que os Estados-Membros não podem fazer incidir sobre os produtos que estão fora do âmbito de aplicação das proibições do artigo 90.° CE impostos de um montante tal que a livre circulação de mercadorias no mercado comum fique comprometida no que se refere a esses produtos, não se pode considerar que o referido imposto tenha perdido a sua qualificação de imposição interna para ser analisado como uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, na acepção do artigo 28.° CE, quando os números quanto ao número de veículos novos matriculados no Estado-Membro em causa, e, portanto, importados neste Estado-Membro, não revelam de forma alguma que a livre circulação deste tipo de mercadorias entre este Estado-Membro e os outros Estados-Membros esteja comprometida.

( cf. n.os 35, 39-43, disp. )

Partes


No processo C-383/01,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Østre Landsret (Dinamarca), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

De Danske Bilimportører

e

Skatteministeriet, Told- og Skattestyrelsen,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 28.° CE e 30.° CE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: J.-P. Puissochet, presidente da Sexta Secção, exercendo funções de presidente, M. Wathelet (relator), R. Schintgen, presidentes de secção, C. Gulmann, A. La Pergola, P. Jann, V. Skouris, F. Macken, N. Colneric, S. von Bahr e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da De Danske Bilimportører, por K. Dyekjær-Hansen e T. Ryhl, advokaterne,

- em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, na qualidade de agente, assistido por K. Hagel-Sørensen, advokat,

- em representação do Governo italiano, por U. Leanza, na qualidade de agente, assistido por M. Fiorilli, avvocato dello Stato,

- em representação do Governo finlandês, por E. Bygglin, na qualidade de agente,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por H. C. Støvlbæk, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da De Danske Bilimportører, representada por K. Dyekjær-Hansen, do Governo dinamarquês, representado por J. Molde, assistido por K. Hagel-Sørensen, do Governo finlandês, representado por T. Pynnä, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por H. C. Støvlbæk, na audiência de 6 de Novembro de 2002,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 27 de Fevereiro de 2003,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 26 de Setembro de 2001, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de Outubro seguinte, o Østre Landsret colocou, nos termos do artigo 234.° CE, duas questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 28.° CE e 30.° CE.

2 As questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a De Danske Bilimportører (a seguir «DBI»), associação profissional de importadores de automóveis, ao Skatteministerium ((Ministério das Finanças dinamarquês) relativamente à cobrança de um imposto sobre a matrícula de veículos automóveis novos.

Enquadramento jurídico

As disposições comunitárias

3 Os artigos 23.° CE a 31.° CE, que constituem o título I, sob a epígrafe «A livre circulação de mercadorias», do Tratado CE, instituem uma união aduaneira e proíbem as restrições quantitativas ao comércio entre os Estados-Membros.

4 Em particular, o artigo 25.° CE dispõe:

«São proibidos entre os Estados-Membros os direitos aduaneiros de importação e de exportação ou os encargos de efeito equivalente. Esta proibição é igualmente aplicável aos direitos aduaneiros de natureza fiscal.»

5 Além disso, nos termos do artigo 28.° CE, «[s]ão proibidas, entre os Estados-Membros, as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente». O artigo 29.° CE tem uma proibição idêntica para as exportações.

6 Todavia, nos termos do artigo 30.° CE:

«As disposições dos artigos 28.° e 29.° são aplicáveis sem prejuízo das proibições ou restrições à importação, exportação ou trânsito justificadas por razões de moralidade pública, ordem pública e segurança pública; de protecção da saúde e da vida das pessoas e animais ou de preservação das plantas [...]. Todavia, tais proibições ou restrições não devem constituir nem um meio de discriminação arbitrária nem qualquer restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-Membros.»

7 Os artigos 90.° CE a 93.° CE constituem o capítulo 2, sob a epígrafe «Disposições fiscais», do título VI, sob a epígrafe «As regras comuns relativas à concorrência, à fiscalidade e à aproximação das legislações», do Tratado.

8 O artigo 90.° CE dispõe:

«Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares.

Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções.»

A legislação nacional

9 A lov om registreringsafgift af motorkøretøjer (lei relativa ao imposto de registo de veículos automóveis), na sua redacção resultante da codificação n.° 222, de 14 de Abril de 1999, aplicável na altura dos factos na causa principal, prevê a cobrança de um imposto, denominado «imposto de registo», sobre os veículos automóveis novos. Este imposto, cobrado quando da primeira matrícula do veículo no território nacional, tem como base o preço de compra. A sua taxa é de 105% sobre um primeiro escalão fixado anualmente e de 180% sobre o restante do preço. Em 1999, o primeiro escalão era de 52 800 DKK.

10 Além disso, o preço que serve de matéria colectável ao imposto inclui já 25% de imposto sobre o valor acrescentado, assim como uma majoração forfetária de 9% para ter em conta a margem do distribuidor, seja qual for a margem efectivamente cobrada por este último.

11 Resulta dos autos que o objectivo principal do imposto de registo é alimentar os recursos fiscais, se bem que outras considerações tais como a protecção do ambiente e a segurança rodoviária também possam estar na base da sua cobrança.

12 Sendo o imposto cobrado quando da primeira matrícula do veículo na Dinamarca, mas não quando das posteriores revendas, é igualmente cobrado quando da importação na Dinamarca de um veículo usado.

13 Antes de 1990, o imposto de registo era aplicado aos veículos usados importados de uma forma que não reflectia de maneira adequada a depreciação do seu valor. Assim, no acórdão de 11 de Dezembro de 1990, Comissão/Dinamarca (C-47/88, Colect., p. I-4509), o Tribunal de Justiça declarou que, ao cobrar um imposto de registo sobre os automóveis usados importados baseado num valor fixo superior ao valor real do veículo, o que tem como consequência que os automóveis usados importados são tributados de forma mais onerosa do que os automóveis usados vendidos na Dinamarca após aí terem sido previamente matriculados, o Reino da Dinamarca não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 95.° do Tratado CEE (que passou a artigo 95.° do Tratado CE, o qual por sua vez passou, após alteração, a artigo 90.° CE).

14 Na acção por incumprimento que deu lugar ao referido acórdão, a Comissão contestava igualmente a compatibilidade do imposto de registo dos veículos automóveis novos com o artigo 95.° do Tratado, tendo em vista em particular o seu nível muito elevado.

15 Todavia, o Tribunal de Justiça julgou improcedente esta alegação de incumprimento após ter considerado que o artigo 95.° do Tratado não podia ser invocado contra imposições internas que incidem sobre os produtos importados, na falta de produção nacional similar ou concorrente, e que, em particular, este artigo não permitia censurar o carácter excessivo do nível de tributação que os Estados-Membros poderão adoptar relativamente a determinados produtos na falta de qualquer efeito discriminatório ou protector (acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 10).

16 O Tribunal de Justiça sublinhou, no n.° 12 do acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, que, conforme já tinha decidido no acórdão de 4 de Abril de 1968, Stier (31/67, Colect. 1965-1968, p. 833), os Estados-Membros não podem fazer incidir sobre os produtos que, na falta de produção interna comparável, estão fora do âmbito de aplicação das proibições do artigo 95.° do Tratado impostos de um montante tal que a livre circulação de mercadorias no mercado comum fique comprometida no que se refere a esses produtos. Acrescentou todavia, no n.° 13 do acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, que tal prejuízo para a livre circulação de mercadorias só poderá ser apreciado eventualmente à luz do artigo 30.° do Tratado CEE (que passou a artigo 30.° do Tratado CE, o qual por sua vez passou, após alteração, a artigo 28.° CE) e dos artigos seguintes. Ora, a acção da Comissão no referido processo não era baseada nestes artigos.

O litígio na causa principal e as questões prejudiciais

17 Importa referir, a título liminar, que conforme resulta dos autos não existe na Dinamarca produção de veículos automóveis. Durante o período compreendido entre 1985 e 2000, o número total de veículos matriculados neste Estado-Membro passou de 1 501 000 para 1 854 000 e o número de novas matrículas oscilou entre 78 453 e 169 492 por ano.

18 Em Janeiro de 1999, a DBI comprou um veículo novo da marca Audi, destinado ao uso do seu director, por um preço total (incluindo despesas de entrega) de 498 546 DKK, sendo 297 456 DKK respeitantes ao imposto de registo.

19 Considerando que este imposto tinha sido cobrado em violação, nomeadamente, do artigo 28.° CE, a DBI requereu o seu reembolso às autoridades fiscais, invocando em particular os n.os 12 e 13 do acórdão Comissão/Dinamarca, já referido. Segundo a DBI, o montante exorbitante do imposto de registo tornava impossível a importação de veículos automóveis na Dinamarca em condições comerciais normais, em benefício das aquisições domésticas de veículos usados já matriculados, os quais deviam ser considerados produtos dinamarqueses, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 17, e de 3 de Fevereiro de 2000, Dounias, C-228/98, Colect., p. I-577, n.° 42).

20 O Skatteministerium respondeu que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdão Dounias, já referido, n.° 39), as contribuições fiscais não podem ser abrangidas pelo artigo 28.° CE, pois a licitude das imposições internas só pode ser apreciada à luz do artigo 90.° CE. Acrescentou que, no seu acórdão de 5 de Abril de 1990, Comissão/Grécia (C-132/88, Colect., p. I-1567, n.° 17), o Tribunal de Justiça declarou que, no estado actual do direito comunitário, os Estados-Membros têm a liberdade de sujeitar produtos, como os veículos, a um sistema de impostos cujo valor aumenta progressivamente em função de um critério objectivo e que o artigo 95.° do Tratado não permite impugnar o carácter excessivo do nível de tributação que os Estados-Membros possam estabelecer para determinados produtos com base em considerações de política social.

21 Segundo o Skatteministerium, a reserva formulada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 12 e 13 do acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, apenas visa os casos em que, como consequência de uma imposição interna, as trocas respeitantes ao produto em questão cessam ou representam um volume insignificante. Ora, o imposto de registo dos veículos automóveis não é proibitivo e o parque automóvel dinamarquês é comparável ao que existe noutros Estados-Membros.

22 Foi nestas condições que o Østre Landsret decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as duas questões prejudiciais seguintes:

«1) A cobrança dum imposto indirecto (um imposto de registo) por um Estado-Membro, que para automóveis novos se cifra em 105% até 52 800 DKK e 180% sobre o restante do valor tributável, pode constituir uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação e, portanto, proibida nos termos do artigo 28.° CE, conforme foi declarado pelo Tribunal de Justiça no n.° 13 do acórdão de 11 de Dezembro de 1990, Comissão/Dinamarca, C-47/88, Colect., p. I-4509?

2) Caso a resposta à questão 1) seja afirmativa, pode o imposto de registo ser justificado pelas razões referidas no artigo 30.° CE ou que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o artigo 28.° CE, conforme o acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe Zentral, [dito Cassis de Dijon,] 120/78, Colect., p. 327?»

Quanto à primeira questão prejudicial

23 Através da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, essencialmente, se o artigo 28.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe, em princípio, à cobrança de um imposto sobre a matrícula dos veículos automóveis novos tal como o imposto de registo em causa no processo principal.

Observações apresentadas ao Tribunal

24 A DBI alega, essencialmente, que o imposto de registo dinamarquês entrava a livre circulação de veículos novos uma vez que, em razão do seu montante exorbitante, impede a importação destas mercadorias na Dinamarca em condições comerciais normais, beneficiando assim as aquisições nacionais de veículos usados já matriculados na Dinamarca, os quais devem ser considerados produtos dinamarqueses. O referido imposto constitui assim uma restrição quantitativa à importação contrária ao artigo 28.° CE.

25 A recorrente na causa principal baseia a sua análise nos n.os 12 e 13 do acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, do qual resultaria que os impostos de um montante tal que comprometem a livre circulação de mercadorias podem ser apreciados à luz do artigo 28.° CE.

26 O Governo dinamarquês sustenta que o imposto de registo não pode ser considerado uma restrição quantitativa à importação proibida pelo artigo 28.° CE. Alega que a afirmação contida no n.° 13 do acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, nunca foi reiterada pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos posteriores. Pelo contrário, decorre de uma jurisprudência constante que os obstáculos de natureza fiscal à livre circulação de mercadorias devem ser apreciados à luz dos artigos 23.° CE a 25.° CE ou dos artigos 90.° CE a 93.° CE. Ora, no processo principal, o imposto de registo dos veículos automóveis novos, que é uma imposição interna, não é discriminatório em relação a produtos importados nem protector da produção interna, de forma que não é proibido pelo artigo 90.° CE.

27 De resto, se a Comissão considerasse que o imposto de registo é excessivamente elevado, incumbir-lhe-ia elaborar uma proposta de acto com fundamento no artigo 93.° CE, com vista a aproximar as legislações nacionais.

28 A título subsidiário, o Governo dinamarquês alega que o n.° 13 do acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, deve ser interpretado no sentido de que a proibição das restrições quantitativas à importação, prevista no artigo 28.° CE, apenas tem em vista as disposições fiscais que têm uma tal incidência sobre o comércio intracomunitário que este, no que se refere ao produto tributado, é reduzido a nada ou torna-se insignificante. Ora, tal não é o caso no processo principal, uma vez que o número de veículos automóveis por habitante na Dinamarca é comparável ao que se verifica nos outros Estados-Membros.

29 As observações dos Governos italiano e finlandês vão no mesmo sentido.

30 A Comissão considera que os obstáculos de natureza fiscal que não têm efeito equivalente a um direito aduaneiro são abrangidos, em princípio, pelo artigo 90.° CE, que é uma lex specialis no que se refere à proibição geral dos obstáculos ao comércio prevista no artigo 28.° CE. Os obstáculos de natureza fiscal não abrangidos pelo artigo 90.° CE - ou pelos artigos 23.° CE a 25.° CE - poderão portanto ser abrangidos pelo artigo 28.° CE quando comprometam a livre circulação de mercadorias. Em contrapartida, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um obstáculo de natureza fiscal não pode ser abrangido simultaneamente pelas duas disposições.

31 Consequentemente, compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, perante os factos da causa principal, se o imposto de registo dos veículos automóveis novos é de um nível tal que comprometa a livre circulação de mercadorias. A Comissão verifica, a este propósito, que resulta do despacho de reenvio que um número considerável de veículos automóveis é matriculado todos os anos na Dinamarca, que as variações do número de matrículas parecem unicamente conjunturais e que o número de veículos automóveis por habitante se situa ao mesmo nível que noutros países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Assim, não está demonstrado que a legislação dinamarquesa em causa no processo principal comprometa a livre circulação de mercadorias.

Resposta do Tribunal

32 Importa recordar que o campo de aplicação do artigo 28.° CE não contém os obstáculos referidos noutras disposições específicas e que os obstáculos de natureza fiscal ou de efeito equivalente a direitos aduaneiros referidos nos artigos 23.° CE, 25.° CE e 90.° CE não decorrem da proibição constante no artigo 28.° CE (v. acórdãos de 11 de Março de 1992, Compagnie commerciale de l'Ouest e o., C-78/90 a C-83/90, Colect., p. I-1847, n.° 20, e Dounias, já referido, n.° 39).

33 Além disso, no que se refere aos campos de aplicação respectivos dos artigos 25.° CE e 90.° CE, resulta de jurisprudência constante que as disposições relativas aos encargos de efeito equivalente e as relativas às imposições internas discriminatórias não são aplicáveis cumulativamente, de forma que uma mesma imposição não pode, no sistema do Tratado, ser incluída simultaneamente nestas duas categorias (v. acórdão de 23 de Abril de 2002, Nygård, C-234/99, Colect., p. I-3657, n.° 17).

34 No caso concreto, na medida em que um imposto sobre a matrícula dos veículos automóveis novos, tal como o imposto de registo dinamarquês em causa no processo principal, apresenta manifestamente um carácter fiscal e é cobrado não em razão da passagem da fronteira do Estado-Membro que o instituiu, mas na altura da primeira matrícula do veículo no território desse Estado, é de considerar que o mesmo se insere num regime geral de imposições internas sobre as mercadorias e, portanto, deve ser examinado na perspectiva do artigo 90.° CE.

35 A circunstância de esse imposto incidir de facto unicamente sobre veículos novos importados, em razão da inexistência de produção nacional, não pode conduzir a qualificá-lo como encargo de efeito equivalente na acepção do artigo 25.° CE, em vez de imposição interna, na acepção do artigo 90.° CE, uma vez que se insere num regime geral de imposições internas que abrange sistematicamente categorias de veículos segundo critérios objectivos aplicados independentemente da origem dos produtos (v., neste sentido, acórdão de 3 de Fevereiro de 1981, Comissão/França, 90/79, Recueil, p. 283, n.° 14).

36 Estando desta forma assente a aplicabilidade do artigo 90.° CE ao processo principal, importa recordar, em primeiro lugar, que, segundo os seus termos, este artigo proíbe que se façam incidir sobre os produtos de outros Estados-Membros imposições internas superiores às que incidam sobre os produtos nacionais similares ou imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções (v. acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 8).

37 Importa igualmente recordar que, conforme resulta do n.° 9 do acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, o artigo 90.° CE, no seu conjunto, tem como objectivo garantir a livre circulação de mercadorias entre os Estados-Membros em condições normais de concorrência, mediante a eliminação de quaisquer formas de protecção que possam resultar da aplicação de imposições internas discriminatórias em relação aos produtos originários de outros Estados-Membros. Assim, este artigo deve garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos nacionais e produtos importados.

38 Em contrapartida, o artigo 90.° CE não pode ser invocado contra imposições internas que incidem sobre os produtos importados, na falta de produção nacional similar ou concorrente. Em particular, este artigo não permite censurar o carácter excessivo do nível de tributação que os Estados-Membros poderão adoptar relativamente a determinados produtos na falta de qualquer efeito discriminatório ou protector (v. acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 10).

39 Ora, não existe actualmente na Dinamarca qualquer produção nacional de automóveis, conforme já foi afirmado no n.° 17 do presente acórdão, nem aliás de produtos susceptíveis de concorrência com os veículos automóveis. Nestas condições, há que concluir que o imposto de registo dinamarquês que incide sobre os veículos automóveis novos não é abrangido pelas proibições enunciadas no artigo 90.° CE.

40 É certo que, como a DBI recordou, o Tribunal de Justiça decidiu no n.° 12 do acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, que os Estados-Membros não podem fazer incidir sobre os produtos que, na falta de produção interna comparável, estão fora do âmbito de aplicação das proibições do artigo 90.° CE impostos de um montante tal que a livre circulação de mercadorias no mercado comum fique comprometida no que se refere a esses produtos.

41 Mas, quanto a este ponto, basta verificar que, em qualquer circunstância, os números comunicados pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto ao número de veículos novos matriculados na Dinamarca, e, portanto, importados neste Estado-Membro, não revelam de forma alguma que a livre circulação deste tipo de mercadorias entre a Dinamarca e os outros Estados-Membros esteja comprometida.

42 Nestas condições, não se pode considerar que um imposto como o imposto de registo dinamarquês tenha perdido a sua qualificação de imposição interna, na acepção do artigo 90.° CE, para ser analisado como uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, na acepção do artigo 28.° CE, nem há que examinar o alcance da reserva enunciada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 12 e 13 do acórdão Comissão/Dinamarca, já referido.

43 Em conclusão, deve responder-se à primeira questão prejudicial que:

- um imposto sobre a matrícula de veículos automóveis novos instituído por um Estado-Membro que não tem produção nacional de veículos, tal como o previsto na lov om registreringsafgift af motorkøretøjer (lei relativa ao imposto de registo de veículos automóveis), na sua redacção resultante da codificação n.° 222, de 14 de Abril de 1999, constitui uma imposição interna cuja compatibilidade com o direito comunitário deve ser examinada à luz não do artigo 28.° CE, mas do artigo 90.° CE;

- o artigo 90.° CE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um imposto como este.

Quanto à segunda questão prejudicial

44 Perante as considerações desenvolvidas no âmbito da primeira questão, não há que examinar as justificações avançadas a título subsidiário pelo Governo dinamarquês em apoio da compatibilidade do imposto de registo dinamarquês com o direito comunitário, de forma que a segunda questão fica destituída de objecto.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

45 As despesas efectuadas pelos Governos dinamarquês, italiano e finlandês, e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Østre Landsret, por despacho de 26 de Setembro de 2001, declara:

1) Um imposto sobre a matrícula de veículos automóveis novos instituído por um Estado-Membro que não tem produção nacional de veículos, tal como o previsto na lov om registreringsafgift af motorkøretøjer (lei relativa ao imposto de registo de veículos automóveis), na sua redacção resultante da codificação n.° 222, de 14 de Abril de 1999, constitui uma imposição interna cuja compatibilidade com o direito comunitário deve ser examinada à luz não do artigo 28.° CE, mas do artigo 90.° CE.

2) O artigo 90.° CE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um imposto como este.

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