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Documento 61995CJ0183

Acórdão do Tribunal de 17 de Julho de 1997.
Affish BV contra Rijksdienst voor de keuring van Vee en Vlees.
Pedido de decisão prejudicial: College van Beroep voor het Bedrijfsleven - Países Baixos.
Polícia sanitária - Medida de salvaguarda - Princípio da proporcionalidade - Princípio da protecção da confiança legítima - Validade da Decisão 95/119/CE da Comissão.
Processo C-183/95.

Colectânea de Jurisprudência 1997 I-04315

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1997:373

61995J0183

Acórdão do Tribunal de 17 de Julho de 1997. - Affish BV contra Rijksdienst voor de keuring van Vee en Vlees. - Pedido de decisão prejudicial: College van Beroep voor het Bedrijfsleven - Países Baixos. - Polícia sanitária - Medida de salvaguarda - Princípio da proporcionalidade - Princípio da protecção da confiança legítima - Validade da Decisão 95/119/CE da Comissão. - Processo C-183/95.

Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-04315


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Agricultura - Aproximação das legislações em matéria de política sanitária - Controlos veterinários dos produtos provenientes de países terceiros - Directiva 90/675 - Medidas de salvaguarda - Proibição total de importar lotes de produtos da pesca em proveniência da totalidade do Japão - Violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade ou da protecção da confiança legítima - Desvio de poder - Fundamentação insuficiente - Inexistência

(Directiva 90/675 do Conselho, artigo 19._, n._ 1; Decisão 95/119 da Comissão)

Sumário


A Decisão 95/119, relativa a determinadas medidas de protecção respeitantes aos produtos da pesca originários do Japão, na medida em que impõe, na sequência da verificação por uma missão de peritos da Comissão de graves deficiências em matéria de higiene e de controlo das condições de produção e de armazenagem dos produtos da pesca, uma proibição total de importar lotes destes produtos em proveniência de todo o território japonês, não viola nem os princípios da proporcionalidade, da igualdade ou da protecção da confiança legítima, nem se encontra viciada por um desvio de poder ou por insuficiência de fundamentação. A este respeito, e mais especialmente quanto ao princípio da proporcionalidade, a decisão respeita o critério enunciado no artigo 19._, n._ 1, da Directiva 90/675, que fixa os princípios relativos à organização dos controlos veterinários dos produtos provenientes de países terceiros introduzidos na Comunidade, com base no qual foi adoptada e que prevê, se no território de um país terceiro se manifestar uma doença ou causa susceptível de constituir perigo grave para os animais ou a saúde humana, nomeadamente em razão das verificações feitas pelos peritos veterinários da Comissão, a possibilidade de adoptar medidas de salvaguarda «em função da gravidade da situação».

Com efeito, quanto ao facto de a decisão não limitar a suspensão das importações a uma parte do território japonês, não se pode acusar a Comissão de se ter limitado a controlar um número restrito de estabelecimentos de exportação, na medida em que, por um lado, estes controlos eram fiáveis e em que, por outro, os seus resultados podiam ser extrapolados de modo adequado para descrever a situação na totalidade do país em causa. Quanto ao facto de a decisão não optar por uma medida de salvaguarda menos restritiva, consistente em recorrer a um controlo efectuado quando da importação de produtos japoneses, os controlos sanitários efectuados no estádio da produção são não só claramente mais eficazes e mais práticos que os efectuados quando da importação, como constituem igualmente a base das directivas veterinárias e sanitárias. Além disso, quanto à restrição da actividade profissional dos operadores, cujos rendimentos resultam em grande parte da importação de produtos da pesca provenientes do Japão, não se pode considerar que a decisão constitua uma intervenção desmesurada, dado que satisfaz as exigências de proporcionalidade impostas pelo artigo 19._, n._ 1, da Directiva 90/675, que se destinam precisamente a garantir o respeito dos interesses dos operadores económicos, e que à protecção da saúde pública, que a decisão tem por objectivo garantir, deve ser atribuída uma importância preponderante relativamente às considerações económicas.

Partes


No processo C-183/95,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, pelo presidente do College van Beroep voor het Bedrijfsleven (Países Baixos), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Affish BV

e

Rijksdienst voor de keuring van Vee en Vlees,

uma decisão a título prejudicial sobre a validade da Decisão 95/119/CE da Comissão, de 7 de Abril de 1995, relativa a determinadas medidas de protecção respeitantes aos produtos da pesca originários do Japão (JO L 80, p. 56),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J. L. Murray e L. Sevón (relator), presidentes de secção, P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann, D. A. O. Edward, J. -P. Puissochet, G. Hirsch, P. Jann, H. Ragnemalm e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: G. Cosmas,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Affish BV, por W. Knibbeler, advogado no foro de Roterdão,

- em representação do Governo neerlandês, por A. Bos, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

- em representação do Governo italiano, pelo professor U. Leanza, chefe do serviço do contencioso diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por P. G. Ferri, avvocato dello Stato,

- em representação do Governo finlandês, por H. Rotkirch, embaixador, chefe do serviço dos assuntos jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por T. van Rijn, consultor jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Affish BV, representada por W. Knibbeler, do Governo neerlandês, representado por M. A. Fierstra, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo do Reino Unido, representado por L. Nicoll, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, e D. Anderson, barrister, e da Comissão, representada por T. van Rijn e P. J. Kuyper, consultor jurídico, na qualidade de agente, na audiência de 24 de Setembro de 1996,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 10 de Dezembro de 1996,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 24 de Maio de 1995, entrada no Tribunal de Justiça em 12 de Junho seguinte, o presidente do College van Beroep voor het Bedrijfsleven colocou, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE, uma questão prejudicial relativa à validade da Decisão 95/119/CE da Comissão, de 7 de Abril de 1995, relativa a determinadas medidas de protecção respeitantes aos produtos da pesca originários do Japão (JO L 80, p. 56, a seguir «decisão controvertida»).

2 Esta questão foi suscitada num processo de medidas provisórias que opõe a Affish BV (a seguir «Affish») ao Rijksdienst voor de keuring van Vee en Vlees (a seguir «Rijksdienst»), quanto à proibição de importação de lotes de produtos da pesca originários do Japão.

Enquadramento jurídico

3 A Directiva 91/493/CEE do Conselho, de 22 de Julho de 1991, que adopta as normas sanitárias relativas à produção e à colocação no mercado dos produtos da pesca (JO L 268, p. 15), e, em especial, os seus artigos 10._ a 12._ contêm disposições aplicáveis no domínio veterinário à importação de produtos da pesca provenientes de países terceiros.

4 O artigo 10._, primeiro parágrafo, desta directiva introduz o princípio segundo o qual as disposições aplicáveis às importações de produtos da pesca provenientes de países terceiros devem ser pelo menos equivalentes às relativas à produção e à colocação no mercado dos produtos comunitários. Segundo o artigo 11._, n._ 1, desta directiva, serão estabelecidas para cada país ou grupo de países terceiros, em função da situação sanitária do país terceiro em questão, condições especiais de importação.

5 Nos termos do artigo 11._, n._ 7, desta mesma directiva, «Enquanto se aguarda a fixação das condições de importação prevista no n._ 1, os Estados-Membros zelarão por que sejam aplicadas aos produtos da pesca provenientes de países terceiros condições que sejam, pelo menos, equivalentes às relativas à produção e à colocação no mercado dos produtos comunitários».

6 Através de várias decisões sucessivas do Conselho e da Comissão, foram adoptadas medidas transitórias no que diz respeito à certificação dos produtos da pesca em proveniência de países terceiros, a fim de facilitar a aplicação do regime previsto pela Directiva 91/493.

7 Segundo o artigo 12._ desta última directiva, as normas e os princípios previstos na Directiva 90/675/CEE do Conselho, de 10 de Dezembro de 1990, que fixa os princípios relativos à organização dos controlos veterinários dos produtos provenientes de países terceiros introduzidos na Comunidade (JO L 373, p. 1), são aplicáveis, nomeadamente no que se refere à organização e ao seguimento a dar aos controlos a efectuar pelos Estados-Membros e às medidas de salvaguarda a aplicar.

8 O artigo 19._ da Directiva 90/675 prevê a possibilidade de adoptar medidas de salvaguarda. O n._ 1 deste artigo dispõe:

«Se no território de um país terceiro se manifestar ou se propagar uma doença prevista na Directiva 82/894/CEE (do Conselho, de 21 de Dezembro de 1982, relativa à notificação de doenças dos animais na Comunidade, JO L 378, p. 58; EE 03 F26 p. 227), uma zoonose, uma doença ou causa susceptível de constituir perigo grave para os animais ou a saúde humana, ou se qualquer outra razão grave de polícia sanitária ou de protecção da saúde pública o justificar, nomeadamente em razão das verificações feitas pelos peritos veterinários, a Comissão, por sua própria iniciativa ou a pedido de um Estado-Membro, adoptará sem demora, e em função da gravidade da situação, uma das seguintes medidas:

- suspensão das importações provenientes da totalidade ou de parte do país terceiro em questão e, eventualmente, do país terceiro de trânsito,

- fixação de condições especiais para os produtos provenientes da totalidade ou de parte do país terceiro em questão.»

9 Com base no artigo 19._ da Directiva 90/675, a Comissão adoptou a decisão controvertida. O artigo 1._ desta última dispõe que «Os Estados-Membros proibirão a importação dos lotes de produtos da pesca sob todas as suas formas, originários do Japão». O artigo 3._ prevê que os Estados-Membros alterarão as medidas que aplicam às importações para torná-las conformes a essa decisão e que informarão a Comissão desse facto.

10 Os primeiro e terceiro considerandos da decisão controvertida têm a seguinte redacção:

«Considerando que uma missão de peritos da Comissão se deslocou ao Japão para verificar as condições de produção e de transformação dos produtos da pesca exportados para a Comunidade; que, de acordo com as verificações destes peritos, as garantias oficialmente dadas pelas autoridades japonesas não são respeitadas e as condições de produção e de armazenagem dos produtos da pesca apresentam graves deficiências em matéria de higiene e de controlo que podem constituir riscos para a protecção de saúde pública;

Considerando que é importante suspender as importações de todos os produtos da pesca originários do Japão, na pendência de uma melhoria das condições de higiene e do controlo das produções.»

11 Nos Países Baixos, a decisão controvertida foi implementada pelo decreto de 13 de Abril de 1995 (Stcrt. 1995, p. 74) que altera a Warenwetregeling Invoerverbod bepaalde visserijprodukten uit Japan (Stcrt. 1994, p. 86). O artigo 1._ deste diploma, alterado, entrado em vigor em 15 de Abril de 1995, dispõe que os lotes de produtos da pesca originários do Japão não podem ser introduzidos no território neerlandês seja sob que forma for.

O processo principal

12 A Affish é uma empresa privada estabelecida em Roterdão (Países Baixos). Importa principalmente do Japão produtos ultracongelados à base de peixe e distribui-os no mercado comunitário. Para o efeito, a Affish mantém relações comerciais com os estabelecimentos Hanwa Co. Ltd, de Osaka (Japão). Estes últimos representam quatro fabricantes estabelecidos neste país, que transformam surimi - peixe transformado no mar em produto semiacabado - num produto de peixe denominado «kamaboko».

13 Por decisão de 2 de Maio de 1995, o Rijksdienst, invocando a decisão controvertida, recusou à Affish a autorização de importação de certos lotes de «kamaboko», originários do Japão e expedidos no final do mês de Março de 1995. Estes lotes tinham sido objecto de certificados sanitários emitidos pelas autoridades japonesas.

14 Por requerimento de 3 de Maio de 1995, a Affish apresentou ao presidente do College van Beroep voor het Bedrijfsleven, um pedido de medidas provisórias destinado à suspensão da decisão do Rijksdienst e a que só fosse permitido a este último recusar a importação dos lotes de produtos da pesca atrás evocados e dos lotes a importar futuramente pela Affish em proveniência do Japão por motivos relacionados com a protecção da saúde e da vida das pessoas e animais, devendo essa recusa apoiar-se em exames laboratoriais realizados pelo Rijksdienst ou a seu pedido.

15 A fim de fundamentar o seu pedido, a Affish sustentou que a decisão controvertida era inválida porque violava o artigo 19._ da Directiva 90/675 e o princípio da proporcionalidade, bem como o princípio da igualdade, dado que aquela decisão prejudica os produtos importados do Japão relativamente aos importados da Tailândia e da Coreia.

16 Além disso, a Affish alegou que a decisão controvertida ignorava os artigos 2._, 4._ e 5._ do Acordo relativo à aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias (JO 1994, L 336, p. 40, a seguir «Acordo MSF»), que faz parte do Anexo 1 A do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336, p. 1). A Affish acrescentou que, mesmo que se considere que o Acordo MSF não pode ter efeito directo na Comunidade, há que interpretar o direito comunitário, e nomeadamente o artigo 19._ da Directiva 90/675, à luz deste acordo.

17 A título subsidiário, a Affish alegou que o Reino dos Países Baixos tinha dado execução à decisão controvertida ignorando o princípio comunitário da protecção da confiança legítima, dado que a legislação nacional não previa qualquer disposição transitória quanto aos lotes já expedidos.

18 Na sua decisão de reenvio, o presidente do College van Beroep voor het Bedrijfsleven reproduziu em primeiro lugar o relatório preliminar da missão de peritos da Comissão, evocada no primeiro considerando da decisão controvertida e realizada de 27 a 31 de Março de 1995. Este relatório, datado de 4 de Abril de 1995, tece, em primeiro lugar, considerações gerais relativas aos estabelecimentos que preparam produtos da pesca, em segundo, expõe nomeadamente os resultados da visita de três estabelecimentos japoneses especializados na produção de vieiras e, em terceiro lugar, refere a visita de quatro estabelecimentos, que preparam outros produtos da pesca, e do mercado do peixe de Tóquio. O relatório conclui: «Os estabelecimentos visitados de vieiras e de produtos da pesca não são conformes às exigências da Directiva 91/493/CEE. Alguns apresentam graves riscos para a saúde pública. Os controlos efectuados pela autoridade competente não são suficientemente rigorosos para garantir que não haja fraudes quanto à origem dos produtos». Este relatório inclui igualmente os relatórios individuais de visitas dos sete estabelecimentos.

19 O juiz de reenvio rejeitou em seguida o argumento apresentado a título subsidiário pela Affish, porque nem a decisão controvertida, nem a Directiva 90/675, nem qualquer outra disposição de direito comunitário permitiam aos Estados-Membros dar execução à decisão prevendo um regime transitório para os lotes já expedidos.

20 Por fim, considerou que, prima facie, a validade da decisão controvertida podia ser seriamente posta em causa, muito em especial face às condições enunciadas no artigo 19._ da Directiva 90/675. O juiz nacional acrescentou que, limitando-se os outros fundamentos invocados pela Affish a afirmar que a medida impugnada era desproporcionada face a essa mesma disposição, não haveria que analisá-los separadamente.

21 Nestas condições, o presidente do College van Beroep voor het Bedrijfsleven suspendeu a decisão do Rijksdienst a respeito de determinados lotes, especificados na sua decisão, o mais tardar até que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial colocada. Submeteu esta suspensão à condição de que:

- o Rijksdienst sujeite os lotes de produtos à base de peixe em causa a um exame tão aprofundado quanto o permita o estado actual da ciência a fim de detectar as eventuais deficiências em matéria de protecção da saúde e da vida das pessoas e animais;

- o mesmo Rijksdienst só autorize a colocação no mercado comunitário dos lotes em questão se o referido exame demonstrar, segundo ele, de modo suficiente a inexistência de deficiências.

A questão prejudicial

22 A questão prejudicial colocada pelo presidente do College van Beroep voor het Bedrijfsleven tem a seguinte redacção:

«É válida, tendo em conta as considerações feitas na presente decisão, a Decisão 95/119/CE da Comissão, de 7 de Abril de 1995, na medida em que abrange produtos da pesca-Surimi, denominados kamaboko, como os importados pela demandante, provenientes de regiões do Japão distintas daquelas em que se encontram os estabelecimentos inspeccionados por uma missão de peritos da Comissão, segundo consta do seu relatório de 4 de Abril de 1995, ou pelo menos de estabelecimentos distintos dos inspeccionados, sendo que em relação a tais produtos, após adequado controlo à sua chegada à Comunidade, não foi demonstrada a existência de riscos para a saúde?»

Quanto ao procedimento

23 A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que complete a sua jurisprudência relativa às condições de suspensão, por um órgão jurisdicional nacional, de um acto de uma autoridade administrativa nacional que se funde num acto comunitário cuja validade é contestada. Segundo a Comissão, nesse caso, a instituição comunitária que adoptou o acto em questão devia ter a possibilidade de ser ouvida de modo adequado pelo órgão jurisdicional nacional.

24 Segundo jurisprudência constante, a faculdade de determinar as questões a submeter ao Tribunal é atribuída exclusivamente ao juiz nacional (v., nomeadamente, acórdão de 12 de Novembro de 1992, Kerafina - Keramische und Finanz-Holding e Vioktimatiki, C-134/91 e C-135/91, Colect., p. I-5699, n._ 16). Ora, a questão processual aqui suscitada pela Comissão é alheia ao objecto da questão prejudicial.

25 Além disso, resulta da decisão de reenvio e das observações da Comissão que esta última foi convidada pela Affish a estar representada na audiência perante o juiz de reenvio, a pedido deste, mas que, em razão de um concurso de circunstâncias, não respondeu a este convite.

26 Nestas condições, não cabe decidir da questão suscitada pela Comissão.

Quanto à questão prejudicial

27 Resulta da decisão de reenvio que, com a sua questão, o presidente do College van Beroep voor het Bedrijfsleven pergunta essencialmente se a decisão controvertida, na medida em que impõe uma proibição total de importação dos lotes de produtos da pesca provenientes de todo o território japonês, não deve ser declarada inválida porque violaria o princípio da proporcionalidade como previsto no artigo 19._, n._ 1, da Directiva 90/675. Atendendo ao conjunto das observações apresentadas ao Tribunal e aos debates perante este, cabe além disso examinar se a decisão controvertida não é constitutiva de um desvio de poder e verificar a sua validade face ao princípio da igualdade, da protecção da confiança legítima e do artigo 190._ do Tratado CE.

28 Quanto à pretensa violação do Acordo MSF, aduzida pela Affish, o juiz de reenvio não solicitou ao Tribunal que examinasse a decisão controvertida à luz desse acordo e não é necessário que o Tribunal proceda ex officio a esse exame.

Quanto à pretensa violação do princípio da proporcionalidade

29 Dado que a proibição de importação prevista pela decisão controvertida pode ser imposta em relação aos lotes de produtos da pesca em proveniência de todo o Japão e, em especial, de regiões distintas daquelas em que se situavam os estabelecimentos visitados pela missão de peritos da Comissão, o juiz de reenvio pergunta se a mesma é conforme ao princípio da proporcionalidade.

30 A este respeito, há que recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual, para definir se uma disposição de direito comunitário é conforme ao princípio da proporcionalidade, é necessário verificar se os meios que utiliza são adequados à realização do objectivo prosseguido e se não vão além do necessário para o atingir (v., nomeadamente, acórdão de 13 de Maio de 1997, Alemanha/Parlamento e Conselho, C-233/94, Colect., p. I-0000, n._ 54).

31 No contexto sub judice, este princípio encontra uma expressão especial no artigo 19._, n._ 1, da Directiva 90/675 que prevê que a medida de salvaguarda decidida pela Comissão deve ser função da gravidade da situação. Esta medida consiste na suspensão das importações ou na fixação de condições especiais para os produtos importados. Nos dois casos, a medida pode ser alargada a todo o país terceiro em causa ou limitada aos produtos que provenham de uma parte deste.

32 Há portanto que examinar se, dado que não limita a suspensão das importações dos produtos da pesca a uma parte do território japonês, que não opta por uma medida de salvaguarda menos restritiva ou ainda que originou uma restrição excessiva da actividade profissional da Affish, a decisão viola ou não o artigo 19._, n._ 1, da Directiva 90/675.

33 No que diz respeito ao efeito territorial da proibição de importação, há que considerar que não se pode acusar a Comissão de se ter limitado a controlar um número restrito de estabelecimentos de exportação de produtos da pesca, dado que, por um lado, estes controlos eram fiáveis e que, por outro, os seus resultados podiam ser extrapolados de modo adequado para descrever a situação na totalidade do país em causa. Com efeito, a visita de um grande número de estabelecimentos, ou até mesmo de todos os estabelecimentos, é na prática impossível, mais que não seja para satisfazer a exigência de celeridade que a adopção de medidas de protecção em matéria de saúde pública exige. Além disso, a Comissão depende, na organização dos controlos, das autoridades do país terceiro em causa.

34 Quanto à fiabilidade dos controlos efectuados pela missão de peritos, verifica-se que, no caso em apreço, a mesma não é contestada por nenhuma das partes.

35 Sobre a possibilidade de extrapolar os resultados dos controlos efectuados nos estabelecimentos seleccionados, há que salientar antes de mais que, tendo a selecção sido feita pelas autoridades japonesas, a Comissão podia considerar que estes estabelecimentos eram representativos do conjunto dos estabelecimentos japoneses e não daqueles em que as condições de higiene são as piores.

36 Em seguida, resulta do relatório da missão de peritos em questão, por um lado, que a autoridade oficial japonesa (o Ministério da Saúde e da Previdência, assistido pelos centros sanitários das prefeituras) não exercia um controlo satisfatório dos estabelecimentos em causa e declarou conformes às exigências da Directiva 91/493 estabelecimentos que apresentavam graves riscos para a saúde pública e, por outro, que a marcação imprecisa dos lotes de produtos não permitia identificar com segurança o estabelecimento de que provinham e o processo de fabrico utilizado. Como a Comissão sublinhou, nestas condições e na ausência de um controlo central eficaz para a totalidade do Japão, a limitação eventual da proibição aos produtos provenientes de certas regiões do Japão não teria garantido que produtos provenientes de um estabelecimento situado noutra região, onde eram respeitadas todas as regras sanitárias, não fossem confundidos com produtos que não proviriam desta mesma região.

37 Por fim, o facto de que a Affish teria importado produtos «kamaboko» em proveniência de estabelecimentos que não seriam alvo da mesma crítica do ponto de vista veterinário não pode, por si só, demonstrar o carácter desproporcionado da decisão controvertida. Com efeito, dado que, como atrás se demonstrou, a Comissão pôde correctamente tirar conclusões gerais para todo o Japão das verificações feitas pela missão de peritos, eventuais observações ulteriores relativas a certos estabelecimentos específicos não podem pôr em causa estas conclusões. A este respeito, importa sublinhar que as medidas de salvaguarda são, pela sua natureza, modificáveis em função da evolução da situação e de novas informações.

38 Quanto à questão de saber se a Comissão devia ter escolhido um outro tipo de medida que não a suspensão das importações, saliente-se que a possibilidade de recorrer a um controlo efectuado quando da importação dos produtos japoneses

foi evocada tanto perante o juiz nacional como no Tribunal de Justiça.

39 A este respeito, os Governos neerlandês e finlandês, bem como a Comissão, objectam que, devido à natureza dos produtos da pesca, controlos sanitários efectuados no estádio da produção são claramente mais eficazes e mais práticos que controlos efectuados quando da importação. Estas afirmações não são contestadas pelas outras partes interessadas.

40 Além disso, como o advogado-geral salientou nos n.os 93 e 94 das suas conclusões, o método utilizado constitui a base das directivas veterinárias e sanitárias, e nomeadamente da Directiva 91/493.

41 No que diz respeito à pretensa restrição excessiva da sua actividade profissional, a Affish sustenta que a decisão controvertida é susceptível de comprometer a sua viabilidade, resultando uma parte importante dos seus rendimentos com efeito da importação de produtos da pesca provenientes do Japão.

42 A este respeito, recorde-se que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o livre exercício de uma actividade profissional não constitui uma prerrogativa absoluta, mas deve ser tomado em consideração relativamente à sua função na sociedade. Por conseguinte, podem ser impostas restrições ao livre exercício das actividades profissionais, nomeadamente no âmbito de uma organização comum de mercado, na condição de essas restrições corresponderem efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e não constituírem, relativamente ao objectivo prosseguido, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância do direito assim garantido (v., nomeadamente, acórdão de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C-280/93, Colect., p. I-4973, n._ 78). A importância dos objectivos prosseguidos pode justificar restrições que tenham consequências negativas, mesmo consideráveis, para alguns operadores económicos (v., neste sentido, acórdão de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C-331/88, Colect., p. I-4023, n._ 17).

43 Ora, mesmo apreciada em relação às consequências económicas que pode implicar para os importadores que se encontrem numa situação como a da Affish, não se pode considerar que a decisão controvertida constitui uma intervenção desmesurada, dado que satisfaz as exigências de proporcionalidade impostas pelo artigo 19._, n._ 1, da Directiva 90/675. Com efeito, estas exigências destinam-se precisamente a garantir o respeito dos interesses dos operadores económicos. Neste caso, é tanto mais assim que à protecção da saúde pública, que a decisão controvertida tem por objectivo garantir, deve ser atribuída uma importância preponderante relativamente às considerações económicas (v., neste sentido, despacho de 12 de Julho de 1996, Reino Unido/Comissão, C-180/96 R, Colect., p. I-3903, n._ 93).

44 Resulta do que precede que a decisão controvertida não é contrária ao princípio da proporcionalidade como consubstanciado no artigo 19._, n._ 1, da Directiva 90/675.

Quanto ao pretenso desvio de poder

45 A Affish sustenta que, ao adoptar a medida controvertida, a Comissão cometeu um desvio de poder, e isto por duas razões.

46 Por um lado, a medida de salvaguarda teria por objectivo não proteger a saúde pública, mas sim fazer pressão sobre as autoridades japonesas para que estas reforcem a fiscalização sanitária neste país.

47 Por outro lado, a Comissão não se devia ter baseado nos resultados da missão de peritos enviada ao Japão para adoptar uma proibição de importação ao abrigo do artigo 19._ da Directiva 90/675, dado que esta missão estava encarregada de determinar as condições especiais de importação nos termos do artigo 11._ da Directiva 91/493.

48 Segundo jurisprudência assente (v., nomeadamente, acórdão de 12 de Novembro de 1996, Reino Unido/Conselho, C-84/94, Colect., p. I-5755, n._ 69), constitui um desvio de poder a adopção, por uma instituição comunitária, de um acto com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados ou de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço.

49 Quanto aos objectivos prosseguidos pela Comissão, declarou-se no n._ 36 do presente acórdão que as deficiências verificadas no controlo exercido pelas autoridades japonesas contribuíram precisamente para a apreciação segundo a qual a qualidade sanitária dos produtos em proveniência de todo o Japão não podia ser garantida. Além disso, a Affish não produziu qualquer elemento que permita demonstrar que a Comissão prosseguiu, através da adopção da decisão controvertida, um objectivo diferente daquele para que lhe foi atribuída competência na matéria pelo artigo 19._ da Directiva 90/675.

50 Quanto ao procedimento seguido, basta verificar que a circunstância de que o envio da missão de peritos ao Japão tinha por objectivo a determinação das condições especiais de importação ao abrigo do artigo 11._ da Directiva 91/493 é irrelevante para a apreciação de um eventual desvio de poder, uma vez que esta missão avaliou o nível sanitário dos estabelecimentos dos produtos da pesca bem como o sistema de controlo e, por conseguinte, forneceu informações pertinentes na acepção do artigo 19._ da Directiva 90/675.

51 Nestas condições, há que considerar que a Comissão não cometeu qualquer desvio de poder ao adoptar a decisão controvertida.

Quanto à pretensa violação do princípio da igualdade

52 A Affish considera que, dado que não abrange os produtos à base de peixe surimi de origem tailandesa ou coreana, que estão em concorrência com os produtos de origem japonesa abrangidos pela decisão controvertida, esta última conduz a uma diferença de tratamento injustificada entre os importadores destes produtos em proveniência do Japão e os importadores dos mesmos produtos em proveniência da Tailândia e da Coreia. A Affish acrescenta que a Comissão devia ter enviado uma missão de peritos à Tailândia e à Coreia antes de adoptar as medidas relativas ao kamaboko japonês. Por este motivo, a decisão controvertida viola o princípio da igualdade.

53 A este respeito, verifica-se que a Affish não produz qualquer elemento susceptível de demonstrar que a situação na Coreia e na Tailândia, do ponto de vista das condições de higiene e de controlo da produção dos produtos da pesca exportados para a Comunidade, é comparável à existente no Japão e que a Comissão teria negligenciado o controlo destas condições. De qualquer modo, não se pode exigir a esta última que, perante uma situação de ameaça para a saúde pública, atrase a adopção de uma medida de salvaguarda em relação a um país terceiro para que se possa realizar o controlo das condições sanitárias em todos os outros países que exportam os mesmos produtos para a Comunidade.

54 Por conseguinte, verifica-se que a decisão controvertida não viola o princípio da igualdade.

Quanto à pretensa violação do princípio da protecção da confiança legítima

55 Atendendo a que, no momento da adopção da decisão controvertida, alguns lotes de produtos da pesca já tinham sido expedidos para a Comunidade, o Governo finlandês contesta a validade desta decisão à luz do princípio da protecção da confiança legítima. Este problema específico foi igualmente suscitado pela Affish, pelo Governo italiano e pela Comissão.

56 Portanto, há que examinar se a decisão controvertida devia ter expressamente previsto medidas transitórias para os lotes já expedidos.

57 A este respeito, recorde-se que, mesmo que a Comunidade tenha previamente criado uma situação susceptível de criar uma confiança legítima, o interesse público superior pode opor-se à adopção de medidas transitórias para situações surgidas antes da entrada em vigor da nova regulamentação mas cuja evolução ainda não terminou (v., neste sentido, acórdãos de 14 de Maio de 1975, CNTA/Comissão, 74/74, Colect., p. 183, n._ 44; de 16 de Maio de 1979, Tomadini, 84/78, Recueil, p. 1801, n._ 20, e de 26 de Junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C-152/88, Colect., p. I-2477, n.os 16 e 19, e despacho de 5 de Fevereiro de 1997, Unifruit Hellas/Comissão, C-51/95 P, Colect., p. I-727, n._ 27). Ora, o objectivo da decisão controvertida, a saber, a protecção da saúde pública, constitui um interesse público superior.

58 Quanto à possibilidade de recorrer a uma medida de salvaguarda consistindo em controlar, no momento da sua importação, os lotes de pesca já expedidos, saliente-se que as razões expostas nos n.os 39 e 40 do presente acórdão para justificar a exclusão deste tipo de controlo são igualmente válidas para os lotes que estavam já em vias de encaminhamento na data da decisão controvertida. Além disso, a Comissão não podia adaptar a medida de salvaguarda à situação específica de um único importador ou de um único Estado-Membro, devendo sim ter em conta as importações dos produtos da pesca provenientes do Japão no território de toda a Comunidade.

59 Daqui resulta que a decisão controvertida não viola o princípio da protecção da confiança legítima.

Quanto à pretensa violação do artigo 190._ do Tratado

60 No quadro da sua argumentação relativa à violação do princípio da proporcionalidade, a Affish sustenta que a Comissão não indicou as circunstâncias eventualmente subjacentes à adopção da decisão controvertida.

61 Por seu turno, o Governo neerlandês observa que a Comissão devia ter esclarecido, nos considerandos da sua decisão, os motivos por que considerou que uma medida menos severa não seria adequada à protecção da saúde pública.

62 A Comissão contrapõe que a fundamentação da sua decisão, se bem que sucinta, indica claramente que a produção e o controlo dos produtos da pesca no Japão apresentavam deficiências graves em matéria de higiene. Acrescenta que a menção do facto de que uma medida menos severa não teria sido suficiente nada teria acrescentado à compreensão da decisão controvertida.

63 A este respeito, há que salientar que, se é verdade que a fundamentação exigida pelo artigo 190._ do Tratado deve revelar, de forma clara e inequívoca, o percurso lógico seguido pela autoridade comunitária de que emana o acto impugnado, de modo a permitir aos interessados conhecer as razões que justificaram a medida adoptada e possibilitar ao Tribunal de Justiça o exercício da sua fiscalização, não se exige, porém, que essa fundamentação especifique todos os elementos de facto ou de direito pertinentes. Com efeito, a questão de saber se a fundamentação de uma decisão satisfaz estas exigências deve ser analisada à luz não apenas do seu texto, mas também do seu contexto, bem como do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (v., nomeadamente, acórdão de 26 de Fevereiro de 1996, Comissão/Conselho, C-122/94, Colect., p. I-881, n._ 29).

64 No caso de figura, os considerandos da decisão controvertida demonstram claramente que a Comissão adoptou a medida de salvaguarda controvertida depois de ter enviado ao local uma missão de peritos, que verificaram graves deficiências em matéria de higiene e de controlo das condições de produção e de armazenagem dos produtos da pesca, deficiências essas que podiam constituir riscos para a protecção da saúde pública.

65 Atendendo à natureza da decisão controvertida e nomeadamente ao prazo em que devia ser tomada, a Comissão podia limitar-se a indicar em termos gerais o procedimento seguido e os elementos essenciais que constituíram a base da sua apreciação sem repetir os detalhes do relatório da missão de peritos nem explicar, através de uma fundamentação específica, por que razões foram afastadas outras possibilidades.

66 Portanto, a decisão controvertida não padece de uma insuficiência de fundamentação.

67 Visto o que precede, há que responder ao juiz de reenvio que o exame da decisão controvertida não revelou a existência de elementos susceptíveis de afectar a sua validade.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

68 As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês, italiano, finlandês e do Reino Unido, e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo presidente do College van Beroep voor het Bedrijfsleven, por decisão de 24 de Maio de 1995, declara:

O exame da Decisão 95/119/CE da Comissão, de 7 de Abril de 1995, relativa a determinadas medidas de protecção respeitantes aos produtos da pesca originários do Japão, não revelou a existência de elementos susceptíveis de afectar a sua validade.

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