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Documento 61995CJ0074

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 12 de Dezembro de 1996.
    Processos penais contra X.
    Pedido de decisão prejudicial: Procura della Repubblica presso la Pretura circondariale di Torino e Pretura circondariale di Torino - Itália.
    Directiva 90/270/CEE relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor - Conceito de trabalhador - Exame aos olhos e à vista - Conceito de posto de trabalho na acepção dos artigos 4. e 5. - Medida das obrigações enunciadas nos artigos 4. e 5.
    Processos apensos C-74/95 e C-129/95.

    Colectânea de Jurisprudência 1996 I-06609

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1996:491

    61995J0074

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 12 de Dezembro de 1996. - Processos penais contra X. - Pedido de decisão prejudicial: Procura della Repubblica presso la Pretura circondariale di Torino e Pretura circondariale di Torino - Itália. - Directiva 90/270/CEE relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor - Conceito de trabalhador - Exame aos olhos e à vista - Conceito de posto de trabalho na acepção dos artigos 4. e 5. - Medida das obrigações enunciadas nos artigos 4. e 5. - Processos apensos C-74/95 e C-129/95.

    Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-06609


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    1. Questões prejudiciais ° Submissão ao Tribunal de Justiça ° Jurisdição nacional na acepção do artigo 177. do Tratado ° Conceito ° "Procura della Repubblica" no exercício da acção penal ° Exclusão

    (Tratado CE, artigo 177. )

    2. Actos das instituições ° Directivas ° Execução pelos Estados-Membros ° Necessidade de garantir a eficácia das directivas ° Obrigações das jurisdições nacionais ° Limites ° Princípio da legalidade dos crimes e das penas

    (Tratado CE, artigo 189. , terceiro parágrafo)

    3. Política social ° Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores ° Directiva 90/270 relativa ao trabalho com equipamentos dotados de visor ° Utilização por um trabalhador de modo habitual e durante um período significativo do seu trabalho normal desse equipamento ° Conceito não definido pela directiva ° Poder de apreciação dos Estados-Membros

    [Directiva 90/270 do Conselho, artigo 2. , alínea c)]

    4. Política social ° Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores ° Directiva 90/270 relativa ao trabalho com equipamentos dotados de visor ° Protecção dos olhos e da vista dos trabalhadores ° Exames periódico e oftalmológico ° Beneficiários

    [Directiva 90/270 do Conselho, artigo 9. , n.os 1 e 2]

    5. Política social ° Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores ° Directiva 90/270 relativa ao trabalho com equipamentos dotados de visor ° Obrigações dos empregadores ° Alcance

    [Directiva 90/270 do Conselho, artigo 2. , alíneas b) e c), n.os 4 e 5]

    Sumário


    1. O Tribunal de Justiça só pode ser solicitado a pronunciar-se sobre um pedido ao abrigo do artigo 177. do Tratado por um órgão que tenha sido chamado a decidir com independência num processo que deve concluir-se por uma decisão de natureza judicial.

    Não pode, a este respeito, considerar-se um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177. a Procura della Repubblica, dado que esta tem por função não a de resolver com total independência um litígio, mas a de o submeter, se for caso disso, ao órgão jurisdicional competente, enquanto parte no processo em que se exerce a acção penal.

    2. A obrigação, feita ao órgão jurisdicional nacional, de interpretar e aplicar as regras pertinentes do seu direito nacional, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da directiva cuja execução garantem, para atingir o resultado por esta prosseguido e cumprir desta forma o artigo 189. , terceiro parágrafo, do Tratado tem limites, nomeadamente quando essa interpretação conduza a determinar ou a agravar, com base na directiva e independentemente de uma lei adoptada para a sua aplicação, a responsabilidade penal de quem quer que aja em violação das suas disposições.

    Quando está em causa a medida da responsabilidade penal resultante de uma lei especialmente adoptada em execução de uma directiva, o princípio que manda não aplicar a lei penal de modo extensivo em detrimento do arguido, que é o corolário do princípio da legalidade dos crimes e das penas, e, mais em geral, do princípio da segurança jurídica, obsta a que se proceda criminalmente contra um comportamento cujo carácter condenável não resulte claramente da lei. Este princípio, que faz parte dos princípios gerais de direito que estão na base das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, foi igualmente consagrado por vários tratados internacionais e nomeadamente pelo artigo 7. da Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

    Compete, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio assegurar o respeito deste princípio quando interpreta, à luz da letra e da finalidade da directiva, o direito nacional adoptado em execução desta.

    3. A noção de utilização habitual e durante um período significativo do trabalho normal de um equipamento dotado de visor, de que se serve a Directiva 90/270, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor, para determinar quais os trabalhadores que devem beneficiar das medidas de protecção nela previstas, que não é acompanhada no texto da directiva de quaisquer esclarecimentos, deve ser precisada pelos Estados-Membros, que dispõem, para este fim, na adopção das medidas de transposição que lhes incumbem, de um largo poder de apreciação.

    4. O artigo 9. , n. 1, da Directiva 90/270, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor, deve ser interpretado no sentido de que o exame periódico dos olhos nele previsto deve ser efectuado a todos os trabalhadores abrangidos pelo âmbito de aplicação da directiva e o artigo 9. , n. 2, da mesma directiva deve ser interpretado no sentido de que os trabalhadores podem beneficiar de um exame oftalmológico sempre que o exame dos olhos e da vista efectuado nos termos do n. 1 o torne necessário.

    5. Os artigos 4. e 5. da Directiva 90/270, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor, devem ser interpretados no sentido de que a obrigação, para os empregadores, de tomar as medidas adequadas para que os postos de trabalho satisfaçam as prescrições mínimas constantes do anexo, é aplicável a todos os postos de trabalho tal como estes são definidos pelo artigo 2. , alínea b), mesmo que não estejam ocupados por trabalhadores na acepção do artigo 2. , alínea c), e que os postos de trabalho devem ser adaptados em função de todas as prescrições mínimas constantes do anexo.

    Partes


    Nos processos apensos C-74/95 e C-129/95,

    que têm por objecto dois pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, respectivamente pela Procura della Repubblica presso la Pretura circondariale di Torino (Itália) e pela Pretura circondariale di Torino, destinados a obter, nos processos penais contra

    X,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 90/270/CEE do Conselho, de 29 de Maio de 1990, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor (quinta directiva especial na acepção do n. 1 do artigo 16. da Directiva 89/391/CEE, JO L 156, p. 14),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: J. C. Moitinho de Almeida (relator), presidente de secção, L. Sévon, D. A. O. Edward, P. Jann e M. Wathelet, juízes,

    advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,

    secretário: R. Grass,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    ° em representação do Governo austríaco, por Wolf Okresek, Ministerialrat no Bundeskanzleramt, na qualidade de agente,

    ° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Laura Pignataro e Isabel Martinez del Peral, membros do Serviço Jurídico, e Horstpeter Kreppel, funcionário nacional destacado nesse mesmo serviço, na qualidade de agentes,

    visto o relatório do juiz-relator,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de Junho de 1996,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por decisões, respectivamente, de 10 de Março e 18 de Abril de 1995, que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de Março e 20 de Abril seguintes, a Procura della Repubblica presso la Pretura circondariale di Torino (a seguir "Procura della Repubblica") (C-74/95) e a Pretura circondariale di Torino (C-129/95) submeteram, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, várias questões prejudiciais relativas à interpretação da Directiva 90/270/CEE do Conselho, de 29 de Maio de 1990, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor (quinta directiva especial na acepção do n. 1 do artigo 16. da Directiva 89/391/CEE, JO L 156, p. 14, a seguir "directiva").

    2 Essas questões foram suscitadas no quadro de processos penais contra desconhecidos por alegada violação do Decreto legislativo n. 626, de 19 de Setembro de 1994 (GURI n. 265, de 12 de Novembro de 1994, a seguir "decreto"), e em especial do seu título VI ("Utilização de equipamentos dotados de visor"), do qual constam as medidas de transposição das disposições da directiva para o direito italiano.

    3 No quadro desses processos, os inspectores da Unità Sanitaria Locale di Torino tinham reconstituído, a pedido da Procura della Repubblica, o plano de utilização dos visores na sede da sociedade Telecom Italia, em Turim. Verificou-se então que alguns trabalhadores utilizavam esse visor durante mais de quatro horas por dia durante um número de dias inferior à semana de trabalho completa, enquanto outros utilizavam um visor durante menos de quatro horas por dia durante toda a semana de trabalho.

    4 Na sua decisão de reenvio, a Procura della Repubblica faz notar que, para poder decidir da necessidade de adoptar, no caso vertente, medidas que são da sua competência, como por exemplo, um mandado de comparência ou a apreensão preventiva para impedir o agravamento ou o prolongamento das consequências de eventuais delitos, tem que verificar se estão reunidos os pressupostos de um delito e, designadamente, se os artigos 50. a 59. do decreto foram desrespeitados.

    5 O artigo 51. do decreto define o trabalhador, para efeitos do título VI, como "aquele que utiliza um equipamento dotado de visor de modo sistemático e habitual, num mínimo de quatro horas consecutivas por dia, dedução feita das pausas a que se refere o artigo 54. , durante toda a semana de trabalho". Os outros preceitos do título VI dizem respeito às obrigações do empregador, à organização do trabalho, ao desenvolvimento do trabalho quotidiano, às disposições em matéria de vigilância médica, à informação e à formação dos trabalhadores, à consulta e participação destes. O título IX do decreto institui um sistema de sanções penais.

    6 A Procura della Repubblica considera que, para interpretar as disposições relevantes do decreto, é indispensável começar por esclarecer o alcance da definição de "trabalhador" para efeitos da directiva, constante do artigo 2. , alínea c), dessa mesma directiva. Nos termos desta disposição, para efeitos da directiva, entende-se por:

    "c) trabalhador, qualquer trabalhador, na acepção da alínea a) do artigo 3. da Directiva 89/391/CEE, que utilize habitualmente e durante um período significativo do seu trabalho normal um equipamento dotado de visor".

    7 A Procura della Repubblica interroga-se, nomeadamente, sobre a questão de saber se esta definição exclui o trabalhador que utiliza um visor todos os dias da semana de trabalho, sem o utilizar necessariamente todos os dias durante quatro horas seguidas, bem como o trabalhador que utilize esse visor durante pelo menos quatro horas seguidas todos os dias da semana de trabalho, menos um.

    8 A Procura della Repubblica lembra, a este respeito, que o artigo 51. do decreto de transposição da directiva define trabalhador como aquele "que utiliza um equipamento dotado de visor de modo sistemático e habitual, durante toda a semana de trabalho, durante um mínimo de quatro horas consecutivas por dia, dedução feita das pausas a que se refere o artigo 54. ", e que os artigos 54. e 55. do decreto impõem uma interrupção do trabalho com visor, através de pausas ou mudanças de actividade, e vigilância médica quando o interessado "trabalhe pelo menos quatro horas consecutivas".

    9 A Procura della Repubblica pretende, a seguir, ser esclarecida sobre o alcance do artigo 9. , n.os 1 e 2, da directiva, que prevê:

    "1. Os trabalhadores beneficiarão de um exame adequado dos olhos e da vista, efectuado por uma pessoa que possua as necessárias qualificações:

    ° antes de iniciarem o trabalho com visor,

    ° depois disso, periodicamente,

    e

    ° quando surgirem perturbações visuais que tenham podido resultar do trabalho com visor.

    2. Os trabalhadores beneficiarão de um exame médico oftalmológico se os resultados do exame referido no n. 1 demonstrarem a sua necessidade."

    10 A Procura della Repubblica pretende saber, nomeadamente, se o n. 1 desta disposição prescreve um exame médico periódico dos olhos e da vista para todos os trabalhadores, ou se limita esse exame a determinadas categorias de trabalhadores. Pretende igualmente saber se o n. 2 do mesmo artigo impõe um exame oftalmológico, para além do que é feito no quadro da consulta médica preventiva, também na sequência da consulta médica periódica. Faz notar a este propósito que, segundo o artigo 55. do decreto, a vigilância médica periódica só visa os trabalhadores considerados aptos sob certas condições e os trabalhadores com mais de 45 anos; além disso, parece só impor exames especializados na sequência da consulta médica preventiva, e limita-se a prever o controlo oftalmológico a pedido do trabalhador, se este suspeitar de uma deterioração da vista confirmada pelo médico.

    11 Finalmente, a Procura della Repubblica interroga-se sobre o alcance da obrigação, que recai sobre a entidade patronal, de adaptar os postos de trabalho às prescrições mínimas constantes do anexo da directiva, dado que o inquérito em causa revelou eventuais infracções ao preceituado no ponto 2 ("Meio ambiente") desse anexo. Estas questões relacionam-se com os artigos 4. e 5. da directiva.

    12 O artigo 4. dispõe: "As entidades patronais devem tomar as medidas apropriadas para que os postos de trabalho utilizados em serviço pela primeira vez depois de 31 de Dezembro de 1992 obedeçam às prescrições mínimas previstas no anexo da presente directiva", e o artigo 5. , por sua vez, prevê: "As entidades patronais devem tomar as medidas apropriadas para que os postos de trabalho já existentes em 31 de Dezembro de 1992 sejam adaptados de forma a obedecerem às prescrições mínimas previstas no anexo da presente directiva, o mais tardar quatro anos após esta data".

    13 A Procura della Repubblica pretende saber, em primeiro lugar, se os artigos citados são aplicáveis unicamente quando o "posto de trabalho", na acepção do artigo 2. da directiva, está efectivamente ocupado por um "trabalhador" na acepção desta mesma disposição. Pergunta, a seguir, se os artigos 4. e 5. da directiva exigem que os postos de trabalho sejam adaptados em função das prescrições mínimas constantes do ponto 1 do anexo ("Equipamento"), ou se devem também satisfazer as exigências que decorrem dos pontos 2 ("Meio ambiente") e 3 ("Interface computador/homem") do mesmo anexo. Sublinha a este propósito que, segundo o artigo 58. do decreto, os postos de trabalho devem responder às prescrições mínimas enunciadas no anexo VII do decreto, que só diz respeito aos equipamentos.

    14 Foi nestas condições que a Procura della Repubblica, por decisão de 10 de Março de 1995, decidiu submeter ao Tribunal de Justiça estas questões.

    15 A Pretura circondariale di Torino, por decisão de 18 de Abril de 1995, submeteu ao Tribunal as mesmas questões prejudiciais para o caso de o Tribunal de Justiça não reconhecer ao Ministério Público o direito de apresentar um pedido prejudicial ao abrigo do artigo 177. do Tratado.

    16 Segundo a Pretura, o referido pedido prejudicial incide sobre questões cuja resposta lhe parece indispensável para apreciar a necessidade de deferir o pedido que lhe foi submetido pelo Ministério Público para que seja ordenada uma peritagem para averiguar se as pausas concedidas aos trabalhadores em causa são suficientes, se as consultas médicas são as adequadas e se os postos de trabalho são conformes às prescrições mínimas. O tribunal de reenvio faz notar que, antes de ordenar essa medida, deverá pronunciar-se nomeadamente sobre a existência de presumíveis infracções ao disposto no decreto. Ora, a interpretação do decreto que aplica a directiva depende da resposta às questões prejudiciais.

    Processo C-74/95

    17 A Comissão considera que este pedido deve ser julgado inadmissível uma vez que a Procura della Repubblica não constitui um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177. do Tratado.

    18 Convém salientar a este propósito que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, este só pode ser solicitado a pronunciar-se sobre um pedido ao abrigo do artigo 177. por um órgão que tenha sido chamado a decidir com independência num processo que deve concluir-se por uma decisão de natureza judicial (v., por exemplo, os acórdãos de 11 de Junho de 1987, Pretore di Salò/X, 14/86, Colect., p. 2545, n. 7, e de 27 de Abril de 1994, Almelo e o., C-393/92, Colect., p. I-1477, n. 21), e despachos de 18 de Junho de 1980, Borker, 138/80, Recueil, p. 1975, n. 4, e de 5 de Março de 1986, Greis Unterweger, 318/85, Colect., p. 955, n. 4).

    19 Ora, não é o que acontece no caso em apreço. Com efeito, como o advogado-geral sublinhou nos pontos 6 a 9 das suas conclusões, a função desempenhada pela Procura della Repubblica, no caso em apreço no processo principal, não é resolver com total independência um litígio, mas submetê-lo, se for caso disso, ao órgão jurisdicional competente, enquanto parte no processo em que se exerce a acção penal.

    20 Nestas condições, a Procura della Repubblica não pode ser considerada como constituindo um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177. do Tratado e as questões por ela colocadas devem ser julgadas inadmissíveis.

    Processo C-129/95

    21 Deve-se salientar liminarmente que o Tribunal de Justiça não pode, pela via do artigo 177. do Tratado, decidir sobre a validade de uma medida de direito interno à luz do direito comunitário, como poderia fazê-lo no quadro do artigo 169. do Tratado (v., por exemplo, o acórdão de 15 de Julho de 1964, Costa, 6/64, Colect., p. 549). Em compensação, o Tribunal de Justiça é competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação que relevam do direito comunitário e lhe permitam decidir sobre essa compatibilidade para a decisão do processo perante ele pendente (v., por exemplo, o acórdão de 12 de Julho de 1979, Grosoli, 223/78, Recueil, p. 2621, n. 3).

    22 Resulta, porém, da decisão de reenvio que, no caso em apreço, o órgão jurisdicional nacional não exclui que a tomada em consideração do disposto na directiva possa ter como efeito directo determinar ou agravar a responsabilidade penal dos que agem em infracção ao nela disposto, quando essa responsabilidade não decorre da interpretação da regulamentação especialmente adoptada em execução da directiva.

    23 Convém lembrar a este propósito que, segundo jurisprudência constante (v., por exemplo, o acórdão de 26 de Setembro de 1996, Arcaro, C-168/95, Colect., p. I-4705, n. 36), uma directiva não pode, por si só, criar obrigações na esfera jurídica de um particular e que uma disposição de uma directiva não pode, portanto, ser invocada enquanto tal contra essa pessoa.

    24 É certo que o órgão jurisdicional nacional está obrigado a aplicar o seu direito interno, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da directiva, para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir desta forma o artigo 189. , terceiro parágrafo, do Tratado (v., por exemplo, o acórdão de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori, C-91/92, Colect., p. I-3325, n. 26). No entanto, esta obrigação do juiz nacional de ter em conta o conteúdo da directiva ao interpretar as normas pertinentes do seu direito nacional tem limites, nomeadamente quando essa interpretação conduza a determinar ou a agravar, com base na directiva e independentemente de uma lei adoptada para a sua aplicação, a responsabilidade penal de quem quer que aja em violação das suas disposições (v., nomeadamente, o acórdão de 8 de Outubro de 1987, Kolpinghuis Nijmegen, 80/86, Colect., p. 3969, n. 13).

    25 Mais particularmente em relação a um caso como o do processo principal, em que está em causa a medida da responsabilidade penal resultante de uma lei especialmente adoptada em execução de uma directiva, deve precisar-se que o princípio que impõe que não haja interpretação extensiva da lei penal em prejuízo do arguido, que é o corolário do princípio da legalidade dos crimes e das penas, e, mais em geral, do princípio da segurança jurídica, obsta a que se proceda criminalmente contra um comportamento cujo carácter condenável não resulte claramente da lei. Este princípio, que faz parte dos princípios gerais de direito que estão na base das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, foi igualmente consagrado por vários tratados internacionais e nomeadamente pelo artigo 7. da Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (v., designadamente, os acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 25 de Novembro de 1993, Kokkinakis, série A, n. 260-A, n. 52, e de 22 de Novembro de 1995, S.W./Reino Unido e C.R./Reino Unido, série A, n. 335-B, n. 35, e 335-C, n. 33).

    26 Compete, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio assegurar o respeito deste princípio quando interpreta, à luz da letra e da finalidade da directiva, o direito nacional adoptado em execução desta.

    27 Sem prejuízo do que fica dito, convém responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

    Quanto à interpretação do artigo 2. , alínea c), da directiva

    28 O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a expressão "trabalhador que utilize habitualmente e durante um período significativo do seu trabalho normal um equipamento dotado de visor", constante do artigo 2. , alínea c), da directiva, deve ser interpretada no sentido de que se refere, por um lado, aos trabalhadores que utilizam habitualmente esse visor durante quatro horas consecutivas durante todos os dias da semana, com excepção de um, e, por outro, aos trabalhadores que utilizam um visor todos os dias da semana durante menos de quatro horas consecutivas.

    29 A este respeito, refira-se em primeiro lugar que a directiva não contém qualquer esclarecimento sobre o que se deve entender, para efeitos do artigo 2. , alínea c), por utilizar "habitualmente e durante um período significativo do seu trabalho normal" um equipamento dotado de visor.

    30 Resulta da própria letra da disposição em discussão que o carácter significativo do tempo habitualmente passado por um trabalhador diante de um visor se aprecia em relação ao trabalho normal do trabalhador em causa. Esta expressão não pode ser definida em abstracto e incumbe aos Estados-Membros precisar o seu alcance quando da adopção das medidas nacionais de transposição da directiva.

    31 Tendo em conta o carácter vago dessa expressão, convém reconhecer aos Estados-Membros, para a adopção dessas medidas de transposição, um largo poder de apreciação que, tendo em consideração o princípio da legalidade dos crimes e das penas recordado no n. 25 do presente acórdão, obsta, em qualquer caso, a que as autoridades nacionais competentes se refiram às disposições pertinentes da directiva quando pretendem instaurar um procedimento criminal no domínio abrangido pela directiva.

    32 Nestas condições, e sem que seja necessário questionar o mérito da tese do Governo austríaco e da Comissão, segundo a qual um período de quatro horas consecutivas passadas habitualmente diante de um visor durante todos os dias da semana, com excepção de um, constitui manifestamente para o trabalhador em causa um período significativo do seu tempo de trabalho, para efeitos do artigo 2. da directiva, não há que responder a esta questão.

    Quanto à interpretação do artigo 9. , n.os 1 e 2, da directiva

    33 O tribunal de reenvio pergunta, a seguir, ao Tribunal de Justiça se o artigo 9. , n. 1, da directiva deve ser interpretado no sentido de que impõe um exame médico periódico dos olhos e da vista de todos os trabalhadores abrangidos pelo âmbito de aplicação da directiva ou se esta obrigação só existe em relação a certas categorias de trabalhadores. Pergunta, por outro lado, se o n. 2 do mesmo artigo deve ser interpretado no sentido de que os trabalhadores beneficiam de um exame oftalmológico em todos os casos em que os resultados do exame a que se refere o n. 1 o tornam necessário.

    34 No que diz respeito ao n. 1 do artigo 9. da directiva, basta verificar que nada na letra desta disposição, que visa indiferentemente todos os "trabalhadores" na acepção da directiva, permite sustentar a tese de que o benefício de um exame apropriado dos olhos e da vista nos termos desta disposição não é reconhecido a todos os trabalhadores tal como estes são definidos no artigo 2. , alínea c), da directiva.

    35 O n. 2 do artigo 9. da directiva, por sua vez, prevê expressamente que os trabalhadores beneficiarão de um exame oftalmológico "se os resultados do exame referido no n. 1 demonstrarem a sua necessidade", sem prever qualquer restrição a este propósito. Em consequência, nos termos do artigo 9. , n. 1, para o qual remete o n. 2, tanto pode tratar-se do exame que antecede o trabalho com visor, como do exame efectuado posteriormente a intervalos regulares, como, ainda, do exame a que se procede quando surgem perturbações visuais que podem ser devidas ao trabalho com visor.

    36 Nestas condições, deve responder-se ao órgão jurisdicional nacional que o artigo 9. , n. 1, da directiva deve ser interpretado no sentido de que o exame periódico dos olhos nele previsto deve ser efectuado a todos os trabalhadores abrangidos pela directiva e que o artigo 9. , n. 2, da directiva deve ser interpretado no sentido de que os trabalhadores beneficiam de um exame oftalmológico sempre que o exame dos olhos e da vista efectuado nos termos do n. 1 o torne necessário.

    Quanto à interpretação dos artigos 4. e 5. da directiva

    37 O tribunal de reenvio pergunta, por último, se os artigos 4. e 5. da directiva devem ser interpretados no sentido de que a obrigação que enunciam é aplicável a todos os postos de trabalho, tal como estes são definidos no artigo 2. , alínea b), da directiva, susceptíveis de serem ocupados por trabalhadores na acepção do artigo 2. , alínea c), da mesma directiva, mesmo quando, na realidade, não são ocupados por esses trabalhadores. O tribunal de reenvio pretende também saber se os artigos 4. e 5. da directiva devem ser interpretados no sentido de que os postos de trabalho devem ser adaptados a todas as prescrições mínimas constantes do anexo ou se basta que se conformem às prescrições respeitantes ao equipamento.

    38 Deve salientar-se, antes de mais, que os artigos 4. e 5. da directiva, que enunciam a obrigação, a cargo dos empregadores, de tomar as medidas apropriadas para que os postos de trabalho obedeçam "às prescrições mínimas previstas no anexo", se referem indistintamente a todas as prescrições enunciadas nas três secções desse anexo, intituladas respectivamente "Equipamento", "Meio ambiente" e "Interface computador/homem". Por outro lado, como a Comissão o fez notar, com razão, essas obrigações são complementares e destinam-se a garantir que um posto de trabalho determinado assegure um nível mínimo de segurança e protecção.

    39 Resulta ainda da letra dos artigos 4. e 5. que estes se aplicam a todos os "postos de trabalho" na acepção da directiva, independentemente de saber se esses postos de trabalho se encontram ocupados por trabalhadores na acepção do artigo 2. , alínea c), da directiva.

    40 Esta interpretação é corroborada nomeadamente pelo quarto considerando da directiva que afirma que a observância das prescrições mínimas destinadas a assegurar um maior nível de segurança dos "postos de trabalho" em que são utilizados visores constitui um imperativo para garantir a segurança e a saúde dos "trabalhadores", e pelo sétimo considerando segundo o qual os aspectos ergonómicos são particularmente importantes para um "posto de trabalho" com equipamento dotado de visores.

    41 Nestas condições, há que responder ao órgão jurisdicional nacional que os artigos 4. e 5. da directiva devem ser interpretados no sentido de que a obrigação que enunciam se aplica a todos os postos de trabalho tal como estes são definidos pelo artigo 2. , alínea b), mesmo que não estejam ocupados por trabalhadores na acepção do artigo 2. , alínea c), da directiva, e que os postos de trabalho devem ser adaptados em função de todas as prescrições mínimas constantes do anexo.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    42 As despesas efectuadas pelo Governo austríaco e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

    decide:

    As questões submetidas pela Procura della Repubblica presso la Pretura circondariale di Torino são inadmissíveis,

    e pronunciando-se sobre as questões submetidas pela Pretura circondariale di Torino, por decisão de 18 de Abril de 1995, declara:

    1) O artigo 9. , n. 1, da Directiva 90/270/CEE do Conselho, de 29 de Maio de 1990, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor (quinta directiva especial na acepção do n. 1 do artigo 16. da Directiva 89/391/CEE), deve ser interpretado no sentido de que o exame periódico dos olhos nele previsto deve ser efectuado a todos os trabalhadores abrangidos pela directiva e o artigo 9. , n. 2, da directiva deve ser interpretado no sentido de que os trabalhadores podem beneficiar de um exame oftalmológico sempre que o exame dos olhos e da vista efectuado nos termos do n. 1 o torne necessário.

    2) Os artigos 4. e 5. da Directiva 90/270 devem ser interpretados no sentido de que a obrigação que enunciam se aplica a todos os postos de trabalho tal como estes são definidos pelo artigo 2. , alínea b), mesmo que não estejam ocupados por trabalhadores na acepção do artigo 2. , alínea c), e que os postos de trabalho devem ser adaptados em função de todas as prescrições mínimas constantes do anexo.

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