Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex
Documento 61991CC0181
Opinion of Mr Advocate General Jacobs delivered on 16 December 1992. # European Parliament v Council of the European Communities and Commission of the European Communities. # Emergency aid - Prerogatives of the Parliament - Budgetary provisions. # Joined cases C-181/91 and C-248/91.
Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 16 de Dezembro de 1992.
Parlamento Europeu contra Conselho das Comunidades Europeias e Comissão das Comunidades Europeias.
Ajuda de urgência - Prerrogativas do parlamento - Normas orçamentais.
Processos apensos C-181/91 e C-248/91.
Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 16 de Dezembro de 1992.
Parlamento Europeu contra Conselho das Comunidades Europeias e Comissão das Comunidades Europeias.
Ajuda de urgência - Prerrogativas do parlamento - Normas orçamentais.
Processos apensos C-181/91 e C-248/91.
Colectânea de Jurisprudência 1993 I-03685
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1992:520
Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 16 de Dezembro de 1992. - PARLAMENTO EUROPEU CONTRA CONSELHO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS E COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. - AUXILIO DE URGENCIA - PRORROGATIVAS DO PARLAMENTO - NORMAS ORCAMENTAIS. - PROCESSOS APENSOS C-181/91 E C-248/91.
Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-03685
Edição especial sueca página I-00255
Edição especial finlandesa página I-00289
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Senhor Presidente,
Senhores Juízes,
1. Nestes processos, o Parlamento pede, nos termos do artigo 173. do Tratado CEE (a seguir "Tratado"), a anulação de uma decisão que concede uma ajuda especial ao Bangladesh, adoptada durante uma reunião do Conselho (processo 181/91), e das medidas tomadas pela Comissão para execução dessa decisão (processo C-248/91). Estes processos suscitam uma questão de princípio que é a de saber se uma decisão apresentada como decisão dos representantes dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho pode ser impugnada nos termos do artigo 173. do Tratado.
Antecedentes do litígio
2. Este litígio tem a sua origem num ciclone que assolou o Bangladesh na noite de 29 para 30 de Abril de 1991. Na sequência desse ciclone, a Comissão concedeu imediatamente uma ajuda de 10 milhões de ecus ao Bangladesh e elaborou um plano de ajuda especial de 60 milhões de ecus. O plano foi antes de mais analisado pelos ministros das Finanças dos Estados-membros reunidos oficiosamente em 11 de Maio de 1991, no Luxemburgo. O plano da Comissão foi analisado pelo Conselho "Assuntos Gerais" numa sessão ordinária realizada em Bruxelas em 13 e 14 de Maio de 1991 e em que participaram os ministros dos Negócios Estrangeiros dos Estados-membros. Todavia, a sua discussão não estava inscrita na ordem do dia oficial da sessão. Em 14 de Maio, durante um almoço de trabalho em que participaram os ministros e um membro da Comissão, e em conformidade com o plano da Comissão, foi adoptada a decisão de conceder uma ajuda especial de 60 milhões de ecus ao Bangladesh. Esta decisão foi objecto de uma comunicação à imprensa sob o título "Ajuda ao Bangladesh ° Conclusões do Conselho" (referência 6004/91, Presse 60-C). Esta comunicação tinha o seguinte teor:
"Com base numa proposta da Comissão, os Estados-membros reunidos no seio do Conselho decidiram, no âmbito de uma acção comunitária, conceder uma ajuda especial de 60 milhões de ecus ao Bangladesh.
A repartição entre os Estados-membros será efectuada de acordo com a chave PNB.
Esta ajuda será integrada na acção geral da Comunidade a favor do Bangladesh.
A ajuda será prestada quer directamente pelos Estados-membros, quer através de uma conta gerida pela Comissão.
A Comissão assegurará a coordenação geral da ajuda especial de 60 milhões de ecus."
Este texto consta também do projecto de acta da reunião do Conselho sob o título "Diversos ° Ajuda ao Bangladesh".
3. Na sequência da decisão da concessão da ajuda, a Comissão abriu uma conta especial num banco belga e convidou os Estados-membros a depositarem aí as suas participações. A Grécia depositou nessa conta especial a sua contribuição de 716 775,45 ecus. Todavia, os outros Estados-membros efectuaram a sua contribuição directamente, através de ajuda bilateral. A contribuição da Grécia foi incorporada no orçamento comunitário. Isto passou-se da seguinte forma: o director da direcção das receitas na Direcção-Geral dos Orçamentos da Comissão inscreveu o montante de 716 775,45 ecus no artigo 900. (receitas diversas) do orçamento geral das Comunidades para 1991. Nos termos das disposições do Regulamento Financeiro aplicáveis ao orçamento geral das Comunidades Europeias (texto actualizado publicado no JO 1981, C 80, p. 1), foi aberta uma rubrica suplementar do mesmo montante na parte despesas do orçamento (n. B7-3000: Cooperação financeira e técnica com países em vias de desenvolvimento da Ásia e da América Latina). Resulta de uma carta de 2 de Agosto de 1991 que a Comissão enviou ao presidente do Comité do Controlo Orçamental do Parlamento Europeu que a rubrica suplementar era separadamente apresentada e controlada nas contas. Além disso, a carta incluía a seguinte passagem:
"(esta rubrica suplementar) está sujeita às normas gerais aplicáveis nos termos do Regulamento Financeiro (utilização decidida pelo ordenador competente, aprovação dada pelo auditor financeiro, pagamento processado pelo tesoureiro e controlo da correcta aplicação efectuado pelo Tribunal de Contas e pela autoridade orçamental)".
4. No requerimento do recurso interposto contra o Conselho, o Parlamento pede a anulação da decisão de conceder uma ajuda especial de 60 milhões de ecus ao Bangladesh. Sustenta que se trata, efectivamente, de uma decisão do Conselho, apesar de na comunicação à imprensa ter sido qualificada de decisão adoptada pelos "Estados-membros reunidos no seio do Conselho". Alega que a decisão tem implicações orçamentais e devia ter sido adoptada em conformidade com o processo previsto no artigo 203. do Tratado. Teria, assim, podido desempenhar um papel sensivelmente mais importante. Ao mesmo tempo que sublinhou ser favorável à concessão de uma ajuda comunitária em casos como este, alega que, ao não cumprir a sua obrigação de adoptar a decisão nos termos do artigo 203. , o Conselho violou as suas prerrogativas.
Remete para o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Parlamento Europeu/Comissão (C-70/88, Colect. 1990, p. I-2041), em que o Tribunal de Justiça afirmou, no n. 27, o seguinte:
"... é admissível a apresentação pelo Parlamento ao Tribunal de um recurso de anulação dirigido contra um acto do Conselho ou da Comissão, na condição de que esse recurso se dirija apenas à salvaguarda das suas prerrogativas e tenha apenas por base fundamentos retirados da violação daquelas. Com esta reserva, o recurso de anulação do Parlamento está submetido às regras previstas pelos tratados para os recursos de anulação das outras instituições".
5. No requerimento do recurso interposto contra a Comissão, o Parlamento pede a anulação dos actos adoptados pela Comissão em execução da decisão de concessão de uma ajuda especial ao Bangladesh. O Parlamento sublinha que o orçamento geral de 1991, tal como foi adoptado (JO 1991, L 30), não previa uma ajuda especial ao Bangladesh. Ao inscrever na parte das receitas e despesas do orçamento um montante equivalente à contribuição da Grécia para a ajuda ao Bangladesh, sem ter apresentado um orçamento suplementar e rectificativo, a Comissão violou as prerrogativas do Parlamento que resultam do artigo 203. , n.os 5, 6 e 7, e violou os artigos 205. do Tratado e 22. do Regulamento Financeiro.
6. Por despacho de 15 de Outubro de 1992, o Tribunal decidiu, nos termos do artigo 43. do Regulamento de Processo, apensar os recursos interpostos contra o Conselho e a Comissão. Procederei, sucessivamente, à análise destes dois recursos.
O recurso interposto contra o Conselho
7. O Conselho suscitou uma questão prévia de admissibilidade em virtude de o acto impugnado ter sido adoptado pelos Estados-membros e não pelo Conselho e, por conseguinte, não poder ser objecto de um processo de anulação no Tribunal de Justiça. Pediu ao Tribunal que se pronunciasse sobre esta questão antes de se debruçar sobre o mérito da causa. Todavia, o Tribunal decidiu analisar conjuntamente as questões da admissibilidade e de mérito.
8. Em apoio da sua tese de que a decisão impugnada é um acto do Conselho, o Parlamento invoca uma série de argumentos. Antes de mais, alega que o acto se denomina "Conclusões do Conselho" e foi adoptado numa sessão ordinária do Conselho em que participaram os ministros dos Negócios Estrangeiros de todos os Estados-membros. Em segundo lugar, nota que o acto foi adoptado com base numa proposta da Comissão. Afirma que, nos termos do artigo 149. do Tratado, só o Conselho decide sob proposta da Comissão. Em terceiro, alega que a ajuda especial deve ser repartida entre os Estados-membros em função do produto nacional bruto (PNB) desses Estados. Segundo o Parlamento, isto constitui outra prova de que o acto foi adoptado no âmbito do processo orçamental, uma vez que o PNB dos Estados-membros é um conceito comunitário. Constitui um dos fundamentos dos recursos próprios da Comunidade, nos termos da alínea d) do n. 1 do artigo 2. da Decisão n. 88/376/CEE do Conselho, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades (JO L 185, p. 24), e encontra-se definido na Directiva n. 89/130/CEE do Conselho, de 13 de Fevereiro de 1989, relativa à harmonização da determinação do produto nacional bruto a preços de mercado (JO L 49, p. 26).
9. O Parlamento nota que, segundo a comunicação à imprensa, a ajuda especial se integra na acção comunitária a favor do Bangladesh e deve ser gerida pela Comissão. Esclarece que, nos termos do quarto travessão do artigo 155. do Tratado, só o Conselho pode atribuir à Comissão a função da integração da ajuda especial na ajuda comunitária global ao Bangladesh. Acrescenta que a Comissão se propôs executar o acto impugnado, tal como resulta da carta de 22 de Maio de 1991 enviada pela Comissão ao Parlamento, através da inscrição no orçamento da Comunidade de todos os montantes pagos pelos Estados-membros. Desta carta resulta ainda que as operações financeiras de gestão da ajuda especial deviam ser integradas na execução do orçamento e analisadas pelo Parlamento e pelo Tribunal de Contas. O Parlamento sustenta que, nos termos dos artigos 206. -A e 206. -B do Tratado, o Tribunal de Contas e o Parlamento examinam as contas da Comunidade e não as dos Estados-membros. Daqui conclui que o controlo financeiro a que a ajuda deve estar sujeito constitui outro elemento revelador de que a decisão impugnada é um acto do Conselho.
10. O Parlamento afirma que a questão da ajuda ao Bangladesh foi novamente suscitada durante a sessão do Conselho de 27 de Maio de 1991. Na sequência dessa sessão, foi divulgada uma comunicação à imprensa nos termos da qual "o Conselho fez o ponto da situação da execução do programa" da ajuda ao Bangladesh. O Parlamento sustenta que a referência ao "Conselho" nesta comunicação à imprensa, diferente da referência aos "Estados-membros reunidos no seio do Conselho", constitui a prova de que o próprio Conselho considerava o acto impugnado como um acto do Conselho.
11. O Parlamento sustenta que era necessário aprovar um orçamento suplementar e rectificativo para conceder a ajuda pretendida, uma vez que os montantes disponíveis com base no orçamento geral para 1991 estavam esgotados. Nos termos do n. 2 do artigo 15. do Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias, os orçamentos suplementares e rectificativos devem ser aprovados segundo o processo previsto no artigo 203. do Tratado CEE e nas normas correspondentes dos outros tratados. Nos termos do acordo interinstitucional sobre a disciplina orçamental e a melhoria do processo orçamental (JO 1988, L 185, p. 33), a aprovação de um orçamento desse tipo obrigava à adaptação das perspectivas financeiras para 1991. O Parlamento sustenta que alguns Estados-membros não estavam dispostos a aprovar essa adaptação. Apesar de, nos termos do artigo 12. do acordo interinstitucional, poder ser tomada uma decisão de adaptação da perspectiva financeira por maioria qualificada, os Estados-membros não estavam dispostos a agir neste sentido. Foi alegadamente por este motivo que se socorreram do processo impugnado. Em apoio da sua argumentação, o Parlamento refere as declarações do presidente do Conselho em funções numa intervenção no Parlamento, em 14 de Maio de 1991.
12. O Conselho contesta as observações do Parlamento. Afirma que os termos da comunicação à imprensa, que não tem natureza oficial nem produz efeitos jurídicos em relação a terceiros, não definem a natureza da decisão. Apesar de, nos termos dessa comunicação, o acto impugnado ter sido adoptado com base numa proposta da Comissão, o Conselho sustenta que esses termos não eram totalmente adequados e que seria mais correcto falar de um acto adoptado pelo Conselho em acordo com a Comissão.
13. O Conselho sustenta que a repartição da ajuda em função do PNB dos Estados-membros constituía uma solução prática e de fácil aplicação. A utilização do PNB como critério dessa repartição não transforma a decisão impugnada num acto comunitário. Segundo o Conselho, o facto de a decisão de conceder a ajuda não ser uma acto da Comunidade não impediu a Comissão de proceder à coordenação e gestão da ajuda. A Comissão já anteriormente se tinha incumbido de missões semelhantes tendo adquirido um conjunto de experiências e conhecimentos específicos. O Conselho acrescenta que a Comissão não recebeu instruções dos Estados-membros, antes tendo voluntariamente procedido à coordenação da ajuda.
14. Segundo o Conselho, nem os Estados-membros nem a Comissão agiam nos limites da ordem jurídica comunitária, mas antes em função das necessidades para garantir uma resposta eficaz e rápida a uma situação de crise. O Conselho sustenta que a competência da Comunidade no que se refere à concessão de ajudas humanitárias não é exclusiva, continuando os Estados-membros livres para actuar, colectiva ou individualmente, à margem da acção da Comunidade.
15. Ao responder às observações do Conselho, o Parlamento reconhece que a competência da Comunidade em matéria de concessão de ajudas humanitárias a países terceiros não é exclusiva, mas sustenta que os Estados-membros quando pretendem conceder uma ajuda no âmbito da Comunidade, só o podem fazer por intermédio do Conselho e respeitando o processo orçamental comunitário. Acrescenta que no presente contexto, teria sido perfeitamente possível proceder dessa forma. Em primeiro lugar, a ajuda decidida destinava-se a projectos a longo prazo cuja execução necessitava de algum tempo. Em segundo lugar, o Parlamento sustentou energicamente o princípio da concessão de uma ajuda ao Bangladesh e esclareceu que estava disposto a acelerar o andamento de qualquer proposta que a Comissão apresentasse sobre o assunto, no âmbito do processo previsto pelo Tratado.
16. Em primeiro lugar, importa notar que o Tribunal de Justiça, ao determinar as medidas sujeitas a controlo jurisdicional nos termos do artigo 173. do Tratado, optou por uma interpretação ampla baseada em considerações de mérito e não de forma. No processo 22/70, Comissão/Conselho "AETR" (Recueil 1971, p. 263), o Tribunal de Justiça declarou, nos n.os 38 a 42 do acórdão, o seguinte:
"... nos termos do artigo 173. , o Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade 'dos actos do Conselho... que não sejam recomendações ou pareceres' ;
... ao excluir do recurso de anulação à disposição dos Estados-membros e das instituições apenas as 'recomendações ou pareceres' ° desprovidas de qualquer efeito obrigatório, nos termos do artigo 189. , último parágrafo ° o artigo 173. considera como actos susceptíveis de recurso todas as disposições adoptadas pelas instituições e destinadas a produzir efeitos jurídicos;
... esse recurso destina-se a garantir, nos termos do disposto no artigo 164. , o respeito do direito na interpretação e aplicação do Tratado;
... seria contrário a esse objectivo interpretar restritivamente as condições de admissibilidade do recurso, limitando o seu alcance unicamente às categorias de actos referidos no artigo 189. ;
... por conseguinte, deve ser possível interpor um recurso de anulação contra qualquer norma adoptada pelas instituições, independentemente da natureza ou da forma, destinada a produzir efeitos jurídicos...".
Baseando-se nos argumentos expostos, o Tribunal de Justiça reconheceu que a deliberação do Conselho de 20 de Maio de 1972, relativa à negociação e celebração, pelos Estados-membros, do acordo europeu sobre transportes rodoviárias, era um acto susceptível de controlo jurisdicional. A sua argumentação a este respeito foi confirmada em processos posteriores; v., por exemplo, processo Reino Unido/Comissão (114/86, Colect. 1988, p. 5289) e processo França/Comissão (C-366/88, Colect. 1990, p. I-3571). O Tribunal de Justiça reconheceu também que as resoluções do Parlamento Europeu destinadas a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros são susceptíveis de controlo jurisdicional: v., por exemplo, processo "Os Verdes"/Parlamento Europeu (294/83 Colect. 1986, p. 1339). Além disso, considerou que mesmo uma decisão oral pode ser objecto de um processo de anulação; v. processos apensos Kohler/Tribunal de Contas (316/82 e 40/83, Recueil 1984, p. 641).
17. Tendo em conta a jurisprudência referida, a questão de saber se o acto impugnado constitui um acto susceptível de controlo jurisdicional depende do seu conteúdo e dos seus efeitos, e não da qualificação que lhe é atribuída na comunicação à imprensa e no projecto de acta da sessão em que foi adoptado.
18. É exacto que, diferentemente da situação no presente processo, o que se questionava nos processos já referidos não era a identidade da instituição autora do acto, mas os efeitos do próprio acto. No processo AETR, em especial, resulta da acta da sessão do Conselho de 20 de Maio de 1972 que a decisão cuja validade era contestada pela Comissão tinha sido adoptada pelo Conselho (v. conclusões do advogado-geral Dutheillet de Lamothe, Recueil 1971, pp. 285 e 286). Em contrapartida, no caso em apreço, o acto contestado é qualificado de decisão dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho. É certo que existe uma distinção fundamental entre, por um lado, as decisões do Conselho (que é composto, nos termos do artigo 146. do Tratado, pelos representantes dos Estados-membros) e, por outro, as decisões dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho. Em contrapartida, parece não haver distinção propositada ou necessária entre a expressão "os Estados-membros reunidos no seio do Conselho" e "os representantes dos governos dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho". Esta última expressão figura nos actos de adesão. É assim que no n. 1 do artigo 3. do Acto relativo às condições de adesão às Comunidades Europeias do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido se prevê o seguinte:
"Os novos Estados-membros aderem, pelo presente Acto, às decisões e acordos adoptados pelos representantes dos governos dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho. Comprometem-se a aderir, a partir da adesão, a qualquer outro acordo concluído pelos Estados-membros originários relativo ao funcionamento das Comunidades ou relacionado com a acção destas."
Existem normas semelhantes nos actos relativos à adesão às Comunidades Europeias da Grécia, da Espanha e de Portugal. Essas normas revelam que as decisões dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho não constituem um aspecto da ordem jurídica comunitária, em sentido estrito, antes integrando o acervo comunitário; como se depreende do próprio título, têm uma natureza híbrida.
19. De qualquer modo, é evidente que, ao adoptarem actos desta natureza, os representantes dos Estados-membros não actuam na qualidade de membros do Conselho mas de representantes do seu governo, exercendo colectivamente as competências dos Estados-membros. Donde resulta que esses actos não são, em princípio, actos das instituições comunitárias.
20. Todavia, o Tribunal de Justiça não está de modo algum impedido, em meu entender, de fiscalizar a validade de uma decisão unicamente por esta ser qualificada de decisão dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho. Considero que o Tribunal de Justiça tem competência para analisar o conteúdo e os efeitos de um acto, bem como a questão de saber se a Comunidade tinha competência exclusiva para o adoptar, a fim de decidir se efectivamente se trata de um acto do Conselho, apesar de aparentemente ter sido adoptado sob a forma de acto dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho.
21. Esta forma de abordar o problema é compatível com a perspectiva funcional que o Tribunal de Justiça adoptou ao definir o conceito de acto susceptível de impugnação para efeitos da aplicação do artigo 173. Em contrapartida, a tese oposta seria de molde a dificultar a realização dos objectivos tidos em vista pelo artigo 164. do Tratado. Se se aceitasse que bastava simplesmente qualificar uma decisão como decisão dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho para a excluir do âmbito de aplicação do artigo 173. , o Tribunal de Justiça não poderia fiscalizar a legalidade da decisão, apesar de esta poder ser considerada, face ao conjunto das circunstâncias, como uma decisão do Conselho. Sustentar, nestas circunstâncias, que o acto não é susceptível de controlo jurisdicional seria, em meu entender, incompatível com o objectivo que decorre do artigo 164. No processo 294/83, "Os Verdes"/Parlamento Europeu, o Tribunal de Justiça declarou, no n. 23 do acórdão, o seguinte:
"Impõe-se salientar... que a Comunidade Económica Europeia é uma comunidade de direito, na medida em que nem os seus Estados-membros nem as suas instituições estão isentos da fiscalização da conformidade dos seus actos com a carta constitucional de base que é o Tratado."
Este princípio fundamental seria, em meu entender, violado se se aceitasse que um acto não pode ser objecto de um controlo jurisdicional unicamente por ter sido qualificado como acto dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho.
22. É certo que se os Estados-membros adoptassem uma decisão colectiva em violação do direito comunitário, seria possível à Comissão instaurar uma acção contra os Estados-membros, nos termos do artigo 169. do Tratado, com o objectivo de garantir o cumprimento das suas obrigações. Todavia, é evidente que essa hipótese não podia ocorrer num caso como o em apreço, em que existe um acordo entre a Comissão e os Estados-membros. De qualquer modo, a existência desse meio processual não constituía uma garantia suficiente num caso em que a decisão impugnada alegadamente viola as prerrogativas do Parlamento. No processo Parlamento Europeu/Conselho (C-70/88, Colect. 1990, p. I-2041), o Tribunal de Justiça declarou, no n. 19 do acórdão, o seguinte:
"... se incumbe à Comissão velar pelo respeito das prerrogativas do Parlamento, esta missão não poderia ir ao ponto de a obrigar a seguir a posição do Parlamento e apresentar um recurso de anulação que entendesse não ter fundamento."
O Tribunal continua, no n. 23 do acórdão, nestes termos:
"O Tribunal, que tem por missão nos termos dos tratados, velar pelo respeito do direito na sua interpretação e na sua aplicação, deve, assim, poder assegurar a manutenção do equilíbrio institucional e, em consequência, o controlo jurisdicional do respeito pelas prerrogativas do Parlamento, quando tal lhe seja pedido por este último, por uma via jurídica adequada ao objectivo prosseguido."
Estas considerações são, em meu entender, também válidas no caso em apreço. Por conseguinte, importa analisar a competência da autoridade autora da decisão impugnada e o conteúdo dos efeitos da decisão, para saber se esta constitui um acto do Conselho sob forma dissimulada.
23. Não creio que se deva atribuir grande importância à referência feita numa comunicação à imprensa a uma "proposta" da Comissão. Esta referência não pode significar a existência de uma verdadeira proposta na acepção do artigo 149. do Tratado. É certo que o termo "proposta" se pode prestar a confusões. Saliento que esta mesma questão já foi objecto de um debate em 1966; v. Gerhard Bebr, "Acts of representatives of the Governments of Members States" (14 SEW, 1966, pp. 529 a 545, v. p. 539). É prática corrente que a Comissão participe na elaboração das decisões dos representantes dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho e, sem dúvida, essas decisões terão muitas vezes por base iniciativas oficiosas da Comissão. De qualquer modo, a forma concreta da iniciativa da Comissão não pode condicionar a natureza jurídica do acto que ela originou. De outro modo, seria fazer prevalecer, sem razão, a forma sobre a substância.
24. No caso em apreço, é manifesto, em meu entender, que, independentemente da natureza do plano apresentado pela Comissão, o autor da decisão propôs-se adoptá-lo sob a forma de um acto dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho e não de um acto do Conselho. Se bem compreendo os seus argumentos, o Parlamento não contesta o facto de o acto ter sido apresentado sob a forma de acto dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho; antes contesta que o acto possa ser validamente adoptado por outra instituição que não o Conselho e sustenta que, na realidade, foi o Conselho que agiu.
25. Todavia, é evidente que, no domínio da ajuda humanitária, a competência da Comunidade não é exclusiva, mas coexiste com a dos Estados-membros. Daqui resulta que os Estados-membros mantêm o poder de actuar individual ou colectivamente, conforme considerarem melhor, prestando uma ajuda financeira aos países terceiros vítimas de calamidades naturais.
26. Contrariamente às observações do Parlamento, a participação da Comissão na coordenação da ajuda especial ao Bangladesh não é, em meu entender, um elemento revelador de que a decisão impugnada constitui efectivamente um acto da Comunidade. É certo que se a Comissão nunca pode, como o Parlamento dá a entender no recurso que interpôs, agir fora do âmbito dos tratados comunitários, então a sua participação constitui um argumento sólido a favor da tese de que a decisão impugnada constitui um acto da Comunidade. Todavia, mesmo que a tese de que a Comissão não pode actuar fora do âmbito comunitário fosse acolhida, pode acontecer que a intervenção da Comunidade seja ilegal e não que a decisão impugnada seja um acto da Comunidade. Por conseguinte, talvez não seja absolutamente necessário analisar esta tese, mas, porém, a sua procedência não pode, em meu entender, ser aceite. Na prática, a Comissão participa regularmente, como já referi, nas actividades dos representantes dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho. A sua participação resulta da natureza, por mim qualificada de híbrida, das suas actividades. O Conselho referiu no presente processo outras actividades da Comissão análogas à sua intervenção no presente processo. Assim, o Conselho refere que o Fundo Europeu de Desenvolvimento é directamente financiado pelos Estados-membros e gerido pela Comissão. O Conselho afirma também que é possível à Comissão proceder, a pedido do Conselho, dos Estados-membros ou mesmo de terceiros, à coordenação da acção colectiva. Um exemplo recente é o da coordenação pela Comissão da acção desenvolvida de comum acordo pela comunidade internacional em favor dos países da Europa Central e Oriental. A Comissão invoca argumentos semelhantes no recurso contra si interposto pelo Parlamento. Em meu entender, estes argumentos são convincentes. Em processos em que os Estados-membros decidem actuar individual ou colectivamente num domínio da sua competência nada obsta, em princípio, a que confiem à Comissão a missão de velar pela coordenação da sua acção. Compete à Comissão aceitar ou não essa missão, desde que, evidentemente, a execute de forma compatível com as suas obrigações resultantes dos tratados comunitários. A questão de saber se a Comissão actuou desta forma no presente processo foi suscitada no recurso interposto pelo Parlamento contra a Comissão. Sem prejuízo do que acaba de ser dito, não podem existir objecções, em meu entender, a que a Comissão, que em si é uma instituição política, aceite missões que saiam do âmbito dos tratados comunitários, na medida das responsabilidades políticas da Comunidade. No desempenho dessas missões, os actos da Comunidades estarão sujeitos à fiscalização do Tribunal de Justiça, se forem impugnados com fundamento em ilegalidade nos termos dos tratados. Todavia, a participação da Comissão não será, de resto, de molde a fazer com que as actividades em causa passem a relevar da competência do Tribunal de Justiça ou do âmbito de aplicação dos tratados comunitários.
27. Considero também que a referência, na comunicação à imprensa, ao PNB dos Estados-membros não revela que o acto impugnado seja, pela sua própria natureza, um acto do Conselho. É evidente que, nos processos em que os Estados-membros aceitam colectivamente obrigações financeiras fora do quadro da Comunidade, a chave PNB pode servir de instrumento cómodo para efeitos da repartição das obrigações financeiras entre os Estados-membros.
28. Além disso, o facto de a ajuda especial dever ser integrada numa acção geral da Comunidade em favor do Bangladesh é um elemento irrelevante. Uma vez que a Comunidade e os Estados-membros têm competências comuns, deve-lhes ser possível coordenar as suas acções.
29. Falta resolver a questão da utilização do orçamento comunitário. Talvez seja necessário analisar, no recurso interposto contra a Comissão, a questão de saber se era legal utilizar o orçamento comunitário como instrumento para o pagamento da ajuda concedida fora do âmbito da Comunidade. Todavia, resulta da comunicação à imprensa que a decisão de conceder uma ajuda especial não implicava forçosamente a utilização de processos financeiros da Comunidade, a fortiori, o do orçamento comunitário como instrumento do pagamento da ajuda. Pelo contrário, resulta dessa comunicação que a decisão da concessão da ajuda, tal como foi concebida pelo seu autor, podia ser executada sem recurso a um mecanismo comunitário. O acto impugnado previu que os Estados-membros podiam efectuar a sua contribuição quer no âmbito da ajuda bilateral, quer por intermédio da Comissão. Por conseguinte, teria sido possível a todos os Estados-membros efectuarem a sua contribuição no âmbito da ajuda bilateral. Além disso, o acto impugnado não referia o processo a seguir pela Comissão na gestão da ajuda caso um Estado-membro efectuasse a sua contribuição por intermédio da Comissão, apenas referindo a da existência de uma conta gerida pela Comissão. Como resulta da carta da Comissão de 2 de Agosto de 1991, foi a Comissão que decidiu utilizar um método especial de execução. Para a Comissão era possível aplicar a decisão da concessão da ajuda sem integrar as contribuições dos Estados-membros no orçamento geral. É claro que o método adoptado pela Comissão para efeitos da concretização da ajuda pode influir na validade das medidas de execução sem afectar a validade da decisão impugnada no processo C-181/91.
30. Em conclusão, o Parlamento não conseguiu provar que o acto impugnado, contrariamente à sua forma e às intenções aparentes do seu autor, é um acto do Conselho. Segue-se que o recurso interposto pelo Parlamento contra o Conselho deve ser julgado inadmissível.
Recurso interposto contra a Comissão (processo C-248/91)
31. No seu requerimento, o Parlamento pede a anulação dos actos adoptados pela Comissão e pelos seus serviços em execução da decisão impugnada no recurso interposto contra o Conselho. O Parlamento pede, designadamente, a anulação da decisão de dotar com o montante de 716 775,45 ecus o artigo 900. (receitas diversas) da parte receitas do orçamento geral das Comunidades para 1991 e da decisão correspondente de 13 de Junho que consistiu em abrir uma rubrica suplementar do mesmo montante na parte despesas desse orçamento (n. B7-3000: cooperação financeira e técnica com países em vias de desenvolvimento da Ásia e da América Latina). Finalmente, o Parlamento pede a anulação dos outros actos de execução orçamental com o mesmo objecto, mas de que não tinha conhecimento aquando da interposição do recurso.
32. O Parlamento invoca essencialmente três argumentos. No seu tratamento, vou seguir uma ordem diferente da adoptada pelo Parlamento. Em primeiro lugar, o Parlamento defende a ilegalidade com base no artigo 184. do Tratado. Sustenta que a decisão de conceder uma ajuda especial ao Bangladesh é uma decisão do Conselho que viola disposições financeiras do Tratado e os seus poderes orçamentais, sendo, por conseguinte, nula. Segue-se que as medidas impugnadas, que a Comissão adoptou em aplicação dessa decisão, são, no entender do Parlamento, igualmente nulas. Em segundo lugar, o Parlamento sustenta que a Comissão só pode exercer as competências que lhe são atribuídas pelo Tratado. Por conseguinte, caso a decisão da concessão de uma ajuda especial ao Bangladesh seja um acto dos Estados-membros e não um acto do Conselho, a Comissão executou, no âmbito do orçamento comunitário e em conformidade com as regras de gestão e controlo previstas no Tratado, um acto que não é um acto da Comunidade. Por conseguinte, as medidas adoptadas pela Comissão com vista à aplicação desse acto devem ser anuladas. Em terceiro lugar, o Parlamento sublinha que o orçamento geral para 1991, tal como foi adoptado, não previa uma ajuda especial ao Bangladesh. Ao inscrever nas partes receitas e despesas do orçamento um montante equivalente ao concedido pela Grécia para a ajuda ao Bangladesh, sem apresentar orçamento rectificativo e suplementar, a Comissão violou as prerrogativas do Parlamento, nos termos do artigo 203. , n.os 5, 6 e 7, do Tratado, e violou os artigos 205. do mesmo diploma e 22. do Regulamento Financeiro.
33. No que se refere ao primeiro argumento do Parlamento, basta remeter para as observações que apresentei no recurso interposto contra o Conselho pelo Parlamento. Dessas observações resulta que a decisão da concessão de uma ajuda especial ao Bangladesh foi adoptada pelos Estados-membros actuando colectivamente fora do âmbito do direito comunitário e que não se trata de um acto do Conselho. Não existindo um acto do Conselho, o argumento da ilegalidade desse acto não pode ser acolhido. Por conseguinte, o primeiro argumento do Parlamento deve, em meu entender, ser rejeitado.
34. Passo à análise dos segundo e terceiro argumentos do Parlamento.
35. A Comissão sustenta que o recurso não é admissível por dois motivos. Em primeiro lugar, alega que as medidas impugnadas não são susceptíveis de controlo jurisdicional. Em segundo lugar, sustenta que nenhuma das medidas violou as prerrogativas do Parlamento.
36. No que se refere ao primeiro fundamento de inadmissibilidade, a Comissão sustenta que, nos termos dos artigos 19. do Estatuto do Tribunal de Justiça e 38. do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o recorrente deve definir com precisão na sua petição os actos cuja anulação solicita. Segue-se que, no entender da Comissão, o recurso não é admissível, uma vez que o Parlamento impugna, sem os identificar, "os outros actos de execução orçamental". De qualquer modo, acrescenta a Comissão, não existam outros actos para além dos que o Parlamento conhece. A Comissão também afirma que para efeitos do processo de anulação não se pode distinguir entre os actos de uma instituição comunitária e os actos dos seus serviços. Além disso, a Comissão alega que as inscrições da contribuição da Grécia para a ajuda especial nas rubricas adequadas do orçamento revestem a natureza de operações contabilísticas técnicas que não podem produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. De acordo com a decisão de conceder uma ajuda especial ao Bangladesh, os Estados-membros tinham a possibilidade de liquidar a sua contribuição para a ajuda ou directamente ou por intermédio da Comissão. A decisão de inscrever o montante no orçamento da Comunidade não produziu qualquer efeito jurídico em relação ao Governo grego. Finalmente, a Comissão sustenta que não actuou no âmbito da ordem jurídica comunitária, mas nos termos de um mandato que os Estados-membros lhe atribuíram fora do âmbito das suas funções de instituição comunitária. Daqui resulta que as medidas impugnadas não eram actos da Comunidade susceptíveis de controlo jurisdicional nos termos do artigo 173.
37. No que se refere ao segundo fundamento de inadmissibilidade, a Comissão afirma que mesmo que ao adoptar as medidas impugnadas não tenha respeitado o orçamento, essa ilegalidade foi cometida em sede de execução do orçamento. Segundo a Comissão, o Tratado reconhece ao Parlamento o direito de participar na adopção do orçamento. Em contrapartida, nos termos dos artigos 205. do Tratado e 22. do Regulamento Financeiro, a execução do orçamento é da responsabilidade exclusiva da Comissão. Nenhuma norma do Tratado prevê a participação do Parlamento na execução do orçamento. Segue-se que, de acordo com a Comissão, mesmo que tivesse actuado ilegalmente, não violou as prerrogativas do Parlamento. A Comissão acrescenta que se se admitisse que qualquer acto ilegal da Comunidade constituía obrigatoriamente uma violação das prerrogativas do Parlamento, então o Parlamento teria, nos termos do artigo 173. do Tratado, um direito de acção judicial de alcance bem mais extenso do que o que a jurisprudência do Tribunal de Justiça lhe reconhece.
38. As questões da admissibilidade são intimamente conexas com as questões de mérito que vou analisar em primeiro lugar.
39. A Comissão contesta o argumento do Parlamento de que actuou ilegalmente. Sustenta que, apesar de ter recebido a contribuição da Grécia fora do âmbito da ordem jurídica comunitária, procedeu às inscrições contabilísticas em causa no interesse de uma gestão financeira sã e da transparência. Reconhece que não tem o poder de alterar o orçamento, mas sustenta que as inscrições da ajuda da Grécia não foram lançadas no próprio orçamento mas na contabilidade orçamental. Em seu entender, essas inscrições são meras operações contabilísticas.
40. A Comissão alega ter aplicado os n.os 2 e 3 do artigo 4. do Regulamento Financeiro por analogia e procedido ao pagamento da ajuda através de regras semelhantes às que se aplicam na execução do orçamento. A título de derrogação ao princípio de que o conjunto das receitas cobre o conjunto das dotações para pagamentos, o n. 2 do artigo 4. prevê uma lista de receitas que só podem ser afectadas a objectivos especiais. A Comissão afirma que, apesar de a lista das receitas definida nessa disposição não prever expressamente o caso de uma contribuição especial de um Estado-membro para um efeito específico, como no presente processo, a lista do n. 2 do artigo 4. não é exaustiva. Por conseguinte, estava autorizada a aplicar esse artigo por analogia. Conclui que não houve qualquer violação das normas financeiras do Tratado uma vez que a gestão da ajuda não constituía um aspecto da execução do orçamento.
41. Em meu entender, os argumento referidos não podem ser acolhidos. O n. 1 do artigo 1. do Regulamento Financeiro prevê que o orçamento das Comunidades Europeias é o acto pelo qual são previstas e autorizadas previamente, para cada ano, as receitas e as despesas previsíveis das Comunidades. Resulta deste artigo, interpretado em conjugação com os artigos 199. e 202. do Tratado e as normas equivalentes dos outros tratados, que, em princípio, só se pode validamente cobrar receitas e ordenar despesas em nome das Comunidades se tiverem sido previstas no orçamento. Do mesmo modo, resulta claramente dos artigos 199. e 202. do Tratado e das disposições equivalentes dos outros tratados que só podem ser inscritas no orçamento as receitas e as despesas das Comunidades. Quando a Comissão procede à gestão da ajuda concedida pelos Estados-membros a países terceiros fora do âmbito das Comunidades, não se pode servir do orçamento da Comunidade. A Comissão sustenta que a ajuda da Grécia não foi inscrita no próprio orçamento mas nas contas relativas à execução do orçamento. Em meu entender, isso constitui uma distinção irrelevante. Resulta claramente do artigo 205. e do artigo 205. -A do Tratado que, ao executar o orçamento e ao efectuar a contabilidade, a Comissão deve respeitar os limites do orçamento, tal como foi adoptado. O argumento da Comissão de que aplicou por analogia o n. 2 do artigo 4. do Regulamento Financeiro não convence. Essa aplicação analógica não justifica a integração no orçamento da ajuda concedida pelos Estados-membros fora do âmbito comunitário.
42. Concluo que a Comissão não tinha o direito de inscrever nas partes receitas e despesas das contas relativas à execução do orçamento da Comunidade para o exercício de 1991 a contribuição da Grécia para a ajuda especial ao Bangladesh.
43. Passo agora à questão da admissibilidade. Em meu entender, o argumento da Comissão de que as medidas impugnadas só eram operações contabilísticas técnicas, sem qualquer efeito obrigatório, não tem fundamento. Resulta da carta de 2 de Agosto de 1991 que a inscrição da participação da Grécia nos mapas contabilísticos do orçamento correspondia a uma tomada de posição da Comissão quanto ao processo correcto a seguir para efeitos da utilização dessa participação e à fiscalização dessa utilização e que, caso a inscrição fosse legal, tinha efectivamente os efeitos que a Comissão se propunha atribuir-lhe. Implicava o recurso aos processos comunitários, nomeadamente de fiscalização pelo Tribunal de Contas e pela autoridade orçamental. Por conseguinte, não era destituída de consequências jurídicas e, em princípio, era susceptível de controlo pelo Tribunal de Justiça.
44. Todavia, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Parlamento só tem legitimidade para interpor um recurso de anulação contra o Conselho ou a Comissão se esse recurso se destinar a salvaguardar as suas prerrogativas e se basear em pretensas violações dessas prerrogativas; v. processo Parlamento/Conselho, já referido, C-70/88, n. 27, e acórdão de 16 de Julho de 1992, Parlamento/Conselho (C-65/90, Colect., p. I-4593, n. 13). Por conseguinte, a questão que se coloca é a de saber se as medidas adoptadas pela Comissão neste processo violaram as prerrogativas do Parlamento de modo a conferir-lhe o direito de interpor um recurso de anulação. Até à data, a jurisprudência do Tribunal de Justiça só abordou a questão das prerrogativas do Parlamento no contexto do processo legislativo.
45. Em meu entender, no que se refere ao orçamento, não há dúvidas de que o Parlamento teria o direito de interpor um recurso se outra instituição comunitária violasse o direito do Parlamento de participar na adopção do orçamento, nos termos das normas do Tratado. No que se refere à execução do orçamento, é a Comissão que tem essa responsabilidade exclusiva nos termos do artigo 205. do Tratado. Todavia, o Parlamento tem a obrigação de fiscalizar a execução do orçamento e de dar quitação à Comissão, nos termos dos artigos 206. -B do Tratado e 89. do Regulamento Financeiro. É possível sustentar que os poderes do Parlamento relativos à quitação são, por si sós, bastantes para garantir que não se verificou qualquer violação das suas prerrogativas por um acto, qualquer que seja, praticado pela Comissão em execução do orçamento. Daqui resulta, por conseguinte, que o Parlamento talvez nunca tenha legitimidade para impugnar, num recurso de anulação, medidas de execução. Pode suceder que se trate de um argumento pertinente, porém, é inútil no presente processo que o Tribunal se pronuncie sobre este ponto. Não se exclui que, em determinadas circunstâncias, o Parlamento possa requerer a anulação de medidas de execução, por exemplo, se tiverem por efeito minar o orçamento ao ponto de o tornar, no essencial, diferente do orçamento adoptado em conformidade com o processo previsto no Tratado. Em qualquer caso, no presente processo esta questão não se coloca. O Parlamento também não conseguiu identificar, a propósito da inscrição impugnada, qualquer efeito, mesmo mínimo, que pudesse pôr em causa as suas prerrogativas. Na realidade, o único efeito potencial, no que se refere ao Parlamento, foi o de lhe dar a possibilidade de fiscalizar a afectação dos montantes em causa. Em meu entender, a inscrição não era aconselhável, mas não violou de forma alguma as prerrogativas do Parlamento.
46. Por conseguinte, o recurso interposto contra a Comissão pelo Parlamento é, em meu entender, inadmissível.
Conclusão
47. Por conseguinte, sou de parecer que
"1) os recursos interpostos pelo Parlamento contra o Conselho e a Comissão devem ser rejeitados e que
2) o Parlamento deve ser condenado nas despesas."
(*) Língua original: inglês.