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Documento 62001CJ0241

    Acórdão do Tribunal de 22 de Outubro de 2002.
    National Farmers' Union contra Secrétariat général du gouvernement.
    Pedido de decisão prejudicial: Conseil d'Etat - França.
    Agricultura - Luta contra a encefalopatia espongiforme bovina - Decisões 98/692/CE e 1999/514/CE que põem termo ao embargo à carne de bovino proveniente do Reino Unido - Possibilidade de um Estado-Membro destinatário destas decisões contestar a respectiva legalidade fora dos prazos de recurso ou de invocar o artigo 30.º CE para se recusar a pôr termo ao embargo.
    Processo C-241/01.

    Colectânea de Jurisprudência 2002 I-09079

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2002:604

    62001J0241

    Acórdão do Tribunal de 22 de Outubro de 2002. - National Farmers' Union contra Secrétariat général du gouvernement. - Pedido de decisão prejudicial: Conseil d'Etat - França. - Agricultura - Luta contra a encefalopatia espongiforme bovina - Decisões 98/692/CE e 1999/514/CE que põem termo ao embargo à carne de bovino proveniente do Reino Unido - Possibilidade de um Estado-Membro destinatário destas decisões contestar a respectiva legalidade fora dos prazos de recurso ou de invocar o artigo 30.º CE para se recusar a pôr termo ao embargo. - Processo C-241/01.

    Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-09079


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    1. Agricultura - Aproximação das legislações em matéria de polícia sanitária - Controlos veterinários e zootécnicos no comércio intracomunitário de animais vivos e de produtos de origem animal - Medidas de emergência de protecção contra a encefalopatia espongiforme bovina - Proibição de exportação de bovinos, de carne de bovino e de produtos derivados a partir do território do Reino Unido - Decisões que levantam a proibição no âmbito de um regime de exportação baseado na data - Estado-Membro destinatário que não interpôs recurso de anulação das mesmas no prazo previsto - Excepção de ilegalidade deduzida quanto às mesmas por esse Estado no âmbito de uma acção proposta contra ele num órgão jurisdicional nacional - Inadmissibilidade

    (Artigo 230.° , quinto parágrafo, CE; Decisões 98/692 e 1999/514 da Comissão)

    2. Livre circulação de mercadorias - Derrogações - Artigo 30.° CE - Alcance - Regulamentação comunitária que prevê a harmonização necessária para assegurar a protecção contra a encefalopatia espongiforme bovina - Oposição de um Estado-Membro ao reinício das importações, no seu território, de carne de bovino proveniente do Reino Unido - Inadmissibilidade

    (Artigo 30.° CE; Directiva 89/662 do Conselho; Decisão 98/256 do Conselho; Decisões 98/692 e 1999/514 da Comissão)

    Sumário


    1. Um Estado-Membro, destinatário das Decisões 98/692, que altera a Decisão 98/256 relativa a determinadas medidas de emergência em matéria de protecção contra a encefalopatia espongiforme bovina, e 1999/514, que fixa a data em que pode começar a expedição, a partir do Reino Unido, de produtos bovinos ao abrigo do regime de exportação baseado na data nos termos do n.° 5 do artigo 6.° da Decisão 98/256, que não tenha impugnado a legalidade destas decisões dentro do prazo previsto no artigo 230.° , quinto parágrafo, CE, não pode posteriormente invocar, perante um órgão jurisdicional nacional, a sua ilegalidade para contestar o fundamento de uma acção contra si proposta.

    ( cf. n.° 39, disp. 1 )

    2. Uma vez que a Directiva 89/662, relativa aos controlos veterinários aplicáveis ao comércio intracomunitário na perspectiva da realização do mercado interno, e a Decisão 98/256, relativa a determinadas medidas de emergência em matéria de protecção contra a encefalopatia espongiforme bovina, na redacção que lhe foi dada pela Decisão 98/692, fixam as regras necessárias para proteger a saúde pública quando do reinício das exportações de carne de bovino do Reino Unido para os restantes Estados-Membros, organizam um procedimento comunitário de controlo da observância da referida decisão bem como um processo de revisão desta à luz das novas informações científicas disponíveis e prevêem o enquadramento jurídico adequado para a adopção, por um Estado-Membro de destino, de medidas cautelares destinadas a proteger a saúde pública, um Estado-Membro não pode invocar o artigo 30.° CE para se opor ao reinício das importações, no seu território, de carne de bovino proveniente do Reino Unido, efectuadas em conformidade com as Decisões 98/256 alterada e 1999/514, que fixa a data em que pode começar a expedição, a partir do Reino Unido, de produtos bovinos ao abrigo do regime de exportação baseado na data nos termos do n.° 5 do artigo 6.° da Decisão 98/256.

    ( cf. n.° 65, disp. 2 )

    Partes


    No processo C-241/01,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Conseil d'État (França), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

    National Farmers' Union

    e

    Secrétariat général du gouvernement,

    uma decisão a título prejudicial sobre a validade das Decisões 98/692/CE da Comissão, de 25 de Novembro de 1998, que altera a Decisão 98/256/CE relativa a determinadas medidas de emergência em matéria de protecção contra a encefalopatia espongiforme bovina (JO L 328, p. 28), e 1999/514/CE da Comissão, de 23 de Julho de 1999, que fixa a data em que pode começar a expedição, a partir do Reino Unido, de produtos bovinos ao abrigo do regime de exportação baseado na data nos termos do n.° 5 do artigo 6.° da Decisão 98/256/CE do Conselho (JO L 195, p. 42), bem como sobre a interpretação do direito comunitário, designadamente do artigo 30.° CE,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J.-P. Puissochet, M. Wathelet e R. Schintgen, presidentes de secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, P. Jann, V. Skouris, F. Macken, N. Colneric, S. von Bahr, J. N. Cunha Rodrigues e A. Rosas (relator), juízes,

    advogado-geral: J. Mischo,

    secretário: L. Hewlett, administradora principal,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    - em representação da National Farmers' Union, por C. Lewis, barrister, mandatado por P. Willis, solicitor,

    - em representação do Governo francês, por R. Abraham e G. de Bergues, bem como por R. Loosli-Surrans, na qualidade de agentes,

    - em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, na qualidade de agente, assistido por M. Hoskins, barrister,

    - em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Booss e G. Berscheid, na qualidade de agentes,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações da National Farmers' Union, representada por S. Isaacs, QC, do Governo francês, representado por R. Loosli-Surrans e F. Alabrune, na qualidade de agente, do Governo do Reino Unido, representado por J. E. Collins e M. Hoskins, e da Comissão, representada por G. Berscheid, na audiência de 19 de Março de 2002,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 2 de Julho de 2002,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por decisão de 28 de Maio de 2001, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Junho seguinte, o Conseil d'État submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, três questões prejudiciais relativas, a primeira, à possibilidade de um Estado-Membro questionar a validade de decisões comunitárias invocando alterações de circunstâncias de facto e de direito ocorridas posteriormente no termo do prazo de recurso das referidas decisões, a segunda, à interpretação do princípio da precaução e, a terceira, à interpretação do artigo 30.° CE.

    2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio entre a National Farmers' Union e o Secrétariat du gouvernement a respeito de decisões de indeferimento tácito de revogação de diversas medidas nacionais relativas à proibição de importar para o território francês carne de bovino e produtos de bovinos provenientes do Reino Unido.

    Enquadramento jurídico

    3 Na sequência da descoberta de um nexo provável entre uma variante da doença de Creutzfeldt-Jacob, doença que afecta o ser humano, e a encefalopatia espongiforme bovina (a seguir «EEB»), nessa época amplamente propagada no Reino Unido, a Comissão adoptou a Decisão 96/239/CE, de 27 de Março de 1996, relativa a determinadas medidas de emergência em matéria de protecção contra a encefalopatia espongiforme dos bovinos (JO L 78, p. 47, a seguir «decisão de embargo»), através da qual proibiu o Reino Unido de expedir, do seu território com destino aos demais Estados-Membros e países terceiros, designadamente, bovinos vivos, carne bovina e produtos obtidos de bovinos.

    4 Esta decisão baseava-se no Tratado CE, na Directiva 90/425/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1990, relativa aos controlos zootécnicos e veterinários aplicáveis ao comércio intracomunitário de certos animais vivos e produtos na perspectiva da realização do mercado interno (JO L 224, p. 29), com a última redacção que lhe foi dada pela Directiva 92/118/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1992, que define as condições sanitárias e de polícia sanitária que regem o comércio e as importações na Comunidade de produtos não sujeitos, no que respeita às referidas condições, às regulamentações comunitárias específicas referidas no capítulo I do anexo A da Directiva 89/662/CEE e, no que respeita aos agentes patogénicos, da Directiva 90/425 (JO 1993, L 62, p. 49, a seguir «Directiva 90/425»), e nomeadamente no seu artigo 10.° , n.° 4, bem como na Directiva 89/662/CEE do Conselho, de 11 de Dezembro de 1989, relativa aos controlos veterinários aplicáveis ao comércio intracomunitário na perspectiva da realização do mercado interno (JO L 395, p. 13), modificada, em último lugar, pela Directiva 92/118 (a seguir «Directiva 89/662»), e nomeadamente no seu artigo 9.°

    5 A decisão de embargo previa, no artigo 3.° , que o Reino Unido transmitiria quinzenalmente à Comissão um relatório sobre a aplicação das medidas adoptadas em matéria de protecção contra a EEB, em conformidade com as disposições comunitárias e nacionais.

    6 O sétimo considerando da decisão de embargo referia que esta devia ser revista após análise de um conjunto de elementos nela mencionados.

    7 Em 16 de Março de 1998, o Conselho adoptou a Decisão 98/256/CE, relativa a determinadas medidas de emergência em matéria de protecção contra a encefalopatia espongiforme bovina, que altera a Decisão 97/474/CE e revoga a Decisão 96/239 (JO L 113, p. 32), através da qual procedeu a um levantamento do embargo para certas carnes e produtos obtidos a partir de carne proveniente de bovinos abatidos na Irlanda do Norte, nas condições estritas de um regime baseado na certificação dos efectivos («Export Certified Herds Scheme - ECHS», a seguir «ECHS»).

    8 Através da Decisão 98/692/CE da Comissão, de 25 de Novembro de 1998, que altera a Decisão 98/256/CE (JO L 328, p. 28), o princípio da autorização de expedição de produtos de bovinos no âmbito de um regime de exportação baseado na data («Date-Based Export Scheme - DBES», a seguir «regime DBES [REBD]») foi adoptado por modificação do artigo 6.° da Decisão 98/256.

    9 O regime DBES encontra-se descrito no anexo III da Decisão 98/256, acrescentado a esta pela Decisão 98/692.

    10 O anexo III, n.° 3, da Decisão 98/256, alterada, define estritamente os animais elegíveis ao abrigo do regime DBES. Estes devem ser claramente identificáveis ao longo de toda a sua visa, devendo ser possível traçar a sua origem.

    11 O anexo III, n.° 4, da Decisão 98/256, alterada, prevê que todo e qualquer animal não conforme à totalidade das exigências do regime DBES deve ser automaticamente recusado.

    12 O anexo III da Decisão 98/256, alterada, dispõe, no n.° 5, que o abate de animais elegíveis deve ser efectuado em matadouros especializados, não utilizados para animais não elegíveis. O artigo 6.° e o anexo III, n.° 6, da referida decisão impõem condições específicas relativamente à desmancha da carne.

    13 O anexo III, n.° 7, da Decisão 98/256, alterada, dispõe que a rastreabilidade das carnes e dos produtos deve estar perfeitamente assegurada.

    14 Os artigos 14.° a 17.° da Decisão 98/256, alterada, têm a seguinte redacção:

    «Artigo 14.°

    A Comissão realizará no Reino Unido inspecções comunitárias no local destinadas a verificar a aplicação da presente decisão, nomeadamente no que se refere à execução dos controlos oficiais.

    Artigo 15.°

    O Reino Unido enviará mensalmente à Comissão um relatório sobre a aplicação das medidas de protecção adoptadas contra a encefalopatia espongiforme bovina, nos termos das disposições comunitárias e nacionais.

    Artigo 16.°

    A presente decisão será revista regularmente em função de novas informações científicas disponíveis. A presente decisão será alterada, se necessário, após consulta do comité científico pertinente, nos termos do artigo 18.° da Directiva 89/662/CEE.

    Artigo 17.°

    Os Estados-Membros adoptarão as medidas necessárias para dar cumprimento à presente decisão. Do facto informarão imediatamente a Comissão.»

    15 O artigo 6.° , n.° 5, da Decisão 98/256, alterada, dispõe que a Comissão, após ter verificado a aplicação de todas as disposições desta decisão com base em inspecções comunitárias e informado os Estados-Membros, fixará a data em que pode ter início a expedição dos produtos referidos no seu anexo III.

    16 Em aplicação desta disposição, a Decisão 1999/514/CE da Comissão, de 23 de Julho de 1999, que fixa a data em que pode começar a expedição, a partir do Reino Unido, de produtos bovinos ao abrigo do regime de exportação baseado na data, nos termos do n.° 5 do artigo 6.° da Decisão 98/256 (JO L 195, p. 42), fixou esta data em 1 de Agosto de 1999.

    17 Em direito francês, a proibição de importação de carne de bovino proveniente do Reino Unido resulta do decreto, de 28 de Outubro de 1998, que determina as medidas especiais aplicáveis a determinados produtos expedidos do Reino Unido (JORF de 2 de Dezembro de 1998, p. 18169).

    18 O artigo 2.° do referido decreto proíbe a importação, a partir do Reino Unido, de farinhas animais e produtos que as contenham. O artigo 4.° do mesmo decreto proíbe a importação de carne e produtos à base de carne obtidos a partir de bovinos abatidos no Reino Unido, com exclusão da Irlanda do Norte. O artigo 10.° proíbe a importação de gelatina, de fosfato dicálcico e de colagénio, susceptíveis de entrarem nas cadeias alimentares humana ou animal, provenientes de bovinos abatidos no Reino Unido.

    19 O decreto de 28 de Outubro de 1998 foi alterado por decreto de 11 de Outubro de 1999 (JORF de 12 de Outubro de 1999, p. 15220), a fim de autorizar o trânsito da carne de bovino proveniente do Reino Unido.

    O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

    20 Por petição sumária e um requerimento adicional registados em 5 de Junho e 5 de Outubro de 2000 no secretariado do contencioso do Conseil d'État, a National Farmers' Union requer a este órgão jurisdicional:

    - que anule a decisão tácita de indeferimento do Primeiro Ministro resultante da sua omissão de responder, durante um período superior a quatro meses, ao pedido que lhe foi dirigido em 4 de Outubro de 1999, para que levantasse o embargo às exportações de carne bovina britânica para França;

    - que anule a decisão tácita de indeferimento do Primeiro Ministro, do Ministro da Agricultura e Pescas e do Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria resultante da sua omissão de responder, durante um período superior a quatro meses, ao pedido que lhes foi dirigido em 3 de Fevereiro de 2000 de revogação da portaria de 28 de Outubro de 1998;

    - que dirija a estas entidades uma injunção para revogarem o disposto nos artigos 2.° , 4.° , e 10.° do decreto de 28 de Outubro de 1998 no prazo de três meses a contar da decisão daquele órgão jurisdicional, sob pena de uma sanção pecuniária compulsória de 5 000 FRF por dia de mora;

    - que condene o Estado a pagar-lhe o montante de 20 000 FRF a título de despesas que a recorrente suportou e não incluídas nas despesas do processo.

    21 Conforme foi esclarecido na audiência no Tribunal de Justiça, considera-se que as decisões tácitas de indeferimento dos pedidos de levantamento do embargo ocorreram quatro meses após a apresentação dos referidos pedidos pela recorrente no processo principal, ou seja, respectivamente, em 4 de Fevereiro e 3 de Junho de 2000.

    22 No órgão jurisdicional nacional, o Ministro da Agricultura e Pescas invocou, por um lado, o parecer emitido em 6 de Dezembro de 1999 pela Agência Francesa de Segurança Sanitária dos Alimentos, nos termos do qual o levantamento do embargo implicava riscos prováveis conexos com a incerteza quanto à distribuição da infecciosidade no organismo dos bovinos ao longo do tempo e quanto ao conjunto dos modos de transmissão do agente infeccioso e, por outro, as actas das reuniões de 23 e 24 de Novembro e de 6 de Dezembro de 1999 do Comité Veterinário Permanente da União Europeia das quais resulta que, nessas datas, vários Estados-Membros não desejavam instituir um sistema de marcação específica da carne britânica recebida e destinada a ser reexpedida, após transformação, para outro Estado-Membro. O mesmo ministro afirmou, designadamente, que estes elementos, dos quais teve conhecimento posteriormente no termo do prazo de recurso das Decisões 98/692 e 1999/514, mas antes de tomar as decisões controvertidas, revelam que as referidas decisões comunitárias violaram o princípio da precaução a que se refere o artigo 174.° CE. Por último, invocou também a confirmação dum primeiro caso de EEB num bovino nascido no Reino Unido depois de 1 de Agosto de 1996, data da proibição da venda e da administração de farinhas animais, o que fez recear pela ineficácia do sistema DBES.

    23 Nestas circunstâncias, o Conseil d'État, considerando que a legalidade das decisões impugnadas perante este órgão jurisdicional depende necessariamente da validade das Decisões 98/692 e 1999/514, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1) [D]ado o carácter normativo das Decisões 98/692/CE da Comissão, de 25 de Novembro de 1998, e 1999/514/CE da Comissão, de 23 de Julho de 1999, e não obstante ter expirado o prazo em que podiam ser objecto de recurso, pode um Estado-Membro invocar de forma útil alterações substanciais nas circunstâncias de facto ou de direito, ocorridas posteriormente no termo do prazo de recurso das referidas decisões, quando tais alterações podem pôr em causa a respectiva validade [?]

    2) [Na] data das decisões adoptadas pelas autoridades francesas, as decisões acima referidas da Comissão eram válidas à luz do princípio da precaução enunciado no artigo 174.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia [?]

    3) Resulta para um Estado-Membro do disposto no artigo 30.° (ex-artigo 36.° ) do Tratado que institui a Comunidade Europeia a competência para proibir as importações de produtos agrícolas e de animais vivos pelo facto de não se poder considerar que as Directivas 89/662/CEE e 90/425/CEE operaram qualquer harmonização das medidas necessárias à realização do objectivo específico de protecção da saúde e da vida das pessoas previsto nesse artigo [?]»

    24 Na fundamentação da decisão de reenvio, o Conseil d'État esclarece que a segunda questão é submetida para a hipótese de ser dada resposta afirmativa à primeira questão.

    Quanto à primeira questão

    25 Com a primeira questão, o Conseil d'État pretende saber se, dado o carácter normativo das Decisões 98/692 e 1999/514 e não obstante ter expirado o prazo em que podiam ser objecto de recurso, um Estado-Membro pode invocar de forma útil alterações substanciais nas circunstâncias de facto ou de direito, ocorridas posteriormente no termo do prazo de recurso destas decisões, quando tais alterações podem pôr em causa a validade das referidas decisões.

    Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

    26 A National Farmers' Union, o Governo do Reino Unido e a Comissão sugerem que se responda negativamente a esta questão. Lembram que uma decisão adoptada por uma instituição comunitária que não tenha sido impugnada pelo seu destinatário dentro do prazo previsto no artigo 230.° , quinto parágrafo, CE se torna, em relação a ele, definitiva. Este princípio aplica-se aos Estados-Membros, os quais não têm o direito de invocar a ilegalidade da decisão em causa no âmbito de outro processo, quer se trate de um procedimento iniciado nos termos do artigo 88.° CE (acórdão de 12 de Outubro de 1978, Comissão/Bélgica, 156/77, Recueil, p. 1881, Colect., p. 643, n.° 21), do artigo 226.° CE (acórdão de 10 de Junho de 1993, Comissão/Grécia, C-183/91, Colect., p. I-3131, n.° 10), ou no âmbito de um pedido de decisão prejudicial (acórdão de 9 de Março de 1994, TWD Textilwerke Deggendorf, C-188/92, Colect., p. I-833, n.os 15, 18 e 25, bem como de 30 de Janeiro de 1997, Wiljo, C-178/95, Colect., p. I-585, n.° 19).

    27 Em especial, a National Farmers' Union justifica a aplicação a um Estado-Membro da regra referida no número anterior pelo facto de que o que importa é determinar se quem invoca a ilegalidade de uma decisão é o destinatário desta última e se dispôs do direito de a impugnar. Efectivamente, os casos em que o Tribunal de Justiça reconheceu a uma da parte o direito de impugnar a validade de uma disposição comunitária após o termo do respectivo prazo de recurso foram casos em que não era seguro que o recorrente tinha legitimidade para impugnar o acto comunitário por se tratar de um regulamento de aplicação geral (acórdão de 12 de Dezembro de 1996, Accrington Beef e o., C-241/95, Colect., p. I-6699), ou de uma directiva dirigida aos Estados-Membros (acórdão de 12 de Novembro de 1997, Eurotunnel e o., C-408/95, Colect., p. I-6315). No processo principal, a República Francesa era destinatária das Decisões 98/256 bem como 1999/514 e tinha o direito de impugnar a respectiva validade. Já não pode, assim, invocar a ilegalidade das mesmas.

    28 A este respeito, a Comissão tem dúvidas quanto à pertinência da atribuição, pelo órgão jurisdicional de reenvio, de «carácter normativo» às Decisões 98/692 e 1999/514. Em seu entender, a questão não consiste em saber se determinadas medidas adoptadas podem ter carácter geral e visar os operadores, mas em contestar que as referidas decisões tenham a República Francesa como destinatária.

    29 Subsidiariamente, a Comissão afirma que os factos e os elementos invocados pelas autoridades francesas no órgão jurisdicional de reenvio são posteriores à adopção das Decisões 98/692 e 1999/514, ao passo que é jurisprudência assente que a validade de um acto deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data da sua adopção (acórdão de 17 de Julho 1997, SAM Schiffahrt e Stapf, C-248/95 e C-249/95, Colect., p. I-4475, n.° 46). Assim, a validade de um acto comunitário não pode depender de considerações retrospectivas relativas ao seu grau de eficácia (acórdãos de 5 de Outubro de 1999, Crispoltini e o., C-133/93, C-300/93 e C-362/93, Colect., p. I-4863, n.° 43, e de 12 de Julho de 2001, Jippes e o., C-189/01, Colect., p. I-5689, n.° 84). A Comissão afirma que o conceito de alteração substancial invocado pelo Governo francês pode levar a que a legalidade de um acto comunitário dependa da sua relevância à luz dos mais recentes desenvolvimentos científicos, o que vai contra o princípio da segurança jurídica aplicável aos actos comunitários.

    30 A National Farmers' Union, o Governo do Reino Unido e a Comissão recordam que, na hipótese de uma modificação de circunstâncias que, no entender de um Estado-Membro, justifique uma alteração de decisões que se tornaram definitivas, o mesmo Estado-Membro não pode invocar a ilegalidade da decisão inicial, devendo antes utilizar o meio processual adequado que é a acção por omissão prevista no artigo 232.° CE (despacho de 21 de Junho de 2000, França/Comissão, C-514/99, Colect., p. I-4705, n.° 48).

    31 O Governo francês considera, pelo contrário, que se deve responder à primeira questão que um Estado-Membro tem o direito de invocar novos elementos nas circunstâncias de facto ou de direito de que teve conhecimento posteriormente à data do termo do prazo de recurso de decisões impugnáveis, desde que os elementos em causa tenham carácter essencial.

    32 Alega que, como indicou o Conseil d'État na sua primeira questão, as Decisões 98/692 e 1999/514 contêm um conjunto de elementos normativos que as tornam mais próximas do regulamento do que da decisão, dado que se aplicam a situações determinadas objectivamente e implicam efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas previstas de modo geral e abstracto. A utilização destas decisões pela Comissão, no âmbito do processo que levou ao acórdão de 13 de Dezembro de 2001, Comissão/França (C-1/00, Colect., p. I-9989), a fim de demonstrar a harmonização total das medidas preventivas contra a EEB, vai igualmente no sentido desta requalificação. Tendo em conta esta última, o Estado-Membro pode recorrer ao artigo 241.° CE para invocar a ilegalidade das decisões acima referidas, dado que a jurisprudência TWD Textilwerke Deggendorf, já referida, não se aplica aos actos que tenham carácter normativo.

    33 Quanto à possibilidade de invocar elementos novos, o Governo francês salienta que, no n.° 47 do acórdão SAM Schiffahrt e Stapf, já referido, o Tribunal de Justiça não excluiu que «a validade de um acto possa, em certos casos, ser apreciada em função de elementos novos verificados posteriormente à sua adopção». Esta interpretação é confirmada pelo n.° 47 do acórdão de 21 de Março de 2000, Greenpeace France e o. (C-6/99, Colect., p. I-1651), no qual o Tribunal de Justiça reconheceu que, «se entretanto o Estado-Membro em causa dispuser de novos elementos de informação que o levem a considerar que o produto objecto da notificação pode apresentar um risco para a saúde humana e para o ambiente, não será obrigado a dar a sua autorização [...]».

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    34 Deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, uma decisão adoptada pelas instituições comunitárias que não tenha sido impugnada pelo seu destinatário no prazo previsto pelo artigo 230.° , quinto parágrafo, CE se torna, em relação a ele, definitiva (v., designadamente, acórdãos já referidos Comissão/Bélgica, n.os 20 a 24; Comissão/Grécia, n.os 9 e 10; TWD Textilwerke Deggendorf, n.° 13, e de 15 de Fevereiro de 2001, Nachi Europe, C-239/99, Colect., p. I-1197, n.° 29). Esta jurisprudência baseia-se designadamente na consideração de que os prazos de recurso se destinam a salvaguardar a segurança jurídica, evitando que sejam indefinidamente postos em causa actos comunitários que produzem efeitos jurídicos (acórdão Wiljo, já referido, n.° 19).

    35 O Tribunal de Justiça também decidiu que as mesmas exigências de segurança jurídica conduzem à exclusão da possibilidade, para o beneficiário de um auxílio de Estado que fosse objecto de uma decisão da Comissão dirigida directamente apenas ao Estado-Membro do referido beneficiário, que sem qualquer dúvida teria podido impugnar essa decisão e que deixou expirar o prazo imperativo previsto para esse efeito no artigo 230.° , quinto parágrafo, CE, de pôr em causa a legalidade dessa decisão perante os órgãos jurisdicionais nacionais num recurso dirigido contra as medidas de execução dessa decisão tomadas pelas autoridades nacionais (acórdãos, já referidos, TWD Textilwerke Deggendorf, n.os 17 e 20, e Wiljo, n.os 20 e 21). O Tribunal de Justiça considerou, com efeito, que adoptar a solução contrária equivaleria a reconhecer ao beneficiário do auxílio a faculdade de contornar o carácter definitivo que, por força do princípio da segurança jurídica, a decisão reveste após o termo do prazo de recurso (acórdãos já referidos TWD Textilwerke Deggendorf, n.° 18, e Wiljo, n.° 21).

    36 Idênticas considerações de segurança jurídica justificam que um Estado-Membro, parte num litígio num órgão jurisdicional nacional, não possa, perante esse órgão jurisdicional, invocar a ilegalidade de uma decisão comunitária de que seja destinatário e da qual não tenha interposto recurso de anulação dentro do prazo previsto para o efeito no artigo 230.° , quinto parágrafo, CE.

    37 Quanto à possibilidade de invocar elementos novos, ocorridos posteriormente à adopção de um acto comunitário, para contestar a legalidade do mesmo, deve recordar-se que, em qualquer caso, a legalidade de um acto deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que foi adoptao (acórdãos de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Recueil, p. 321, n.° 7, Colect., p. 145, e SAM Schiffahrt e Stapf, já referido, n.° 46). Designadamente, não pode estar dependente de considerações retrospectivas relativas ao grau de eficácia desse acto (acórdão Jippes e o., já referido, n.° 84).

    38 Por outro lado, independentemente do facto de o artigo 16.° da Decisão 98/256, alterada, prever a revisão regular da mesma em função das novas informações científicas disponíveis, deve salientar-se que, se um Estado-Membro considerar que elementos novos implicam a obrigação, por parte da Comissão, de adoptar uma nova decisão, compete a esse Estado seguir os procedimentos previstos no Tratado bem como nos actos comunitários e, eventualmente, recorrer à acção por omissão prevista para esse efeito (despacho França/Comissão, já referido, n.° 48).

    39 Assim, deve responder-se à primeira questão que um Estado-Membro, destinatário das Decisões 98/692 e 1999/514, que não tenha impugnado a legalidade destas decisões no prazo previsto no artigo 230.° , quinto parágrafo, CE, não pode posteriormente invocar, perante um órgão jurisdicional nacional, a sua ilegalidade para contestar o fundamento de uma acção contra si proposta.

    Quanto à segunda questão

    40 Com a segunda questão, que foi submetida para a hipótese de resposta afirmativa à primeira, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, na data das decisões de indeferimento tácito por parte das autoridades francesas, as Decisões 98/692 e 1999/514 eram válidas à luz do princípio da precaução enunciado no artigo 174.° CE.

    41 Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, há que concluir que a segunda questão carece de objecto, pelo que não há que lhe dar resposta.

    Quanto à terceira questão

    42 Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se um Estado-Membro pode invocar o artigo 30.° CE para proibir as importações de produtos agrícolas e de animais vivos, pelo facto de não se poder considerar que as Directivas 89/662 e 90/425 tenham procedido a qualquer harmonização das medidas necessárias à realização do objectivo específico da protecção da saúde e da vida das pessoas previsto nesse artigo.

    Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

    43 Tanto a National Farmers' Union como o Governo do Reino Unido e a Comissão remetem para a jurisprudência do Tribunal de Justiça que proíbe o recurso ao artigo 30.° CE quando existem medidas de harmonização.

    44 No que respeita às disposições a tomar em conta, os três entendem que, para além das Directivas 89/662 e 90/425, referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio na terceira questão, há igualmente que remeter para as Decisões 98/256, 98/692 e 1999/514, adoptadas em aplicação das referidas directivas e que organizam o regime DBES. A Comissão acrescenta que este dispositivo deve ser completado pelas restantes disposições aplicáveis na matéria, como as relativas às carnes frescas, às preparações de carne ou aos produtos à base de carne.

    45 A National Farmers' Union, o Governo do Reino Unido e a Comissão afirmam que existia uma harmonização que proibia o recurso, por parte do Governo francês, ao artigo 30.° CE. Embora salientando que, no n.° 126 do acórdão Comissão/França, já referido, o Tribunal de Justiça não tomou posição sobre os produtos sujeitos ao regime DBES que tinham sido desmanchados, transformados ou reembalados no território de outro Estado-Membro e posteriormente exportados para França, sem que lhes tivesse sido aposta uma marca distinta, a recorrente no processo principal admite uma reserva a este respeito. Em contrapartida, o Governo do Reino Unido e a Comissão consideram que esse problema dito de «importações triangulares» diz respeito à execução por parte de Estados-Membros das decisões que organizam o regime DBES, mas não põe em causa a existência de uma harmonização. Seja como for, o Governo francês não proibiu a importação desses produtos e os mesmos não estão em causa no processo principal.

    46 A Comissão acrescenta que, se o Governo francês não estava de acordo com as medidas adoptadas, se pretendia a alteração das mesmas em função de elementos novos ou considerava necessário adoptar medidas preventivas, competia-lhe, em qualquer caso, manter-se no quadro processual estabelecido pela Directiva 89/662, com fundamento na qual foi adoptada a Decisão 98/692, ou recorrer às vias processuais previstas no Tratado.

    47 O Governo francês considera que, na data das decisões tácitas de manutenção do embargo em causa no processo principal, assistia-lhe o direito de recorrer ao artigo 30.° CE uma vez que não existia uma harmonização integral. Esta harmonização só foi realizada através da adopção do Regulamento (CE) n.° 999/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, que estabelece regras para a prevenção, o controlo e a erradicação de determinadas encefalopatias espongiformes transmissíveis (JO L 147, p. 1), aplicável a partir de 1 de Julho de 2001. Alega também a falta de fiabilidade do sistema de identificação dos bovinos no Reino Unido, a não aplicação sistemática no território deste das condições do regime DBES e o desrespeito, por parte dos Estados-Membros, das condições de rastreabilidade e de rotulagem da carne britânica para concluir que se justificavam as medidas nacionais.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    48 Deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, quando as directivas comunitárias prevêem a harmonização das medidas necessárias à garantia da protecção da saúde dos animais e das pessoas e à instituição de procedimentos comunitários de controlo da sua observância, o recurso ao artigo 36.° deixa de ser justificado, devendo ser efectuados os controlos adequados e adoptadas as medidas de protecção no âmbito definido pela directiva de harmonização (acórdãos de 5 de Outubro de 1977, Tedeschi, 5/77, Recueil, p. 1555, n.° 35, Colect., p. 555; de 23 de Maio de 1996, Hedley Lomas, C-5/94, Colect., p. I-2553, n.° 18; de 25 de Março de 1999, Comissão/Itália, C-112/97, Colect., p. I-1821, n.° 54, e de 11 de Maio de 1999, Monsees, C-350/97, Colect., p. I-2921, n.° 24).

    49 O Tribunal de Justiça decidiu também que, mesmo quando uma directiva não organiza um procedimento comunitário de fiscalização da sua observância, nem prevê sanções em caso de violação das suas disposições, um Estado-Membro não pode permitir-se tomar unilateralmente medidas correctivas ou de defesa destinadas a sanar uma eventual violação, por outro Estado-Membro, das normas do direito comunitário (acórdão Hedley Lomas, já referido, n.os 19 e 20).

    50 Importa com efeito salientar que, na comunidade de direito que a Comunidade Europeia constitui, um Estado-Membro é obrigado a respeitar as disposições do Tratado e, designadamente, a agir no quadro dos procedimentos previstos por este e pela regulamentação aplicável.

    51 É à luz destes diferentes elementos que há que analisar se o Governo francês, na data das decisões tácitas em causa no processo principal, podia invocar o artigo 30.° CE para manter a proibição de importação de carne de bovino proveniente do Reino Unido.

    52 Embora o Regulamento n.° 999/2001 tenha sem dúvida realizado uma harmonização integral das regras relativas à prevenção, ao controlo e à erradicação de certas encefalopatias espongiformes transmissíveis, há que concluir, como fez o advogado-geral nos n.os 91 a 94 das suas conclusões, que as Decisões 98/256 e 98/692, que definem o regime DBES, previram as regras necessárias para proteger a saúde pública quando do reinício das exportações de carne de bovino do Reino Unido para os restantes Estados-Membros.

    53 Estas decisões, que acrescem à regulamentação geral já existente, especificam as condições de elegibilidade e de rastreabilidade dos animais susceptíveis de serem utilizados no âmbito do regime DBES, as que devem ser respeitadas pelos matadouros bem como as condições próprias da desmancha das carnes, que são impostas em complemento das disposições em vigor relativas à retirada das miudezas especificadas.

    54 Por outro lado, o artigo 14.° da Decisão 98/256, alterada, prevê que devem ser realizadas pela Comissão inspecções comunitárias no Reino Unido para verificar a aplicação da decisão, enquanto o artigo 15.° da mesma prevê o envio mensal pelo Reino Unido à Comissão de relatórios sobre a aplicação das medidas de protecção adoptadas contra a EEB.

    55 No que respeita às obrigações dos outros Estados-Membros para além do Reino Unido, o artigo 17.° da Decisão 98/256, alterada, prevê que os mesmos adoptarão as medidas necessárias para dar cumprimento à decisão, e desse facto informarão imediatamente a Comissão.

    56 Por outro lado, conforme foi referido no n.° 38 do presente acórdão, a Decisão 98/256, alterada, esclarece, no artigo 16.° , que será regularmente revista à luz de novas informações científicas disponíveis e que as eventuais alterações ocorrerão nos termos do procedimento previsto no artigo 18.° da Directiva 89/662.

    57 A análise destas diferentes disposições demonstra que, para além da harmonização das medidas necessárias para garantir a protecção da saúde das pessoas, a Decisão 98/256, alterada, organiza procedimentos de controlo da sua observação e esclarece, por remissão para a Directiva 89/662, o procedimento adequado para efectuar as alterações que podem ser tornadas indispensáveis pela evolução dos conhecimentos científicos.

    58 Quanto às medidas urgentes que são susceptíveis de ser adoptadas por um Estado-Membro em caso de perigo grave para a saúde humana, é de recordar que as Decisões 98/256 e 98/692 foram adoptadas com fundamento nas Directivas 89/662 e 90/425, no que respeita à primeira das referidas decisões, e apenas na Directiva 89/662, no que se refere à segunda das referidas decisões.

    59 A Directiva 89/662 descreve, nos seus artigos 7.° , 8.° e 9.° , as medidas que podem ser adoptadas por um Estado-Membro de destino, designadamente quando as suas autoridades competentes verificam que a mercadoria importada não obedece às condições impostas pela legislação comunitária. O artigo 7.° permite a destruição ou a reexpedição dessa mercadoria e o artigo 9.° autoriza, designadamente, a adopção, pelo referido Estado-Membro, de medidas cautelares por razões graves da protecção da saúde pública ou animal.

    60 É em conformidade com estas disposições, que impõem a comunicação imediata das medidas adoptadas aos restantes Estados-Membros bem como à Comissão e uma estreita colaboração entre aqueles e esta, que deve agir um Estado-Membro confrontado com uma situação que coloque em perigo a saúde da sua população (sobre o dever de comunicação imediata e de leal cooperação em caso de adopção de medidas cautelares, v., por analogia, no que respeita à Directiva 90/425, acórdão de 8 de Janeiro de 2002, Van den Bor, C-428/99, Colect., p. I-127, n.os 45 a 48).

    61 É, aliás, a aplicação das medidas cautelares referidas no artigo 9.° da Directiva 89/662 que o décimo terceiro considerando da Decisão 98/692 prevê no caso de, após a expedição de produtos que, em princípio, obedeçam às condições do regime DBES, seja descoberto que os mesmos provinham de um animal que posteriormente veio a revelar-se não elegível para este regime.

    62 Resulta da análise de todas estas disposições que a regulamentação existente e, designadamente, a Directiva 89/662 bem como as Decisões 98/256 e 98/692 prevêem a harmonização necessária para garantir a protecção da saúde pública quando do reinício das exportações de carne de bovino do Reino Unido para os restantes Estados-Membros e constituem procedimentos comunitários de controlo da respectiva observância.

    63 É verdade que, no n.° 134 do acórdão Comissão/França, já referido, o Tribunal de Justiça observou que existiam dificuldades de interpretação da Decisão 98/256, alterada, no que respeita às obrigações dos Estados-Membros relativas à rastreabilidade dos produtos. Basta, contudo, verificar que, como resulta do n.° 135 do mesmo acórdão, estas dificuldades de interpretação tinham desaparecido na data das decisões tácitas de não levantamento do embargo em causa no processo principal.

    64 Quanto aos produtos sujeitos ao regime DBES que foram desmanchados, transformados ou reembalados no território de outro Estado-Membro e posteriormente exportados para França sem que lhes tivesse sido aposta uma marca distinta, basta concluir que o litígio no processo principal não respeita a esses produtos e, em todo o caso, que o Governo francês nunca se opôs à importação dos mesmos.

    65 Resulta destas considerações que, uma vez que a Directiva 89/662 e a Decisão 98/256, alterada, fixam as regras necessárias para proteger a saúde pública quando do reinício das exportações de carne de bovino do Reino Unido para os restantes Estados-Membros, organizam um procedimento comunitário de controlo da observância da referida decisão bem como um procedimento de revisão desta à luz das novas informações científicas disponíveis e prevêem o enquadramento jurídico adequado para a adopção, por um Estado-Membro de destino, de medidas cautelares para protecção da saúde pública, um Estado-Membro não pode invocar o artigo 30.° CE para se opor ao reinício das importações, no seu território, de carne de bovino proveniente do Reino Unido, efectuadas em conformidade com as Decisões 98/256, alterada, e 1999/514.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    66 As despesas efectuadas pelos Governos francês e do Reino Unido e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Conseil d'État, por decisão de 28 de Maio de 2001, declara:

    1) Um Estado-Membro, destinatário das Decisões 98/692/CE da Comissão, de 25 de Novembro de 1998, que altera a Decisão 98/256/CE relativa a determinadas medidas de emergência em matéria de protecção contra a encefalopatia espongiforme bovina, e 1999/514/CE da Comissão, de 23 de Julho de 1999, que fixa a data em que pode começar a expedição, a partir do Reino Unido, de produtos bovinos ao abrigo do regime de exportação baseado na data nos termos do n.° 5 do artigo 6.° da Decisão 98/256/CE do Conselho, que não tenha impugnado a legalidade destas decisões dentro do prazo previsto no artigo 230.° , quinto parágrafo, CE, não pode posteriormente invocar, perante um órgão jurisdicional nacional, a sua ilegalidade para contestar o fundamento de uma acção contra si proposta.

    2) Uma vez que a Directiva 89/662/CEE do Conselho, de 11 de Dezembro de 1989, relativa aos controlos veterinários aplicáveis ao comércio intracomunitário na perspectiva da realização do mercado interno, e a Decisão 98/256, na redacção que lhe foi dada pela Decisão 98/692, fixam as regras necessárias para proteger a saúde pública quando do reinício das exportações de carne de bovino do Reino Unido para os restantes Estados-Membros, organizam um procedimento comunitário de controlo da observância da referida decisão bem como um processo de revisão desta à luz das novas informações científicas disponíveis e prevêem o enquadramento jurídico adequado para a adopção, por um Estado-Membro de destino, de medidas cautelares destinadas a proteger a saúde pública, um Estado-Membro não pode invocar o artigo 30.° CE para se opor ao reinício das importações, no seu território, de carne de bovino proveniente do Reino Unido, efectuadas em conformidade com as Decisões 98/256, alterada pela Decisão 98/692, e 1999/514.

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