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Documento 61991CJ0060
Judgment of the Court (Second Chamber) of 19 March 1992. # Criminal proceedings against José António Batista Morais. # Reference for a preliminary ruling: Tribunal de Relação de Lisboa - Portugal. # Free movement of persons and services - Purely internal situation - Community driving licence - Harmonization. # Case C-60/91.
Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 19 de Março de 1992.
Processo-crime contra José António Batista Morais.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de Relação de Lisboa - Portugal.
Livre circulação de pessoas e serviços - Situação puramente interna - Carta de condução comunitária - Harmonização.
Processo C-60/91.
Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 19 de Março de 1992.
Processo-crime contra José António Batista Morais.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de Relação de Lisboa - Portugal.
Livre circulação de pessoas e serviços - Situação puramente interna - Carta de condução comunitária - Harmonização.
Processo C-60/91.
Colectânea de Jurisprudência 1992 I-02085
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1992:140
apresentado no processo C-60/91 ( *1 )
I — Matéria de facto e tramitação processual
1. |
Em Portugal, o Decreto-Lei n.° 6/82, de 12 de Janeiro de 1982 (Diário da República, I série, n.° 9, p. 42), que regula o ensino da condução automóvel, determina, no seu artigo 7.°, n.° 1, que as escolas de condução normais apenas podem ministrar ensino no concelho em que se localizam, salvo autorização especial da Direcção de Viação ou inexistência de escolas de condução nos concelhos limítrofes. |
2. |
A Directiva 80/1263/CEE do Conselho, de 4 de Dezembro de 1980, relativa à criação de uma carta de condução comunitária (JO L 375, p. 1), determina, no seu artigo 6.°, n.° 1, que «a emissão da carta de condução depende (igualmente):
...». O anexo II, intitulado «Exigências mínimas para os exames de condução», impõe, nos seus pontos 5 e 6 no que respeita ao conteúdo do exame prático, alguns requisitos quanto ao manejo do veículo e ao comportamento do candidato em circulação. No que respeita ao local de exame, o ponto 9 determina que «a parte do exame descrita no ponto 5 pode desenrolar-se num terreno de prova especial; neste caso, devem ser estabelecidos critérios exactos para avaliar objectivamente a aptidão do candidato para manobrar o veículo. A parte do exame prevista no ponto 6 realizar-se-á, se possível, em estradas situadas fora das aglomerações e em auto-estradas, bem como em trânsito urbano». |
3. |
A título de medida de transposição da directiva, a República Portuguesa adoptou o Decreto n.° 47/87, de 29 de Julho de 1987, que alterou o Código da Estrada. O já referido Decreto-Lei n.° 6/82 não foi objecto de qualquer adaptação. |
4. |
José António Batista Morais, instrutor da «Escola de Condução Moderna», estabelecida em Lisboa, foi condenado pela Segunda Secção do Quarto Juízo de Loures numa multa de 20000 ESC, por ter dado uma aula de condução numa auto-estrada situada no concelho de Loures, limítrofe do de Lisboa, com o fundamento de a escola de condução para que ele trabalhava não estar autorizada a dar lições fora da área do concelho de Lisboa. |
5. |
Argumentando que a regulamentação nacional era contrária à Directiva 80/1263, por não garantir o ensino em auto-estrada, J. Morais interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. |
6. |
Considerando que o litígio envolve uma interpretação da Directiva 80/1263, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, por despacho de 10 de Dezembro de 1990, proferido nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie, a título prejudicial, sobre as seguintes questões:
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7. |
O despacho do Tribunal da Relação de Lisboa foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de Fevereiro de 1991. |
8. |
De acordo com o artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas: em 27 de Maio de 1991, por José António Batista Morais, recorrente no processo principal, representado por João Casinha, advogado de Lisboa; em 3 de Junho de 1991, pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, recorrido no processo principal, representado por Maria Helena Delgado António, procuradora da República; em 29 de Maio de 1991, pelo Governo da República Portuguesa, representado por Luís Inêz Fernandes, director do Serviço Jurídico da Direcção-Geral das Comunidades Europeias do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Pedro Coelho, membro do mesmo Serviço Jurídico, ambos ná qualidade de agentes; em 5 de Junho de 1991, pelo Governo do Reino Unido, representado por John E. Collins, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente; e, em 24 de Maio de 1991, pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por António Caeiro, consultor jurídico, e Xavier Lewis, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes. |
9. |
Com base no relatório preliminar do juiz-relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. |
10. |
Nos termos do artigo 95.°, n.os 1 e 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça, por decisão de 22 de Outubro de 1991, atribuiu o processo à Segunda Secção. |
II — Observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça
1. |
José António Batista Morais, recorrente no processo principal, observa que a República Portuguesa incorreu num incumprimento ao não transpor para a ordem jurídica interna a Directiva 80/1263. Como já foi reconhecido por órgãos jurisdicionais portugueses, a directiva em causa é suficientemente precisa, clara e incondicional para poder ser invocada por um particular perante a administração, apesar da falta de transposição para o direito nacional. No anexo II da directiva faz-se uma série de exigências mínimas no que respeita ao exame prático de condução, nomeadamente a de que o exame se deverá realizar, se possível, em estradas situadas fora das aglomerações e em auto-estradas. A possibilidade de respeitar esta exigência pressupõe, necessariamente, a faculdade de as escolas de condução ministrarem aos instruendos que vão ser submetidos a exame uma preparação adequada. Se a República Portuguesa tivesse transposto a directiva, os exames de condução estariam actualmente a ser realizados nas condições impostas por tal directiva e a instrução teria que incluir uma preparação para esse efeito. Nestas circunstâncias, J. Morais considera que os particulares podem reivindicar perante a autoridade pública o direito de ministrar o ensino da condução automóvel nos mesmo tipos de vias que aquelas em que devem ter lugar os exames. O artigo 7° do Decreto-Lei n.° 6/82, já citado, ao impedir as escolas de condução situadas num concelho de exercerem livremente a sua actividade na área de outro concelho, tem um intuito meramente proteccionista; esta norma nacional viola, portanto, as disposições do Tratado CEE relativas ao direito de estabelecimento, especialmente o seu artigo 54.°, n.° 3, alínea c), à livre prestação de serviços, consignada no capítulo III do Tratado, e ainda ao princípio geral sobre a livre concorrência, consagrado nos artigos 85.° e seguintes. Nestas condições, J. Morais propõe que se responda do seguinte modo às questões colocadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa:
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2. |
O Ministério Público, recorrido no processo principal, sublinha, no que respeita à primeira questão, que o Tratado CEE e a jurisprudência reconhecem aos Estados-membros, sob certas condições, o direito a restringir a liberdade de circulação das pessoas e dos serviços, em função de objectivos de interesse geral. Ora, a limitação de ordem geográfica inscrita no artigo 7.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 6/82 justifica-se pela preocupação de evitar uma concorrência selvagem entre as escolas de condução e de garantir uma melhor qualidade do ensino. O Ministério Público lembra que o artigo 52.° do Tratado CEE visa suprimir as restrições à liberdade de estabelecimento de nacionais de um Estado-membro no território de outro Estado-membro, o que não é manifestamente o problema tratado no processo principal. Mesmo supondo que esse texto se aplicasse, decorre dos desenvolvimentos antecedentes que a disposição portuguesa em causa está coberta pelo direito de cada Estado-membro regulamentar a actividade económica no seu território por razões de interesse geral. A propósito da segunda questão, o Ministério Público, após recordar os princípios do efeito directo, da livre circulação, da não discriminação e do primado do direito comunitário, observa que é vedado às autoridades nacionais discriminar os nacionais dos outros Estados-membros relativamente aos seus nacionais, assim como vedado lhes está limitar as liberdades comunitárias quando tal restrição se mostre desnecessária. No que respeita à terceira questão, relativa à interpretação da Directiva 80/1263, o Ministério Público, após ter recordado o objectivo da directiva e os termos do ponto 9 do anexo II, conclui que esta directiva não incide sobre a livre prestação de serviços em matéria de ensino da condução automóvel. Quanto ao efeito da directiva na ordem interna, o Ministério Público sublinha que a redacção do artigo 6.° e, nomeadamente, do ponto 9 do anexo II, põe em evidência a natureza condicional das disposições em causa, a qual se opõe a que elas produzam um efeito directo. Nestas condições, o Ministério Público propõe que se responda do seguinte modo às questões colocadas:
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3. |
O Governo da República Portuguesa observa, a propósito das duas primeiras questões prejudiciais, que, para que uma determinada situação de facto recaia na previsão das normas do Tratado referentes à livre circulação de pessoas, ao direito de estabelecimento ou à livre prestação de serviços, deve ela caracterizar-se por uma conexão material transfronteiriça. Se todos os elementos pertinentes da situação se confinam ao interior de um só Estado-membro, as normas do Tratado, segundo jurisprudência constante, não são invocáveis. No que respeita ao alcance do artigo 85.°, n.° 1, alínea c), do Tratado, o Governo da República Portuguesa observa que as limitações impostas pelo artigo 7.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 6/82 não constituem uma verdadeira repartição dos mercados, mas tão somente uma delimitação geográfica da área de actuação das escolas de condução, a qual se justifica por razões de natureza técnica. De qualquer modo, as referidas limitações não são susceptíveis de afectar o comércio interestadual. A terceira questão, pela qual se pretende saber se o ponto 9 do anexo II da Directiva 80/1263, referente às condições e locais em que deve ser prestado o exame de condução, implica que o ensino da condução deva ser ministrado em condições e locais idênticos aos do respectivo exame, deve receber uma resposta afirmativa. A disposição em causa não tem, no entanto, a natureza clara, precisa e incondicional necessária à produção do efeito directo; com efeito, o ponto 9 exige que o exame prático de condução tenha lugar em parte, se possível, em auto-estradas. No território português, a exigência absoluta de um exame em auto-estrada seria, aliás, inadequada, pois este tipo de estrada não existe nos principais aglomerados urbanos nem, sobretudo, na maioria dos concelhos rurais. O Governo da República Portuguesa defende-se, ainda, da acusação de não ter transposto a Directiva 80/1263 para o direito nacional e, a esse respeito, faz referência ao Decreto Regulamentar n.° 47/87. A resposta à quarta questão encontra-se nos próprios termos do artigo 189.° do Tratado CEE, do qual decorre que todas as directivas são obrigatórias em relação aos Estados-membros no que diz respeito ao objectivo a alcançar, deixando-lhes, no entanto, a possibilidade de escolher a forma e os meios de alcançar o resultado proposto. O Governo da República Portuguesa propõe, portanto, que às questões prejudiciais seja respondido como segue:
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4. |
O Governo do Reino Unido, respondendo à terceira questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, sublinha que a Directiva 80/1263 não regulamenta nem o ensino da condução nem as cartas de condução emitidas, apenas prescrevendo algumas exigências mínimas quanto ao exame de condução. Lembrando o texto do ponto 9 do anexo II da directiva já citada, o Governo do Reino Unido sublinha que os Estados-membros não têm a obrigação de exigir que uma parte do exame tenha lugar numa auto-estrada, quando isso não seja razoavelmente possível ou quando os «aprendizes de condutores» não estejam autorizados a conduzir em auto-estrada, e sejam tomadas outras disposições para testar, de modo completo, a aptidão para a condução. O Governo do Reino Unido propõe que se responda nos seguintes termos à terceira questão prejudicial: «Nos termos da Directiva 80/1263/CEE, não existe qualquer exigência imperativa que imponha aos Estados-membros que exijam que uma parte do exame de condução tenha lugar numa auto-estrada, quando
e sejam tomadas outras disposições para testar de modo completo a aptidão para a condução; em consequência, daqui resulta que a directiva não impõe aos Estados-membros que permitam ou exijam o ensino em auto-estradas em tais circunstâncias.» |
5. |
A Comissão observa, no que respeita às duas primeiras questões prejudiciais, que, segundo jurisprudência constante, as regras do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços se não aplicam a situações puramente internas, como a do processo principal. No que respeita ao artigo 85.°, n.° 1, alínea c), do Tratado, a Comissão sublinha que não se verifica, no caso sub jtidice, a existência de qualquer acordo entre empresas, decisão de associações de empresas ou prática concertada e que, por outro lado, não se vê como a regra legislativa em causa possa ter incidência no comércio entre os Estados-membros. Nestas condições, a disposição portuguesa em causa no processo principal não é susceptível de privar de efeito útil os artigos 85.° e 86.' do Tratado, no sentido referido no acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 1977, GB-Inno (13/77, Recueil, p. 2115). No que respeita às duas últimas questões, que têm a ver com a interpretação da Directiva 80/1263, a Comissão solicita que esta directiva se insere num processo de harmonização progressiva dos sistemas nacionais de exames de condução. O anexo II da directiva referida, embora contendo algumas exigências mínimas, não regulamenta o ensino da condução automóvel, não visa nem o seu conteúdo nem a definição dos requisitos a que devem obedecer as entidades que o ministram, e também não harmoniza completamente a regulamentação dos exames de condução. Resulta dos termos do ponto 9 do anexo II que não é obrigatório que o exame se realize sempre necessariamente em auto-estradas, em estradas situadas fora das aglomerações ou em trânsito urbano. A Comissão propõe, portanto, que se responda como segue às questões colocadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa: «As disposições dos artigos 52.°, 53.°, 54.°, n.os 2 e 3, alínea c), 56.°, 57.°, 60.°, alínea a), 63.°, n.° 2 e 65.°, assim como do artigo 85.°, n.° 1, alínea c), não se aplicam a situações puramente internas de um Estado-membro, tais como a limitação a uma certa área geográfica da autorização para o ensino da condução automóvel, ministrado pelas escolas de condução sediadas nessa área. A Primeira Directiva 80/1263/CEE do Conselho, de 4 de Dezembro de 1980, e designadamente o ponto 9 do seu anexo II, deve ser interpretada no sentido de que o exame prático de condução automóvel não tem de incluir necessariamente uma parte de condução em auto-estrada, embora os Estados-membros devam, se possível, prescrever que o exame se realize em estradas situadas fora das aglomerações e em auto-estradas, bem como em trânsito urbano.» Dada a resposta proposta para a terceira questão, a Comissão observa que a quarta questão não tem qualquer interesse para a resolução do litígio. |
F. A. Schockweiler
Juiz-relator
( *1 ) Língua do processo: português.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
19 de Março de 1992 ( *1 )
No processo C-60/91,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, destinado a obter, no processo penal pendente neste órgão jurisdicional contra
José António Batista Morais,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação das regras do Tratado relativas à livre circulação de pessoas e serviços e à concorrência, bem como da Directiva 80/1263/CEE do Conselho, de 4 de Dezembro de 1980, relativa à criação de uma carta de condução comunitária (JO L 375, p. 1 ; EE 07 F2 p. 259),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),
composto por: F. À. Schockweiler, presidente de secção, G. F. Mancini e J. L. Murray, juízes,
advogado-geral: F. G. Jacobs
secretário: H. A. Rühi, administrador principal
vistas as observações escritas apresentadas:
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em representação de José António Batista Morais, por João Casinha, advogado no foro de Lisboa; |
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em representação do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, por Maria Helena Delgado Antonio, procuradora da República; |
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em representação do Governo da República Portuguesa, por Luís Inêz Fernandes, director do Serviço Jurídico da Direcção-Geral das Comunidades Europeias do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e por Pedro Coelho, membro do Serviço Jurídico da Direcção-Geral das Comunidades Europeias do mesmo Ministério, na qualidade de agentes; |
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em representação do Governo do Reino Unido, pör John E. Collins, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente; |
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em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por António Caeiro, consultor jurídico, e Xavier Lewis, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes; |
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações do Governo português, do Governo do Reino Unido, representado por John E. Collins e Andrew Macnab, barrister, e da Comissão, na audiência de 14 de Janeiro de 1992,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiencia de 13 de Fevereiro de 1992,
profere o presente
Acórdão
1 |
Por despacho de 10 de Dezembro de 1990, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de Fevereiro de 1991, o Tribunal da Relação de Lisboa submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, quatro questões prejudiciais relativas à interpretação das regras do Tratado sobre a livre circulação de pessoas e de serviços e sobre a concorrência, bem como da Directiva 80/1263/CEE do Conselho, de 4 de Dezembro de 1980, relativa à criação de uma carta de condução comunitária (JO L 375, p. 1; EE 07 F2 p. 259). |
2 |
Estas questões foram suscitadas no âmbito de uma acção penal intentada pelo Ministério Público contra José António Batista Morais, instrutor de uma escola de condução estabelecida em Lisboa, acusado de ter dado lições de condução automóvel numa auto-estrada situada num concelho limítrofe do de Lisboa. Com efeito, a legislação portuguesa considera contravenção o facto de se darem lições de condução num concelho diferente daquele em que a escola de condução está estabelecida. |
3 |
Da sentença da primeira instância, que o condenou em multa, J. Batista Morais interpôs recurso, argumentando que a regulamentação nacional era contrária à Directiva 80/1263, por não permitir ministrar o ensino em auto-estrada. |
4 |
Foi no âmbito deste processo que o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie a título prejudicial sobre as seguintes questões:
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5 |
Para mais ampla exposição dos factos do processo principal, da tramitação processual e das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal. |
6 |
Por motivos ligados à lógica da fundamentação, deve começar por se examinar a segunda questão, destinada, em substância, a saber se as normas do Tratado relativas à livre circulação de pessoas e de serviços visam os entraves que se aplicam a nacionais de um Estado-membro no território desse Estado-membro. |
7 |
Para responder a esta questão, deve lembrar-se que, segundo jurisprudência constante, as disposições do Tratado em matéria de livre circulação de pessoas e de serviços não podem ser aplicadas às actividades cujos elementos se contenham, na sua totalidade, no interior de um único Estado-membro (v., por último, o acórdão de 28 de Janeiro de 1992, López Brea, C-330/90 e C-331/90, Colect., p. I-323). |
8 |
Ora, resulta dos factos, tal como estão definidos pelo órgão jurisdicional nacional no despacho de reenvio, que o litígio no processo principal é relativo a um cidadão português que exerce em Portugal uma actividade de instrutor numa escola de condução automóvel, e que a situação em que ele se encontra não apresenta nenhum elemento de conexão com qualquer das situações previstas pelo direito comunitário. |
9 |
Deve, portanto, responder-se à segunda, questão prejudicial que as regras do Tratado em matéria de livre circulação de pessoas e de serviços não visam os entraves que se aplicam a nacionais de um Estado-membro no território desse Estado-membro, quando a situação em que estes se encontram não apresente nenhum elemento de conexão com qualquer das situações previstas pelo direito comunitário. |
10 |
Tendo em conta a resposta dada à segunda questão, a primeira questão deve ser entendida no sentido de que o órgão jurisdicionalde reenvio pretende saber se o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado se opõe a uma regulamentação nacional que limita as actividades de uma escola de condução automóvel à área do concelho em que a mesma está estabelecida. |
11 |
A este respeito, deve lembrar-se que, segundo jurisprudência constante, os Estados-membros estão obrigados, por força do segundo parágrafo do artigo 5.° do Tratado, a não prejudicar, por meio da sua legislação, a plena e uniforme aplicação do direito comunitário e a não tomar ou manter em vigor medidas susceptíveis de eliminar o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas (v., nomeadamente, o acórdão de 29 de Janeiro de 1985, Cullet, n.° 16, 231/83, Recueil, p. 305). |
12 |
Sem que se tenha que examinar se, e em que medida, uma regulamentação do tipo da que está em causa no processo principal favorece, torna obrigatória ou inevitável qualquer uma das práticas empresariais visadas no artigo 85.° do Tratado, basta observar que esta disposição só pode aplicar-se na medida em que as práticas pretensamente anticoncorrenciais sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-membros. |
13 |
Ora, esta condição só estaria preenchida se estivesse provado que a legislação nacional, tal como uma rede de contratos similares celebrados num mercado de referência, tivesse como efeito impedir o acesso ao mercado a novos concorrentes nacionais e estrangeiros (v., o acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis, C-234/89, Colect., p. I-935). Tem, no entanto, que declarar-se que uma legislação nacional do tipo da que está em causa no processo principal não é susceptível de ter tal efeito. |
14 |
Nestas condições, deve responder-se à primeira questão que o artigo 85.° do Tratado nao se opõe a uma regulamentação nacional que limita as actividades de uma escola de condução automóvel à área do concelho em que a mesma está estabelecida. |
15 |
Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende, em substância, saber se a Directiva 80/1263 impõe aos Estados-membros a obrigação de organizar o exame de condução em auto-estradas sempre que estas sejam acessíveis a partir do centro de exame, e, portanto, também a obrigação de garantir que o ensino da condução automóvel possa efectuar-se nesse tipo de estradas. |
16 |
Para responder a esta questão, deve começar por se notar que a Directiva 80/1263 se situa no quadro de um processo de harmonização progressiva dos sistemas nacionais de exame de condução automóvel e se limita a impor, no anexo II, um certo número de exigência mínimas, sem pretender operar uma harmonização total das regulamentações relativas aos exames de condução. |
17 |
Deve seguidamente lembrar-se que o anexo II, intitulado «Exigências mínimas para os exames de condução», determina, no seu ponto 9, no que respeita ao local do exame de condução automóvel, que a parte do exame relativa ao comportamento do candidato em circulação se realizará, se possível, em estradas situadas fora das aglomerações e em auto-estradas, bem como em trânsito urbano. |
18 |
Resulta tanto do objectivo da directiva como do texto do ponto 9 do anexo II que os Estados-membros dispõem, no que diz respeito à determinação do local de exame de condução automóvel, de um poder discricionário que lhes permite ter em conta, para além da acessibilidade de um determinado tipo de estradas, considerações ligadas à necessidade de assegurar um exame uniforme em todo o território do Estado ou à protecção da segurança rodoviária. |
19 |
Nestas condições, deve responder-se à terceira questão que a Directiva 80/1263 não impõe aos Estados-membros a obrigação de organizarem o exame de condução automóvel em auto-estradas sempre que estas sejam acessíveis a partir do centro de exame, e que, portanto, eles também não têm a obrigação de garantir que o ensino da condução automóvel possa efectuar-se nesse tipo de estradas. |
20 |
Tendo em conta a resposta dada à terceira questão, não há que responder à quarta questão. |
Quanto às despesas
21 |
As despesas efectuadas pelo Governo português, pelo Governo do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. |
Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção), pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 10 de Dezembro de 1990, declara: |
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Schockweiler Mancini Murray Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de Março de 1992. O secretário J.-G. Giraud O presidente da Segunda Secção F. A. Schockweiler |
( *1 ) Língua do processo: português.