Escolha as funcionalidades experimentais que pretende experimentar

Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 61988CJ0018

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 13 de Dezembro de 1991.
Régie des télégraphes et des téléphones contra GB-Inno-BM SA.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de commerce de Bruxelles - Bélgica.
Livre circulação de mercadorias - Concorrência - Aprovação de aparelhos telefónicos.
Processo C-18/88.

Colectânea de Jurisprudência 1991 I-05941

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1991:474

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-18/88 ( *1 )

I — Matéria de facto e tramitação processual

1. Legislação nacional relativa à RTT

A lei de 19 de Julho de 1930(Moniteur belge de 2.8.1930, p. 4204) criou a Régie des télégraphes et des téléphones (a seguir «RTT») e encarregou, nos termos do seu artigo 1.°, este organismo belga de interesse público da exploração no interesse geral da telegrafia e da telefonia com ou sem fios. O primeiro parágrafo do seu artigo 3.° prevê que a RTT seja representada e gerida pelo ministro que exerce a tutela sobre os telégrafos e telefones.

A lei de 13 de Outubro de 1930, que coordena as diferentes disposições legislativas relativas à telegrafia e à telefonia com fios (Moniteur belge de 20.10.1930 e 21.10.1930, p. 5708), conferiu à RTT, no seu artigo 1.°, um monopólio de estabelecimento e de exploração, para a correspondência do público, de linhas e serviços telegráficos e telefónicos.

Além dessa actividade, a RTT vende também material telefónico destinado a ser ligado às linhas que explora.

Pelos artigos 13.° e 91.° do decreto ministerial de 20 de Setembro de 1978, adoptado com base no artigo 3.° da lei de 19 de Julho de 1930, já referida, e relativo à fixação de tarifas acessórias em matéria de telecomunicações e de condições de ligação e de uso dos meios de telecomunicações em serviço interno (Moniteur belge de 29.9.1978, p. 11166), alterado pela última vez em 24 de Dezembro de 1986, foi igualmente atribuído à RTT o monopólio da concessão de autorizações de ligação à rede pública, da organização do processo de aprovação de aparelhos não fornecidos por ela e da determinação das especificações técnicas que esses aparelhos devem satisfazer para poderem ser aprovados.

O artigo 13.° prevê que:

«Salvo autorização por escrito da RTT, o assinante não pode ligar nenhum fio, aparelho ou objecto... à instalação cujo uso lhe é concedido, nem abrir ou desmontar os aparelhos, alterar de qualquer forma a localização ou a afectação do aparelho ou dos fios.

As despesas ocasionadas à RTT na sequência de uma infracção a estas disposições podem ser inscritas na conta do assinante; o mesmo acontece com as despesas de detecção e de reparação de uma avaria causada por:

1)

...

2)

aparelhagem não fornecida pela Régie e ligada à instalação

...»

O artigo 91.° dispõe que:

«A Régie determina o modo de constituição dos circuitos de assinatura e as suas características técnicas.

A aparelhagem ligada a esses circuitos deve ser fornecida ou aprovada pela Régie.»

O artigo 93.° deste decreto ministerial especifica ainda que:

«A Régie pode, em qualquer momento, chamar a si o fornecimento do aparelho antes deixado à iniciativa privada e impor então o encerramento das instalações em uso. Pode, além disso, determinar o encerramento total ou parcial e indefinidamente das instalações que perturbem a exploração da rede.»

2. Antecedentes do litígio

Desde há alguns anos, aparelhos telefónicos, originários na maior parte das vezes do Extremo Oriente, são importados na Bélgica e aí vendidos a retalho em estabelecimentos comerciais de aparelhos electrónicos.

Esses aparelhos podem ser licitamente importados e postos à venda na Bélgica, mas não podem ser ligados à rede pública, por força do artigo 13.° do decreto ministerial de 20 de Setembro de 1978, a não ser mediante a autorização da RTT, que subordina a sua concessão à aprovação pelos seus serviços das características técnicas dos aparelhos em questão. Para poder obter a autorização, esses aparelhos devem satisfazer as normas técnicas que a própria RTT determinou, por força do artigo 91.° do Decreto Ministerial de 20 de Setembro de 1978 e que figuram num documento intitulado «Spécifications n.° RN/SP 208», cuja segunda edição, datada de 21 de Abril. de 1987, está actualmente em vigor. Um exemplar destas especificações aplicáveis ao segundo e terceiro aparelhos ligados adicionalmente ao primeiro aparelho normalizado RTT é enviado a qualquer requerente de aprovação. Tais especificações são indistintamente aplicáveis a todos os referidos aparelhos, qualquer que seja a sua origem.

Essas especificações esclarecem, a título indicativo, no seu capítulo TV, que as despesas de caracter técnico e administrativo resultantes do exame do aparelho podem situar-se entre 12500 e 56000 BFR. Quanto aos aparelhos vendidos pela própria RTT, quer se trate daqueles em relação aos quais ela exerce o seu monopólio legal na sua totalidade como primeiro aparelho, quer'daqueles que ela põe à venda em concorrência com empresas privadas como segundo aparelho, quer ainda os telefones móveis, são fabricados por sua conta por empresas privadas que são obrigadas a respeitar as especificações técnicas, que garantem a sua compatibilidade com a rede, que são impostas pela RTT nos cadernos especiais de encargos de contratos de direito público celebrados para o seu fabrico, de modo que os aparelhos vendidos pela Régie não têm de ser aprovados para poderem ser ligados à rede.

A sociedade anônima GB-Inno-BM, a seguir «GB», é uma empresa do sector da grande distribuição que explora uma rede de armazéns e de supermercados na Bélgica entre os quais os Brico-Centers. Ela vende aí aparelhos telefónicos não aprovados, destinados a servir de segundo aparelho a ligar a uma instalação existente, a preços sensivelmente inferiores aos da aparelhagem proposta pela RTT.

A RTT reprova à GB a venda desses aparelhos sem informar o consumidor de que eles não foram aprovados e afirma que, ao actuar dessa forma, a GB incita os próprios consumidores a procederem ou a fazerem proceder à ligação do aparelho não aprovado à rede, o que é susceptível de perturbar o funcionamento desta.

Entendendo que se tratava de um acto contrário aos bons costumes em matéria comercial, na acepção do artigo 54.° da lei de 14 de Julho de 1971 sobre as práticas de comércio (LPC), susceptível de atentar contra os seus interesses profissionais, a RTT, em 22 de Julho de 1987, accionou a GB perante o presidente do tribunal de commerce de Bruxelas com base nos artigos 54.° e 55.° da LPC, pedindo que fosse ordenada a cessação da prática comercial consistente em pôr à venda, nos seus armazéns sitos na Bélgica, aparelhagem telefônica não aprovada pela RTT sem que, por publicidade adequada ou qualquer outro meio eficaz, o consumidor, comprador potencial dessa aparelhagem, seja informado da falta de aprovação e das consequências que daí resultam, isto é, o carácter ilegal da ligação à rede telefónica pública.

Nas suas conclusões, a GB apresentou um pedido reconvencional tendente a fazer declarar que a RTT violou o artigo 86.° do Tratado CEE, em virtude de, ao intentar a acção judicial acima referida, que tende a levantar entraves à concorrência dos revendedores de aparelhos não autorizados, com vista a favorecer os seus próprios aparelhos ou os que ela aprova, a RTT abusou da sua situação de monopólio.

Para poder decidir se o pedido da RTT tinha fundamento, o presidente do tribunal de commerce de Bruxelas, não duvidando de que para poderem ser ligados à rede os terminais telefónicos devem satisfazer certas exigências técnicas, considerou que era necessário verificar se um processo de aprovação tal como o imposto pela RTT era lícito, pois, em caso de resposta negativa, seria abusivo pretender impor a um comerciante que vende aparelhos a obrigação de alertar os seus clientes para a necessidade de os submeter a aprovação. Salientou que a situação actual, em que a RTT fixa soberanamente as condições de autorização e em que, além disso, concede essa autorização, se torna perfeitamente discutível uma vez que a RTT se apresenta também como concorrente no mercado de aparelhos destinados a serem ligados à rede.

Tendo em conta o pedido reconvencional, parecia-lhe igualmente que o facto de proibir a GB de vender os telefones em litígio sem chamar a atenção do público para a sua não aprovação implica ou o abandono por esta da venda desses aparelhos, ou a obrigação de advertir o público da sua não aprovação e, por conseguinte, a obrigação de o futuro utilizador obter a aprovação da RTT, e isto em condições e com critérios largamente desconhecidos e cuja relevância e caracter arbitrário, ou não, escapa à sua apreciação, o que constitui um poderoso obstáculo à compra dos referidos aparelhos cuja venda é livre. Qualquer proibição que a RTT, imponha ao abrigo de disposições nacionais susceptíveis de serem declaradas contrárias ao Tratado constitui uma distorção intolerável da concorrência e um abuso de poder econômico por intermédio do monopólio de exploração da rede que lhe foi conferido.

Em 21 de Setembro de 1987, a GB apresentou à RTT um pedido de aprovação dos telefones com memória (10, 20, 60) dos tipos Speedline, Itália, Dataphone, Allflex, para utilização como aparelhos suplementares ligados à rede pública.

3. Questões prejudiciais

Entendendo que a solução do litígio podia depender dà interpretação do direito comunitário, nomeadamente dos artigos 30.° e 86.° do Tratado CEE, o vice-presidente do Tribunal decidiu, por sentença de 11 de Janeiro de 1988, suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Interpretação do artigo 30.° do Tratado :

Sendo aceite que a Régie des télégraphes et téléphones, além da exploração da rede pública na Bélgica, se dedica ao comercio de aparelhagem destinada a ser ligada a esta rede, em que medida o artigo 13.° do decreto ministerial de 20 de Setembro de 1978 é compatível com o artigo 30.° do Tratado, quando:

a)

instituí a Régie em juiz da autorização para ligar à rede pública aparelhagens não fornecidas óu vendidas por ela e deixa, deste modo, à discrição da Régie o modo de estabelcer os critérios técnicos e administrativos aos quais deve obedecer a aparelhagem para que a Régie conceda a sua autorização;

b)

sendo a Régie concorrente no mercado belga de fornecedores privados e de importadores privados na Bélgica, nenhum processo contraditório para a fixação das normas nem para a verificação da conformidade da aparelhagem em questão parece ser previsto, o assinante ou o importador em questão não têm qualquer meio para demonstrar que, na altura do procedimento, toda a autorização arbitrária, toda a discriminação foi afastada e nenhum recurso está previsto contra uma decisão da Régie?

2)

Em que medida o facto de se colocarem a cargo do assinante as despesas causadas à Régie, na sequência de uma infracção do n.° 1 do artigo 13.° do decreto ministerial em questão e, entre outras, as despesas de investigação e de reparação de estragos causados pela aparelhagem não autorizada constitui uma medida equivalente a uma restrição quantitativa quando não é instituído um processo contraditório perante uma instância independente para julgar da efectividade do nexo causal e do grau de causalidade e, por este facto, o utilizador ou o assinante que deseje ligar deste modo um aparelho se inclinar para excluir qualquer risco forne-cendo-se na própria Régie?

3)

Interpretação do artigo 86.° do Tratado:

Em que medida o monopólio concedido à Régie para conceder a autorização de ligação à rede pública e organizar as modalidades de ligação no que respeita às aparelhagens não fornecidas ou vendidas por ela, o que tem como corolário o poder da Régie de determinar arbitrariamente as normas a que estas aparelhagens devem obedecer, constituirá uma prática proibida pelo artigo 86.°, alíneas b) e c), do Tratado?»

4. Tramitação processual

O despacho de reenvio deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Janeiro de 1988.

Em conformidade com o artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto (CEE) do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações escritas pela RTT, demandante no processo principal, representada por Eduard Marissens, advogado no foro de Bruxelas, pela sociedade GN-Inno-BM, demandada no processo principal, representada por Louis van Bunnen, advogado em Bruxelas, e pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Eric L. White e Edith Buissart, membros do seu Serviço Jurídico.

Por decisão de 13 de Julho de 1988, adoptada em aplicação do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 95.° do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça decidiu atribuir o processo à Quinta Secção e iniciar a fase oral do processo sem instrução.

II — Resumo das observações escritas apresentadas ao Tribunal

Nas suas observações, a RTT descreveu previamente a regulamentação comunitária actualmente aplicável em matéria de telecomunicações e alegou, no final dessa apreciação, que nenhum dos actos adoptados pelo Conselho na matéria até ao momento podia aplicar-se ao caso em apreço, por este não entrar no seu âmbito de aplicação.

1. A primeira questão

A RTT observa que convém efectuar, em primeiro lugar, uma distinção entre o Estado belga, por um lado, e a RTT, por outro, quanto ao domínio de aplicação do artigo 30.° do Tratado CEE, tendo em conta que o autor do decreto ministerial de 20 de Setembro de 1978, incluindo o seu artigo 13.° em litígio, é o Estado belga, por intermédio do poder executivo, e não a RTT.

Resulta daí que, na esfera da RTT, só o cumprimento das tarefas de aprovação que lhe foram conferidas por esse artigo 13.° deve ser apreciado à luz do artigo 30.° do Tratado CEE.

Pelo contrário, a compatibilidade com o artigo 30.° do Tratado CEE do próprio princípio de um sistema de aprovação, tal como a designação como autoridade encarregada da aprovação do organismo público que comercializa ele próprio o tipo de aparelhos sujeitos a aprovação em concorrência com empresas comerciais independentes, deve ser apreciada exclusivamente em relação ao Estado belga.

Quanto ao sistema de aprovação, citando os acórdãos do Tribunal de 11 de Julho de 1974, Dassonville (8/74, Recueil, p. 837), e de 31 de Março de 1982, Blesgen (75/81, Recueil, p. 1211), entende que cai na alçada do artigo 30.° do Tratado CEE que proíbe quaisquer restrições à importação, tenham elas lugar na própria fronteira, ou de maneira mais indirecta, na condição expressa de que a importação de produtos provenientes de um outro Estado-membro seja objecto de entraves.

No caso em apreço, ainda que não tendo lugar na fronteira, uma vez que os aparelhos telefónicos não aprovados estão em venda livre na Bélgica, tal sistema constitui uma medida de efeito equivalente na acepção do artigo 30.° do Tratado CEE porque, por um lado, obriga o fabricante estabelecido no Estado-membro de exportação a ter em conta, aquando do fabrico dos produtos em causa, critérios de aprovação impostos no Estado-membro de importação e que, por outro lado, mesmo em caso de conformidade com os critérios de aprovação dos produtos importados, o processus de aprovação implica necessariamente um prazo e um custo financeiro.

Esta dupla ligação restritiva com a importação caracteriza todo o sistema de aprovação, qualquer que seja a autoridade que o administra; a identidade da autoridade de aprovação não entra, portanto, em linha de conta no que toca ao artigo 30.° do Tratado CEE. A existência de uma autoridade administrativa, qualquer que seja o conflito de interesses em que a sua nomeação a coloca, não é em si mesma, de forma alguma, uma medida de efeito equivalente.

A RTT entende, todavia, que as restrições introduzidas na livre circulação de mercadorias por um sistema de aprovação podem ser justificadas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria da regra de razão, isto é, por uma das razões invocadas no artigo 36.° do Tratado CEE ou por uma das exigências imperativas na acepção do acórdão Cassis de Dijon, uma vez que o interesse geral exige, na falta de regulamentação comunitária, que qualquer Estado-membro verifique, ele próprio ou por intermédio de um órgão administrativo identificado, a compatibilidade dos terminais destinados a ser ligados à sua rede de telecomunicações, a fim de evitar qualquer perturbação desta. Os critérios de aprovação determinados pela RTT correspondem ao mesmo interesse geral que presidiu à instauração do próprio sistema de aprovação.

A aprovação antes da ligação não constitui, aliás, uma medida desproporcionada ao objectivo legítimo de qualquer governo de colocar à disposição dos seus utilizadores uma rede de comunicações eficiente e isenta de perturbações.

Quanto ao exercício das suas atribuições de aprovação, a RTT alega que, embora o arr tigo 30.° do Tratado CEE se possa aplicar a práticas administrativas e não somente a leis ou regulamentações nacionais, tal como o Tribunal entendeu no seu acórdão de 9 de Maio de 1985, Comissão/França (21/84, Recueil, p. 1355), essa jurisprudência do Tribunal de Justiça exige, todavia, que, para constituir uma medida proibida pelo artigo 30.°, uma prática administrativa apresente um certo nível de constância e de generalidade, cujo grau se exige que vá aumentando segundo o número de operadores económicos que o mercado regista.

No caso em apreço, tendo em conta que, em média, são submetidos anualmente a aprovação 550 aparelhos, algumas decisões administrativas esparsas não podem bastar para constituir uma prática administrativa. Acrescenta que até agora nenhum litígio de importância quanto à sua prática de aprovação se verificou. A falta de quaisquer outras declarações, a esse propósito, na sentença de 1 de Janeiro de 1988 proferida pelo vice-presidente do tribunal de commerce, convém considerar que a prática da RTT em matéria de aprovação não gerou, até ao momento, litígios que permitam considerar que haja uma prática administrativa na acepção que lhe dá a jurisprudência do Tribunal de Justiça, constitutiva de uma restrição não coberta pela regra de razão do poder de aprovação.

Em consequência, a RTT propõe que se responda à primeira questão como se segue:

«Na ausência de uma política comunitária que crie redes telefónicas de tipo similar ou idêntico nos Estados-membros da Comunidade Económica Europeia, o artigo 30.° do Tratado CEE não tem por efeito proibir que um Estado-membro torne a ligação legal à sua rede telefônica de um aparelho terminal importado de um outro Estado-membro dependente de uma autorização prévia concebida para velar pela compatibilidade com a referida rede dos aparelhos destinados a ser-lhe ligados. Qualquer que seja a instância, independente ou não, encarregada por um Estado-membro de assumir o papel de autoridade de aprovação, esta será obrigada a velar por que os critérios de aprovação que ela adoptar e a aplicação que deles fizer, sejam necessários e proporcionais ao interesse geral do funcionamento óptimo e sem perturbações da rede telefónica nacional, sem restrições disfarçadas no comércio entre Estados-membros.»

A GB, embora não conteste que nem todos os aparelhos introduzidos no mercado podem ser ligados à rede e que o princípio da aprovação pode, em certos casos, justificar-se, sublinha, todavia, que deve ser admitido unicamente quando emane de uma autoridade independente da que explora a rede.

É de opinião que um sistema de aprovação tal como o organizado actualmente na Bélgica, atribuindo o poder de aprovar um aparelho telefónico a uma empresa pública concorrente das firmas que pedem a aprovação, viola o artigo 30.° do Tratado CEE porque permite afastar do mercado, sem recurso e sem controlo, certos aparelhos, provenham ou não de um Estado-membro.

A Comissão alega, em primeiro lugar, que, sendo a RTT um monopólio nacional de carácter comercial, os entraves às trocas de mercadorias que daí resultam devem ser examinados em primeiro lugar à luz do disposto no artigo 37.° do Tratado CEE. O Tribunal, com efeito, esclareceu nos seus acórdãos de 30 de Abril de 1974, Sacchi (155/73, Recueil, p. 709) e de 28 de Junho de 1983, Mialocq (271/81, Recueil, p. 2057), que o artigo 37.°, embora tenha em vista as trocas de mercadorias e não o monopólio de prestações de serviços, se aplica todavia a entraves à livre circulação de mercadorias que resultem desse monopólio..

No caso em apreço, a RTT, que detém o monopólio nacional da prestação de serviços de telecomunicações, quando é concorrente no mercado no que toca à comercialização dos aparelhos telefónicos, detém igualmente certos direitos exclusivos susceptíveis de criar discriminações incompatíveis com o artigo 37.° do Tratado CEE.

O primeiro desses direitos, o direito exclusivo de autorizar a ligação, pode ser utilizado para impedir a ligação de qualquer aparelho não fabricado por uma empresa ligada à RTT ou não vendido por ela.

O segundo direito, o direito exclusivo de aprovar aparelhos, não deve constituir um meio dé desfavorecer a comercialização dos produtos importados ou de dar uma vantagem à rede de comercialização do monopólio. Essas consequências podem ser evitadas confiando a elaboração das especificações técnicas e a aprovação a uma entidade independente do monopólio, solução que a Comissão preconizará numa directiva relativa à concorrência no mercado das telecomunicações.

O terceiro direito, o de controlar o respeito das disposições relativas à autorização de ligação e à aprovação, pode também ser uma fonte de discriminação, dado que a RTT, concorrente no mercado em que exerce esse direito, pode exercê-lo de forma mais rigorosa em relação aos seus concorrentes.

Quanto à compatibilidade com o artigo 30.° do Tratado CEE do sistema de aprovação, a Comissão está de acordo com as outras partes em entender que os entraves que levanta à livre circulação de,mercadorias podem ser aceites, na medida em que sejam necessários para satisfazer exigências imperiosas ou por uma das razões mencionadas no artigo 36.° do Tratado CEE.

Observa, a este propósito, que as exigências essenciais estabelecidas pelo Conselho no artigo 2.°, n.° 17, da Directiva 86/361/CEE, de 24 de Julho de 1986, relativa à primeira etapa de reconhecimento mútuo das aprovações de equipamentos terminais de telecomunicações (JO L 217, p. 21), isto é, a segurança dos mentes e dos empregados da RTT, a protecção da rede publica de telecomunicações contra quaisquer danos e a necessidade de uma interoperabilidade de certos equipamentos terminais, podem ser legitimamente invocadas para justificar tal entrave.

A Comissão sublinha, embora esclareça que tal apreciação cabe ao juiz nacional, que um certo número de especificações técnicas que os aparelhos devem satisfazer para obter a aprovação acarreta para a livre circulação de mercadorias restrições mais importantes que as que são necessárias para a protecção dessas exigências essenciais. São nomeadamente incompatíveis, por essa razão, com o artigo 30.° do Tratado CEE, as exigências previstas nos n.os 4.1, 4.2, 4.5 e 4.6 do capítulo «Generalidades das especificações técnicas», bem como nos n.os 3.4 do capítulo II, 1, 3, alínea b), e 5 do capítulo IV.

A Comissão acrescenta ainda que essas especificações técnicas, se bem que constituam uma regra técnica, não lhe foram comunicadas, tal como ordena o artigo 8.° da Directiva 83/189/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 109, p. 8; EE 13 Fl 4 p. 34). Esta directiva obriga os Estados-membros a não adoptarem nem aplicarem qualquer regra técnica sem terem disso informado a Comissão e sem terem dado, a esta e aos outros Estados-membros, a possibilidade de lhe apresentarem observações propondo a alteração da medida prevista com o objectivo de suprimir ou reduzir os entraves à livre circulação de mercadorias que dela possam resultar.

A Comissão deduz daí que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao efeito directo, a RTT não pode invocar, contra a GB, no litígio pendente no tribunal de commerce de Bruxelas, essas especificações técnicas adoptadas com violação da Directiva 83/189, já referida.

Com base nessas considerações, a Comissão propõe que se responda à primeira questão como se segue:

«1)

A concessão a um monopólio nacional de serviços de telecomunicações do direito exclusivo de determinar que aparelhos podem ser ligados à rede telefónica pública e o poder de perseguir judicialmente as infracções, quando é concorrente no mercado de tais aparelhos, é incompatível com o artigo 37.° do Tratado CEE, na medida em que o monopólio tem, por essa razão, possibilidade de criar discriminações nas condições de comercialização desses aparelhos.

2)

Um processo de aprovação dos aparelhos destinados a ser ligados à rede telefónica pública é incompatível com os artigos 30.° a 36.° do Tratado CEE, na medida em que as especificações técnicas e as condições administrativas impostas vão além do que é estritamente necessário para assegurar a protecção de interesses legítimos, tais como a segurança dos utentes e dos empregados dos exploradores da rede, a protecção da rede pública de telecomunicações contra quaisquer danos bem como a interoperabilidade dos aparelhos quando justificada.»

2. A segunda questão

A RTT alega que a colocação a cargo de um assinante das despesas causadas na sequência de uma infracção ao disposto no artigo 13.° do decreto ministerial de 20 de Setembro de 1978 não constitui uma medida de efeito equivalente na acepção do artigo 30.° do Tratado CEE, dado ser evidente que nenhum laço com a importação pode existir, por indirecto que seja, entre a referida colocação a cargo e a comercialização na Bélgica de aparelhos não aprovados provenientes de outro Estado-membro.

Sublinha ainda que «a regra de razão», que justifica a imposição de uma aprovação, cobre toda a sequência normal dada a uma perturbação cometida em infracção às regras de aprovação.

A GB entende que a colocação a cargo do assinante das despesas de reparação de uma avaria, na maior parte das vezes provocada pela própria RTT, tal como o tem salientado a imprensa, constitui manifestamente uma medida equivalente a uma restrição quantitativa na acepção do artigo 30.°, porque tende a desencorajar o recurso aos aparelhos não aprovados e a privilegiar unicamente os aparelhos por ela vendidos.

A Comissão não formulou observações quanto a esta segunda questão, tendo-a considerado como incluída ha primeira.

3. A terceira questão

A RTT considera que há que operar uma distinção, tendo em conta a aplicação do artigo 86.° do Tratado CEE, entre o Estado belga, por um lado, e a RTT, por outro.

No que toca ao Estado belga, após ter recordado que o artigo 86.° do Tratado CEE se dirige apenas às empresas públicas ou privadas e não aos Estados-membros, a RTT reconhece, todavia, que segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que faz uma leitura conjunta dos artigo 5.°, segundo parágrafo, 3.°, alínea f), e 86.° e 90.° do Tratado CEE, o Tratado proíbe os Estados-membros de tomarem ou manterem em vigor medidas susceptíveis de eliminar o efeito útil dessa disposição.

Referindo-se a essa jurisprudência e nomeadamente ao acórdão de 16 de Novembro de 1977, GB-Inno-BM/ATAB (13/77, Recueil, p. 2115), é de opinião que há que verificar se o artigo 13.° do decreto ministerial de 20 de Setembro de 1978 é susceptível de favorecer um abuso, na acepção do artigo 86.° do Tratado CEE, do seu poder de aprovação pela RTT.

Em sua opinião, deve ser dada uma resposta negativa a esta questão. O Estado belga só poderia, com efeito, encontrar-se em situação de infracção ao disposto no artigo 5.°, conjugado com o disposto nos artigos 3.°, alínea f), e 86.° do Tratado, se tivesse favorecido um abuso efectivamente cometido pela empresa pública, como uma aplicação discriminatória dos critérios de aprovação. A este propósito, salienta que a sentença de 11 de Janeiro de 1988 não revelou qualquer abuso efectivo e que não é concebível que a simples possibilidade de uma aplicação discriminatória, devido à designação da RTT como autoridade de aprovação, quando é concorrente de empresas que requerem a aprovação, seja em si mesma constitutiva de um abuso na acepção do artigo 86.° do Tratado CEE.

No que toca à aplicação dos artigos 86.° e 90.° em relação à RTT, esta, embora admita que se deve considerar, enquanto empresa pública na acepção do n.° 1 do artigo 90.° do Tratado CEE obrigada a respeitar as regras do Tratado, nomeadamente a do artigo 86.° do Tratado CEE, alega que não dispõe, todavia, de qualquer posição dominante no mercado dos aparelhos telefónicos, que se caracteriza pela existência de vários submercados de produtos distintos não sucedâneos tais como, por exemplo, o mercado das centrais privadas PABX ou telefax, de que a RTT está ou ausente ou na posse de uma quota de mercado insuficiente para lhe conferir uma posição dominante. Estes elementos são a melhor ilustração do facto de, contrariamente ao que o presidente do tribunal de commerce de Bruxelas supôs, o poder de aprovação não ser, de forma nenhuma, gerador de posição dominante.

A supor mesmo que se considere que ela beneficia de uma posição dominante, a RTT sublinha que nunca abusou do poder de aprovação. A prova mais evidente disso é que o tribunal nacional não pôde declarar qualquer abuso pela RTT, tanto em matéria de determinação como de aplicação dos critérios de aprovação e limitou-se a invocar a possibilidade de abuso devido ao conflito de interesses acima referido existente na esfera da Régie, ou seja, o facto de ser a autoridade de aprovação, mas também a concorrente dos requerentes da aprovação.

Em consequência, a RTT propõe que se responda à terceira questão como se segue:

«Tendo em conta a falta de constatações, pelo presidente do tribunal de commerce de Bruxelas na sua sentença de 11 de Janeiro de 1988, de que resulte, por um lado, que a designação de uma empresa pública em matéria de telecomunicações como autoridade de aprovação dos aparelhos dos seus concorrentes, com vista à sua ligação à rede pública telefónica, lhe confere automática e necessariamente uma posição dominante, e, por outro, que, além disso, foram cometidos abusos efectivos, quer ao nível da determinação dos critérios de aprovação, quer ao da sua aplicação, em infracção ao disposto no artigo 86.° do Tratado CEE, o Tribunal de Justiça não dispõe de dados de facto, verificados pelo tribunal nacional, suficientes para dar à questão prejudicial uma resposta que não seja a consistente em reiterar que uma empresa pública de telecomunicações está sujeita aos artigos 85.° e 86.° do Tratado CEE e que, nomeadamente, no mercado específico de aparelhos terminais em que ocupa, aliás, uma posição dominante, abusos sistemáticos ou isolados do seu poder a farão cair na alçada do disposto no artigo 86.°, já referido.»

A GB alega que a RTT, à qual se aplica o disposto no artigo 86.° do Tratado CEE, por força do acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1985, British Telecom (41/83, Recueil, p. 873), goza, em virtude dos poderes de aprovação que lhe são atribuídos, de uma posição dominante de que abusa ao utilizar esses poderes para proibir a ligação à rede pública dos aparelhos comercializados pelos seus concorrentes privados.

A Comissão, sublinhando que, sendo o artigo 86.° dirigido às empresas e não aos Es-tados-membros, não pode aplicar-se directamente às medidas estatais em causa, considera que a terceira questão deve ser entendida como perguntando se o monopólio concedido à RTT para a concessão de autorizações de ligação à rede pública, para a aprovação de aparelhos não vendidos por ela e para a determinação das especificações técnicas que esses aparelhos devem satisfazer, pode ser considerada como incompatível com o disposto no artigo 90.° em conjugação com o disposto no artigo 86.° do Tratado CEE.

Em sua opinião, a RTT deve ser considerada como uma empresa pública à qual um Estado-membro concedeu direitos especiais ou exclusivos na acepção do n.° 1 do artigo 90.° do Tratado. Se a concessão de tais direitos à RTT impuser ou facilitar o abuso de posição dominante ou reforçar os seus efeitos, é de opinião que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal situação é incompatível com o disposto no artigo 90.° em conjugação com o disposto nos artigos 5.° e 86.° do Tratado CEE.

No que toca à posição dominante, observa que, mesmo que a existência de uma posição dominante da RTT no mercado dos aparelhos telefónicos na Bélgica seja uma questão de facto cuja apreciação cabe ao tribunal nacional, a sua existência tornou-se provável pelo facto de a RTT deter o monopólio da exploração da rede telefónica pública na Bélgica e ter, por essa razão, acesso preferencial a todos os utentes da rede pública.

O comércio entre Estados-membros é susceptível, aliás, de ser afectado se os aparelhos telefónicos provierem, pelo menos potencialmente, de outro Estado-membro.

Para a Comissão, o facto de delegar numa empresa o poder de regulamentar um mercado, no qual a RTT é concorrente e detém uma posição dominante, conduz a favorecer 1 e a facilitar abusos de posição dominante ou a reforçar os efeitos de tal abuso.

No caso em apreço, através dos direitos exclusivos que lhe foram concedidos pelas disposições regulamentares em causa, a RTT dispõe do poder de decidir soberanamente que aparelhos podem ser ligados à rede pública e pode, por esse facto e por seu intermédio, quer operar uma discriminação contra produtos de certos fabricantes, o que mostra que essas disposições favorecem um abuso de posição dominante do tipo descrito na alínea b) do artigo 86.°, quer eliminar ou prejudicar os seus concorrentes, o que revela que favorecem um abuso consistente na eliminação dos seus concorrentes.

Esses abusos são tanto mais favorecidos quanto não há aparentemente um processo de tipo contraditório nem possibilidades de recurso efectivas contra as medidas adoptadas pela empresa pública em posição dominante que possam contribuir para evitar a tomada de decisões discriminatórias.

Por conseguinte, a Comissão sugere que se responda como se segue à terceira questão:

«São incompatíveis com o artigo 90.° do Tratado CEE em conjugação com o artigo 86.° do Tratado CEE, disposições regulamentares que concedem, a uma empresa načionai de telecomunicação que detém uma posição dominante no mercado dos aparelhos telefónicos, o direito exclusivo de fixar condições para a ligação de tais aparelhos à rede telefónica pública e o poder de perseguir judicialmente as infracções, favorecendo ou facilitando assim o abuso por essa empresa da sua posição dominante ou reforçando os efeitos de tal abuso. Tal é sobretudo o caso sempre que não exista processo de tipo contraditório nem meios de recurso que permitam fazer alterar medidas arbitrárias ou discriminatórias tomadas a este respeito.»

III — Respostas às perguntas feitas pelo Tribunal

Perguntas feitas à RTT

1)

Na página 67 das suas observações, a RTT refere que 550 processos de aprovação são, em média, apresentados anualmente à RTT na Bélgica.

A RTT é convidada a indicar, em relação aos últimos dez anos, a percentagem de processos de aprovação em que esta não foi concedida e, entre os processos rejeitados, a percentagem relativa aos aparelhos terminais:

a)

originários de outros Estados-membros;

b)

originários de Estados terceiros;

c)

fabricados na Bélgica.

A RTT responde:

1)

aparelhos telefónicos e aparelhos auxiliares especiais de tipo telefónico (incluídos os aparelhos de telecópia)

percentagem dos processos objecto de indeferimento durante os últimos dez anos: 2,7 %;

percentagem

a): 45 %,

b): 44%,

c): 11 %.;

2)

comutadores automáticos a instalar em instalações de assinantes: PABX

 

Percentagem de indeferimentos avaliada em 10 % para o conjunto dos casos da alínea a) e da alínea b) e percentagem quase nula para os casos da alínea c);

3)

aparelhos de transmissão de dados: não há estatísticas disponíveis.

Especifica ainda que o número médio anual de 550 se reporta ao conjunto dos equipamentos citados nas alíneas 1), 2) e 3) acima referidas.

2)

«A RTT é convidada a esclarecer se, em caso de não concessão da aprovação, comunica à empresa ou ao utente que tinha requerido a aprovação as razões de ordem técnica que justificaram o seu indeferimento.»

A RTT responde que em todos os casos, as faltas de conformidade técnica detectadas são comunicadas ao requerente da aprovação.

3)

«Qual é em média o custo real de um processo de aprovação? Nas suas observações, na página 90, a RTT fala de um custo situado entre 10000 e 20000 BFR. Pelo contrário, no capítulo IV das especificações, fala-se de uma soma compreendida entre 12500 e 56000 BFR.»

A RTT responde que para os equipamentos referidos nos pontos 1 e 3 da primeira questão, o custo real médio de um processo de aprovação é de 20000 BFR. Esclarece a este propósito:

que o custo é fixado segundo as prestações efectivamente ocasionadas à RTT e que a diferença entre os valores-limiţe de 12500/56000 BFR constitui uma indicação geral;

que o montante inferior é baseado no custo de um exame completo, ao passo que o montante superior se baseia no custo de um exame completo com exames complementares e que esses montantes não constituem montantes mínimos e máximos.

Para as instalações telefónicas PABX referidas no ponto 2 da primeira questão, a RTT indica que o custo médio pode ser avaliado em 168000 BFR, se se referir aos últimos dez casos de aprovação.

Gordon Slynn

Juiz-relator


( *1 ) Língua do processo: francès.

Início

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

13 de Dezembro de 1991 ( *1 )

No processo C-18/88,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo vice-presidente do tribunal de commerce de Bruxelles, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Régie des télégraphes et des téléphones (RTT)

e

GB-Inno-BM SA,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 30.° e 86.° do refendo Tratado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: R. Joliét, presidente de secção, Sir Gordon Slynn, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Zuleeg, juízes

advogado-geral: M. Darmon

secretario: B. Pastor, administradora

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação da Régie des télégraphes et téléphones, por Eduard Marissens, advogado no foro de Bruxelas,

em representação da SA GB-Inno-BM, por Louis van Bunnen, advogado no foro de Bruxelas,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Eric L. White e Edith Buissart, membros do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Régie des télégraphes et téléphones, da SA GB-Inno-BM e da Comissão na audiencia de 25 de Janeiro de 1989,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiencia de 15 de Março de 1989,

profere o presente

Acórdão

1

Por sentença de 11 de Janeiro de 1988, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Janeiro seguinte, o vice-presidente do tribunal de commerce de Bruxelles colocou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, três questões prejudiciais relativas à interpretação dos artigos 30.° e 86.° do Tratado com vista a apreciar a compatibilidade com essas disposições de um regime nacional que concede a um organismo público, encarregado, sob o poder tutelar do ministro, do estabelecimento e da exploração da rede pública de telefones e que se dedica ao comércio de aparelhos telefónicos, o poder de aprovar, com vista à sua ligação à rede, os aparelhos telefónicos que ela própria não tenha fornecido.

2

Essas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a Régie des télégraphes et des téléphones (a seguir «RTT») à sociedade GB-Inno-BM (a seguir «GB») que vende nos seus armazéns aparelhos telefónicos não aprovados, destinados a servir de segundo aparelho a ligar a uma instalação existente, a preços sensivelmente inferiores aos dos aparelhos deste tipo comercializados pela RTT.

3

Com base no disposto nos artigos 54.° e 55.° da loi sur les pratiques du commerce (lei sobre as práticas de comércio), de 14 de Julho de 1971(Moniteur belge de 30.7.1971), que proíbem todos os actos contrários aos bons costumes em matéria comercial e que permitem ao presidente do tribunal de commerce ordenar a cessação de tais actos, a RTT intentou uma acção com vista a fazer ordenar à GB que deixasse de vender aparelhos telefónicos, originários a maioria das vezes do Extremo Oriente, sem informar os consumidores, através de uma publicidade adequada ou de qualquer outro meio eficaz, de que os aparelhos não tinham sido aprovados. Segundo a RTT, ao vender os aparelhos em questão sem informar os consumidores da falta de aprovação, a GB incitava os consumidores a proceder eles próprios ou a mandar proceder à ligação do aparelho não aprovado à rede, o que era susceptível de perturbar o seu funcionamento.

4

Para se defender dessa acção, a GB alega que, sendo ilegais os artigos 13.°, 91.° e 93.° do decreto ministerial de 20 de Setembro de 1978, relativos à fixação, nomeadamente, das condições de ligação (Moniteur belge de 29.9.1978, p. 11166), alterado pela última vez em 24 de Dezembro de 1986, que organizam o processo de aprovação, é abusivo pretender obrigar um comerciante a assinalar que esses aparelhos vendidos não foram aprovados, proibindo-o de os vender sem fornecer essa informação. Além disso, a GB apresentou um pedido reconvencional tendente a fazer declarar que a RTT viola o artigo 86.° do Tratado. Segundo a GB, ao intentar a acção judicial acima referida, que tende a constituir entrave à concorrência do revendedor de aparelhos não aprovados para favorecer a venda dos seus próprios aparelhos ou dos que ela aprova, a RTT abusou da sua situação de monopólio.

5

Resulta dos autos que o artigo 1.° da lei belga, de 13 de Outubro de 1930, que coordena as diferentes disposições legislativas relativas à telegrafia e à telefonia, confere à RTT o monopólio do estabelecimento e da exploração, para a correspondência do público, das linhas e dos serviços telegráficos e telefónicos.

6

Segundo o primeiro parágrafo do artigo 13.° do decreto ministerial de 20 de Setembro de 1978, «salvo autorização por escrito da RTT, o assinante não pode ligar nenhum fio, aparelho ou objecto, qualquer que seja, à instalação cujo uso lhe é concedido, nem abrir ou desmontar os aparelhos, alterar de qualquer forma a localização ou a afectação do aparelho ou dos fios».

7

Segundo o.artigo 91.° do mesmo decreto ministerial, os aparelhos ligados aos circuitos postos à disposição do público em regime da assinatura devem ser fornecidos ou aprovados pela Régie. Por força desta mesma disposição, é à Régie que cabe determinar o modo de constituição dos circuitos de assinatura e as suas características técnicas. As especificações técnicas que a RTT adoptou com base no artigo 91.° constam de um documento intitulado «Specifications n.° RN//SP 208», cuja versão actualmente em vigor é a de 21 de Abril de 1987.. Um exemplar dessas especificações aplicáveis ao segundo ou terceiro aparelhos ligados suplementarmente ao primeiro aparelho tipo RTT é enviado a qualquer requerente de aprovação.

8

Resulta igualmente dos autos que, no que diz respeito aos aparelhos vendidos pela RTT, as especificações técnicas a respeitar constam dos cadernos de encargos que impõe aos seus fornecedores. Daí resulta que esses aparelhos não têm que ser sujeitos a um processo específico de aprovação com vista à sua ligação à rede pública.

9

Os autos revelam igualmente que, no que toca aos aparelhos telefónicos, a RTT reservou para si própria o direito de fornecimento do primeiro aparelho, mas renunciou, ao longo dos últimos anos, à exclusividade que tinha sobre os aparelhos suplementares. Todavia, o artigo 93.° do decreto ministerial de 20 de Setembro de 1978, já referido, especifica ainda que a RTT pode, em qualquer momento, retomar por sua conta o fornecimento dos aparelhos deixado à iniciativa privada e impor então a cessação do funcionamento das instalações em uso.

10

Foi nestas condições que o vice-presidente do tribunal de commerce de Bruxelles suspendeu a instância e apresentou as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Interpretação do artigo 30.° do Tratado:

Sendo aceite que a Régie des télégraphes et téléphones, além da exploração da rede pública na Bélgica, se dedica ao comércio de aparelhagem destinada a ser ligada a esta rede, em que medida o artigo 13.° do decreto ministerial de 20 de Setembro de 1978 é compatível com o artigo 30.° do Tratado, quando:

a)

institui a Régie em juiz da autorização para ligar à rede pública aparelhagens não fornecidas ou vendidas por ela e deixa, deste modo, à discrição da Régie o modo de estabelecer os critérios técnicos e administrativos aos quais deve obedecer a aparelhagem para que a Régie conceda a sua autorização;

b)

sendo a Régie concorrente no mercado belga de fornecedores privados e de importadores privados na Bélgica, nenhum processo contraditório para a fixação das normas nem para a verificação da conformidade da aparelhagem em questão parece ser previsto, o assinante ou o importador em questão não têm qualquer meio para demonstrar que, na altura do procedimento, toda a autorização arbitrária, toda a discriminação foi afastada e nenhum recurso está previsto contra uma decisão da Régie?

2)

Em que medida o facto de se colocarem a cargo do assinante as despesas causadas à Régie, na sequência de uma infracção do n.° 1 do artigo 13.° do decreto ministerial em questão e, entre outras, as despesas de investigação e de reparação de estragos causados pela aparelhagem não autorizada constitui uma medida equivalente a uma restrição quantitativa quando não é instituído um processo contraditório perante uma instância independente para julgar da efectividade do nexo causal e do grau de causalidade e, por este facto, o utilizador ou o assinante que deseje ligar deste modo um aparelho se inclinar para excluir qualquer risco, fornecendo-se na própria Régie?

3)

Interpretação do artigo 86.° do Tratado:

Em que medida o monopólio concedido à Régie para conceder a autorização de ligação à rede pública e organizar as modalidades de ligação no que respeita às aparelhagens não fornecidas ou vendidas por ela, o que tem como corolário o poder da Régie de determinar arbitrariamente as normas a que estas aparelhagens devem obedecer, constituirá uma prática proibida pelo artigo 86.°, alíneas b) e c), do Tratado?»

11

Para mais ampla exposição da legislação belga aplicável, dos f actos e antecedentes do litígio no processo principal, da tramitação processual e das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para á fundamentação da decisão do Tribunal.

12

Na sua sentença de reenvio, o órgão jurisdicional nacional relevou de imediato que o monopólio legal da RTT sobre a rede pública não estava em questão, assim como o facto de, para poderem ser ligadas à rede pública, as instalações telefónicas deverem satisfazer certas exigências técnicas. Observou que o legislador confiava à Régie a determinação das exigências técnicas que os aparelhos devem satisfazer para serem ligados à rede e a apreciação da sua conformidade com essas exigências. Sublinhou que esta situação se tornava perfeitamente discutível dado que a RTT, que vende aparelhos destinados a serem ligados àrede, se encontrava em concorrência com a empresa que ela atacava judicialmente por ter comercializado aparelhos sem informar os consumidores de que elės não tinham sido aprovados. Ó órgão jurisdicional nacional concluiu pela necessidade de interrogar o Tribunal de Justiça quanto à legalidade à luz do Tratado das disposições que colocavam a RTT na situação de ser ao mesmo tempo juiz e parte pela razão de que, se essas disposições se mostrarem ilegais, «qualquer proibição ou qualquer medida baseada na sua autoridade constituiria uma intolerável distorção da concorrência e um abuso de poder económico pelo. expediente do monopólio de exploração da rede que pertence de modo indiscutível à Régie».

13

Ainda que o órgão jurisdicional nacional se tenha interrogado sobre a questão da compatibilidade da regulamentação nacional com as normas do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias e à concorrência, verifica-se que, tendo em conta as considerações desenvolvidas na sentença de reenvio atrás salientadas, è através da interpretação das regras da concorrência que convém abordar os problemas suscitados pelo órgão jurisdicional nacional.

Quanto ao regime da concorrência

14

O órgão jurisdicional nacional procura saber se os artigos 3.°, alínea f), 90.° e 86.° do Tratado CEE se opõem a que um Estado-membro confira à sociedade exploradora da rede pública de telecomunicações o poder de editar normas relativas aos aparelhos telefónicos e de verificar o seu respeito pelos operadores económicos, quando ela é a concorrente desses operadores no mercado dos terminais.

15

A RTT detém, por força da lei belga, o monopólio do estabelecimento e da exploração da rede pública de telecomunicações. Além disso, só podem ser ligados à rede os aparelhos fornecidos pela RTT ou por ela aprovados. Deste ponto de vista, a RTT acumula os poderes de autorizar ou recusar a ligação dos aparelhos telefónicos à rede, de especificar as normas técnicas que devem ser satisfeitas por esses equipamentos e de verificar se os aparelhos não produzidos por ela estão em conformidade com as especificações que ela adoptou.

16

No estado de desenvolvimento actual da Comunidade, esse monopólio, que tem por fim colocar à disposição dos utentes uma rede pública de telefone, constitui um serviço de interesse económico geral, na acepção do n.° 2 do artigo 90.° do Tratado.

17

Segundo a jurisprudência constante do Tribunal, pode considerar-se que uma empresa que beneficia de um monopólio legal ocupa uma posição dominante, na acepção do artigo 86.° do Tratado, e que o território do Estado-membro abrangido por esse monopólio pode constituir uma parte substancial do mercado comum (acórdãos de 23 de Abril de 1991, Höfner, n.° 28, C-41/90, Colect., p. I-1979; e de 18 de Junho de 1991, ERT, n.° 31, C-260/89, Colect., p. I-2925).

18

O Tribunal de Justiça declarou igualmente que constitui um abuso na acepção do artigo 86.° o facto de uma empresa detentora de uma posição dominante num dado mercado reservar para si própria, sem necessidade objectiva, uma actividade auxiliar que poderia ser exercida por uma terceira empresa no quadro das actividades desta num mercado próximo, embora distinto, com o risco de eliminar toda a concorrência por parte desta empresa (acórdão de 3 de Outubro de 1985, CBEM, n.° 27, 311/84, Recueil, p. 3261).

19

Por conseguinte, o facto de uma empresa que detém o monopólio no mercado do estabelecimento e da exploração da rede, reservar para si própria, sem necessidade objectiva, um mercado próximo, mas distinto, na ocorrência o da importação, comercialização, ligação, colocação em funcionamento e manutenção dos aparelhos destinados a serem ligados a essa rede, eliminando assim qualquer concorrência por parte de outras empresas, constitui violação do artigo 86.° do Tratado.

20

Todavia, o artigo 86.° visa apenas comportamentos anticoncorrenciais que forem adoptados pelas empresas por sua própria iniciativa (ver acórdão de 19 de Março de 1991, França/Comissão «Terminais», C-202/88, Colect., p. I-1223) e não medidas estatais. Tratando-se de medidas estatais, é o n.° 1 do artigo 90.° que entra em jogo. Essa disposição proíbe os Estados-membros de colocarem, por medidas legislativas, regulamentares ou administrativas, as empresas públicas e as empresas a que concedam direitos especiais ou exclusivos numa situação em que essas empresas não poderiam colocar-se elas mesmas por comportamentos autónomos, sem violar as disposições do artigo 86.°

21

Consequentemente, se a extensão da posição dominante da empresa pública ou da empresa à qual o Estado concedeu direitos especiais ou exclusivos é o resultado de uma medida estatal, tal medida constitui uma violação do disposto no artigo 90.° em conjugação com o disposto no artigo 86.° do Tratado.

22

Com. efeito, a exclusão ou a restrição da concorrência no mercado dos aparelhos telefónicos não pode ser considerada como justificada por uma missão de serviço público de interesse económico geral na acepção do n.° 2 do artigo 90.° do Tratado. A produção e a venda de terminais, nomeadamente de aparelhos telefónicos, é uma actividade que deve poder ser exercida por qualquer empresa. Para se assegurar de que os aparelhos estão em conformidade com os requisitos essenciais que são, nomeadamente, a segurança dos utentes, a segurança dos exploradores da rede e a protecção de redes públicas de telecomunicações contra quaisquer danos, basta que sejam estabelecidas as especificações às quais devem corresponder e que seja instituído um processo de aprovação que permita verificar se eles satisfazem tais requisitos.

23

Segundo a RTT, uma infracção ao disposto no n.° 1 do artigo 90.° do Tratado só pode ser declarada se o Estado-membro tiver favorecido um abuso efectivamente cometido por ela, por exemplo, uma aplicação discriminatória das regras relativas à aprovação. Sublinha, no entanto, que a sentença de reenvio não evidenciou qualquer abuso efectivo e que a simples possibilidade de uma aplicação discriminatória dessas regras, devido à designação da RTT como autoridade de aprovação quando é concorrente de empresas que requerem a aprovação, não pode em si mesmo ser constitutiva de abuso na acepção do artigo 86.° do Tratado CEE.

24

Essa argumentação não pode ser acolhida. Basta salientar a este propósito que é a extensão do monopólio do estabelecimento e da exploração da rede telefónica no mercado dos aparelhos telefónicos, sem justificação objectiva, que é proibida como tal pelo artigo 86.° ou pelo n.° 1 do artigo 90.°, em relação ao artigo 86.°, sempre que essa extensão seja o resultado de uma medida estatal. Não podendo a concorrência ser eliminada desta forma, não pode também ser falseada.

25

Ora, um sistema de concorrência não falseada, tal como o previsto pelo Tratado, só pode ser garantido se a igualdade de oportunidades entre os diferentes operadores económicos estiver assegurada. Confiar a uma empresa que comercializa aparelhos terminais a tarefa de formalizar especificações às quais deverão corresponder os aparelhos terminais, controlar a sua aplicação e aprovar esses aparelhos redunda em conferir-lhe o poder de determinar, ad libitum, quais são os aparelhos terminais susceptíveis de serem ligados à rede pública e em conceder-lhe, assim, uma vantagem evidente sobre os seus concorrentes (acórdão C-202/88, já referido, n.° 51).

26

Nestas condições, a manutenção de uma concorrência efectiva e a garantia de transparência exigem que a formalização das especificações técnicas, o controlo da, sua aplicação e a aprovação sejam efectuados por uma entidade independente das empresas públicas ou privadas que oferecem bens oü serviços concorrentes no domínio das telecomunicações (acórdão C-202/88, já referido, n.° 52).,

27

Convém ainda salientar que as disposições regulamentares nacionais criticadas no litígio no processo principal são susceptíveis de influenciar as importações de aparelhos telefónicos provenientes de outros Estados-membros e, por conseguinte, de afectar o comércio entre Estados-membros, na acepção do artigo 86.° do Tratado.

28

Por isso; há que responder, em primeiro lugar, às questões do órgão jurisdicional nacional no sentido de que os artigos 3.°, alínea f), 90.° e 86.° do Tratado CEE se opõem a que um Estado-membro confira à sociedade exploradora da rede pública de telecomunicações o poder de estabelecer normas relativas aos aparelhos telefónicos e de verificar o seu respeito pelos operadores económicos, quando ela é concorrente destes operadores no mercado desses aparelhos.

Quanto à livre circulação de mercadorias

29

O órgão jurisdicional nacional pretende, em segundo lugar, saber se o artigo 30.° se opõe a que seja atribuído a uma empresa pública o poder de aprovar os aparelhos telefónicos destinados a serem ligados à rede pública e não fornecidos por ela, caso as decisões dessa empresa não sejam susceptíveis de constituir objecto de um recurso jurisdicional.

30

Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (ver nomeadamente o acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, chamado «Cassis de Dijon», Rewe-Zentral, 120/78, Recueil, p. 649), na ausência de regulamentação comunitária dos produtos em causa, os obstáculos à livre circulação intracomunitária resultantes de disparidades das regulamentações nacionais devem ser aceites na medida em que tal regulamentação nacional, indistintamente aplicável aos produtos nacionais e aos produtos importados, possa ser justificada como sendo necessária para satisfazer exigências imperiosas do direito comunitário. O Tribunal de Justiça esclareceu, todavia, que tal regulamentação devia ser proporcionada ao objectivo em vista e que, se um Estado-membro pudesse escolher entre diferentes medidas aptas a atingir a mesma finalidade, incumbia-lhe escolher o meio que levantasse menos obstáculos à liberdade das trocas comerciais.

31

Na ausência de uma regulamentação comunitária relativa ao estabelecimento das redes públicas de telecomunicações e tendo em conta a diversidade técnica das redes nos Estados-membros, estes últimos conservam, por um lado, o poder de estabelecer as especificações técnicas que os aparelhos telefónicos devem satisfazer para poderem ser ligadas à rede pública e, por outro, o poder de verificar a possibilidade de esses aparelhos serem ligados à rede, a fim de satisfazer as exigências imperativas atinentes à protecção dos utentes enquanto consumidores de serviços, bem como à protecção e ao bom funcionamento da rede pública.

32

E verdade que a exigência de que os aparelhos telefónicos devam ser aprovados para poderem ser ligados à rede não exclui de forma absoluta a importação para o Estado-membro interessado de produtos originários de outros Estados-membros. Não é menos verdade aquela que é, susceptível de tornar a sua comercialização mais difícil ou mais onerosa. Com efeito, tal obrigação exige que o fabricante estabelecido no Estado-membro de exportação tenha em conta, aquando da fabricação dos produtos em causa, critérios de aprovação impostos no Estado-membro de importação. Além disso, o processo de aprovação implica necessariamente prazos e custos financeiros, mesmo em caso de conformidade dos produtos importados com os critérios de aprovação.

33

Ora, uma excepção ao princípio da livre circulação de mercadorias fundada numa exigência imperiosa só é justificada se a regulamentação nacional for proporcionada ao objectivo em vista.

34

Resulta do acórdão de 12 de Março de 1987, Comissão/Alemanha, n.° 46 (178/84, Colect., p. 1227), que uma ausência injustificada de autorização de importação deve poder ser posta em causa pelos operadores económicos no quadro de um recurso jurisdicional. Tratando-se de decisões de recusa de aprovação, a mesma exigência se impõe dado que tais decisões podem acabar, na prática, por vedar a entrada no mercado de um Estado-membro aos aparelhos telefónicos importados de outro Estado-membro e, portanto, por constituir um entrave à livre circulação de mercadorias.

35

Com efeito, dada a falta de qualquer possibilidade de recurso jurisdicional, a autoridade de aprovação pode adoptar uma atitude arbitrária ou sistematicamente desfavorável em relação aos aparelhos importados. A probabilidade de ver a autoridade de aprovação adoptar tal atitude é, aliás, ampliada pela ausência de carácter contraditório dos processos de aprovação e de fixação, das especificações técnicas.

36

Convém, por isso, responder, em segundo lugar, aó órgão jurisdicional nacional, que o artigo 30.° do Tratado se opõe a que seja concedido a uma empresa pública o poder de aprovar os aparelhos telefónicos destinados a serem ligados à rede, pública e não fornecidos por ela, caso as decisões dessa empresa não sejam susceptíveis de constituir objecto de um recurso jurisdicional.

Quanto às despesas

37

As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo tribunal de commerce de Bruxelles, por sentença de 11 de Janeiro de 1988, declara:

 

1)

Os artigos 3.°, alínea f), 90.° e 86.° do Tratado CEE opõem-se a que um Estado-membro confira à sociedade exploradora da rede pública de telecomunicações o poder de estabelecer normas relativas aos aparelhos telefónicos e de verificar o seu respeito pelos operadores económicos, quando ela é concorrente destes operadores no mercado desses aparelhos.

 

2)

O artigo 30.° do Tratado opõe-se a que seja concedido a uma empresa pública o poder de aprovar os aparelhos telefónicos destinados a serem ligados à rede pública e não fornecidos por ela, caso as decisões dessa empresa não sejam susceptíveis de constituir objecto de um recurso jurisdicional.

 

Joliét

Slynn

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Zuleeg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Dezembro de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Quinta

Secção R. Joliet


( *1 ) Língua do processo: francês.

Início