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Documento 61991CC0168

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 9 de Dezembro de 1992.
Christos Konstantinidis contra Stadt Altensteig - Standesamt e Landratsamt Calw - Ordnungsamt.
Pedido de decisão prejudicial: Amtsgericht Tübingen - Alemanha.
Discriminação - Convenção Internacional - Tradução do grego.
Processo C-168/91.

Colectânea de Jurisprudência 1993 I-01191

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1992:504

61991C0168

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 9 de Dezembro de 1992. - CHRISTOS KONSTANTINIDIS CONTRA STADT ALTENSTEIG - STANDESAMT E LANDRATSAMT CALW - ORDNUNGSAMT. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: AMTSGERICHT TUEBINGEN - ALEMANHA. - DISCRIMINACAO - CONVENCAO INTERNACIONAL - TRADUCAO DO GREGO. - PROCESSO C-168/91.

Colectânea da Jurisprudência 1993 página I-01191
Edição especial sueca página I-00097
Edição especial finlandesa página I-00109


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. O Amtsgericht Tuebingen apresentou ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação dos artigos 5. , 7. , 48. , 52. , 59. e 60. do Tratado CEE, relativamente a certas disposições do direito alemão que impõem a transliteração de nomes gregos em caracteres latinos de acordo com um sistema que é foneticamente incorrecto.

2. O recorrente na causa principal é um nacional grego que exerce em Altensteig (República Federal da Alemanha), como independente, a profissão de massagista e de assistente em hidroterapia. Segundo a sua certidão de registo de nascimento grega, o seu nome próprio é ******* e o seu apelido **************. Ele pretende que esses nomes sejam transcritos em caracteres latinos como "Christos Konstantinidis", em virtude de esta grafia indicar tão fielmente quanto possível aos germanófonos a pronúncia correcta do seu nome em grego. Também salienta que o seu nome está transcrito assim em caracteres latinos no seu passaporte grego.

3. Em 1 de Julho de 1983, o interessado casou com uma nacional alemã no registo civil de Altensteig. No livro de registos de casamento, o seu nome foi inscrito como "Christos Konstadinidis". Em 31 de Outubro de 1990, pediu ao registo civil que o assento do seu apelido fosse rectificado de "Konstadinidis" para "Konstantinidis". Este pedido foi transmitido, por intermédio do Landratsamt Calw, ao Amtsgericht Tuebingen, que considerou que, nos termos das disposições relevantes do direito alemão, o nome inscrito no livro de registos de casamento deve corresponder ao nome que consta da certidão de registo de nascimento de C. Konstantinidis. Ele mandou portanto fazer uma tradução da certidão de registo de nascimento grega por um tradutor ajuramentado, que aplicou conscienciosamente um sistema de transliteração elaborado pela Organização Internacional de Normalização (ISO) (1), do qual resultou que o nome do requerente foi transposto como "Hrestos Konstantinides", com um traço horizontal por cima da letra "e" no nome próprio e por cima do "o" e do "e" no apelido. O Landratsamt Calw também apresentou um pedido de rectificação do assento no livro de registos de casamento, de modo a corresponder ao sistema de transliteração da ISO (com a única excepção de que os traços horizontais deviam ser substituídos por acentos agudos (2)).

4. O Amtsgericht Tuebingen considera que, em direito alemão, o nome do recorrente deve ser transposto para o livro de registos de casamento como "Hréstos Kónstantinidés", ainda que esta grafia desagrade profundamente ao recorrente e não dê uma ideia exacta do modo como o seu nome é pronunciado em grego. O Amtsgericht Tuebingen chega a esta conclusão pelo processo seguinte. O direito alemão exige que os nomes inscritos nos assentos do registo civil correspondam aos nomes que constam da certidão de registo de nascimento de uma pessoa. Os registos são lavrados em língua alemã e no alfabeto alemão ou latino. Os nomes estrangeiros escritos numa língua que utiliza um alfabeto diferente têm que ser transpostos tanto quanto possível por transliteração, isto é, cada carácter no alfabeto estrangeiro deve ser transposto pelo carácter equivalente do alfabeto latino. No caso dos nomes gregos, deve usar-se um sistema de transliteração recomendado pela ISO. Isto está de acordo com o artigo 3. da Convenção Relativa à Indicação dos Nomes Próprios e Apelidos no Registo Civil (Convenção n. 14 da Comissão Internacional do Estado Civil), de 13 de Setembro de 1973 (Bundesgesetzblatt 1976 II, p. 1473). O artigo 3. determina o seguinte:

"Sempre que haja que lavrar um assento no registo civil por uma autoridade de um Estado Contratante e que, para o efeito, for apresentada uma cópia ou uma certidão de um assento do registo civil ou outro documento comprovativo dos nomes próprios e apelidos escritos em caracteres diferentes dos da língua em que o assento deve ser lavrado, esses nomes próprios e apelidos serão reproduzidos, sem qualquer tradução, por transliteração na medida do possível.

Se existirem normas recomendadas pela Organização Internacional de Normalização (ISO), essas normas deverão ser aplicadas" (*).

Como se viu, existe efectivamente uma norma da ISO para a transliteração dos nomes gregos, que tem como resultado que o nome do autor se escreve "Hréstos Kónstantinidés".

5. O Amtsgericht Tuebingen considera que, se C. Konstantinidis for obrigado a aceitar que o seu nome seja ortografado de acordo com a norma da ISO no livro de registos de casamento, pode haver violação dos direitos que lhe são atribuídos pelo direito comunitário. Submeteu, por conseguinte, as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

"1) Um nacional de um Estado-membro das Comunidades Europeias que exerce uma actividade assalariada ou não assalariada, na acepção dos artigos 48. , 52. , 59. e seguintes do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, é lesado nos seus direitos, em violação dos artigos 5. e 7. do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, pelo facto de ser obrigado, em outro Estado-membro, a admitir contra a sua vontade declarada a inscrição do seu nome no registo civil do país de acolhimento segundo uma grafia não conforme à tradução fonética e tal que a pronúncia do seu nome é alterada e deturpada;

em concreto, de tal modo que o nome grego Christos Konstantinidis (tradução fonética directa) passe a ser 'Hréstos Kónstantinidés' ?

2) O direito de estabelecimento e de livre prestação de serviços constante dos artigos 52. , 59. e 60. do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia é prejudicado deste modo?"

A transliteração dos nomes em geral

6. Antes de analisar os problemas jurídicos suscitados pelas questões supra, pode ser útil encarar o problema geral da transposição de nomes de um alfabeto para outro. O método mais comummente adoptado pode ser descrito como sendo a transcrição fonética. Segundo este método, tenta-se converter o nome da língua original (neste caso, o grego) na língua-alvo (neste caso, o alemão), de modo a transmitir a uma pessoa cuja língua materna é a língua-alvo a aproximação mais perfeita possível da pronúncia correcta do nome. A vantagem deste método reside no facto de o nome sofrer a menor distorção fonética possível. A desvantagem consiste no facto de ° no caso de o alfabeto em que o nome é transcrito ser utilizado por várias línguas e de os valores atribuídos a algumas das suas letras variarem de uma língua para outra ° poder ser necessária uma ortografia diferente para cada língua. Os escritores e editores, que evidentemente podem não encarar o problema da mesma perspectiva que o conservador do registo civil de Altensteig ou a ISO, não parecem incomodar-se muito com a falta de uma transliteração uniforme dos nomes estrangeiros. Assim, os jornais espanhóis falam de "Jomeini", ao passo que, na maioria dos países, o falecido ayatollah é designado pelo nome de "Khomeini"; os jornalistas franceses escrevem "Eltsine", ao passo que os ingleses escrevem "Yeltsin"; o nome do último presidente da União Soviética é escrito "Gorbachov", "Gorbatschow" e "Gorbaciov"; e o compositor conhecido no mundo anglófono como "Tchaikovsky" é mencionado em Itália como "Ciaikovski". Tais variações eram obviamente menos aceitáveis para a ISO quando ela deu início à tarefa de elaborar um sistema para a transliteração dos nomes gregos que seria válido em todos os países que utilizam o alfabeto latino.

7. Em princípio, não compete ao Tribunal de Justiça declarar que um sistema de transliteração dos nomes gregos em caracteres latinos é melhor do que outro. Como, porém, a essência da queixa de C. Konstantinidis reside no facto de o sistema da ISO provocar um grau inaceitável de distorção fonética quando aplicado ao seu nome, vale a pena analisar resumidamente quais são os efeitos deste sistema na prática. Se a versão do sistema da ISO que foi apresentada ao Tribunal de Justiça fosse utilizada de um modo geral, não há dúvida de que provocaria uma grave distorção na grafia de muitos nomes gregos. Em muitos aspectos ela é extravagante e incorrecta. Por exemplo, a letra grega "ss", que na antiguidade pode bem ter representado um som como o "b" na palavra inglesa "big", pronuncia-se em grego moderno como o "v" de "very". Mas o sistema da ISO insiste em que devia ser transposta por um "b". A influência de noções recebidas acerca da pronúncia do grego clássico também pode ver-se na proposta de transposição das vogais "*" e "*", que, em grego moderno, se pronunciam ambas como a vogal na palavra inglesa "sheep". Segundo o sistema da ISO, "*" é transcrito por "e" (com um traço por cima) e "*" por "u"; a primeira poderia ser foneticamente exacta para um falante inglês e a segunda para um galês, mas nenhuma delas indica o valor das letras gregas a um falante alemão. Além disso, o sistema da ISO não tem em conta o facto de que o "*" se pronuncia como um "v" ou "f" inglês quando é precedido de "*" ou "*". Estes não são os únicos defeitos. O sistema da ISO translitera o "*" grego pelo "g" latino, ignorando o facto de que o "*" duro é gutural e que o "*" brando se pronuncia como o "y" na palavra inglesa "yes". A letra "*", que se pronuncia como "th" na palavra inglesa "thing", deve ser transcrita por um "t" com um traço horizontal por cima. É evidentemente difícil indicar este som a um germanófono, já que ele não existe na sua língua. Mas certos sistemas de transliteração mais convencionais escrevem "th" por "*", talvez porque essas letras têm o valor apropriado pelo menos numa língua importante (isto é, o inglês) e talvez porque as palavras alemãs derivadas de palavras gregas que contêm a letra "*" são ortografadas com "th" (por exemplo, Theologie). Outras consoantes gregas que são distorcidas pelo sistema da ISO são o "*" (transposto por um "h", ao passo que "ch" seria mais ortodoxo e mais fonético para um germanófono) e o "*", que representa o som "ps" como na palavra inglesa "tips", mas que é transliterado segundo o sistema da ISO por um "p" com um traço horizontal por cima.

8. Um bom exemplo do efeito de distorção do sistema da ISO é dado pelo nome de ******* ******* (1854-1929, um grande defensor do uso do Grego demótico). A transliteração normal do nome seria "Yannis Psycharis", mas, de acordo com o sistema da ISO, seria transcrito como "Giannés Puharés" (3) (admitindo que se utilizem acentos agudos em lugar de traços horizontais), o que é errado, qualquer que seja o critério adoptado. A característica talvez mais esotérica do sistema da ISO é a utilização de traços horizontais por cima de certas letras. Tais sinais podem não ter qualquer significado, excepto para um leitor versado no sistema da ISO e certamente não informa o não iniciado de que o "t" tem um valor fricativo ou que o "p" deve pronunciar-se "ps". Além disso, muitas máquinas de escrever e de tratamento de texto são incapazes, como vimos, de reproduzir esses sinais, o que indubitavelmente explica por que é que as autoridades alemãs pretendem registar o autor como "Hréstos Kónstantinidés", com três acentos agudos não previstos no sistema da ISO. Deve haver decerto dúvidas quanto ao mérito de um sistema de transliteração que utiliza sinais diacríticos que excedem as possibilidades técnicas das máquinas de escrever normais.

9. Com base nas observações anteriores, é fácil concluir que, se o sistema de transliteração da ISO for utilizado na República Federal da Alemanha (ou, na realidade, em qualquer outro Estado-membro), muitos nomes gregos ° incluindo o do recorrente ° serão escritos de uma maneira que dá uma impressão extremamente errada da sua verdadeira pronúncia. De facto, certos nomes serão distorcidos a ponto de ficarem irreconhecíveis.

A alegada violação dos direitos atribuídos ao recorrente pelo direito comunitário

10. Embora o Amtsgericht Tuebingen tenha submetido ao Tribunal de Justiça duas questões diferentes, parece-me que, na realidade, elas se reconduzem a uma única questão, que é a de saber se um nacional de um Estado-membro, que se estabeleceu como trabalhador independente em outro Estado-membro em que é utilizado um alfabeto diferente, tem o direito, ao abrigo dos artigos 7. e 52. do Tratado, de se opor à transliteração do seu nome, com vista à inscrição nos livros do registo civil, de uma maneira que deforma grosseiramente a pronúncia desse nome.

11. Os artigos 48. , 59. e 60. do Tratado não parecem ser relevantes no presente caso, pois o recorrente é um trabalhador independente que se estabeleceu com carácter permanente na República Federal da Alemanha e, como tal, os seus direitos são determinados pelo artigo 52. Em todo o caso, pode notar-se que a situação seria em grande parte semelhante se ele fosse um trabalhador abrangido pelo artigo 48. ou um prestador de serviços abrangido pelo artigo 59. Não há, a meu ver, qualquer necessidade de analisar em separado o artigo 5. ; se o recorrente tiver direito a opor-se à grafia deturpada do seu nome ao abrigo dos artigos 7. e 52. , esse direito terá efeitos directos.

12. A Comissão e os Governos alemão e grego apresentaram observações escritas e, além disso, estiveram todos representados na audiência. C. Konstantinidis não apresentou observações escritas, mas deu ao Tribunal de Justiça uma rara oportunidade de ouvir um litigante em pessoa quando se representou a si próprio na audiência. O seu argumento essencial, apresentado com uma eloquência simples e uma concisão que muitos advogados profissionais fariam bem em adoptar, é que "Hréstos Kónstantinidés" é uma paródia insultuosa e impronunciável do seu nome, que ofende os seus sentimentos religiosos. Também salienta que, sendo conhecido dos seus clientes desde há oito anos como "Christos Konstantinidis", tem agora de sofrer quer o inconveniente de lhes dizer que tem um novo nome, quer a confusão resultante do facto de utilizar nomes diferentes para finalidades diferentes.

13. C. Konstantinidis é apoiado pela Comissão e pelo Governo helénico. A Comissão considera que uma pessoa na situação de C. Konstantinidis pode ser vítima de uma discriminação indirecta, contrária aos artigos 7. e 52. , se for obrigada a usar a transliteração distorcida do seu nome na sua vida profissional, tendo assim razões para recear uma perda substancial de rendimentos, e se vier a ter probabilidades de deparar com dificuldades administrativas em resultado da diferente ortografia do seu nome. A Comissão também considera que pode haver violação dos direitos humanos de C. Konstantinidis se o uso obrigatório da transliteração distorcida afectar desfavoravelmente o seu direito de livre circulação garantido pelo Tratado.

14. O Governo helénico desaprova com veemência o sistema de transliteração recomendado pela ISO. Prefere outro sistema elaborado pelo organismo grego de normalização (ELOT 743), que é aplicado na Grécia e foi adoptado pela OTAN e pelas Nações Unidas. Considera que a insistência das autoridades alemãs em utilizar o sistema da ISO viola manifestamente os direitos de que os particulares gozam, por força dos artigos 7. , 48. , 52. e 59. do Tratado.

15. O Governo alemão alega que o fim prosseguido pela Convenção de 13 de Setembro de 1973 e pelo sistema de transliteração da ISO é a uniformidade e a segurança jurídica: elas garantem que os nomes gregos são ortografados de forma idêntica em todos os Estados-membros e que os nomes gregos transpostos podem ser retranscritos em Grego. O Governo alemão salienta que a Grécia também aderiu à Convenção de 13 de Setembro de 1973. Qualquer que seja a diferença de tratamento de que possam vir a sofrer os nacionais gregos, ela é objectivamente justificada, visto ser necessária para tornar os nomes gregos compreensíveis em outros países.

16. Na audiência, o Governo alemão alterou um tanto a sua posição. O seu representante referiu-se ao artigo 2. , n. 1, da supracitada Convenção de 13 de Setembro de 1973, que determina o seguinte:

"Sempre que haja que lavrar um assento no registo civil por uma autoridade de um Estado Contratante e que, para o efeito, for apresentada uma cópia ou uma certidão de um assento do registo civil ou outro documento comprovativo dos nomes próprios e apelidos escritos nos mesmos caracteres que os da língua em que o assento deve ser lavrado, esses nomes próprios e apelidos são transcritos literalmente, sem modificação nem tradução."

Os órgãos jurisdicionais alemães sempre foram de opinião de que a referência a "outro documento" é limitada a documentos do registo civil e não abrange os passaportes nem os bilhetes de identidade. Por conseguinte, o Amtsgericht Tuebingen recusou permitir que o nome do autor fosse inscrito no livro de registos de casamento segundo a transcrição latina utilizada no seu passaporte grego. O representante do Governo alemão informou o Tribunal de Justiça de que, em 11 de Setembro de 1992, a Assembleia Geral da Comissão Internacional do Registo Civil adoptou uma resolução nos termos da qual a referência, no artigo 2. da Convenção de 13 de Setembro de 1973, a outro documento comprovativo do nome de uma pessoa abrange documentos oficiais como os passaportes. O Governo alemão tenciona dirigir instruções aos seus funcionários no sentido de que acatem esta resolução, mas não é certo que os órgãos jurisdicionais alemães aceitem esta interpretação da Convenção. O representante do Governo alemão admite que haveria violação do Tratado se um nacional de outro Estado-membro cujo nome está escrito em caracteres latinos no seu passaporte fosse obrigado a aceitar uma ortografia diferente do seu nome.

17. A fim de determinar se o direito comunitário atribui a C. Konstantinidis a faculdade de se opor a uma transliteração determinada do seu nome, é necessário examinar: a) se ele é discriminado em razão da nacionalidade, o que é proibido pelo artigo 7. conjugado com o artigo 52. do Tratado; b) e se, mesmo não havendo qualquer discriminação, o seu direito à liberdade de estabelecimento, ao abrigo do artigo 52. do Tratado, é lesado, em especial porque o tratamento que lhe foi dado constitui uma violação dos seus direitos fundamentais protegidos pelo direito comunitário.

a) A questão da discriminação

18. Sobre a questão da discriminação, é necessário analisar i) se os nacionais gregos são tratados diferentemente dos nacionais alemães ou de outros Estados-membros, ii) se tal diferença de tratamento cabe no âmbito de aplicação do Tratado e iii) se ela é objectivamente justificada por uma diferença de situação entre os nacionais gregos e a de outros nacionais. Examinarei cada um destes pontos em separado.

19. A Comissão faz notar com razão que C. Konstantinidis não sofre uma discriminação directa (ou manifesta), visto que o direito alemão não prescreve expressamente uma forma de tratamento para os nacionais gregos e outra para os nacionais de outros Estados-membros. Ainda que C. Konstantinidis adquirisse a nacionalidade alemã por naturalização, continuaria a ter que admitir a transliteração do seu nome exactamente da mesma maneira. A Comissão alega que C. Konstantinidis pode, no entanto, ser vítima de uma discriminação indirecta (ou dissimulada), na medida em que as regras alemãs que impõem que os nomes escritos em caracteres não latinos sejam transliterados de uma determinada maneira são mais susceptíveis de afectar os nacionais gregos do que os nacionais alemães ou de qualquer outro Estado-membro. É evidentemente pacífico que as regras do Tratado que proíbem qualquer discriminação abrangem tanto a discriminação dissimulada como a manifesta (acórdão de 12 de Fevereiro de 1974, Sotgiu, 152/73, Recueil, p. 153, n. 11).

20. Em meu entender, a prática das autoridades alemãs pode redundar numa discriminação dissimulada contra os nacionais gregos. A grande maioria dos nacionais gregos que vão viver e trabalhar na República Federal da Alemanha, enquanto portadores de certidões de registo de nascimento gregas de que constam nomes escritos em caracteres gregos, terão que sujeitar-se à transliteração obrigatória dos seus nomes segundo um sistema que não toma em consideração os seus desejos nesta matéria e que pode levar a um grau de distorção inadmissível. Muito poucos nacionais de qualquer outro Estado-membro, incluindo a República Federal da Alemanha, serão afectados pelas regras alemãs sobre a transliteração obrigatória, pois os seus nomes terão sido registados desde o nascimento em caracteres latinos. Daqui resulta que os nacionais gregos são, na prática, tratados de maneira diferente dos nacionais de outros Estados-membros.

21. É indubitável que a diferença de tratamento acima indicada cabe, em princípio, no âmbito de aplicação do Tratado, como exige a aplicação da proibição estabelecida no artigo 7. Uma pessoa que vai para outro Estado-membro no exercício dos direitos que lhe são atribuídos pelas disposições dos artigos 48. a 66. do Tratado relativas à livre circulação encontra-se "numa situação regulada pelo direito comunitário" e deve, como tal, beneficiar de uma "perfeita igualdade de tratamento... com os nacionais de um Estado-membro" (acórdão de 2 de Fevereiro de 1989, Cowan, 186/87, Colect., p. 195, n. 10). O facto de as regras que regulam a inscrição dos nomes nos registos públicos serem em princípio do âmbito do direito interno e não do direito comunitário não significa evidentemente que qualquer discriminação resultante dessas regras seja excluída do âmbito do Tratado. Isto resulta claramente do n. 19 do acórdão Cowan.

22. Poderia sustentar-se que certas diferenças de tratamento, em especial as diferenças acidentais que redundam numa discriminação dissimulada, não são suficientemente graves para serem abrangidas pelas proibições estabelecidas pelo Tratado. A Comissão parece sugerir que a discriminação sofrida pelos nacionais gregos no presente caso só é proibida se tiver como resultado qualquer desvantagem palpável para a pessoa em causa, como, por exemplo, poderia acontecer se ela fosse obrigada a utilizar a ortografia indesejável do seu nome para fins comerciais ou profissionais e sofresse uma perda de rendimentos em virtude do dano infligido ao seu prestígio ou se deparasse com dificuldades de natureza administrativa.

23. Não é claro se C. Konstantinidis é obrigado a utilizar a grafia distorcida do seu nome para fins profissionais e sociais, bem como nas suas relações correntes com as autoridades alemãs, ou se ela só é obrigatória no livro de registos do casamento e em documentos semelhantes. É certo que, se C. Konstantinidis tivesse que sofrer um prejuízo financeiro em virtude de ser forçado a exercer a sua profissão sob um nome deturpado, não haveria qualquer razão para sustentar que as questões de que ele se queixa são tão triviais e insignificantes que se situam fora do domínio do direito comunitário.

24. Mas não penso que seja necessário provar um dano real de natureza palpável para aplicar a proibição de discriminação. O direito comunitário não considera o trabalhador migrante (ou o migrante que é trabalhador independente) pura e simplesmente como um agente económico e um factor de produção que tem direito ao mesmo salário e às mesmas condições de trabalho que os nacionais do Estado de acolhimento; considera-o como um ser humano que tem o direito de viver nesse Estado "em condições objectivas de liberdade e de dignidade" [v. o quinto considerando do preâmbulo do Regulamento (CEE) n. 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77] e de não ser sujeito a qualquer diferença de tratamento susceptível de tornar a sua vida menos confortável, física ou psicologicamente, do que a dos nacionais. Esta tese encontra apoio na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Por exemplo, no seu acórdão de 11 de Julho de 1985, Mutsch (137/84, Recueil, p. 2681), o Tribunal declarou que um trabalhador migrante arguido perante um órgão jurisdicional penal deve beneficiar dos mesmos direitos, em matéria de emprego das línguas, que os nacionais do Estado de acolhimento.

25. Se C. Konstantinidis for obrigado a chamar-se "Hréstos Kónstantinidés" ao lidar com as autoridades alemãs, com os seus clientes ou com empresas às quais ele próprio compra bens ou serviços (por exemplo, quando faz o seguro do seu carro ou abre uma conta no banco), direi então que, mesmo sem provas de prejuízo financeiro real, os inconvenientes e os dissabores que lhe são assim infligidos são suficientes para lhe atribuir o direito a invocar as proibições estabelecidas no Tratado.

26. Talvez C. Konstantinidis não seja juridicamente obrigado a utilizar a ortografia contestável do seu nome na sua vida social e profissional e ela só seja exigida em certidões do registo civil (de nascimento, de casamento, de óbito, etc.). Pode afirmar-se que, se assim for (e a posição não é inteiramente clara, como já fiz notar), e se a grafia indesejável só tiver de existir nos arquivos poeirentos do Estado ou em cópias de certidões que podem ficar enterradas no fundo de uma gaveta, então não há qualquer razão de queixa. Não estou de acordo. O nascimento, o casamento e o óbito são os acontecimentos mais significativos e mais sagrados na vida de uma pessoa. As inscrições efectuadas nos registos públicos para dar fé desses acontecimentos e as respectivas certidões passadas às pessoas em causa têm uma importância tão evidente que o trabalhador migrante devia ter o direito de exigir, tal como qualquer cidadão do país de acolhimento, ser correctamente identificado nesses documentos e ter o seu nome escrito de uma maneira que não seja insultuosa nem ofensiva para ele. De um ponto de vista puramente prático, deve notar-se, em todo o caso, que, ainda que C. Konstantinidis tenha juridicamente a liberdade de escrever o seu nome como lhe aprouver para efeitos sociais e profissionais, sentirá inevitavelmente uma certa pressão para utilizar a ortografia prescrita para os documentos oficiais; as discrepâncias relativas à grafia do seu nome entre esses documentos e a sua prática de todos os dias poderiam causar-lhe inconvenientes e embaraços e constituiriam uma fonte de confusão desnecessária para todas as pessoas em causa. Na audiência, C. Konstantinidis sustentou de maneira convincente que sofreria um grave incómodo se fosse obrigado a adoptar duas identidades diferentes: uma para uso oficial nas suas relações com o Estado alemão e outra para ser utilizada na sua vida social e profissional.

27. Sendo assim, concluo que, no fim de contas, não interessa saber se a ortografia distorcida do nome de C. Konstantinidis só é necessária nos documentos oficiais, ou se ele também é obrigado a usá-la para efeitos das suas relações sociais e comerciais, ou se, em resultado disso, sofre um prejuízo financeiro. Mesmo no que diz respeito às inscrições nos registos oficiais, ele tem direito ao mesmo tratamento que os nacionais alemães, a menos que haja uma justificação objectiva para ser tratado de modo diferente.

28. O Governo alemão, que admite que os nacionais gregos são tratados de modo diferente dos nacionais dos outros Estados-membros, na medida em que só os nomes daqueles sofrem uma transliteração, alega que a diferença de tratamento é objectivamente justificada, porque é necessária para tornar os nomes gregos legíveis nos países que não são de língua grega. Não concordo com este argumento. É evidente que é inteiramente justificado exigir que os nomes dos trabalhadores migrantes gregos sejam escritos em caracteres latinos nos onze Estados-membros que não utilizam o alfabeto grego. Se não fossem escritos assim, seriam incompreensíveis para a maior parte dos funcionários e dos cidadãos do Estado de acolhimento. Mas isto não significa que haja justificação objectiva para escrever os nomes gregos de uma maneira não fonética, ilógica, arbitrária, incompatível com a prática adoptada há longo tempo e ofensiva para as pessoas em causa.

29. O Governo alemão não faz qualquer tentativa para defender o mérito do sistema de transliteração da ISO. Em vez disso, procura justificar o uso desse sistema com o fundamento de ele ser prescrito por uma convenção internacional (à qual a Grécia também aderiu) e de garantir assim a coerência e a uniformidade, já que os nomes gregos serão escritos da mesma maneira em todos os Estados Contratantes. Há várias falhas neste argumento. Em primeiro lugar, pode questionar-se se a uniformidade é necessária ou desejável. O Governo alemão não indica quais seriam os problemas que haveria se a transliteração dos nomes gregos pudesse variar de país para país, de acordo com os diferentes valores fonéticos atribuídos aos caracteres latinos. Não sugere que a fraude fiscal e a fraude em matéria de segurança social, ou a actividade criminosa em geral, seriam grandemente facilitadas. Em segundo lugar, a Convenção em questão não garante, de facto, a uniformidade, já que somente sete Estados (dos quais cinco Estados-membros) a ela aderiram (4). Em terceiro lugar, ainda que a uniformidade fosse desejável, é difícil ver que justificação poderia haver para a conseguir por meio de um sistema de transliteração que provoca uma grave distorção fonética, seja qual for a língua-alvo. É duvidoso que exista uma língua no mundo na qual os nomes escritos "Hréstos" e "Puharés" seriam pronunciados de uma maneira remotamente semelhante aos nomes gregos ******* (Christos) e ******* (Psycharis).

30. Finalmente, não penso que a situação tenha mudado muito pelo facto de a Grécia ter aderido à Convenção de 13 de Setembro de 1973. É talvez estranho que o Governo helénico se oponha agora à utilização de um sistema de transliteração que é prescrito, indirectamente, por uma Convenção de que ele próprio é Parte. Uma explicação possível é o facto de o Governo helénico, ao aderir à Convenção em 19 de Março de 1987, não saber que a ISO ia adoptar posteriormente um sistema de transliteração que ele desaprova com veemência. Como quer que seja, é claro que se C. Konstantinidis tiver o direito, ao abrigo do direito comunitário, de se opor à grafia incorrecta do seu nome, não pode ser privado desse direito pela Convenção de 13 de Setembro de 1973 nem pela adesão da Grécia a essa Convenção em 1987.

b) A questão dos direitos fundamentais

31. Visto resultar do que ficou dito anteriormente que o presente caso pode ser decidido com base na discriminação, não é, a meu ver, estritamente necessário analisar a questão dos direitos fundamentais. Como, no entanto, esta questão foi levantada e reveste uma importância geral, examiná-la-ei com algum pormenor.

32. O Amtsgericht Tuebingen faz notar no seu despacho de reenvio que a atitude das autoridades alemãs para com C. Konstantinidis poderia violar o seu direito geral à identidade pessoal. Trata-se provavelmente de uma referência ao artigo 2. da Grundgesetz (a Constituição alemã), que determina que todos têm direito a desenvolver a sua personalidade, contanto que não lesem os direitos de outrem nem violem a ordem constitucional e a moral pública. O órgão jurisdicional alemão talvez esteja a pensar também no artigo 1. , n. 1, da Grundgesetz, que dispõe que a dignidade da pessoa é inviolável e deve ser protegida por todos os órgãos do Estado.

33. A Comissão refere expressamente o artigo 2. da Grundgesetz e também os artigos 5. e 8. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. O artigo 5. reconhece o direito à liberdade e segurança, enquanto, por força do artigo 8. , todos têm direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. A Comissão considera que a obrigação de ortografar o próprio nome de uma certa maneira pode, em certas circunstâncias, violar direitos fundamentais protegidos pelo direito comunitário. Seria o que aconteceria em especial se esta exigência afectasse o direito de livre circulação garantido pelo Tratado.

34. Em meu entender, há que analisar duas questões. Em primeiro lugar, é necessário decidir se o tratamento dado a C. Konstantinidis, no que se refere à grafia do seu nome, é contrário à Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou a qualquer outro instrumento ou princípio constitucional em matéria de direitos do homem, cujo respeito deva ser assegurado pelo Tribunal de Justiça na esfera do direito comunitário. Se assim acontecer, será necessário determinar, em segundo lugar, se o mero facto de C. Konstantinidis exercer o seu direito à liberdade de estabelecimento, nos termos do artigo 52. do Tratado, é suficiente para atrair, para o efeito, este caso para a esfera do direito comunitário, ou seja, se os Estados-membros são obrigados, pelo direito comunitário, a respeitar os direitos fundamentais das pessoas que exercem os seus direitos de livre circulação ao abrigo do Tratado.

35. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem não contém qualquer disposição que afirme expressamente o direito da pessoa ao nome e à identidade pessoal. A este respeito, está em manifesto contraste com a Convenção Americana dos Direitos do Homem, cujo artigo 18. determina que "Todos têm direito a um nome próprio e aos apelidos dos pais ou ao de um deles". Este instrumento não faz evidentemente parte da ordem jurídica comunitária. Um instrumento que o Tribunal de Justiça quis por vezes promover a fonte de direitos fundamentais é o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966. O Pacto, que foi ratificado por todos os Estados-membros excepto a Grécia, foi mencionado pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 18 de Outubro de 1989, Orkem/Comissão (374/87, Colect., p. 3283, n. 31), e de 18 de Outubro de 1990, Dzodzi (C-297/88 e C-197/89, Colect., p. I-3763, n. 68). O artigo 24. , n. 2, do Pacto determina que: "Toda e qualquer criança deve ser registada imediatamente após o nascimento e ter um nome". Poder-se-ia muito bem inferir desta disposição que, se os seres humanos têm o direito de ter um nome no momento do nascimento, têm o direito de conservar esse nome durante toda a vida e de se oporem a alterações injustificadas da respectiva ortografia.

36. Mais surpreendente do que a omissão, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de uma referência específica ao direito da pessoa ao nome e à identidade pessoal é a falta de uma disposição geral que reconheça o direito da pessoa a ser tratada com respeito pela sua dignidade e integridade moral (excepto a proibição, no artigo 3. , dos "tratamentos... degradantes", indubitavelmente destinada, no seu contexto, a ter um âmbito mais limitado). Até certo ponto, esta omissão é reparada pelas disposições constantes das Constituições de muitos Estados-membros, inclusive, como vimos, da Grundgesetz alemã.

37. Por força do artigo 10. , n. 1, da Constituição espanhola, a dignidade da pessoa e o livre desenvolvimento da sua personalidade constituem, inter alia, os fundamentos da ordem política e da paz social. O artigo 15. reconhece a todos o direito à vida e à integridade física e moral, enquanto o artigo 18. garante o direito à honra, à vida privada pessoal e familiar e à imagem pessoal. Em Portugal, o artigo 25. da Constituição determina que a integridade moral e física das pessoas é inviolável, enquanto o artigo 26. , n. 1, reconhece a todos, inter alia, os direitos à identidade pessoal, ao bom nome e reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada. Por força do artigo 2. da Constituição grega, o respeito e a protecção do valor do ser humano constituem a primeira obrigação do Estado. O artigo 5. reconhece a todas as pessoas o direito de desenvolverem livremente a sua personalidade. Na Irlanda, o artigo 40. , n. 1, da Constituição declara que todos os cidadãos, como pessoas humanas, são iguais perante a lei. Por força do artigo 40. , n. 3, 1, o Estado garante o respeito dos direitos fundamentais do cidadão, enquanto o artigo 40. , n. 3, 2, exige que o Estado proteja em especial a vida, a pessoa, o bom nome e o direito de propriedade de todos os cidadãos. O artigo 40. , n. 3, não se limita aos direitos específicos aí enunciados, mas pode ser alargado a todos os direitos que "resultam da natureza cristã e democrática do Estado" (Ryan/Attorney General 1965 IR 294, per Kenny J.). Em Itália, o artigo 3. da Constituição reconhece a todos os cidadãos uma "igual dignidade social" e o artigo 22. determina que ninguém pode ser privado, por motivos políticos, da capacidade jurídica, da cidadania ou do nome.

38. O último exemplo tem um interesse particular, porque se trata, tanto quanto sei, da única disposição constitucional de um Estado-membro que proíbe expressamente o Estado de privar um cidadão do seu nome. A explicação desta proibição reside no facto de, durante o período fascista da história italiana, certas minorias étnicas terem sido obrigadas a italianizar os seus nomes (v. U. de Siervo, in Commentario della Costituzione, publicado sob a direcção de G. Branca, Rapporti Civili, artigos 22. e 23. , 1978, p. 20). À primeira vista, as palavras "por motivos políticos" poderiam sugerir que os cidadãos podem ser privados do seu nome por motivos "não políticos". Foi, no entanto, defendido que não é assim e que o jus nominis garantido pela Constituição italiana é um direito absoluto, que não está sujeito a quaisquer limitações (V. Falzone, F. Palermo e F. Cosentino, La Costituzione della Repubblica Italiana, 1969, p. 87).

39. A partir das disposições supracitadas, em particular, e das tradições constitucionais dos Estados-membros, em geral, é possível inferir a existência de um princípio segundo o qual o Estado deve respeitar não só o bem-estar físico do indivíduo, mas também a sua dignidade, a sua integridade moral e o seu sentimento de identidade pessoal. Não creio que possa haver qualquer dúvida de que há violação destes "direitos morais" se um Estado obrigar alguém a abandonar ou a modificar o seu nome, a menos que, em todo o caso, tenha uma razão muito boa para proceder assim (por exemplo, se o nome, utilizado para efeitos comerciais, criar uma confusão com as mercadorias de outro comerciante, pode ser legítimo restringir o uso do nome para esses efeitos).

40. O direito de uma pessoa ao nome é fundamental em todos os sentidos do termo. No fim de contas, que somos nós sem o nosso nome? É o nosso nome que distingue cada um de nós do resto da humanidade. É o nosso nome que nos dá um sentimento de identidade, de dignidade e de auto-estima. Privar uma pessoa do seu nome legítimo é a degradação última, como demonstra a prática habitual dos regimes penais repressivos que consiste em substituir o nome do preso por um número. No caso de C. Konstantinidis, a violação dos seus direitos morais, se ele for obrigado a usar o nome "Hréstos" em vez de "Christos", é particularmente grave; não só a sua origem étnica é dissimulada, pois "Hréstos" não tem o aspecto nem a consonância de um nome grego e tem um tom vagamente eslavo, mas, além disso, há ofensa aos seus sentimentos religiosos, já que o carácter cristão do nome é destruído. Na audiência, C. Konstantinidis salientou que devia o seu nome à sua data de nascimento (25 de Dezembro), sendo Christos o nome grego do fundador da religião cristã ° e não "hréstã".

41. Tendo em conta as considerações precedentes, não penso que seja exacto afirmar que o tratamento dado pelas autoridades alemãs a C. Konstantinidis é necessariamente compatível com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem pela simples razão de a Convenção não conter disposições expressas que reconheçam o direito da pessoa ao nome ou que protejam a sua integridade moral. Pelo contrário, considero que devia ser possível, através de uma interpretação lata do artigo 8. da Convenção, chegar à conclusão de que esta protege na realidade o direito do indivíduo a opor-se a uma interferência injustificada no seu nome.

42. A questão mais difícil é a de determinar se uma pessoa que exerce o seu direito de livre circulação, ao abrigo dos artigos 48. , 52. ou 59. do Tratado, pode, nos termos do direito comunitário, opor-se a um tratamento lesivo dos seus direitos fundamentais. Sobre esta questão, a jurisprudência do Tribunal de Justiça desenvolveu-se consideravelmente nos últimos anos. A exposição mais completa da posição actual consta do acórdão de 18 de Junho de 1991, ERT (C-260/89, Colect., p. I-2925), em que o Tribunal de Justiça declarou que:

"41. No que respeita ao artigo 10. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mencionado nas nona e décima questões, deve recordar-se, liminarmente, que, segundo jurisprudência constante, os direitos fundamentais fazem parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça. Para este efeito, o Tribunal de Justiça inspira-se nas tradições constitucionais comuns aos Estados-membros bem como nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais para a protecção dos direitos do homem com os quais os Estados-membros cooperam ou a que aderem (ver, nomeadamente, o acórdão de 14 de Maio de 1974, Nold, n. 13, 4/73, Recueil, p. 491). A Convenção Europeia dos Direitos do Homem reveste-se, a este respeito, de um significado particular (ver, nomeadamente, o acórdão de 15 de Maio de 1986, Johnston, n. 18, 222/84, Colect., p. 1651). Daqui decorre que, como foi afirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 13 de Julho de 1989, Wachauf, n. 19 (5/88, Colect., p. 2609), não podem ser admitidas na Comunidade medidas incompatíveis com o respeito dos direitos do homem reconhecidos e garantidos por esta forma.

42. De acordo com a sua jurisprudência (ver os acórdãos de 11 de Julho de 1985, Cinéthèque, n. 26, 60/84 e 61/84, Recueil, p. 2605, e de 30 de Setembro de 1987, Demirel, n. 28, 12/86, Colect.. p. 3719), o Tribunal de Justiça não pode apreciar uma regulamentação nacional que não se situe no quadro do direito comunitário face à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Em contrapartida, a partir do momento em que uma regulamentação deste tipo entre no campo de aplicação do direito comunitário, o Tribunal de Justiça, tendo-lhe sido dirigido um pedido de decisão a título prejudicial, deve fornecer todos os elementos de interpretação necessários para a apreciação, pelo tribunal nacional, da conformidade de tal regulamentação com os direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, tal como resultam, em particular, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

43. Particularmente, no caso de algum Estado-membro invocar a disposição do artigo 56. conjugada com a do artigo 66. para justificar uma regulamentação susceptível de entravar o exercício da livre prestação de serviços, esta justificação, prevista pelo direito comunitário, deve ser interpretada à luz dos princípios gerais de direito e, nomeadamente, dos direitos fundamentais. Assim, a regulamentação nacional em causa só poderá beneficiar das excepções previstas nas disposições conjugadas dos artigos 56. e 66. se se conformar com os direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça.

44. Daqui decorre que num caso deste tipo compete ao juiz nacional e, sendo caso disso, ao Tribunal de Justiça apreciar a aplicação destas disposições, tendo em atenção todas as regras de direito comunitário, incluindo a liberdade de expressão, consagrada pelo artigo 10. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, enquanto princípio geral de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça."

43. Este acórdão não determina claramente, de uma maneira ou de outra, se C. Konstantinidis pode, segundo o direito comunitário, invocar a protecção dos seus direitos fundamentais nas circunstâncias do presente caso. Poder-se-ão notar os pontos seguintes.

44. Em primeiro lugar, não pode dizer-se que as regulamentações em causa no presente processo se situem inteiramente fora do âmbito do direito comunitário, visto que são susceptíveis, quando aplicadas aos trabalhadores migrantes, de ter um efeito particularmente desfavorável para os nacionais de um Estado-membro. Em segundo lugar, existem actualmente pelo menos duas situações em que o direito comunitário exige que seja aferida a conformidade da legislação nacional com os direitos fundamentais, ou seja, a) quando a legislação nacional dá execução ao direito comunitário (n. 19 do acórdão Wachauf) e b) quando uma disposição do Tratado que estabelece uma derrogação ao princípio da livre circulação é invocada para justificar uma restrição à livre circulação (n. 43 do acórdão ERT). É portanto claro que, se, como sugeri, o tratamento dado pelas autoridades alemãs a C. Konstantinidis constituir uma discriminação proibida pelos artigos 7. e 52. do Tratado, não pode pôr-se a questão de tal tratamento se justificar por razões de ordem pública, nos termos do artigo 56. , n. 1, se violar os seus direitos fundamentais.

45. Mas suponhamos que se entende que o tratamento dado pelas autoridades alemãs a C. Konstantinidis não é discriminatório. Significa isso que ele não pode ser contrário ao artigo 52. , ainda que viole os direitos fundamentais de C. Konstantinidis? As implicações desta pergunta são talvez mais fáceis de ver se se encarar um exemplo mais dramático. Suponhamos que um Estado-membro introduz um código penal draconiano por força do qual o furto é punível com a amputação da mão direita. Um nacional de outro Estado-membro vai a esse país no exercício dos direitos de livre circulação que lhe são conferidos pelo artigo 48. e seguintes do Tratado, furta um pão e é condenado a que lhe cortem a mão direita. Tal punição constituiria sem qualquer dúvida uma pena desumana e degradante contrária ao artigo 3. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Mas constituiria também uma lesão dos direitos da pessoa nos termos do direito comunitário, mesmo que fosse aplicada de uma maneira não discriminatória? Creio que sim.

46. Em minha opinião, um nacional comunitário que vai para outro Estado-membro como trabalhador assalariado ou não assalariado, na acepção dos artigos 48. , 52. ou 59. do Tratado, não tem só o direito de exercer a sua actividade ou profissão e de gozar das mesmas condições de vida e de trabalho que os nacionais do Estado de acolhimento; além disso, tem o direito de presumir que, aonde quer que vá ganhar a vida na Comunidade Europeia, será tratado de acordo com um código comum de valores fundamentais, em especial os que constam da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Por outras palavras, tem o direito de afirmar "civis europeus sum" e de invocar esta condição para se opor a qualquer violação dos seus direitos fundamentais.

47. Poder-se-iam indicar três argumentos para combater esta proposição: em primeiro lugar, que ela seria incompatível com a jurisprudência existente do Tribunal de Justiça, segundo a qual o artigo 52. foi geralmente entendido como não sendo nada mais do que uma proibição de discriminação contra os nacionais de outros Estados-membros [v., por exemplo, P. Troberg, in Kommentar zum EWG-Vertrag, de Von der Groeben, Thiesing e Ehlermann (editores), 4.a edição, 1991, parágrafos 37 e 38 sobre o artigo 52. , p. 952]; em segundo lugar, que ela redundaria numa discriminação "ao contrário" contra os nacionais do Estado de acolhimento; em terceiro lugar, que ela criaria uma sobreposição entre a competência do Tribunal de Justiça e a do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, com a possibilidade de decisões contraditórias. Nenhum destes argumentos é convincente.

48. No que respeita ao primeiro argumento, embora a maioria dos processos em que o Tribunal de Justiça reconheceu uma violação do artigo 52. fossem relativos a medidas discriminatórias, não penso que a jurisprudência deva ser entendida no sentido de uma medida nunca poder ser contrária ao artigo 52. simplesmente por não ser discriminatória (v. os comentários do advogado-geral C. O. Lenz no processo Comissão/Bélgica, 221/85, Colect. 1987, pp. 719, 728, e os comentários do advogado-geral W. Van Gerven no processo Vlassopoulou, C-340/89, Colect. 1991, pp. I-2357, 2365, n. 10). Talvez não seja desrazoável, relativamente aos obstáculos técnicos à liberdade de estabelecimento, que uma pessoa que vai para outro Estado-membro deva acatar a legislação local (por exemplo, uma regra que determine que os proprietários de restaurantes devem ter uma experiência de vários anos nesse ramo), embora eu ponha a questão de saber se, mesmo a nível técnico, uma restrição desproporcionada ou inteiramente destituída de justificação poderia ser aplicada contra um nacional de outro Estado-membro (v. o acórdão de 16 de Junho de 1992, Comissão/Luxemburgo, C-351/90, Colect., p. I-3945, n. 14). Mas, quando está em causa uma violação de direitos fundamentais, não vejo como é que o carácter não discriminatório da medida pode fazê-la sair do âmbito do artigo 52. Na verdade, a tese de que um Estado-membro pode violar os direitos fundamentais de nacionais de outros Estados-membros, desde que trate os seus nacionais da mesma maneira, é insustentável.

49. No que respeita ao segundo argumento, não penso que o perigo de discriminação ao contrário possa ser um argumento válido para limitar o alcance dos direitos conferidos pelo Tratado às pessoas que procuram ganhar a sua vida em outro Estado-membro. A ideia de que as disposições sobre livre circulação do Tratado proíbem meramente as medidas discriminatórias foi abandonada há muito tempo relativamente às mercadorias (no acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, dito "Cassis de Dijon", Rewe-Zentral, C-120/78, Recueil, p. 649) e mais recentemente em relação às prestações de serviços (acórdão de 25 de Julho de 1991, Saeger, C-76/90, Colect., p. I-4221, n. 12). Uma vez aceite a ideia de que o Tratado exige mais do que a abolição da discriminação, daí resulta ex hypothesi que um Estado-membro pode ser obrigado, em certas circunstâncias, a tratar os produtores ou os trabalhadores de outros Estados-membros de uma maneira mais favorável do que os seus próprios produtores ou trabalhadores.

50. No que respeita ao terceiro argumento, o perigo de sobreposição entre a competência do Tribunal de Justiça e a do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não seria, de facto, muito grande. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sempre salientou que a sua competência era subsidiária, no sentido de que a aplicação da Convenção compete em primeiro lugar às autoridades nacionais e aos órgãos jurisdicionais nacionais (v., em especial, o acórdão desse Tribunal de 23 de Julho de 1968 sobre o mérito da causa no processo "linguístico belga", Série A, n. 6, p. 35, § 10, in fine, o acórdão de 7 de Dezembro de 1976, Handyside, Série A, n. 24, p. 22, § 48, e o acórdão de 15 de Julho de 1982, Eckle, Série A, n. 51, pp. 30-31, § 66, in fine). Como quer que seja, os demandantes têm, antes de mais, nos termos do artigo 26. da Convenção, de esgotar as vias processuais internas, o que abrange evidentemente a possibilidade de um reenvio para decisão a título prejudicial, nos termos do artigo 177. do Tratado. Assim, se o Tribunal de Justiça alargasse as circunstâncias em que a Convenção pode ser invocada ao abrigo do direito comunitário, o resultado seria simplesmente o aumento das probabilidades de uma solução no âmbito da ordem interna, sem necessidade de recorrer aos órgãos criados pela Convenção.

51. No que toca à possibilidade de decisões contraditórias sobre a interpretação da Convenção, ela existe desde que o Tribunal de Justiça reconheceu que a Convenção pode ser invocada no âmbito do direito comunitário. Esta possibilidade não parece ter causado problemas graves. Seria em todo o caso paradoxal que a existência da Convenção e o sistema por ela estabelecido redundassem numa redução da protecção concedida pelo direito interno ou pelo direito comunitário.

Conclusão

52. Por conseguinte, sou de opinião de que as questões submetidas ao Tribunal de Justiça pelo Amtsgericht Tuebingen devem ter a seguinte resposta:

"Quando um nacional de um Estado-membro se estabelece, nos termos do artigo 52. do Tratado, em outro Estado-membro que utiliza um alfabeto diferente do que é utilizado no seu próprio Estado, as regras ou práticas do Estado de acolhimento que imponham a inscrição do seu nome no registo civil, contra a sua vontade, segundo uma transliteração que, em circunstâncias como as do caso em apreço, deturpa gravemente a pronúncia correcta do nome, violam os artigos 7. e 52. do Tratado."

(*) Língua original: inglês.

(1) - A única versão do sistema apresentada ao Tribunal de Justiça é uma versão provisória apensa às observações do Governo grego (Draft International Standard ISO/DIS 843.2). Essa versão provisória parece constituir uma proposta de revisão de uma norma adoptada em 1968. Não ficou claro se a versão provisória foi aprovada ou não, mas efectivamente parece ter sido seguida pela pessoa que traduziu a certidão de registo de nascimento de C. Konstantinidis para o Amtsgericht Tuebingen.

(2) - Não foi dada qualquer explicação para a utilização de acentos agudos em vez de traços horizontais. Pode acontecer simplesmente que as máquinas de escrever ou de tratamento de texto utilizadas pelas autoridades alemãs, tal como as do Tribunal de Justiça, tenham dificuldade em escrever traços horizontais por cima das letras.

(*) Traduzido do francês, visto não haver uma versão oficial portuguesa desta Convenção.

(3) - O P de Puharés foi escrito sem um acento agudo porque as máquinas de tratamento de texto do Tribunal de Justiça não podem colocar acentos em letras maiúsculas.

(4) - Os Estados em questão são a Áustria, a República Federal da Alemanha, a Grécia, a Itália, o Luxemburgo, os Países Baixos e a Turquia; ver Bowman and Harris, Multilateral Treaties, Index and Current Status, 1984, p. 378 (sexto suplemento cumulativo, 1989).

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