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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 61989CJ0154

    Acórdão do Tribunal de 26 de Fevereiro de 1991.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa.
    Incumprimento - Livre prestação de serviços - Guias turísticos - Qualificação profissional imposta pela regulamentação nacional.
    Processo C-154/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 I-00659

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1991:76

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-154/89 ( *1 )

    I — Matéria de facto e tramitação processual

    1. Enquadramento jurídico

    Segundo a regulamentação francesa, os guias intérpretes são pessoas singulares encarregadas de guiar turistas franceses ou estrangeiros e, nomeadamente, de dirigir visitas comentadas na via pública, em museus e monumentos históricos e em meios de transporte em comum (artigo 63.° do Decreto n.° 77-363, de 28 de Março de 1977, JORF, p. 1890).

    Para exercerem a sua profissão nos departamentos e comunas constantes da lista fixada por decreto do ministro encarregado do turismo, os guias intérpretes devem possuir uma carteira profissional. Essa carteira atesta a aquisição de uma qualificação determinada, sancionada, regra geral, pela aprovação num exame (artigo Í0.° da lei n.° 75-627, de 11 de Julho de 1975, JORF, p. 7230; artigo 69.° do Decreto n.° 77-363).

    O artigo 3.° do Decreto n.° 83-912, de 13 de Outubro de 1983 (JORF, p. 3110), inclui uma disposição penal aplicável às pessoas que exercem as actividades em causa sem possuir uma carteira profissional, nos casos em que esta é obrigatória.

    Em certos Estados-membros, a actividade de guia turístico está também sujeita a uma regulamentação profissional; noutros Estados, semelhante regulamentação não existe.

    O décimo quarto considerando da Directiva 75/368/CEE do Conselho, de 16 de Junho de 1975, relativa a medidas destinadas a favorecer o exercício efectivo da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços em várias actividades (ex-classe 01 a classe 85 CITI) e contendo, nomeadamente, medidas transitórias para estas actividades (JO L 167, p. 22; EE 06 Fl p. 205) precisa o seguinte:

    «Considerando que as actividades dos guias turísticos são exercidas, em alguns Estados-membros, dentro de limites territoriais definidos e são objecto de uma regulamentação nacional muito pormenorizada; que, por esse motivo, devem ser excluídas do âmbito de aplicação da presente directiva, com excepção, contudo, das actividades dos guias acompanhantes e das dos guias intérpretes.»

    O artigo 2°, n.° 5, da mesma directiva prevê que esta não se aplica às actividades dos guias turísticos, com excepção das actividades dos guias acompanhantes e dos guias intérpretes.

    A Comissão publicou uma proposta de directiva do Conselho relativa a um segundo sistema geral de reconhecimento das formações profissionais, que completa a Directiva 89/48/CEE QO C 263, p. 1). O segundo considerando da proposta indica:

    «que, para as profissões para cujo exercício a Comunidade não determinou o nível mínimo de habilitações necessárias, os Estados conservam a faculdade de fixar esse nível, com o fim de garantir a qualidade das prestações fornecidas no seu território; que os Estados-membros, contudo, não podem, sem desrespeito das obrigações decorrentes dos artigos 5.°, 48.°, 52.° e 59.° do Tratado, impor a um nacional de um Estado-membro a obrigação de adquirir habilitações que os Estados-membros se limitam geralmente a determinar apenas por referência aos diplomas emitidos no âmbito do respectivo sistema nacional de ensino, quando o interessado já adquiriu todas ou parte dessas habilitações noutro Estado-membro; que, por conseguinte, qualquer Estado-membro de acolhimento, em que uma profissão esteja regulamentada, deve tomar em consideração as habilitações adquiridas noutro Estado-membro e apreciar se essas habilitações correspondem às que ele próprio exige».

    O artigo 5.° da proposta prevê, nomeadamente, o seguinte:

    «Quando, no Estado-membro de acolhimento, o acesso a uma profissão regulamentada ou o seu exercício dependerem da posse de um certificado, a autoridade competente não pode recusar a um nacional de um Estado-membro, por falta de habilitações, o acesso a essa profissão, ou o seu exercício, nas mesmas condições que aos seus nacionais:

    a)

    se o requerente possuir o diploma, tal como definido na presente directiva ou na Directiva 89/48/CEE ou o certificado exigido por outro Estado-membro para ter acesso a essa mesma profissão no seu território ou nele a exercer e tiver obtido aquele diploma num Estado-membro;

    ou

    b)

    se o requerente : tiver exercido essa profissão a tempo inteiro, durante dois anos, no decurso dos dez anos precedentes, num outro Estado-membro que não regulamente essa profissão, na acepção da alínea d) e da alínea e), primeiro parágrafo, do artigo 1.°, possuindo um ou vários títulos de formação...»

    2. Antecedentes do litígio

    A incompatibilidade de determinados efeitos da regulamentação francesa com o artigo 59.° do Tratado CEE foi objecto de uma carta da Comissão ao Governo francês, de 21 de Novembro de 1986. Nesta carta, a Comissão, nos termos do processo previsto no artigo 169.° do Tratado CEE, convidou o Governo francês a apresentar as suas observações, num prazo de dois meses a contar da recepção da referida carta. Por carta de 5 de Março de 1987, as autoridades francesas contestaram o ponto de vista da Comissão. Em 2 de Maio de 1988, a Comissão emitiu um parecer fundamentado. Dado que regulamentações comparáveis à em causa estão em vigor na Itália, em Espanha, em Portugal e na Grécia,. as autoridades francesas sugeriram à Comissão, numa carta de 29 de Setembro, de 1988, organizar uma reunião com esses Estados-membros. Essa reunião efectuou-se em 25 de Novembro de 1988. Na sequência desta, as autoridades francesas, por carta de 7 de Dezembro de 1988, propuseram à Comissão um compromisso. Por carta de 2 de Fevereiro de 1989, a Comissão respondeu que não considerava «que o compromisso proposto pelas autoridades francesas seja susceptível de modificar a sua posição, tal como esta é exposta no parecer fundamentado de 2 de Maio de 1988». Esta resposta foi seguida por uma carta do ministro do turismo francês à Comissão, exprimindo o desejo de continuar as negociações em colaboração com os outros Estados-membros interessados e com a Comissão. A Comissão respondeu ao ministro em 2 de Maio de 1989, posteriormente à propositura da acção.

    3. Tramitação processual

    O requerimento da Comissão foi registado na Secretaria do Tribunal em 2 de Maio de 1989. A fase escrita do processo teve tramitação normal.

    Com base no relatório preliminar do juiz-relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução prévia.

    II — Pedidos das partes

    A Comissão, demandante, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    declarar que, ao exigir, para a prestação de serviços de guias turísticos que viajam com um grupo de turistas proveniente de um Estado-membro que não a França, quando essa prestação se efectua nos departamentos ou nas comunas cuja lista é fixada por decreto do ministro encarregado do turismo, e consiste em guiar esses turistas em lugares que não museus ou monumentos históricos susceptíveis de serem visitados apenas por um guia profissional especializado, a posse de uma carteira profissional, que supõe a aquisição de uma qualificação determinada, sancionada, regra geral, pela aprovação num exame, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 59.° do Tratado CEE;

    condenar a República Francesa nas despesas.

    A República Francesa, demandada, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    declarar a acção improcedente;

    condenar a demandante nas despesas.

    III — Fundamentos e argumentos das partes

    A Comissão considera que determinados efeitos da regulamentação francesa relativa às actividades dos guias turísticos são incompatíveis com o artigo 59.° do Tratado CEE. Nesta acção, não se opõe às regulamentações específicas que se aplicam às visitas guiadas em determinados museus ou locais culturais e históricos abertos ao público e que, para esse efeito, exigem qualificações específicas aos guias. Com efeito, o interesse geral que consiste na valorização das riquezas históricas e culturais pode justificar a exigência dessas qualificações profissionais.

    No entanto, este processo diz respeito ao caso específico das actividades exercidas por guias turísticos assalariados de uma empresa de turismo estabelecida noutro Estado-membro que, a partir da sua sede, organiza viagens em grupo para turistas com destino a França (por exemplo, em autocarro). Os guias acompanham o grupo em circuito fechado durante toda a viagem. Efectuam deslocações transfronteiras com o grupo e comentam as curiosidades culturais, históricas e artísticas do país, em nome e por conta da empresa de turismo. Assim, esta empresa é o prestador de serviços, que age exclusivamente por intermédio dos seus guias. Segundo a Comissão, o Tribunal de Justiça reconheceu esta forma de exercício como prestação de serviços (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Fevereiro de 1982, Seco e Desquenne & Girai, 62/81 e 63/81, Recueil, p. 223).

    A exigência de uma qualificação profissional prevista pela regulamentação francesa em questão impede a empresa de turismo estabelecida num Estado-membro em que a actividade de guia turístico não é regulamentada de se servir dos seus próprios guias que, habitualmente, acompanham os grupos de turistas. Com efeito, esses guias não possuem uma carteira profissional. Por conseguinte, a empresa é obrigada a contratar no local um guia detentor de uma carteira profissional, ou — na sua falta — os guias que acompanham o grupo devem ter obtido o diploma francês exigido. Assim, a regulamentação em questão constitui um obstáculo à livre prestação de serviços pela empresa em relação aos turistas, bem como à livre prestação de serviços de guia em relação à empresa de turismo e aos turistas, que preferem o seu guia habitual 1.

    A Comissão sublinha que o artigo 59.° do Tratado CEE prevê a supressão das restrições à livre prestação de serviços, ainda que indistintamente aplicáveis, na medida em que estas não sejam justificadas pelo interesse geral. Em primeiro lugar, a regulamentação em questão não pode ser justificada por um interesse geral relativo à protecção do consumidor.

    Com efeito, trata-se de um circuito fechado: o guia turístico, representante da empresa de turismo, e os turistas (os consumidores) deslocam-se conjuntamente a partir do Estado-membro em que está estabelecida a empresa de turismo para, respectivamente, prestar e receber o serviço em questão noutro Estado-membro. Nesta situação, a reputação comercial da empresa de turismo, confrontada com a concorrência no mercado, garante suficientemente os interesses dos consumidores.

    Seguidamente, a regulamentação em causa não é justificada pelo interesse geral relativo à valorização das riquezas históricas e culturais, devido à sua própria ineficácia. Com efeito, a difusão de informações culturais históricas é já largamente assegurada, sob múltiplas formas, pelos meios de comunicação social. Graças à liberdade de imprensa e de expressão do pensamento, essas informações subtraem-se a um controlo efectivo. Por conseguinte, têm na valorização das riquezas turísticas e culturais um impacto pelo menos tão importante como o das informações fornecidas pelos guias turísticos.

    A Comissão considera também que a exigência de um exame é desproporcionada. A condição do domínio da língua francesa é supérflua relativamente a um guia turístico que acompanha um grupo estanque de turistas formado exclusivamente a partir de outro Estado-membro, cuja língua utilizada não será, regra geral, o francês.

    O Governo francês afirma que a regulamentação francesa em causa se destina a proteger interesses gerais ligados à valorização das riquezas históricas e à melhor difusão possível dos conhecimentos relativos ao patrimônio artístico e cultural do país.

    Em sua opinião, esses interesses não são suficientemente salvaguardados pelas regras a que o prestador (a empresa de turismo) está sujeito no Estado-membro em que está estabelecido. Com efeito, vários Estados-membros não exigem qualquer qualificação para o exercício da profissão de guia intérprete, ou, quando o fazem, não exigem qualquer conhecimento das riquezas históricas e culturais dos outros países. Na ausência de harmonização sobre este ponto, a regulamentação francesa não é incompatível com o artigo 59.° do Tratado CEE.

    Quanto à ineficácia da regulamentação francesa alegada pela Comissão, o Governo francês afirma que o impacto sobre a valorização das riquezas históricas e culturais de uma viagem guiada é maior que o de uma informação televisiva, da escuta de um programa de rádio ou da leitura de uma brochura. Com efeito, o contacto com o guia turístico, regra geral, deixa impressões mais duráveis que as recebidas através dos media.

    O Governo francês refere também que o exame de guia intérprete é acessível a qualquer cidadão comunitário que para ele se prepare correctamente. Em 1987, em 76 candidatos aprovados no exame, 44 eram nacionais de outro Estado-membro; em 1988, em 43 candidatos aprovados, 21 eram nacionais de outro Estado-membro.

    O exame não constitui de forma alguma uma exigência desproporcionada em relação ao objectivo prosseguido. Com efeito, o exame consiste numa prova oral de 30 minutos sobre os conhecimentos da França, metade da qual a fazer na língua materna e a outra metade em francês, versando também a aptitão do candidato a dirigir visitas comentadas.

    Na tréplica, o Governo francês avança que o ponto de vista da Comissão lhe parece contrário à proposta de directiva do Conselho, relativa a um segundo sistema geral de reconhecimento das formações profissionais, que completa a Directiva 89/48, cujo âmbito de aplicação inclui, além do mais, a formação de guias turísticos em França. O segundo considerando da proposta refere-se apenas à obrigação, para os Estados-membros, de tomar em consideração as habilitações adquiridas num Estado-membro que não aquele em que se efectua a prestação de serviços. Esta obrigação não implica de forma alguma que os Estados-membros estejam obrigados a ter em consideração falta de formação profissional nalguns Estados-membros. Ora, segundo o artigo 5.° da proposta, um Estado-membro pode recusar o acesso a um nacional de outro Estado-membro que não possua uma formação adequada prévia. Assim, na opinião do Governo francês, submete o exercício de uma actividade regulamentada num Estado-membro a condições mais severas que as que a própria Comissão critica no presente processo.

    P. J. G. Kapteyn

    Juiz-relator


    ( *1 ) Lingua do processo: francês.

    Início

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    26 de Fevereiro de 1991 ( *1 )

    No processo C-154/89,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada pelo seu consultor jurídico Etienne Lasnet, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Guido Berardis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    demandante,

    contra

    República Francesa, representada por Edwige Belliard, subdirectora na direcção dos assuntos jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e por Géraud de Bergues, secretário adjunto principal no mesmo ministério, na qualidade de agente suplente, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de França, 9, boulevard du Prince Henri,

    demandada,

    que tem por objecto obter a declaração de que, ao subordinar a prestação de serviços dos guias turísticos que acompanham um grupo de turistas provenientes de um Estado-membro à posse de uma carteira profissional que pressupõe a aquisição de uma determinada qualificação a provar, regra geral, pela aprovação num exame, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 59.° do Tratado CEE,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por O. Due, presidente, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida e M. Diez de Velasco, presidentes de secção, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler, F. Grévisse, M. Zuleeg e P. J. G. Kapteyn, juízes,

    advogado-geral : C. O. Lenz

    secretario: H. A. Rühi, administrador principal

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações das partes na audiência de 8 de Novembro de 1990,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 5 de Dezembro de 1990,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal em 2 de Maio de 1989, a Comissão, ao abrigo do artigo 169.° do Tratado CEE, intentou uma acção destinada a obter a declaração de que, ao subordinar a prestação de serviços dos guias turísticos que viajam com um grupo de turistas provenientes de outro Estado-membro, quando essa prestação consiste em guiar esses turistas em locais de determinados departamentos e comunas que não sejam museus ou monumentos históricos susceptíveis de ser visitados com um guia profissional especializado, à posse de uma carteira profissional que supõe a aquisição de uma determinada qualificação a provar, regra geral, pela aprovação num exame, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 59.° do Tratado CEE.

    2

    As disposições em questão na presente acção estão contidas nos artigos 1.°, alínea e), e 10.° da Lei n.° 75/626, de 11 de Julho de 1975, que fixa as condições do exercício das actividades relativas à organização de viagens ou de estadias (JORF de 13.7.1975, p. 7230) bem como no decreto de aplicação n.° 77-363, de 28 de Março de 1977 (JORF de 3.4.1977, p. 1890), modificado pelo Decreto n.° 83-912, de 13 de Outubro de 1983 (JORF de 15.10.1983, p. 3110).

    3

    Nos termos destas disposições, os guias turísticos, designados como «guias intérpretes» são pessoas singulares encarregadas de guiar os turistas franceses ou estrangeiros, e nomeadamente de dirigir visitas comentadas na via pública, nos museus e monumentos históricos bem como nos meios de transporte colectivo.

    4

    Em 21 de Novembro de 1986, a Comissão, nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE, dirigiu uma notificação ao Governo francês. Segundo essa notificação, a França não tinha cumprido as exigências do direito comunitário, em especial o artigo 59.° do Tratado CEE, no que diz respeito à prestação de serviços de guias turísticos que viajam com um grupo de turistas provenientes de outro Estado-membro, quando essa prestação se efectua em determinados departamentos ou comunas. Por carta de 5 de Março de 1987, as autoridades francesas contestaram a opinião da Comissão. Em 2 de Maio de 1988, a Comissão emitiu um parecer fundamentado, no qual reiterou a sua opinião e convidou o Governo francês a adoptar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento num prazo de dois meses. Não tendo obtido qualquer resposta, a Comissão intentou a presente acção.

    5

    Para mais ampla exposição dos factos, da tramitação processual e dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos dos autos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

    6

    A título preliminar, deve observar-se que as actividades de um guia turístico originário de um Estado-membro que não a França e que acompanha os participantes numa viagem organizada em França a partir desse Estado-membro podem apresentar-se sob dois regimes jurídicos diferentes. Uma agência de viagens estabelecida noutro Estado-membro pode utilizar os guias que ela mesma emprega. Nesse caso, é a agência de viagens que presta o serviço aos turistas por intermédio dos guias turísticos próprios. Mas essa agência de viagens pode também contratar guias turísticos independentes estabelecidos nesse outro Estado-membro. Nesse caso, o serviço é prestado pelo guia turístico à agência de viagens.

    7

    Portanto, os dois casos acima referidos dizem respeito a prestações de serviço fornecidas, respectivamente, pela agência de viagens aos turistas e pelo guia turístico independente à agência de viagens. Essas prestações, que são limitadas no tempo e não são reguladas pelas disposições relativas à livre circulação de mercadorias, de capitais e de pessoas, são actividades remuneradas na acepção do artigo 60.° do Tratado.

    8

    Deve verificar-se se essas actividades se incluem no âmbito de aplicação do artigo 59.° do Tratado.

    9

    Embora o artigo 59.° do Tratado só se refira expressamente à situação de um prestador de serviços estabelecido num Estado-membro que não seja o do destinatário da prestação, o seu objectivo consiste também em eliminar as restrições à livre prestação de serviços por parte de pessoas não estabelecidas no Estado no território do qual deve ser realizada a prestação (ver o acórdão de 10 de Fevereiro de 1982, Transporoute, n.° 14, 76/81, Recueil, p. 417). É apenas quando todos os elementos relevantes da actividade em causa se agrupam no território de um só Estado-membro que as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços não se aplicam (acórdão de 18 de Março de 1980, Debauve, n.° 9, 52/79, Recueil, p. 833).

    10

    Por conseguinte, o disposto no artigo 59.° deve aplicar-se sempre que um prestador de serviços oferece esses serviços no território de um Estado-membro que não seja aquele em que está estabelecido, qualquer que seja o local em que estão estabelecidos os destinatários desses serviços.

    11

    Uma vez que no caso em apreço e nas duas hipóteses enunciadas no n.° 6 do presente acórdão, se trata de prestações de serviços efectuadas num Estado-membro que não o do estabelecimento do prestador, deve aplicar-se o artigo 59.° do Tratado.

    12

    Há que lembrar que os artigos 59.° e 60.° do Tratado exigem não apenas a eliminação de qualquer discriminação do prestador em razão da sua nacionalidade, mas também a supressão de qualquer restrição à livre prestação de serviços imposta com fundamento no facto de o prestador estar estabelecido num Estado-membro que não aquele em que a prestação é efectuada. Especialmente, o Estado-membro não pode subordinar a realização da prestação de serviços no seu território ao preenchimento de todas as condições exigidas para o estabelecimento, sob pena de privar de qualquer efeito útil as disposições destinadas a assegurar a livre prestação de serviços.

    13

    A esse propósito, refira-se que a exigência imposta pelas disposições da legislação francesa acima referidas são constitutivas dessa restrição. Com efeito, ao subordinar a prestação de serviços dos guias turísticos que viajam com um grupo de turistas provenientes de outro Estado-membro à posse de um determinado diploma, essa legislação impede simultanemante as agências de viagens de efectuar essa prestação através do seu próprio pessoal e os guias turísticos independentes de oferecer os seus serviços a essas agências durante viagens organizadas. Impede também os turistas que participam nessas viagens organizadas de recorrer às prestações em causa à sua escolha.

    14

    No entanto, tendo em conta as exigências especiais de determinadas prestações, o facto de um Estado-membro as subordinar a condições de qualificação do prestador, em aplicação das normas que regulam esse tipo de actividades no seu território, não pode ser considerado incompatível com os artigos 59.° e 60.° do Tratado. Todavia, a livre prestação de serviços, enquanto princípio fundamental do Tratado, só pode ser limitada por regulamentações justificadas pelo interesse geral que se apliquem a qualquer pessoa ou empresa que exerça uma actividade no território do Estado-membro destinatário, na medida em que esse interesse não esteja salvaguardado pelas regras a que o prestador está sujeito no Estado-membro em que está estabelecido. Além disso, essas exigências devem ser objectivamente necessárias para garantir o respeito das normas profissionais e assegurar a protecção dos interesses que constituem o objectivo destas (ver, entre outros, o acórdão de 4 de Dezembro de 1986, Comissão/Alemanha, n.° 27, 205/84, Colect., p. 3755).

    15

    Por conseguinte, essas exigências só podem ser consideradas compatíveis com os artigos 59.° e 60.° do Tratado se for provado que, no domínio da actividade considerada, existem razões imperiosas ligadas ao interesse geral que justificam restrições à livre prestação de serviços, que esse interesse não está já protegido pelas regras do Estado em que o prestador está estabelecido e que o mesmo resultado não pode ser obtido através de normas menos restritivas.

    16

    O Governo francês afirma que a regulamentação francesa em causa se destina a assegurar a protecção de interesses gerais ligados à valorização das riquezas históricas e à melhor difusão possível dos conhecimentos relativos ao patrimônio artístico e cultural do país. Segundo o Governo francês, esses interesses não são suficientemente salvaguardados pelas normas a que o prestador, no caso concreto a agência de viagens, está sujeito no Estado-membro estabelecido. Com efeito, vários Estados-membros não exigem qualquer qualificação para exercer a profissão de guia intérprete ou não exigem qualquer conhecimento especial das riquezas históricas e culturais de outros países. Na falta de harmonização sobre este ponto, a regulamentação francesa não seria incompatível com o artigo 59.° do Tratado CEE.

    17

    Há que referir que o interesse geral ligado à valorização das riquezas históricas e à melhor difusão possível dos conhecimentos relativos ao patrimônio artísitico e cultural de um país pode constituir uma razão imperiosa que justifique uma restrição à livre prestação de serviços. No entanto, a exigência em causa que resulta da regulamentação francesa vai além do que é necessário para assegurar a protecção desse interesse, na medida em que submete a actividade do guia turístico, que acompanha grupos de turistas provenientes de outro Estado-membro, à posse de uma carteira profissional.

    18

    Com efeito, o acompanhamento profissional em causa no caso em apreço efec-tua-se em condições particulares. O guia turístico independente ou assalariado desloca-se com os turistas que acompanha em circuito fechado; deslocam-se temporariamente, em grupo, do Estado-membro de estabelecimento para o Estado-membro a visitar.

    19

    Nestas condições, a exigência de uma licença imposta pelo Estado-membro de destino tem como efeito reduzir o número de guias turísticos que podem acompanhar os turistas em circuito fechado, o que pode levar um organizador de viagens a recorrer a guias locais, empregados ou estabelecidos no Estado-membro em que a prestação é efectuada. Ora, para os turistas, beneficiários das prestações de serviço em causa, esta consequência pode apresentar o inconveniente de não poderem dispor de um guia familiarizado com a sua língua, os seus interesses e as suas expectativas específicas.

    20

    Deve também observar-se que a exploração rentável dessas viagens em grupo depende da reputação comercial do organizador, que está sujeito à pressão concorrencial de outras agências de viagens, e que a manutenção dessa reputação e a pressão da concorrência implicam desde logo uma determinada selecção dos guias turísticos e um controlo da qualidade das suas prestações. Esta circunstância pode contribuir, em função das expectativas específicas dos grupos de turistas em causa, para a valorização das riquezass históricas e para a melhor difusão possível dos conhecimentos relativos ao património artístico e cultural, quando se trata de vasistas guiadas em locais que não os museus ou os monumentos históricos que só podem ser visitados com um guia profissional.

    21

    Por conseguinte, tendo em conta a importância das restrições que impõe, a regulamentação em causa é desproporcionada em relação ao objectivo prosseguido, isto é, a valorização das riquezas históricas e a melhor difusão possível dos conhecimentos relativos ao património artístico e cultural do Estado-membro em que a viagem se efectua.

    22

    O Governo francês sublinha ainda que é impossível conciliar a opinião da Comissão, expressa no requerimento, com os esforços que esta envida paralelamente para a adopção da proposta de uma directiva relativa a um segundo sistema geral de reconhecimento das formações profissionais (JO 1989, C 263, p. 1), que completa a Directiva 89/48/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um sistema geral de reconhecimento dos diplomas de ensino superior que sancionam formações profissionais com uma duração mínima de três anos (JO 1989, L 19, p. 16).

    23

    É certo que esta proposta de directiva prevê, no que se refere às profissões para as quais a Comunidade não determinou o nível mínimo de qualificação necessário, a faculdade de os Estados-membros determinarem eles próprios esse nível mínimo de qualificação.

    24

    Todavia, deve lembrar-se que as disposições do direito derivado só podem referir-se às medidas nacionais compatíveis com as exigências do artigo 59.° do Tratado, como são precisadas pela jurisprudência do Tribunal.

    25

    Nestas condições, deve declarar-se que, ao subordinar a prestação de serviços dos guias turísticos que viajam com um grupo de turistas proveniente de outro Estado-membro, quando essa prestação consiste em guiar esses turistas em locais situados em determinados departamentos e comunas que não os museus ou monumentos históricos que só podem ser visitados com um guia profissional especializado, à posse de uma carteira profissional que pressupõe a aquisição de uma determinada qualificação a provar, regra geral, pela aprovação num exame, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 59.° do Tratado.

    Quanto às despesas

    26

    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a República Francesa sido vencida, há que condená-la nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    decide:

     

    1)

    A República Francesa, ao subordinar a prestação de serviços dos guias turísticos que viajam com um grupo de turistas proveniente de outro Estado-membro, quando essa prestação consiste em guiar esses turistas em locais situados em determinados departamentos e comunas que não os museus ou monumentos históricos que só podem ser visitados com um guia profissional especializado, à posse de uma carteira profissional que pressupõe a aquisição de determinada qualificação, a provar, regra geral, pela aprovação num exame, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 59.° do Tratado.

     

    2)

    A República Francesa é condenada nas despesas.

     

    Due

    Mancini

    Moitinho de Almeida

    Diez de Velasco

    Kakouris

    Schockweiler

    Grévisse

    Zuleeg

    Kapteyn

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de Fevereiro de 1991.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente

    O. Due


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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