Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex
Documento 61996CJ0035
Judgment of the Court (Fifth Chamber) of 18 June 1998. # Commission of the European Communities v Italian Republic. # Action for failure to fulfil obligations - Agreements, decisions and concerted practices - Fixing of business tariffs - Customs agents - Legislation reinforcing the effects of an agreement. # Case C-35/96.
Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 18 de Junho de 1998.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana.
Acção por incumprimento - Acordo - Fixação de tabelas profissionais - Despachantes alfandegários - Legislação que reforça os efeitos do acordo.
Processo C-35/96.
Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 18 de Junho de 1998.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana.
Acção por incumprimento - Acordo - Fixação de tabelas profissionais - Despachantes alfandegários - Legislação que reforça os efeitos do acordo.
Processo C-35/96.
Colectânea de Jurisprudência 1998 I-03851
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1998:303
Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 18 de Junho de 1998. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana. - Acção por incumprimento - Acordo - Fixação de tabelas profissionais - Despachantes alfandegários - Legislação que reforça os efeitos do acordo. - Processo C-35/96.
Colectânea da Jurisprudência 1998 página I-03851
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
1 Acção por incumprimento - Propositura pela Comissão de duas acções distintas tendo por objecto os mesmos factos mas baseadas em disposições de direito comunitário diferentes - Violação dos direitos da defesa - Inexistência
(Tratado CE, artigos 155._ e 169._)
2 Concorrência - Regras comunitárias - Empresa - Conceito - Despachante alfandegário - Inclusão
(Tratado CE, artigos 85._ e 86._)
3 Concorrência - Acordos, decisões e práticas concertadas - Acordos entre empresas ou associações de empresas - Organização profissional nacional que fixou uma tabela uniforme e obrigatória para os despachantes alfandegários
(Tratado CE, artigo 85._)
4 Concorrência - Acordos, decisões e práticas concertadas - Influência sobre a concorrência - Afectação do comércio entre Estados-Membros - Fixação, por uma organização profissional nacional, de uma tabela uniforme e obrigatória para todos os despachantes alfandegários
(Tratado CE, artigo 85._)
5 Concorrência - Regras comunitárias - Obrigações dos Estados-Membros - Regulamentação que visa reforçar os efeitos de acordos, decisões e práticas concertadas preexistentes - Conceito - Legislação que impõe a uma organização profissional a adopção de uma decisão de associação de empresas, consistente em fixar uma tabela obrigatória para todos os despachantes alfandegários
(Tratado CE, artigos 5._ e 85._)
6 Se se tiver presente a economia geral das regras relativas à acção por incumprimento, o facto de um Estado-Membro dever defender-se em dois processos distintos que têm por objecto os mesmos factos mas que se baseiam em disposições diferentes não pode, por si só, ser constitutivo de uma violação dos direitos da defesa.
7 A actividade de despachante alfandegário cabe no conceito de empresa para efeitos de aplicação das regras comunitárias da concorrência, dado que, no contexto do direito da concorrência, este conceito abrange, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de funcionamento, qualquer entidade que exerça uma actividade económica, designadamente a consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado.
O facto de a actividade do despachante alfandegário ser uma actividade intelectual, necessitar de uma licença e poder ser prosseguida sem a conjunção de elementos materiais, incorpóreos e humanos não é susceptível de a excluir do âmbito de aplicação dos artigos 85._ e 86._ do Tratado CE, uma vez que se trata de uma actividade económica. Com efeito, o despachante alfandegário presta, contra remuneração, serviços consistentes no cumprimento de formalidades aduaneiras, essencialmente formalidades relacionadas com a importação, a exportação e o trânsito de mercadorias, bem como outros serviços complementares, como serviços nos domínios monetário, comercial e fiscal, assume os riscos financeiros inerentes ao exercício dessa actividade e, em caso de desequilíbrio entre as despesas e as receitas, tem que suportar ele próprio os défices.
8 Ao fixar uma tabela obrigatória para todos os despachantes alfandegários, a organização profissional que reúne os representantes da profissão comporta-se como uma associação de empresas, na acepção do artigo 85._, n._ 1, do Tratado, visto que, nos termos do direito nacional, esses representantes não podem ser qualificados como peritos independentes e que não estão legalmente obrigados a fixar as tabelas tomando em consideração não apenas os interesses das empresas ou das associações de empresas do sector que os designou, mas igualmente o interesse geral e os interesses das empresas dos outros sectores ou dos utentes dos serviços em causa.
Neste contexto, o facto de essa organização profissional ter um estatuto de direito público não obsta à aplicação do artigo 85._ do Tratado, que, segundo os seus próprios termos, se aplica a acordos entre empresas e a decisões de associações de empresas. O quadro jurídico em que esses acordos são celebrados e em que são tomadas essas decisões, assim como a qualificação jurídica dada a esse quadro pelas diferentes ordens jurídicas nacionais, não relevam para efeitos da aplicabilidade das regras comunitárias da concorrência, e designadamente do artigo 85._ do Tratado.
9 As decisões através das quais uma organização profissional fixa uma tabela uniforme e obrigatória para todos os despachantes alfandegários restringem a concorrência na acepção do artigo 85._ do Tratado, dado que a tabela fixa directamente o preço dos serviços dos agentes económicos, prevê, para cada um dos diferentes tipos de operações, os preços máximos e mínimos que podem ser pedidos aos clientes, fixa diferentes escalões em função do valor ou do peso da mercadoria a desalfandegar ou do tipo específico de mercadoria, ou mesmo do tipo de prestação profissional, e que é imperativa, de modo que um operador económico não pode por sua própria iniciativa afastar-se.
Estas decisões são susceptíveis de afectar o comércio intracomunitário, visto que a tabela, que se aplica em todo o território de um Estado-Membro, tem, pela sua própria natureza, por efeito consolidar compartimentações de carácter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado. Esta incidência é tanto mais significativa quanto diversos tipos de operações de importação ou de exportação de mercadorias no interior da Comunidade, bem como operações efectuadas entre operadores comunitários, exigem o cumprimento de formalidades aduaneiras e podem, por conseguinte, tornar necessária a intervenção de um despachante alfandegário independente inscrito no registo.
10 Se é verdade que o artigo 85._ do Tratado, considerado isoladamente, diz apenas respeito ao comportamento das empresas e não a medidas legislativas ou regulamentares dos Estados-Membros, não é menos certo que este artigo, conjugado com o artigo 5._ do Tratado, impõe aos Estados-Membros que não tomem ou mantenham em vigor medidas, mesmo de natureza legislativa ou regulamentar, susceptíveis de eliminar o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas. É designadamente isto que se passa quando um Estado-Membro impõe ou facilita a celebração de acordos contrários ao artigo 85._, ou reforça os efeitos ou retira à sua própria legislação o seu carácter estatal, delegando em operadores privados a responsabilidade da tomada de decisões de intervenção em matéria económica.
Um Estado-Membro não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5._ e 85._ do Tratado, ao adoptar e manter em vigor uma lei que impõe a uma organização profissional, através da atribuição do correspondente poder de decisão, a adopção de uma decisão de associação de empresas contrária ao artigo 85._ do Tratado CE, consistente na fixação de uma tabela obrigatória para todos os despachantes alfandegários.
No processo C-35/96,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Enrico Traversa, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,
demandante,
contra
República Italiana, representada pelo professor Umberto Leanza, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por Pier Giorgio Ferri, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,
demandada,
que tem por objecto obter a declaração de que a República Italiana, ao adoptar e ao manter em vigor uma lei que impõe ao Consiglio nazionale degli spedizionieri doganali (conselho nacional de despachantes alfandegários), através da atribuição do correspondente poder de decisão, a adopção de uma decisão de associação de empresas contrária ao artigo 85._ do Tratado CE, na medida em que fixa uma tabela obrigatória para todos os despachantes alfandegários, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5._ e 85._ do mesmo Tratado,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Quinta Secção),
composto por: C. Gulmann, presidente de secção, M. Wathelet (relator), J. C. Moitinho de Almeida, P. Jann e L. Sevón, juízes,
advogado-geral: G. Cosmas,
secretário: R. Grass,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações das partes na audiência de 4 de Dezembro de 1997,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de Fevereiro de 1998,
profere o presente
Acórdão
1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 9 de Fevereiro de 1996, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169._ do Tratado CE, a presente acção destinada a obter a declaração de que a República Italiana, ao adoptar e ao manter em vigor uma lei que impõe ao Consiglio nazionale degli spedizionieri doganali (conselho nacional de despachantes alfandegários, a seguir «CNSD»), através da atribuição do correspondente poder de decisão, a adopção de uma decisão de associação de empresas contrária ao artigo 85._ do Tratado CE, na medida em que fixa uma tabela obrigatória para todos os despachantes alfandegários, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5._ e 85._ do mesmo Tratado.
2 Em Itália, a actividade dos despachantes alfandegários independentes rege-se pela Lei n._ 1612, de 22 de Dezembro de 1960, relativa ao reconhecimento jurídico da profissão de despachante alfandegário e à instituição dos registos e do fundo de previdência dos despachantes alfandegários (GURI n._ 4, de 5 de Janeiro de 1961, a seguir «Lei n._ 1612/1960»), e por medidas de execução constantes designadamente de decretos presidenciais e ministeriais.
3 A actividade de despachante alfandegário implica a prestação de serviços no quadro do processo de desalfandegamento (artigo 1._ da Lei n._ 1612/1960). O seu exercício está dependente da posse de uma licença («patente») e da inscrição no registo nacional de despachantes alfandegários. Este registo resulta do conjunto dos registos regionais mantidos pelos Consigli compartimentali (conselhos regionais de despachantes alfandegários), estabelecidos em todas as regiões alfandegárias (artigos 2._ e 4._ a 12._ da Lei n._ 1612/1960).
4 A fiscalização da actividade dos despachantes alfandegários é exercida pelos conselhos regionais de despachantes alfandegários. Os membros destes conselhos são eleitos por voto secreto, por um período de dois anos, renovável, pelos despachantes inscritos no registo das diferentes direcções regionais; a presidência é exercida por um membro eleito pelos seus pares (artigo 10._ da Lei n._ 1612/1960).
5 Os conselhos regionais dos despachantes alfandegários são encabeçados pelo CNSD, que é um organismo de direito público, composto por nove membros designados por voto secreto pelos membros dos conselhos regionais de despachantes e é presidido por um membro eleito pelos seus pares (artigo 12._ da Lei n._ 1612/1960). Até 1992, o director-geral das alfândegas e dos impostos indirectos era membro por inerência do CNSD, cuja presidência assegurava. Esta regra foi, porém, revogada pelo artigo 32._ do Decreto-Lei n._ 331, de 30 de Agosto de 1992 (a seguir «Decreto-Lei n._ 331/1992»). Os membros do CNSD são eleitos por três anos e podem ser reeleitos (artigo 13._, n._ 2, da Lei n._ 1612/1960).
6 Só podem ser eleitos membros dos conselhos regionais ou do CNSD os despachantes alfandegários inscritos nos registos (artigos 8._, segundo parágrafo, e 22._, segundo parágrafo, do decreto do ministro das Finanças de 10 de Março de 1964).
7 O CNSD está encarregado designadamente de fixar a tabela de preços dos serviços profissionais prestados pelos despachantes alfandegários, com base nas propostas dos conselhos regionais [artigo 14._, alínea d), da Lei n._ 1612/1960]. Esta tabela é obrigatória (artigo 11._, segundo parágrafo, da Lei n._ 1612/1960). Os infractores sujeitam-se a medidas disciplinares, que vão desde a repreensão até à suspensão temporária do registo em caso de reincidência, ou mesmo até à exclusão definitiva do registo em caso de duas suspensões em cinco anos decididas pelo conselho regional (artigos 38._ a 40._ do decreto do ministro das Finanças, de 10 de Março de 1964, que regulamenta a Lei n._ 1612/1960, GURI, supplemento ordinario, n._ 102, de 24 de Abril de 1964).
8 Na sua reunião de 21 de Março de 1988, o CNSD aprovou a tabela de preços dos serviços profissionais prestados pelos despachantes alfandegários (a seguir «tabela»), nos seguintes termos:
«A presente tabela fixa os preços mínimos e máximos a aplicar às operações aduaneiras e à prestação de serviços de natureza monetária, comercial ou fiscal, incluindo o contencioso fiscal. A fixação concreta do preço entre o limite mínimo e máximo terá em consideração as características, a natureza e a importância da prestação» (artigo 1._).
«Nos termos do disposto no artigo 1._, é proibida qualquer derrogação, perante o mandante, da presente tabela, a qual anula qualquer convenção em contrário...» (artigo 5._).
«O Conselho Nacional dos Despachantes Alfandegários pode fixar derrogações especiais e/ou temporárias aos limites mínimos previstos pela presente tabela» (artigo 6._).
«O Conselho Nacional dos Despachantes Alfandegários procederá à actualização da presente tabela, em conformidade com os índices fornecidos pelo ISTAT (Instituto Central de Estatística) - sector industrial - a partir da data da decisão correspondente» (artigo 7._).
9 Esta tabela foi aprovada pelo ministro das Finanças italiano por decreto de 6 de Julho de 1988 (GURI n._ 168, de 19 de Julho de 1988, p. 19).
10 Em aplicação do artigo 7._ da tabela, o CNSD decidiu, na sua reunião de 15 de Dezembro de 1989, aumentar em 8% os preços constantes da tabela a partir de 1 de Janeiro de 1990 (comunicação do Ministério das Finanças publicada no GURI n._ 299, de 23 de Dezembro de 1989).
11 A Comissão deu início a três procedimentos distintos contra a legislação italiana.
12 Em 24 de Março de 1992, intentou no Tribunal de Justiça uma acção destinada a obter a declaração de que a República Italiana tinha infringido os artigos 9._ e 12._ do Tratado CE ao aprovar a tabela. Esta acção foi julgada improcedente por acórdão de 9 de Fevereiro de 1994, Comissão/Itália (C-119/92, Colect., p. I-393), por o importador não estar obrigado a recorrer em todos os casos aos serviços de um despachante oficial (n._ 46).
13 Em 30 de Junho de 1993, a Comissão adoptou a Decisão 93/438/CEE relativa a um processo de aplicação do artigo 85._ do Tratado CEE (IV/33.407 - CNSD; JO L 203, p. 27), pela qual considerou que a tabela constituía uma infracção ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado. O CNSD interpôs um recurso de anulação desta decisão, que está actualmente pendente no Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (processo T-513/93), que decidiu suspender a instância até ser proferido acórdão pelo Tribunal de Justiça no presente processo (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Maio de 1996, não publicado na Colectânea).
14 Finalmente, considerando que a legislação nacional em causa infringia os artigos 5._ e 85._ do Tratado, a Comissão deu início ao procedimento pré-contencioso que está na origem da presente acção.
15 Por carta de 18 de Outubro de 1993, a Comissão convidou o Governo italiano a apresentar as suas observações a este respeito no prazo de dois meses.
16 Não tendo obtido qualquer resposta, em 21 de Junho de 1995, a Comissão endereçou à República Italiana um parecer fundamentado, convidando-a a tomar as medidas necessárias para proceder em conformidade no prazo de dois meses a contar da sua notificação.
17 Não tendo as autoridades italianas dado seguimento a este parecer fundamentado, a Comissão intentou no Tribunal de Justiça a presente acção.
18 Por requerimento apresentado em 15 de Maio de 1996, o Governo italiano levantou a questão prévia de inadmissibilidade, nos termos do disposto no artigo 91._, n._ 1, do Regulamento de Processo.
19 O Tribunal decidiu remeter para final a decisão desta questão.
20 O Governo italiano não contestou a acção.
Quanto à questão prévia de inadmissibilidade
21 Com o seu primeiro fundamento, o Governo italiano alega que a Comissão não podia intentar uma nova acção por incumprimento com base em acusações fundadas nos artigos 5._ e 85._ do Tratado, sem desistir da primeira acção, na qual invocava violação dos artigos 9._ e 12._ do Tratado.
22 E isso, em primeiro lugar, porque as práticas impugnadas ou consistem na imposição de uma taxa ou na celebração de um acordo por uma associação de empresas ratificado pelo Estado-Membro em causa, mas não podem ser as duas coisas simultaneamente.
23 Resultaria ainda da economia geral das regras respeitantes à acção por incumprimento que, uma vez intentada a acção, o Tribunal de Justiça deve inevitavelmente proferir um acórdão em que se pronuncie quanto ao mérito, salvo se o demandante desistir do pedido. Portanto, se a Comissão chegar à conclusão que o Estado não faltou às obrigações cujo desrespeito lhe era imputado no parecer fundamentado emitido no âmbito do primeiro processo, mas a outras obrigações incompatíveis com as primeiras, não pode simultaneamente continuar a solicitar ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre esse parecer e dar início a nova acção em que está em causa uma acusação distinta e incompatível com a primeira.
24 Por último, alega que a Comissão, ao assim proceder, violou os direitos de defesa do Governo italiano, porque o teria obrigado a defender-se simultaneamente em dois processos que têm por objecto os mesmos factos, mas que se baseiam em disposições diferentes.
25 Através do segundo fundamento que invoca, o Governo italiano alega a existência de lacunas na carta de interpelação e no parecer fundamentado. Só a petição conteria assim uma análise detalhada dos elementos constitutivos da alegada infracção ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado. Tanto na carta de interpelação como no parecer fundamentado, a Comissão ter-se-ia limitado, ao invés, relativamente à violação do artigo 85._, n._ 1, a remeter para a Decisão 93/438. Ora, segundo jurisprudência constante, o parecer fundamentado deve conter uma exposição coerente e pormenorizada das razões que criaram na Comissão a convicção de que o Estado interessado não cumpriu obrigações que lhe incumbem por força do Tratado (acórdão de 11 de Julho de 1991, Comissão/Portugal, C-247/89, Colect., p. I-3659).
26 Quanto ao primeiro fundamento, além do facto de só a interpelação no presente processo ter sido efectuada numa altura em que o Tribunal de Justiça ainda não tinha proferido o seu acórdão no processo C-119/92, deve recordar-se que, nos termos dos artigos 155._ e 169._ do Tratado CE, a Comissão é a guardiã da legalidade comunitária. Nesta qualidade, incumbe-lhe velar, no interesse geral comunitário, pela boa aplicação do Tratado pelos Estados-Membros e obter a declaração da existência de eventuais incumprimentos das obrigações dele derivadas, tendo como objectivo a sua cessão (acórdão de 4 de Abril de 1974, Comissão/França, 167/73, Colect., p. 187, n._ 15).
27 Compete, pois, à Comissão apreciar a escolha do momento da propositura da acção contra um Estado-Membro, indicar as disposições alegadamente violadas e escolher o momento em que dá início ao procedimento por incumprimento contra esse Estado, pelo que as considerações que determinam essa escolha não podem afectar a admissibilidade da acção (acórdão de 1 de Junho de 1994, Comissão/Alemanha, C-317/92, Colect., p. I-2039, n._ 4).
28 Por outro lado, como o objecto do litígio submetido ao Tribunal está circunscrito pelo parecer fundamentado, dado que a acção judicial se deve basear nos mesmos argumentos e fundamentos do que este (acórdãos de 7 de Fevereiro de 1984, Comissão/Itália, 166/82, Recueil, p. 459, n._ 16; de 1 de Dezembro de 1993, Comissão/Dinamarca, C-234/91, Colect., p. I-6273, n._ 16, e de 12 de Janeiro de 1994, Comissão/Itália, C-296/92, Colect., p. I-1, n._ 11), a Comissão não tem qualquer outra possibilidade, quando considera que uma legislação nacional contestada infringe regras de direito comunitário, infracções estas cuja existência pretende ver declarada, que não a de dar início a um novo procedimento por incumprimento, a fim de cumprir plenamente as missões que lhe são confiadas pelos artigos 155._ e 169._ do Tratado.
29 Resulta do que precede que o facto de um Estado-Membro dever defender-se em dois processos distintos que têm por objecto os mesmos factos mas que se baseiam em disposições diferentes não pode, por si só, ser constitutivo de uma violação dos direitos da defesa. Além disso, o Governo italiano não adiantou qualquer outro dado susceptível de demonstrar que o desenrolar dos dois processos, tomados separadamente ou mesmo cumulativamente, originou uma violação dos seus direitos de defesa.
30 Relativamente ao segundo fundamento, basta verificar que o parecer fundamentado contém uma exposição coerente e precisa das razões que levaram a Comissão à convicção de que o Estado interessado não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.
31 Com efeito, embora sucintamente, a carta de interpelação e o parecer fundamentado determinam claramente o objecto do litígio. Além disso, remetem ambos expressamente para a Decisão 93/438, na qual a Comissão expôs pormenorizadamente o quadro de facto e jurídico em que é exercida a actividade dos despachantes alfandegários e do CNSD (parte I, «Os factos», pp. 27 a 31), dando a seguir a sua apreciação jurídica de modo igualmente pormenorizado (parte II, «Apreciação jurídica», pp. 31 a 33). Finalmente, a carta de interpelação e o parecer fundamentado contêm uma exposição detalhada da única questão que não foi abordada na Decisão 93/428, a da imputação à República Italiana da infracção ao direito comunitário alegadamente cometida pelo CNSD.
32 A acção é, pois, admissível.
Quanto ao mérito
33 A fim de decidir sobre a acção por incumprimento intentada pela Comissão, deve, em primeiro lugar, examinar-se se a tabela constitui uma decisão de uma associação de empresas na acepção do artigo 85._ do Tratado.
34 Na audiência, o Governo italiano sustentou que se, por exercer uma profissão liberal, tal como um advogado, um geómetra ou um intérprete, o despachante alfandegário é um trabalhador independente, não pode todavia considerar-se empresa para efeitos do artigo 85._ do Tratado, porque os serviços que presta têm natureza intelectual e porque o exercício dessa profissão exige uma licença e implica que sejam observadas determinadas condições. O Tratado distinguiria, aliás, entre trabalhadores independentes e empresas, de modo que qualquer actividade não assalariada não seria necessariamente exercida no quadro de uma empresa. Além disso, faltaria o elemento organizacional indispensável, isto é, a conjunção de elementos pessoais, materiais e incorpóreos afectados, de forma duradoura, ao prosseguimento de um objectivo económico determinado.
35 Não sendo os despachantes alfandegários independentes empresas, o CNSD não poderia constituir, por maioria de razão, uma associação de empresas na acepção do artigo 85._ do Tratado.
36 Deve esclarecer-se em primeiro lugar que, segundo jurisprudência constante, o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e modo de funcionamento (acórdãos de 23 de Abril de 1991, Höfner e Elser, C-41/90, Colect., p. I-1979, n._ 21; de 16 de Novembro de 1995, Fédération française des sociétés d'assurances e o., C-244/94, Colect., p. I-4013, n._ 14, e de 11 de Dezembro de 1997, Job Centre, C-55/96, Colect., p. I-7119, n._ 21) e que qualquer actividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado constitui uma actividade económica (acórdão de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália, 118/85, Colect., p. 2599, n._ 7).
37 Ora, a actividade exercida pelos despachantes alfandegários tem natureza económica. Com efeito, estes prestam, contra remuneração, serviços consistentes no cumprimento de formalidades aduaneiras, essencialmente formalidades relacionadas com a importação, a exportação e o trânsito de mercadorias, bem como outros serviços complementares, como serviços nos domínios monetário, comercial e fiscal. Assumem, além disso, os riscos financeiros inerentes ao exercício dessa actividade (acórdão de 16 de Dezembro de 1975. Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n._ 541). Em caso de desequilíbrio entre as despesas e as receitas, o despachante alfandegário tem que suportar ele próprio os défices.
38 Nestas condições, o facto de a actividade do despachante alfandegário ser uma actividade intelectual, necessitar de uma licença e poder ser prosseguida sem a conjunção de elementos materiais, incorpóreos e humanos não é susceptível de a excluir do âmbito de aplicação dos artigos 85._ e 86._ do Tratado CE.
39 Deve examinar-se, de seguida, se uma organização profissional como o CNSD se comporta como uma associação de empresas, na acepção do n._ 1 do artigo 85._ do Tratado, para efeitos de elaboração da tabela.
40 Deve recordar-se, a este propósito, que o estatuto de direito público de um organismo nacional como o CNSD não obsta à aplicação do artigo 85._ do Tratado. Segundo os seus próprios termos, este artigo aplica-se a acordos entre empresas e a decisões de associações de empresas. Em consequência, o quadro jurídico em que esses acordos são celebrados e em que são tomadas essas decisões, tal como a qualificação jurídica dada a esse quadro pelas diferentes ordens jurídicas nacionais, não relevam para efeitos da aplicabilidade das regras comunitárias da concorrência, e designadamente do artigo 85._ do Tratado (acórdão de 30 de Janeiro de 1985, Clair, 123/83, Recueil, p. 391, n._ 17).
41 Além disso, os membros do CNSD são representantes dos despachantes alfandegários, aos quais nada na legislação nacional em causa impede de agir no interesse exclusivo da profissão.
42 Com efeito, por um lado, os membros do CNSD só podem ser despachantes alfandegários inscritos nos registos, visto que são eleitos de entre os membros dos conselhos regionais, dos quais só fazem parte despachantes alfandegários (artigos 13._ da Lei n._ 1612/1960, 8._, segundo parágrafo, e 22._, segundo parágrafo, do decreto do ministro das Finanças de 10 de Março de 1964). Importa sublinhar a este respeito que, desde a alteração efectuada pelo Decreto-Lei n._ 331/1992, o director-geral das alfândegas deixou de participar no CNSD na qualidade de presidente. Finalmente, o ministro das Finanças italiano, ao qual compete a supervisão da organização profissional em causa, não pode intervir na designação dos membros dos conselhos regionais e do CNSD.
43 Por outro lado, o CNSD está incumbido de elaborar a tabela de preços das prestações profissionais dos despachantes alfandegários com base nas propostas dos conselhos regionais [artigo 14._, alínea d), da Lei n._ 1612/1960]. Quanto a este aspecto, nenhuma regra da legislação nacional em causa obriga ou sequer incita os membros do CNSD ou dos conselhos regionais a ter em conta critérios de interesse público.
44 De onde resulta que os membros do CNSD não podem ser qualificados como peritos independentes (v. neste sentido os acórdãos de 17 de Novembro de 1993, Reiff, C-185/91, Colect., p. I-5801, n.os 17 e 19; de 9 de Junho de 1994, Delta Schiffahrts- und Speditionsgesellschaft, C-153/93, Colect., p. I-2517, n.os 16 e 18, e de 17 de Outubro de 1995, DIP e o., C-140/94 a C-142/94, Colect., p. I-3257, n.os 18 e 19) e que não estão legalmente obrigados a fixar as tabelas tomando em consideração não apenas os interesses das empresas ou das associações de empresas do sector que os designou, mas igualmente o interesse geral e os interesses das empresas dos outros sectores ou dos utentes dos serviços em causa (acórdãos Reiff, n.os 18 e 24; Delta Schiffahrts- und Speditionsgesellschaft, n._ 17 e DIP e o., n._ 18, já referidos).
45 Em segundo lugar, há que reconhecer que as decisões através das quais o CNSD fixou uma tabela uniforme e obrigatória para todos os despachantes alfandegários restringem a concorrência na acepção do artigo 85._ do Tratado e que são susceptíveis de afectar o comércio intracomunitário.
46 Com efeito, a tabela fixa directamente o preço dos serviços dos despachantes alfandegários. Prevê, para cada um dos diferentes tipos de operações, os preços máximos e mínimos que podem ser pedidos aos clientes. Além disso, a tabela fixa diferentes escalões em função do valor ou do peso da mercadoria a desalfandegar, do tipo específico de mercadoria, ou mesmo do tipo de prestação profissional (artigo 1._).
47 Finalmente, a tabela é imperativa (artigo 5._), de modo que um despachante não pode por sua própria iniciativa afastar-se dessa tabela. Só o CNSD está habilitado a autorizar derrogações (artigo 6._).
48 Quanto à incidência sobre o comércio intracomunitário, basta recordar que um acordo que se estende a todo o território de um Estado-Membro tem, pela sua própria natureza, por efeito consolidar barreiras de carácter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado (acórdãos de 17 de Outubro de 1972, Vereeniging van Cementhandelaren/Comissão, 8/72, Colect., p. 333, n._ 29, e de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Recueil, p. 2545, n._ 22).
49 Esta incidência é ainda mais significativa no presente caso em que diversos tipos de operações de importação ou de exportação de mercadorias no interior da Comunidade, bem como operações efectuadas entre operadores comunitários, exigem o cumprimento de formalidades aduaneiras e podem, por conseguinte, tornar necessária a intervenção de um despachante alfandegário independente inscrito no registo.
50 É o caso das operações denominadas de «trânsito interno», que abrangem o envio de mercadorias de Itália para um Estado-Membro, quer dizer, de um ponto para outro do território aduaneiro da Comunidade, através do trânsito por um país terceiro (por exemplo, a Suíça). Este tipo de operações reveste uma particular importância em Itália, dado que uma grande parte das mercadorias expedidas das regiões do noroeste do país em direcção da Alemanha e dos Países Baixos transita pela Suíça.
51 Resulta de quanto precede que, ao aprovar a tabela, o CNSD infringiu o artigo 85._, n._ 1, do Tratado.
52 Em terceiro lugar, há que examinar em que medida esta infracção pode ser imputada à República Italiana.
53 Recorde-se a este respeito que, se é verdade que o artigo 85._ do Tratado, considerado isoladamente, diz apenas respeito à actuação das empresas e não a medidas legislativas ou regulamentares dos Estados-Membros, não é menos certo que este artigo, conjugado com o artigo 5._ do Tratado, impõe aos Estados-Membros que não tomem ou mantenham em vigor medidas, mesmo de natureza legislativa ou regulamentar, susceptíveis de eliminar o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas (relativamente ao artigo 85._ do Tratado, v. os acórdãos de 21 de Setembro de 1988, Van Eycke, 267/86, Colect., p. 4769, n._ 16, Reiff, já referido, n._ 14, e Delta Schiffahrts- und Speditionsgesellschaft, já referido, n._ 14; quanto ao artigo 86._ do Tratado, v. o acórdão de 16 de Novembro de 1977, GB-Inno-BM, 13/77, Colect., p. 753, n._ 31).
54 É o que se passa designadamente quando um Estado-Membro impõe ou facilita a celebração de acordos contrários ao artigo 85._, quando reforça os efeitos ou retira à sua própria legislação o seu carácter estatal, delegando em operadores privados a responsabilidade da tomada de decisões de intervenção em matéria económica (acórdãos Van Eycke, n._ 16; Reiff, n._ 14, e Delta Schiffahrts- und Speditionsgesellschaft, n._ 14, já referidos).
55 É forçoso reconhecer que, ao aprovar a legislação nacional em causa, a República Italiana não só ordenou a celebração de um acordo contrário ao artigo 85._ do Tratado e renunciou a influenciar o seu teor, como contribuiu desse modo para assegurar a sua observância.
56 Em primeiro lugar, o artigo 14._, alínea d), da Lei n._ 1612/1960 impõe ao CNSD a elaboração de uma tabela obrigatória e uniforme para as prestações de serviços dos despachantes alfandegários.
57 Em segundo lugar, como resulta dos n.os 41 a 44 do presente acórdão, a legislação nacional em causa prescindiu totalmente a favor dos operadores económicos privados da competência das autoridades públicas em matéria de fixação de preços.
58 Em terceiro lugar, a legislação italiana proíbe expressamente os despachantes alfandegários inscritos no registo de efectuarem derrogações à tabela (artigo 11._ da Lei n._ 1612/1960), sob pena de proibição, de suspensão ou de exclusão definitiva do registo (artigos 38._ a 40._ do decreto do ministro das Finanças de 10 de Março de 1964).
59 Em quarto lugar, se é verdade que nenhuma disposição legal ou regulamentar confere ao ministro das Finanças poderes para aprovar a tabela, não é menos certo que o decreto do ministro das Finanças de 6 de Julho de 1988 conferiu à tabela a aparência de regulamentação pública. Em primeiro lugar, a sua publicação na «Série geral» da Gazetta ufficiale della Repubblica italiana criou uma presunção de conhecimento da tabela por terceiros à qual a decisão do CNSD não teria podido nunca aceder. Em segundo lugar, o carácter oficial desse modo atribuído à tabela facilita a aplicação pelos despachantes alfandegários dos preços por ela fixados. Finalmente, é susceptível de dissuadir os clientes que pretendam contestar os preços praticados pelos despachantes alfandegários.
60 Tendo em consideração quanto precede, deve declarar-se que a República Italiana, ao adoptar e ao manter em vigor uma lei que impõe ao CNSD, através da atribuição do correspondente poder de decisão, a adopção de uma decisão de associação de empresas contrária ao artigo 85._ do Tratado, consistente na fixação de uma tabela obrigatória para todos os despachantes alfandegários, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5._ e 85._ do mesmo Tratado.
Quanto às despesas
61 Por força do disposto no n._ 2 do artigo 69._ do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Italiana sido vencida, há que condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Quinta Secção)
decide:
62 A República Italiana, ao adoptar e ao manter em vigor uma lei que impõe ao Conselho Nacional de Despachantes Alfandegários (Consiglio nazionale degli spedizionieri doganali - CNSD), através da atribuição do correspondente poder de decisão, a adopção de uma decisão de associação de empresas contrária ao artigo 85._ do Tratado CE, consistente na fixação de uma tabela obrigatória para todos os despachantes alfandegários, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5._ e 85._ do mesmo Tratado.
63 A República Italiana é condenada nas despesas.