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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62000CJ0156

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 13 de Março de 2003.
    Reino dos Países Baixos contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Anulação da Decisão da Comissão C(2000)485final - Dispensa do pagamento dos direitos de importação - Aperfeiçoamento activo - Falta de equivalência entre os produtos comunitários e os produtos importados.
    Processo C-156/00.

    Colectânea de Jurisprudência 2003 I-02527

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2003:149

    62000J0156

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 13 de Março de 2003. - Reino dos Países Baixos contra Comissão das Comunidades Europeias. - Anulação da Decisão da Comissão C(2000)485final - Dispensa do pagamento dos direitos de importação - Aperfeiçoamento activo - Falta de equivalência entre os produtos comunitários e os produtos importados. - Processo C-156/00.

    Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-02527


    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Partes


    No processo C-156/00,

    Reino dos Países Baixos, representado inicialmente por M. A. Fierstra, na qualidade de agente, depois por este e J. van Bakel, na qualidade de agente,

    recorrente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por C. van der Hauwaert e R. Tricot, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    recorrida,

    que tem por objecto a anulação da Decisão C (2000) 485 final da Comissão, de 23 de Fevereiro de 2000, que considerou, num caso concreto, que o pedido de dispensa de pagamento de direitos de importação era inadmissível em relação a um determinado montante e injustificado em relação a outro determinado montante,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Quinta Secção),

    composto por: C. W. A. Timmermans, presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, D. A. O. Edward, P. Jann, S. von Bahr (relator) e A. Rosas, juízes,

    advogado-geral: P. Léger,

    secretário: M.-F. Contet, administradora principal,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações das partes na audiência de 16 de Maio de 2002, na qual o Reino dos Países Baixos foi representado por N. A. J. Bel, na qualidade de agente, e a Comissão por H. M. H. Speyart, na qualidade de agente,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 11 de Julho de 2002,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de Abril de 2000, o Reino dos Países Baixos pediu, nos termos do artigo 230.º CE, a anulação da Decisão C (2000) 485 final da Comissão, de 23 de Fevereiro de 2000, que considerou, num caso concreto, que o pedido de dispensa de pagamento de direitos de importação era inadmissível em relação a um determinado montante e injustificado em relação a outro determinado montante (a seguir «decisão impugnada»).

    Enquadramento jurídico

    2 O Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «código aduaneiro»), codificou a regulamentação aplicável no domínio do direito aduaneiro comunitário. O código aduaneiro foi objecto de disposições de aplicação contidas no Regulamento (CEE) n.º 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.º 2913/92 (JO L 253, p. 1, a seguir «regulamento de aplicação»). Estes diplomas são aplicáveis desde 1 de Janeiro de 1994.

    3 A regulamentação anterior relevante, aplicável aos factos do processo ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1994, é adiante referida na parte do quadro jurídico relativa ao código aduaneiro ou na que diz respeito ao regulamento de aplicação.

    O código aduaneiro

    4 O artigo 220.º do código aduaneiro visa o eventual registo de liquidação de uma dívida aduaneira a posteriori. De acordo com o n.º 2, alínea b), do referido artigo, não se efectua um registo de liquidação a posteriori, salvo determinados casos não relevantes para o presente processo, quando:

    «o registo da liquidação do montante dos direitos legalmente devidos não tiver sido efectuado em consequência de um erro das próprias autoridades aduaneiras, que não podia ser razoavelmente detectado pelo devedor, tendo este, por seu lado, agido de boa-fé e observado todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor, no que se refere à declaração aduaneira.»

    5 O artigo 221.º, n.os 1 e 3, do código aduaneiro dispõe:

    «1. O montante dos direitos deve ser comunicado ao devedor, de acordo com modalidades adequadas, logo que o respectivo registo de liquidação seja efectuado.

    [...]

    3. A comunicação ao devedor não se poderá efectuar após o termo de um prazo de três anos a contar da data de constituição da dívida aduaneira. Todavia, se, em virtude de um acto passível de procedimento judicial repressivo, as autoridades aduaneiras não puderam determinar o montante exacto dos direitos legalmente devidos, a referida comunicação será efectuada, na medida em que as disposições em vigor o prevejam, após o termo desse prazo de três anos.»

    6 Quanto ao período anterior a 1 de Janeiro de 1994, a disposição correspondente ao referido artigo 221.º, n.os 1 e 3, constava do artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento (CEE) n.º 1697/79 do Conselho, de 24 de Julho de 1979, relativo à cobrança a posteriori dos direitos de importação ou dos direitos de exportação que não tenham sido exigidos ao devedor por mercadorias declaradas para um regime aduaneiro que implica a obrigação de pagamento dos referidos direitos (JO L 197, p. 1; EE 02 F6 p. 54). Esta disposição foi reproduzida, no essencial, pelo artigo 221.º, n.os 1 e 3, do código aduaneiro.

    7 Nos termos do artigo 239.º, n.º 1, segundo travessão, do código aduaneiro, pode proceder-se à dispensa de pagamento dos direitos de importação em situações «decorrentes de circunstâncias que não envolvam qualquer artifício ou negligência manifesta por parte do interessado». A dispensa do pagamento pode ficar subordinada a condições especiais.

    8 Nos termos do artigo 239.º, n.º 2, do código aduaneiro, «a dispensa do pagamento dos direitos pelos motivos indicados no n.º 1 será concedida mediante requerimento apresentado na estância aduaneira respectiva no prazo de doze meses a contar da data da comunicação dos referidos direitos ao devedor».

    9 O artigo 239.º do código aduaneiro substituiu o artigo 13.º do Regulamento (CEE) n.º 1430/79 do Conselho, de 2 de Julho de 1979, relativo ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de importação ou de exportação (JO L 175, p. 1; EE 02 F6 p. 36). Este artigo 13.º, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n.º 3069/86 do Conselho, de 7 de Outubro de 1986 (JO L 286, p. 1), previa no seu n.º 1, primeiro parágrafo:

    «Pode proceder-se ao reembolso ou à dispensa de pagamento dos direitos de importação em situações especiais que não sejam as previstas nas secções A a D que resultem de circunstâncias que não implicam artifício nem negligência manifesta por parte do interessado.»

    O regulamento de aplicação

    10 O artigo 569.º, n.º 1, do regulamento de aplicação prevê:

    «[...] para se recorrer à compensação pelo equivalente, as mercadorias equivalentes devem classificar-se no mesmo código de oito algarismos da Nomenclatura Combinada, apresentar a mesma qualidade comercial e possuir as mesmas características técnicas que as mercadorias de importação».

    11 Antes da entrada em vigor do regulamento de aplicação, a disposição correspondente ao referido artigo 569.º, n.º 1, era o artigo 9.º do Regulamento (CEE) n.º 2228/91 da Comissão, de 26 de Junho de 1991, que estabelece certas disposições de execução do Regulamento (CEE) n.º 1999/85 do Conselho, relativo ao regime de aperfeiçoamento activo (JO L 210, p. 1), cujos termos foram essencialmente reproduzidos no regulamento de aplicação.

    12 O artigo 589.º, n.º 1, do regulamento de aplicação prevê:

    «A constituição de uma dívida aduaneira relativa aos produtos compensadores ou às mercadorias no seu estado inalterado dá lugar ao pagamento de juros compensatórios sobre o montante dos direitos de importação devidos.»

    13 Segundo o artigo 589.º, n.º 2, quinto travessão, do regulamento de aplicação, a dívida aduaneira não dá lugar ao pagamento de tais juros, «no caso de o titular da autorização [de aperfeiçoamento activo] solicitar a introdução em livre prática e fornecer a prova de que circunstâncias especiais que não implicaram qualquer negligência ou artifício da sua parte tornaram impossível ou economicamente impossível efectuar a exportação planeada nas condições que havia previsto, e forem devidamente justificadas aquando da entrega do pedido de autorização».

    14 O artigo 589.º, n.º 3, do regulamento de aplicação define o procedimento a seguir para beneficiar das disposições do n.º 2, quinto travessão, deste artigo. Nos termos desse procedimento, o pedido deve ser dirigido às autoridades aduaneiras indicadas pelo Estado-Membro que emitiu a autorização de aperfeiçoamento activo. Estas são competentes para conceder a dispensa do pagamento de juros compensatórios quando o montante que serve de base ao cálculo dos juros não exceda um determinado valor. Para além desse valor e na medida em que decidam deferir favoravelmente o pedido apresentado, as autoridades aduaneiras transmitirão o pedido à Comissão, acompanhado do processo contendo todos os elementos necessários a um exame completo, para que esta decida quanto ao seguimento a dar a esse pedido.

    15 Antes da entrada em vigor do regulamento de aplicação, as disposições correspondentes ao referido artigo 589.º, n.os 1, 2 e 3, figuravam no artigo 62.º, n.os 1, 2 e 3, do Regulamento n.º 2228/91, cujos termos foram reproduzidos quanto ao essencial no regulamento de aplicação.

    16 O artigo 859.º do regulamento de aplicação, constante da parte IV, intitulada «Dívida aduaneira», prevê sete incumprimentos sem reais consequências sobre o funcionamento correcto do regime aduaneiro desde que não constituam uma tentativa de subtracção da mercadoria à fiscalização aduaneira, que não impliquem negligência manifesta por parte do interessado e que sejam cumpridas a posteriori todas as formalidades necessárias à regularização da situação da mercadoria. Esses incumprimentos são enumerados e compreendem, nomeadamente, a extinção de certos prazos, o transporte não autorizado de uma mercadoria sujeita a um regime aduaneiro e a saída da mercadoria do território aduaneiro da Comunidade sem cumprimento das formalidades necessárias.

    17 Nos termos do artigo 905.º, n.º 1, primeiro parágrafo, do regulamento de aplicação, relativo às decisões a adoptar pela Comissão no âmbito da aplicação do artigo 239.º do código aduaneiro:

    «Sempre que a autoridade aduaneira decisória, à qual foi apresentado o pedido [...] de dispensa do pagamento em conformidade com o n.º 2 do artigo 239.º do código [aduaneiro], não puder decidir [...] e o pedido se apresentar acompanhado de justificações susceptíveis de constituir uma situação especial resultante de circunstâncias que não impliquem nem artifício nem negligência manifesta por parte do interessado, o Estado-Membro a que pertence esta autoridade transmitirá o caso à Comissão para que seja tratado de acordo com o procedimento previsto nos artigos 906.º a 909.º»

    18 Em conformidade com o artigo 907.º do regulamento de aplicação, a Comissão adoptará uma decisão que estabeleça que a situação especial analisada justifica, ou não, a concessão da dispensa do pagamento.

    19 O artigo 908.º, n.º 2, do regulamento de aplicação prevê que, com base na decisão da Comissão, a autoridade aduaneira competente decidirá do pedido que lhe foi apresentado.

    20 Antes da entrada em vigor do regulamento de aplicação, as disposições correspondentes aos referidos artigos 905.º, 907.º e 908.º figuravam respectivamente nos artigos 6.º, 8.º e 9.º do Regulamento (CEE) n.º 3799/86 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1986, que fixa as disposições de aplicação dos artigos 4.º-A, 6.º-A, 11.º-A e 13.º do Regulamento n.º 1430/79 (JO L 352, p. 19). O regulamento de aplicação reproduziu no essencial os termos dos referidos artigos 6.º, 8.º e 9.º do Regulamento n.º 3799/86.

    O enquadramento factual e a decisão impugnada

    21 A empresa de direito neerlandês Cargill BV (a seguir «Cargill») dedica-se ao fabrico de amido e de xarope de glicose. Esta empresa dispunha de uma autorização de aperfeiçoamento activo que lhe permitia importar milho de países terceiros com isenção do pagamento de direitos, sob condição de que o milho fosse transformado em glicose, produto compensador principal, assim como em determinados outros produtos compensadores secundários, e exportar esses produtos para fora do território aduaneiro da Comunidade. No decurso dos anos de 1992 a 1994, a Cargill introduziu 65 000 t de milho sob o regime aduaneiro de aperfeiçoamento activo.

    22 Ao abrigo da autorização de aperfeiçoamento activo que lhe foi concedida, a Cargill podia utilizar uma mercadoria comunitária equivalente ao milho importado de países terceiros para produzir glicose destinada à exportação.

    23 Por ocasião de controlos efectuados em 1994 e 1995, a Inspecção Geral do Ministério da Agricultura, do Património Natural e da Pesca (a seguir «Inspecção Geral») verificou que o produto compensador principal exportado pela Cargill não tinha sido completamente obtido a partir de milho importado, mas sim a partir de 25% de milho importado e de 75% de trigo de origem comunitária. Ora, estes dois produtos não são classificados na mesma suposição pautal do código da nomenclatura combinada.

    24 Após estes controlos, as autoridades neerlandesas interrogaram a Comissão sobre se esta admitia a equivalência entre o milho importado de países terceiros e o trigo originário da Comunidade. Por carta de 23 de Novembro de 1995, a Comissão respondeu que não podia admitir tal equivalência, salientando, designadamente, as diferenças de protecção pautal aplicáveis aos dois produtos em causa.

    25 Por carta de 18 de Novembro de 1996, a Comissão solicitou à administração neerlandesa que verificasse todas as colocações sob o regime de aperfeiçoamento activo operadas no decurso dos anos de 1992 a 1995 em proveito da Cargill e que a informasse novamente das situações de irregularidade ou de fraude.

    26 Por carta de 3 de Dezembro de 1996, as autoridades neerlandesas comunicaram à Cargill o montante dos direitos de importação devidos por esta relativamente aos anos de 1992 a 1994, acrescido dos juros compensatórios, ou seja, um valor que ascendia a 17 491 244,45 NLG.

    27 A Cargill reclamou junto das autoridades aduaneiras competentes da tributação notificada. Além disso, solicitou às referidas autoridades a suspensão da cobrança da dívida aduaneira em contrapartida da constituição de uma garantia num montante equivalente à tributação, pedido que foi deferido.

    28 Em 2 de Dezembro de 1997, a Cargill apresentou às referidas autoridades um pedido de reembolso ou de dispensa de pagamento dos direitos de importação.

    29 Por carta de 22 de Abril de 1999, o Governo neerlandês comunicou esse pedido à Comissão, a qual, após uma análise completa do processo, adoptou a decisão impugnada.

    30 No n.º 14 da decisão impugnada, a Comissão afirma, em primeiro lugar, que o pedido de dispensa é inadmissível, na medida em que diz respeito a juros compensatórios no montante de 732 093,78 NLG. Refere que estes não são parte integrante da dívida aduaneira e que não lhe compete, por isso, pronunciar-se quanto à eventual dispensa do respectivo pagamento. Considera que essa decisão compete às autoridades nacionais.

    31 Em segundo lugar, no n.º 15 da decisão impugnada, a Comissão declara que o pedido também é inadmissível na medida em que diz respeito aos direitos, no montante de 15 679 301,49 NLG, relativos a importações efectuadas antes de 3 de Dezembro de 1993, ou seja, mais de três anos antes da comunicação dirigida à Cargill em 3 de Dezembro de 1996 pelas autoridades aduaneiras neerlandesas. De acordo com a Comissão, estes direitos prescreveram, em conformidade com o artigo 221.º, n.º 3, do código aduaneiro, e já não podem ser reclamados à empresa interessada.

    32 Em terceiro lugar, decorre dos n.os 17 a 35 da decisão impugnada que o pedido de dispensa não é justificado, na medida em que diz respeito ao montante dos direitos que não estão abrangidos pela dívida aduaneira prescrita, ou seja, uma quantia de 1 079 849,18 NLG. A Comissão reconhece que a prática seguida pela Cargill não era conforme com as disposições regulamentares em vigor, nem com os próprios termos da autorização de aperfeiçoamento activo de que era titular. Afirma que o trigo comunitário não pode ser utilizado a título de compensação pelo equivalente no âmbito de uma autorização de aperfeiçoamento activo relativa à transformação de milho em glicose.

    33 Em contrapartida, a Comissão reconhece que as outras regras aduaneiras em causa foram respeitadas. Verifica igualmente que as autoridades aduaneiras competentes não contestaram, durante vários anos e relativamente a quantidades importantes de mercadorias, a prática seguida pela Cargill. A Comissão considera que o conjunto de circunstâncias é susceptível de originar uma situação especial na acepção do artigo 239.º do código aduaneiro. No entanto, salienta que tal situação só pode originar uma dispensa de pagamento de direitos de importação na condição de o interessado demonstrar não ter agido com artifício ou negligência manifesta.

    34 Ora, a Comissão verifica que, embora a Cargill não tenha utilizado qualquer artifício, demonstrou, em contrapartida, ter agido com manifesta negligência.

    Observações preliminares

    35 Importa verificar, a título preliminar, que uma parte os factos do presente processo aos quais está associada a dívida aduaneira ocorreram antes de 1 de Janeiro de 1994, ou seja, antes da entrada em vigor do código aduaneiro e do regulamento de aplicação e, outra parte, após essa data.

    36 Cabe, por conseguinte, referir não apenas esses dois textos, mas, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, no que diz respeito ao período anterior a 1 de Janeiro de 1994, às normas substantivas contidas na regulamentação anterior ao código aduaneiro (v. acórdão de 7 de Setembro de 1999, De Haan, C-61/98, Colect., p. I-5003, n.º 14).

    Quanto ao primeiro fundamento

    Argumentos das partes

    37 No primeiro fundamento, o Reino dos Países Baixos sustenta que a decisão impugnada viola o artigo 589.º do regulamento de aplicação e, a título subsidiário, o dever de fundamentação consagrado no artigo 253.º CE, na medida em que declara inadmissível a parte do pedido relativa aos juros compensatórios.

    38 O Reino dos Países Baixos alega que, de acordo com o disposto no artigo 589.º, n.º 1, do regulamento de aplicação, a constituição de uma dívida aduaneira relativa aos produtos compensadores dá lugar ao pagamento de juros compensatórios sobre o montante dos direitos de importação devidos. Acrescenta que, por força do n.º 3 do mesmo artigo, as autoridades aduaneiras que, em certas circunstâncias, entendam que se deve deferir um pedido com vista a não aplicar tais juros, devem transmitir este último à Comissão. Se esta última não manifestar objecções no prazo de dois meses a contar da data em que acusou a recepção do referido pedido, o Estado-Membro em questão concede a dispensa.

    39 Daí resulta que os juros compensatórios fazem parte da dívida aduaneira e que a Comissão não podia, sem proceder a um exame complementar ou, pelo menos, sem outro fundamento, decidir que o pedido de dispensa de pagamento do montante dos juros compensatórios era inadmissível.

    40 O Reino dos Países Baixos acrescenta que, por força do artigo 239.º do código aduaneiro, a Comissão tem a faculdade de autorizar a dispensa de pagamento dos direitos de importação e que tal decisão acarreta igualmente consequências para os juros compensatórios que daí decorrem.

    41 A Comissão sustenta, em contrapartida, que não é competente para se pronunciar sobre um pedido de dispensa de pagamento de juros compensatórios.

    42 Sublinha, em primeiro lugar, que a expressão «dá lugar» que figura no artigo 589.º, n.º 1, do regulamento de aplicação, disposição que dispõe que «a constituição de uma dívida aduaneira relativa aos produtos compensadores ou às mercadorias no seu estado inalterado dá lugar ao pagamento de juros compensatórios sobre o montante dos direitos de importação devidos», implica que os juros em causa não são parte integrante da dívida aduaneira tal como esta é definida em direito comunitário.

    43 A Comissão alega, em seguida, que decorre do artigo 589.º, n.º 3, do regulamento de aplicação que apenas é competente para se pronunciar sobre um pedido de dispensa de pagamento de juros compensatórios no caso previsto no n.º 2, quinto travessão, da referida disposição, ou seja, quando a dívida aduaneira se constitui por força da colocação em livre prática das mercadorias em causa. Ora, não é esse o caso em apreço, já que não se contesta que o milho importado foi reexportado para fora do território aduaneiro da Comunidade, após se ter procedido à sua transformação em glicose.

    44 Por último, no que diz respeito ao artigo 239.º do código aduaneiro, a Comissão sustenta que é verdade que, nos termos dessa disposição, é competente para se pronunciar sobre a dispensa de pagamento de uma dívida aduaneira. Em contrapartida, não lhe compete, por força da mesma disposição, pronunciar-se sobre a eventual dispensa de pagamento dos juros compensatórios, uma vez que, segundo a própria, estes não são parte integrante da dívida aduaneira. A Comissão considera que, de acordo com a repartição de competências prevista pelo direito aduaneiro comunitário, em princípio, compete às autoridades nacionais adoptar as decisões individuais, excepto quando lhe for atribuída uma competência específica.

    Apreciação do Tribunal

    45 Cabe referir, em primeiro lugar, que o artigo 589.º, n.º 1, do regulamento de aplicação estabelece a regra geral de que a constituição de uma dívida aduaneira relativa aos produtos compensadores dá lugar ao pagamento de juros compensatórios sobre o montante dos direitos de importação devidos.

    46 O artigo 589.º, n.º 2, do regulamento de aplicação define excepções à regra geral. O Reino dos Países Baixos baseia-se na excepção prevista no quinto travessão desta disposição, bem como no procedimento aplicável para dela beneficiar, que consta do n.º 3 do mesmo artigo, para concluir que incumbia à Comissão pronunciar-se sobre o pedido de dispensa de pagamento dos juros compensatórios.

    47 Contudo, há que referir que o procedimento estabelecido no referido n.º 3, que prevê de facto, em certos casos, a participação da Comissão, apenas tem em vista as situações em que a mercadoria é colocada em livre prática na Comunidade. Como a Comissão correctamente afirma, está apurado que a mercadoria em causa não foi colocada em livre prática, mas foi exportada para fora do território aduaneiro comunitário. Em consequência, a disposição invocada pelo Reino dos Países Baixos em apoio do seu primeiro fundamento não é aplicável no caso em apreço e, por conseguinte, não é relevante.

    48 Em seguida, no que diz respeito ao artigo 239.º do código aduaneiro, deve-se referir que o simples facto de a eventual dispensa de pagamento dos direitos de importação, na sequência de uma decisão da Comissão adoptada com fundamento nos artigos 905.º e 907.º do regulamento de aplicação, tem consequências sobre os juros compensatórios aplicados a esses direitos pelas autoridades aduaneiras competentes não implica, de modo algum, que a Comissão tenha a possibilidade de proceder à dispensa de pagamento desses juros.

    49 Há que considerar, pelo contrário, que, nos termos do artigo 905.º do regulamento de aplicação, a Comissão apenas é competente para adoptar uma decisão a respeito da dispensa de pagamento de direitos de importação, não podendo pronunciar-se sobre os juros compensatórios. A solução quanto aos referidos juros, aplicados pelas autoridades aduaneiras em conformidade com as disposições do artigo 589.º, n.º 1, do regulamento de aplicação, segue, simplesmente, a solução dada aos direitos de importação, sem que haja lugar à adopção pela Comissão de uma decisão a esse respeito.

    50 Este raciocínio aplica-se mutatis mutandis à regulamentação aplicável ao período anterior a 1 de Janeiro de 1994, ou seja, os artigos 62.º, n.os 1, 2 e 3, do Regulamento n.º 2228/91, 13.º do Regulamento n.º 1430/79, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.º 3069/86, bem como 6.º e 8.º do Regulamento n.º 3799/86.

    51 Em consequência, ao contrário do que o Reino dos Países Baixos sustenta, a Comissão esteve correcta no n.º 14 da decisão impugnada, ao declarar inadmissível o pedido de dispensa de pagamento dos juros compensatórios.

    52 Por último, quanto à acusação de alegada insuficiência de fundamentação da decisão impugnada à luz das exigências do artigo 253.º CE, cabe referir que o Reino dos Países Baixos limitou-se a alegar essa insuficiência sem, de alguma forma, a fundamentar. Em qualquer caso, resulta do n.º 14 da decisão impugnada que a Comissão indica as razões pelas quais considerou inadmissível o pedido de dispensa de pagamento dos juros compensatórios e precisa, em particular, que não poderia decidir quanto à eventual dispensa do seu pagamento, competindo às autoridades aduaneiras nacionais pronunciar-se a esse respeito. Por conseguinte, a invocação de uma alegada falta de fundamentação da decisão impugnada não pode proceder.

    53 Há, portanto, que declarar improcedente o primeiro fundamento.

    Quanto ao segundo fundamento

    Argumentos das partes

    54 No segundo fundamento, o Reino dos Países Baixos sustenta que a decisão impugnada viola o artigo 221.º do código aduaneiro, ao declarar inadmissível, com fundamento na prescrição, o pedido de dispensa na medida em que é respeitante ao pagamento dos direitos de importação devidos relativamente ao período anterior a 3 de Dezembro de 1993.

    55 O Reino dos Países Baixos considera que a Comissão faz uma interpretação errada do artigo 221.º do código aduaneiro e esquece que a questão da prescrição de uma dívida aduaneira é da competência dos tribunais nacionais e não da Comissão.

    56 Esta última não teve em consideração o facto de os próprios termos do artigo 221.º, n.º 3, do código aduaneiro indicarem que se, em virtude de um acto passível de procedimento judicial repressivo, as autoridades aduaneiras não puderem determinar o montante exacto dos direitos legalmente devidos, a comunicação do montante dos direitos ao devedor poderá ser efectuada após o termo do prazo de prescrição de três anos a contar da data de constituição da dívida aduaneira.

    57 Compete ao tribunal nacional ao qual foi submetido o recurso contra a comunicação do montante da dívida aduaneira decidir se estão reunidas as condições que permitem proceder a tal comunicação após o termo do referido prazo de três anos previsto no artigo 221.º, n.º 3, último período, do código aduaneiro. A prescrição e, especialmente, a possibilidade da sua interrupção, assim como a forma como essa interrupção se pode eventualmente produzir, não são matérias reguladas pelo direito comunitário, mas fazem parte do poder de apreciação do órgão jurisdicional nacional.

    58 O Reino dos Países Baixos não partilha do ponto de vista da Comissão, segundo o qual as decisões de dispensa devem ter por objecto dívidas aduaneiras que possam efectivamente ser cobradas. Nenhum fundamento jurídico permite justificar tal interpretação.

    59 Também não decorre do artigo 908.º, n.º 2, do regulamento de aplicação que a Comissão pode decidir se a dívida aduaneira está ou não prescrita nem que esta dispõe de tal competência.

    60 A Comissão sustenta que uma decisão na acepção do artigo 239.º do código aduaneiro, em conjugação com o artigo 905.º do regulamento de aplicação, deve ser respeitante a uma dívida aduaneira que possa ser efectivamente cobrada e não a casos teóricos ou hipotéticos. Alega que, quando examina um pedido de dispensa e verifica, com base em dados que lhe tenham sido comunicados, que os direitos de importação ou não existem ou deixaram de existir, ou ainda que não podem ou deixaram de poder ser efectivamente cobrados, por exemplo porque foram liquidados ou comunicados após o termo do prazo de prescrição, a Comissão deve ter a faculdade de não adoptar uma decisão a seu respeito, declarando o pedido inadmissível.

    61 A Comissão refere que decorre do processo nacional que as condições definidas no artigo 221.º, n.º 3, segundo período, do código aduaneiro não foram preenchidas. Ora, quando é manifesto, como no processo em apreço, que o pedido de dispensa é relativo a um montante de direitos de importação que já não pode ser legalmente comunicado ao devedor, não podendo, portanto, ser legalmente cobrado, a Comissão não deve decidir o pedido de dispensa relativo a esses direitos, devendo antes indeferi-lo com base em inadmissibilidade.

    Apreciação do Tribunal

    62 Nos termos do artigo 221.º, n.º 1, do código aduaneiro, a comunicação ao devedor do montante dos direitos por ele devidos deve ser feita de acordo com modalidades adequadas logo que o registo de liquidação seja efectuado. Por força do n.º 3 da mesma disposição, a comunicação deve respeitar o prazo de prescrição de três anos que começa a correr a contar da data da constituição da dívida aduaneira, excepto se, em virtude de um acto passível de procedimento judicial repressivo, as autoridades aduaneiras não puderam determinar o montante exacto dos direitos legalmente devidos.

    63 Decorre da economia do capítulo do código aduaneiro dedicado à cobrança do montante da dívida aduaneira, ou seja, o capítulo 3 do título VII desse código, onde está inserido o referido artigo 221.º relativo à comunicação da dívida ao devedor, que as regras previstas nesse capítulo são fundamentalmente dirigidas aos Estados-Membros e às respectivas autoridades aduaneiras.

    64 Na falta de qualquer disposição no código aduaneiro ou no regulamento de aplicação que atribua competência à Comissão quanto à aplicação da regra da prescrição, há que reconhecer que a aplicação dessa regra compete unicamente aos Estados-Membros e às respectivas autoridades competentes e que a Comissão não está habilitada a decidir a questão de saber se a cobrança da dívida aduaneira foi efectuada em conformidade com a referida regra.

    65 Assim, quando se pronuncia sobre um pedido de dispensa de pagamento de direitos de importação transmitido por um Estado-Membro, na sequência de um pedido apresentado pelo devedor desses direitos às autoridades aduaneiras competentes, a Comissão está obrigada a examinar esse pedido, sem que possa pôr em causa os prazos de cobrança da dívida estabelecidos pelas autoridades aduaneiras.

    66 No caso vertente, a Comissão não podia, assim, recusar-se a adoptar uma decisão relativamente ao pedido de dispensa ou a uma parte deste pelo facto de, segundo ela, os direitos reclamados terem sido comunicados tardiamente ao devedor, em violação do artigo 221.º, n.º 3, do código aduaneiro.

    67 Este raciocínio aplica-se mutatis mutandis à regulamentação aplicável ao período anterior a 1 de Janeiro de 1994, ou seja, o artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1697/79.

    68 Por conseguinte, é correcta a acusação do Reino dos Países Baixos segundo a qual a Comissão declarou inadmissível o pedido de dispensa por este dizer respeito aos direitos de importação devidos relativamente ao período anterior a 3 de Dezembro de 1993, ou seja, mais de três anos antes da comunicação à Cargill do montante dos direitos de importação devidos.

    69 Atendendo às considerações que precedem, cabe declarar procedente o segundo fundamento invocado pelo Reino dos Países Baixos e anular o artigo 1.º, ponto 1, da parte dispositiva da decisão impugnada, na medida em que declara inadmissível o pedido de dispensa de pagamento dos direitos de importação, que ascendem a 15 679 301,49 NLG, apresentado pela Cargill e transmitido à Comissão em 22 de Abril de 1999 pelo Reino dos Países Baixos.

    Quanto ao terceiro fundamento

    Argumentos das partes

    70 No terceiro fundamento, o Reino dos Países Baixos sustenta que a decisão impugnada viola os artigos 239.º do código aduaneiro e 905.º do regulamento de aplicação. Alega, a título subsidiário, que a decisão viola também o princípio da proporcionalidade e, a título ainda mais subsidiário, que não respeita o dever de fundamentação consagrado no artigo 253.º CE.

    71 O Reino dos Países Baixos não contesta a apreciação da Comissão segundo a qual as condições de compensação pelo equivalente não estavam preenchidas.

    72 Em contrapartida, o Reino dos Países Baixos contesta a afirmação da Comissão segundo a qual a Cargill agiu com negligência manifesta. Embora esta última possua, é certo, uma vasta experiência profissional em matéria de produtos agrícolas, daí não resulta necessariamente que devia saber que não podia utilizar trigo em vez de milho para fabricar a glicose destinada à exportação.

    73 Em primeiro lugar, a Comissão exige à Cargill conhecimentos mais vastos do que aqueles que os funcionários aduaneiros possuíam. Com efeito, como a própria Comissão salientou, as autoridades aduaneiras competentes não suscitaram qualquer objecção às transacções da interessada, quando estas ocorreram durante vários anos.

    74 Em segundo lugar, o Reino dos Países Baixos alega que a Cargill podia legitimamente pensar que os produtos utilizados eram equivalentes, baseando-se no ponto de vista exposto pela Comissão numa carta de 15 de Dezembro de 1994 dirigida às autoridades neerlandesas, da qual resultava que duas qualidades diferentes de milho podiam considerar-se equivalentes para efeitos do fabrico de glucose. Seguindo este raciocínio, alega que lhe era permitido considerar que o milho e o trigo eram igualmente matérias-primas substituíveis.

    75 Em terceiro lugar, o Reino dos Países Baixos sustenta que o processo aplicado pela Cargill é usual na Europa. Não era, portanto, possível qualificar o comportamento da interessada de «negligente» e ainda menos acusá-la de negligência manifesta.

    76 O Reino dos Países Baixos considera que, em qualquer caso, a decisão impugnada viola o princípio da proporcionalidade, uma vez que o procedimento conduziu a uma dívida aduaneira de 17 491 244,45 NLG, ao passo que, na totalidade do período em causa, a Cargill obteve um lucro relativamente limitado, já que foi avaliado em 710 700 NLG. Acrescenta que a fundamentação da decisão impugnada é insuficiente, na medida em que não aborda a questão da proporcionalidade dos direitos reclamados.

    77 A Comissão sustenta que, a fim de determinar se a Cargill agiu com negligência manifesta, importa remeter para os critérios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa à aplicação dos artigos 220.º, n.º 2, e 239.º, n.º 1, do código aduaneiro.

    78 Os três critérios adequados são a natureza do erro, a experiência profissional dos operadores interessados e a diligência que estes manifestaram.

    79 No que diz respeito, em primeiro lugar, à natureza do erro, importa ter em conta o grau de complexidade da regulamentação.

    80 A este respeito, a Comissão considera que a legislação aplicável no caso vertente é muito simples. A questão determinante é a de saber se o trigo comunitário é um produto equivalente ao milho importado de países terceiros. Importa referir o artigo 114.º, n.º 2, alínea e), do código aduaneiro, em conjugação com o artigo 569.º, n.º 1, do regulamento de aplicação, e verificar, em particular, se as mercadorias originárias da Comunidade e as mercadorias importadas estão incluídas na mesma subposição pautal de oito algarismos do código da nomenclatura combinada.

    81 Ora, a Comissão verifica que as duas mercadorias em causa não estão incluídas na mesma subposição pautal e sublinha que a falta de equivalência dessas duas mercadorias era tanto mais manifesta quanto cada uma das autorizações de aperfeiçoamento activo concedidas à Cargill determinava expressamente que o regime de compensação pelo equivalente apenas era autorizado para o «milho que não fosse de semente». A autorização relativa ao período entre 1 de Janeiro de 1994 e 31 de Dezembro de 1995 menciona inclusivamente a subposição pautal em que se inclui este produto, ou seja, 1005 90 00.

    82 Por outro lado, a Comissão alega que está fora do contexto a referência do Reino dos Países Baixos à carta relativa à utilização de categorias diferentes de milho para o fabrico de glucose que lhe tinha enviado. Recorda que, numa carta de 8 de Agosto de 1995, indicou que a equivalência deve ser apreciada não em função do produto acabado, ou seja, a glucose, mas em função da mercadoria de importação, isto é, o milho.

    83 No que diz respeito, em seguida, ao critério relativo à experiência profissional do operador, o Reino dos Países Baixos não contesta que a Cargill, uma empresa que faz parte de uma grande multinacional, participa em múltiplos regimes aduaneiros desde há vários anos, presumindo-se, por isso, que possui uma grande experiência profissional. Este critério estaria, assim, manifestamente preenchido.

    84 Por último, quanto ao critério relativo à diligência do operador económico, a Comissão alega que, mesmo depois de as autoridades aduaneiras competentes terem chamado a atenção da Cargill para a interpretação da legislação aplicável, esta empresa não lhes pediu que o respectivo ponto de vista lhe fosse transmitido por escrito. Sublinha que tudo parece indicar que a Cargill recorreu à prática incriminada de forma ainda mais intensiva, mesmo depois de tomar conhecimento, no decurso do primeiro semestre de 1994, das críticas das autoridades aduaneiras. Assim, em Agosto de 1994, foram importados lotes importantes de milho para transformação ao abrigo do regime de aperfeiçoamento activo. Segundo a Comissão, esta atitude resulta de uma negligência manifesta, apesar de a acção das autoridades neerlandesas suscitar igualmente algumas questões.

    85 A Comissão contesta a argumentação do Reino dos Países Baixos, relativa às exigências impostas aos importadores, alegadamente mais estritas que as impostas às autoridades aduaneiras, baseando-se na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    86 Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, a Comissão remete para os artigos 859.º e 860.º do regulamento de aplicação, tal como interpretados pelo Tribunal de Justiça. Não estando os factos do processo abrangidos por um dos casos enumerados taxativamente no referido artigo 859.º, a pretensão do Reino dos Países Baixos é improcedente.

    87 A Comissão contesta igualmente a alegada falta de fundamentação da decisão impugnada, baseando-se nas disposições do artigo 253.º CE tais como interpretadas pelo Tribunal de Justiça.

    88 Em resposta à alegada falta de diligência da Cargill, o Reino dos Países Baixos alega que o inquérito efectuado pela Inspecção Geral dizia respeito ao período compreendido entre Abril e Outubro de 1994. Em 16 de Junho de 1994, o controlador dirigiu à autoridade competente um pedido de interpretação da regulamentação em causa a respeito da equivalência entre o milho e o trigo. Obteve uma resposta por escrito em 29 de Junho de 1994. Em 5 de Outubro de 1994, o controlador discutiu com a Cargill, pela primeira vez, as conclusões do seu inquérito. Ora, o último lote de milho foi colocado sob o regime de aperfeiçoamento activo, com a aplicação da regra da equivalência, em último lugar em 16 de Agosto de 1994. Por outro lado, por carta de 11 de Janeiro de 1995, a autoridade competente comunicou à Cargill as modalidades segundo as quais o regime de aperfeiçoamento activo devia ser aplicado, tendo aquelas sido aplicadas a partir de 15 de Junho de 1995. A conclusão da Comissão de que a atitude da Cargill resulta de negligência manifesta seria, assim, improcedente.

    89 Quanto ao pedido de dispensa parcial de pagamento do montante dos direitos reclamados em virtude do seu carácter desproporcionado, o Reino dos Países Baixos alega que o pedido não se fundamenta nas disposições do artigo 859.º do regulamento de aplicação, mas na equidade, esta última baseada nas disposições do artigo 239.º, n.º 1, do código aduaneiro e 905.º, n.º 1, do regulamento de aplicação.

    Apreciação do Tribunal

    90 Há que apreciar separadamente as duas partes do fundamento, a relativa à inexistência de negligência manifesta por parte da Cargill e a respeitante à violação do princípio da proporcionalidade bem como à falta de fundamentação da decisão impugnada.

    Quanto à inexistência de negligência manifesta

    91 Cabe recordar, a título preliminar, que o reembolso ou a dispensa do pagamento dos direitos de importação ou dos direitos de exportação, que só podem ser concedidos em determinadas condições e em casos especificamente previstos, constituem uma excepção ao regime normal das importações e das exportações e, consequentemente, que as disposições que prevêem um tal reembolso ou uma tal dispensa de pagamento são de interpretação estrita (acórdão de 11 de Novembro de 1999, Söhl & Söhlke, C-48/98, Colect., p. I-7877, n.º 52).

    92 A fim de apreciar se a Cargill agiu com «negligência manifesta», na acepção do artigo 239.º, n.º 1, segundo travessão, do código aduaneiro, há que aplicar, por analogia, como o Tribunal de Justiça já declarou, os critérios utilizados no âmbito do artigo 220.º do código aduaneiro, para verificar a natureza detectável, por um operador económico, de um erro cometido pela autoridade aduaneira (v. acórdão Söhl & Söhlke, já referido, n.os 55 e 56). Por conseguinte, a Comissão agiu correctamente ao aplicar tais critérios no caso vertente.

    93 Quanto ao primeiro critério, relativo à complexidade da regulamentação aplicável, cabe referir a definição do conceito de mercadorias equivalentes tal como figura no artigo 569.º, n.º 1, do regulamento de aplicação. Nos termos desta disposição, as mercadorias devem pertencer à mesma subposição pautal de oito algarismos do código da nomenclatura combinada, ter a mesma qualidade comercial e possuir as mesmas características técnicas que as mercadorias de importação. Como decorre do acórdão de 13 de Março de 1997, Eridania Beghin-Say (C-103/96, Colect., p. I-1453, n.º 23), estas três condições são cumulativas.

    94 Há que reconhecer que esta regulamentação não era difícil de aplicar no caso em apreço, já que bastava verificar que as mercadorias em causa, ou seja, o milho importado de países terceiros e o trigo de origem comunitária, não pertenciam à mesma subposição pautal, para daí concluir que não se tratavam de mercadorias equivalentes.

    95 Em consequência, a argumentação do Reino dos Países Baixos, relativa à alegada complexidade da regulamentação aplicável, não é procedente.

    96 No que diz respeito ao segundo critério, relativo à experiência do operador, há que concluir, como a Comissão correctamente refere, que a Cargill é uma empresa multinacional que está habituada a aplicar há vários anos a regulamentação aduaneira e, nomeadamente, as regras relativas aos diferentes regimes aduaneiros.

    97 Daí resulta que este segundo critério está manifestamente preenchido.

    98 Quanto ao terceiro critério, relativo à diligência do operador, importa referir que, dada a simplicidade da regulamentação aplicável no caso vertente, a falta de equivalência entre as mercadorias em causa não deveria escapar à vigilância de um operador experimentado como a Cargill. O Reino dos Países Baixos não pode, assim, utilmente invocar a falta de observações das autoridades aduaneiras competentes durante um longo período.

    99 Por outro lado, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando tenha dúvidas quanto à exactidão da classificação pautal das mercadorias em causa, o agente económico deve informar-se e procurar todos os esclarecimentos possíveis para verificar se as dúvidas se justificam ou não (v. acórdãos de 26 de Junho de 1990, Deutsche Fernsprecher, C-64/89, Colect., p. I-2535, n.º 22, e de 1 de Abril de 1993, Hewlett Packard France, C-250/91, Colect., p. I-1819, n.º 24).

    100 No caso vertente, parece pouco provável que a Cargill pudesse ter dúvidas quanto à não equivalência das mercadorias em causa. De qualquer forma, se fosse esse o caso, incumbia-lhe procurar todos os esclarecimentos possíveis para verificar se as suas dúvidas eram ou não fundadas.

    101 Há que reconhecer que, ao não efectuar essas investigações e ao esperar simplesmente uma reacção das autoridades aduaneiras neerlandesas para alterar as modalidades de colocação das suas mercadorias sob o regime de aperfeiçoamento activo, a Cargill não agiu com a diligência exigida.

    102 Por conseguinte, deve considerar-se que a Comissão não violou os artigos 239.º do código aduaneiro e 905.º do regulamento de aplicação ao entender, no n.º 26 da decisão impugnada, que a Cargill tinha agido com negligência manifesta.

    103 Esta conclusão impõe-se mutatis mutandis quanto à regulamentação aplicável ao período anterior a 1 de Janeiro de 1994, ou seja, os artigos 13.º do Regulamento n.º 1430/79, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.º 3069/86, e 6.º do Regulamento n.º 3799/86.

    Quanto à violação do princípio da proporcionalidade e à falta de fundamentação da decisão impugnada

    104 Segundo o Reino dos Países Baixos, ao não reconhecer que os direitos reclamados à Cargill eram desproporcionados em relação à vantagem por esta obtida e que aqueles deviam ser objecto de uma dispensa parcial, a Comissão desrespeitou o princípio da proporcionalidade e, deste modo, as disposições do artigo 239.º do código aduaneiro, em conjugação com as do artigo 905.º do regulamento de aplicação.

    105 A este respeito, importa referir que o artigo 239.º do código aduaneiro, em conjugação com o artigo 905.º do regulamento de aplicação, não exige, de modo algum, que o montante dos direitos reclamados ao operador seja limitado à vantagem que este último obteve da irregularidade cometida.

    106 Como a Comissão correctamente alega, os únicos casos em que as autoridades competentes podem considerar que os incumprimentos à regulamentação aduaneira não têm consequências reais sobre o funcionamento do regime aduaneiro, não dando lugar à constituição de uma dívida aduaneira são enumerados taxativamente no artigo 859.º do regulamento de aplicação. Ora, esta disposição exclui expressamente, no segundo travessão, os casos que impliquem «negligência manifesta por parte do interessado».

    107 Em consequência, pelo facto de não limitar o montante da dívida aduaneira à vantagem financeira alegadamente obtida pela Cargill, a Comissão não violou o princípio da proporcionalidade nem infringiu o disposto no artigo 239.º do código aduaneiro, em conjugação com o disposto no artigo 905.º do regulamento de aplicação.

    108 Esta conclusão impõe-se mutatis mutandis quanto à regulamentação aplicável ao período anterior a 1 de Janeiro de 1994, ou seja, os artigos 13.º do Regulamento n.º 1430/79, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.º 3069/86, e 6.º do Regulamento n.º 3799/86.

    109 Quanto à acusação do Reino dos Países Baixos relativamente à fundamentação insuficiente da decisão impugnada a respeito da questão da proporcionalidade dos direitos reclamados, em violação do artigo 253.º CE, basta referir que, na medida em que não resulta, de modo algum, dos artigos 239.º do código aduaneiro ou 13.º do Regulamento n.º 1430/79, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.º 3069/86, que o montante dos direitos de importação reclamados ao interessado deve limitar-se à vantagem obtida por este último, cabe considerar que a decisão impugnada não violou de forma alguma o dever de fundamentação previsto no artigo 253.º CE.

    110 Por conseguinte, cabe declarar improcedente o terceiro fundamento invocado pelo Reino dos Países Baixos.

    111 Atendendo a todas as considerações que precedem, cabe, por um lado, anular a decisão impugnada na medida em que declara inadmissível, no valor de 15 679 301,49 NLG, o pedido de dispensa de pagamento dos direitos de importação apresentado pela Cargill e transmitido à Comissão em 22 de Abril de 1999 pelo Reino dos Países Baixos, e, por outro, negar provimento ao recurso quanto ao mais.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    112 Nos termos do artigo 69.º, n.º 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino dos Países Baixos e tendo este último sido vencido quanto ao primeiro e ao terceiro fundamento e dado o carácter insignificante das consequências práticas da procedência do seu segundo fundamento, há que condená-lo nas despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Quinta Secção)

    decide:

    113 A Decisão C (2000) 485 final da Comissão, de 23 de Fevereiro de 2000, que considerou, num caso concreto, que o pedido de dispensa de pagamento de direitos de importação era inadmissível em relação a um determinado montante e injustificado em relação a outro determinado montante, é anulada, na medida em que declara inadmissível o pedido de dispensa de pagamento dos direitos de importação, que ascendem a 15 679 301,49 NLG, apresentado pela Cargill BV e transmitido à Comissão das Comunidades Europeias em 22 de Abril de 1999 pelo Reino dos Países Baixos.

    114 É negado provimento ao recurso quanto ao mais.

    115 O Reino dos Países Baixos é condenado nas despesas.

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