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Documento 61989CJ0221

    Acórdão do Tribunal de 25 de Julho de 1991.
    The Queen contra Secretary of State for Transport, ex parte Factortame Ltd e outros.
    Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice, Queen's Bench Division - Reino Unido.
    Pesca - Matrícula de navios - Condições.
    Processo C-221/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 I-03905

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1991:320

    61989J0221

    ACORDAO DO TRIBUNAL DE 25 DE JULHO DE 1991. - THE QUEEN CONTRA SECRETARY OF STATE FOR TRANSPORT, EX PARTE FACTORTAME LTD E OUTROS. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: HIGH COURT OF JUSTICE, QUEEN'S BENCH DIVISION - REINO UNIDO. - PESCA - MATRICULA DE NAVIOS - CONDICOES. - PROCESSO C-221/89.

    Colectânea da Jurisprudência 1991 página I-03905
    Edição especial sueca página I-00313
    Edição especial finlandesa página I-00325


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    1. Estados-membros -- Obrigações -- Exercício de competências detidas em matéria de matrícula de navios -- Respeito do direito comunitário

    2. Livre circulação de pessoas -- Liberdade de estabelecimento -- Matrícula de um navio de pesca noutro Estado-membro -- Condições de nacionalidade, residência e domicílio dos proprietários, dos fretadores e dos exploradores do navio -- Inadmissibilidade -- Poder de dispensa da administração nacional -- Não incidência -- Regime de quotas de pesca -- Não incidência -- Condição relativa à localização do centro de exploração, de direcção e de controlo do navio -- Admissibilidade

    (Tratado CEE, artigo 52.°)

    Sumário


    1. No estado actual do direito comunitário, cabe aos Estados-membros determinar, de acordo com as normas gerais de direito internacional, as condições de matrícula de um navio nos seus registos e da concessão do direito de arvorar o seu pavilhão. No exercício desse poder, os Estados-membros devem, no entanto, respeitar as normas do direito comunitário.

    2. As disposições do direito comunitário, e em particular o artigo 52.° do Tratado, opõem-se a que um Estado-membro adopte uma legislação que estipule como condições de matrícula de um barco de pesca no seu registo nacional que:

    a) os proprietários (legal owners e beneficial owners), os fretadores e os exploradores do navio sejam nacionais desse Estado-membro ou sociedades constituídas nesse Estado-membro e que, no último caso, pelo menos 75% do capital da sociedade seja detido por nacionais desse Estado-membro ou por sociedades que satisfaçam as mesmas condições e 75% dos administradores da sociedade sejam nacionais desse Estado-membro;

    b) esses proprietários (legal owners e beneficial owners), fretadores, exploradores, accionistas e administradores, consoante o caso, sejam residentes e estejam domiciliados nesse Estado-membro.

    Nem a existência de um regime comunitário de quotas de pesca nacionais, nem a possibilidade de o ministro competente dispensar um indivíduo da condição da nacionalidade, tendo em conta a extensão do período em que tal indivíduo residiu nesse Estado-membro e se dedicou a actividades do sector da indústria das pescas desse Estado-membro, são susceptíveis de tornar essa legislação compatível com o direito comunitário.

    Em contrapartida, o direito comunitário não se opõe a que um Estado-membro estipule como condição para a matrícula de um navio de pesca no seu registo nacional que o navio em questão seja explorado e as suas actividades dirigidas e controladas a partir do território desse Estado-membro.

    Partes


    No processo C-221/89,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pela High Court of Justice de Inglaterra e do País de Gales e destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

    The Queen

    e

    Secretary of State for Transport (ministro dos Transportes) ex parte: Factortame Ltd e outros,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação das disposições do direito comunitário relativas ao direito de estabelecimento e aos princípios da proporcionalidade e de não discriminação em razão da nacionalidade, com vista a determinar a compatibilidade com o direito comunitário da legislação nacional relativa às condições exigidas para o registo de navios de pesca,

    O TRIBUNAL,

    composto por: O. Due, presidente, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, M. Díez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, R. Joliet, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

    advogado-geral: J. Mischo

    secretário: J.-G. Giraud

    vistas as observações escritas apresentadas:

    -- em representação da Factortame Ltd e outros, por David Vaughan, QC, Gerald Barling, barrister, David Anderson, barrister, e Stephen Swabey, solicitor, da firma Thomas Cooper & Stibbard,

    -- em representação do Reino Unido, por Timothy J. G. Pratt, principal assistant treasury solicitor, na qualidade de agente, assistido por Sir Nicholas Lyell, QC, solicitor general, Christopher Bellamy, QC, Christopher Vajda, barrister, e Andrew Macnab, barrister,

    -- em representação do Governo Belga, por I. L. Van de Vel, director-geral no Ministério dos Transportes, na qualidade de agente,

    -- em representação do Governo dinamarquês, por Jørgen Molde, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

    -- em representação do Governo alemão, por Ernst Röder, Regierungsdirektor no Ministério federal para os Assuntos Económicos, e Gerhard Leibrock, Regierungsrat naquele ministério, na qualidade de agentes,

    -- em representação do Governo grego, por H. M. Mamouna, advogado, membro do serviço do contencioso comunitário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

    -- em representação do Governo espanhol, por Javier Conde de Saro, director-geral da coordenação jurídica e institucional comunitária, e por Rosário Silva de Lapuerta, abogado del Estado no Serviço Jurídico para as relações com o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, na qualidade de agentes,

    -- em representação da Irlanda, por Louis J. Dockery, chief state solicitor, na qualidade de agente,

    -- em representação da Comissão, por Robert C. Fischer, consultor jurídico, e Peter Oliver, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações da Factortame Ltd e outros, representadas por David Vaughan, QC, de Rawlings (Trawling) Ltd., representada por N. Forwood, QC, do Governo do Reino Unido, do Governo belga, representado por J. Van de Velde, consultor no Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Governo alemão, representado pelo Dr. J. Karl, do Governo helénico, representado por I. Galani-Maragkoudaki, do Governo espanhol, do Governo irlandês, representado por J. O'Reilly, SC, e da Comissão, na audiência de 17 de Janeiro de 1991,

    ouvidas as conclusões do advogado geral apresentadas na audiência de 13 de Março de 1991,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por decisão de 10 de Março de 1989, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de Julho seguinte, a High Court de Inglaterra e do País de Gales apresentou ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, quatro questões prejudiciais sobre a interpretação de disposições de direito comunitário relativas, nomeadamente, ao direito de estabelecimento e aos princípios da proporcionalidade e de não discriminação em razão da nacionalidade, com vista a determinar a compatibilidade com o direito comunitário da legislação nacional relativa às condições para o registo de navios de pesca.

    2 As questões foram suscitadas em processos promovidos contra o Secretary of State for Transport (a seguir ministro dos Transportes) por Factortame Ltd e outros, sociedades regidas pelo direito do Reino Unido, e por administradores e accionistas dessas sociedades, a maioria dos quais são nacionais espanhóis (a seguir recorrentes no processo principal).

    3 De acordo com os autos, os recorrentes no processo principal são proprietários ou exploradores de 95 navios de pesca que estavam matriculados no registo de barcos britânico ao abrigo do Merchant Shipping Act 1894. Desses barcos, 53 estavam inicialmente matriculados em Espanha e arvoravam o pavilhão espanhol, mas em diversas datas a partir de 1980 foram matriculados no registo britânico. Os 42 barcos restantes estiveram sempre matriculados no Reino Unido, mas foram adquiridos pelas sociedades em questão em diversas datas, principalmente a partir de 1983.

    4 O regime legal da matrícula de navios de pesca britânicos foi radicalmente alterado pela parte II do Merchant Shipping Act 1988 (a seguir lei de 1988) e pelas Merchant Shipping (Registration of Fishing Vessels) Regulations 1988 (S.I 1988, n.° 1926, a seguir regulamento de 1988). É pacífico que o Reino Unido alterou a legislação anterior em ordem a por termo à prática conhecida como quota hopping, ou seja, a prática pela qual, na opinião do Reino Unido, as suas quotas de pesca são objecto de pilhagem por navios que arvoram pavilhão britânico mas carecem de qualquer ligação substancial com o Reino Unido.

    5 A lei de 1988 previu o estabelecimento de um novo registo em que, daí em diante, todos os navios de pesca britânicos tinham de ser registados, incluindo aqueles que estivessem já registados no velho registo geral ao abrigo da lei de 1894. Todavia, só os navios de pesca que preencham as condições estipuladas no artigo 14.° da lei de 1988 podem ser matriculados no novo registo.

    6 O n.° 1 do artigo 14.° prevê que, com excepção das isenções a ser determinadas pelo ministro dos Transportes, um navio de pesca é susceptível de ser inscrito no novo registo somente

    a) se o barco for propriedade britânica,

    b) o barco for gerido e a sua actividade dirigida e controlada a partir do território do Reino unido, e

    c) cada armador, gerente ou explorador do navio for uma pessoa ou sociedade qualificada.

    Segundo o n.° 2 do mesmo artigo, considera-se que um navio de pesca tem um proprietário britânico se a propriedade nominal (legal ownership **) do navio é detida na sua totalidade por uma ou mais pessoas qualificadas ou sociedades e a propriedade efectiva (beneficial ownership **) do navio é detida por uma ou mais sociedades qualificadas ou, em não menos do que 75%, por uma ou mais pessoas qualificadas. De acordo com o n.° 7 do artigo 14.°, por pessoa qualificada deve entender-se um indivíduo que seja cidadão britânico, residente e domiciliado no Reino Unido, e por sociedade qualificada uma sociedade constituída no Reino Unido e que aí tenha o seu principal centro de actividades (principal place of business), de cujo capital pelo menos 75% seja detido por uma ou mais pessoas ou sociedades qualificadas e de cujos administradores pelo menos 75% sejam pessoas qualificadas.

    7 Por fim, o n.° 4 do artigo 14.° permite ao ministro dos Transportes dispensar um particular da condição de nacionalidade, tendo em conta a extensão do período de tempo que este tenha residido no Reino Unido e exercido actividades no sector de pescas nesse país.

    8 A lei de 1988 e o regulamento de 1988 entraram em vigor em 1 de Dezembro de 1988. Todavia, segundo o disposto no artigo 13.° da lei de 1988, a validade das matrículas efectuadas ao abrigo da lei anterior foram prorrogadas, a título transitório, até 31 de Março de 1989.

    9 Na altura da instauração do processo principal, os 95 barcos de pesca dos recorrentes não satisfaziam uma ou várias das condições de matrícula previstas no artigo 14.° da lei de 1988 e assim não podiam ser matriculados no novo registo.

    10 Uma vez que estes barcos iam ser privados do direito de exercerem actividade no sector das pescas a partir de 1 de Abril de 1989, os demandantes no processo principal contestaram a compatibilidade da parte II da lei de 1988 com o direito comunitário, por meio de acção judicial apresentada na High Court de Inglaterra e do País de Gales em 16 de Dezembro de 1988.

    11 Com vista a resolver esse litígio, a High Court apresentou as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

    Questão 1

    O direito comunitário afecta as condições em que um Estado-membro pode estabelecer regras para determinar que navios podem ser matriculados nesse Estado, arvorar o seu pavilhão e ter a sua nacionalidade?

    Questão 2

    À luz das disposições e dos princípios de direito comunitário e em especial (mas sem limitações) do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, do direito de estabelecimento e da exigência de proporcionalidade, pode um Estado-membro determinar que, para ser matriculado e poder arvorar o pavilhão desse Estado-membro, um navio de pesca:

    a) deve pertencer totalmente a cidadãos desse Estado-membro e que nele residam e tenham domicílio, ou pertencer a uma sociedade (a seguir 'sociedade qualificada'), da qual pelo menos 75% do capital seja propriedade, legal e beneficial de pessoas nessas condições e da qual pelo menos 75% dos directores sejam pessoas nessas condições; e

    b) deve pertencer, a título de 'beneficial ownership', pelo menos em 75%, a cidadãos desse Estado-membro que nele residam e tenham domicílio, ou na totalidade a uma ou mais sociedades qualificadas, ou pertencer parcialmente a uma ou mais sociedades qualificadas desde que pelo menos 75% da parte restante pertença a cidadãos desse Estado-membro que nele residam e tenham domicílio; e

    c) deve ser explorado e as suas operações dirigidas e controladas a partir desse Estado-membro; e

    d) deve ter como fretador, armador ou operador, um cidadão desse Estado-membro, que nele resida e tenha domicílio, ou uma sociedade qualificada,

    em circunstâncias em que não é aberta qualquer excepção a favor de nacionais dos outros Estados-membros, ressalvado o facto de um Estado-membro poder dispensar a exigência de nacionalidade relativamente a um indivíduo em razão do tempo durante o qual tenha residido num Estado-membro e se tenha dedicado à indústria da pesca nesse Estado-membro?

    Questão 3

    A resposta à questão 2 é afectada pela existência de quotas de captura nacionais atribuídas aos Estados-membros nos termos da política comum das pescas?

    Questão 4

    As respostas às questões 2 e 3 são afectadas pelo facto de a medida em causa ter sido adoptada com o objectivo e com o efeito de fazer com que certo número de navios de pesca -- que imediatamente antes da data da entrada em vigor dessa medida estavam devidamente matriculados e autorizados a pescar pelo Estado-membro em questão e que são, em grande medida, propriedade efectiva de nacionais de outro Estado-membro, residentes e com domicílio nesse outro Estado-membro -- passe a não poder arvorar o pavilhão do primeiro Estado-membro, com o resultado de deixarem de poder pescar por conta das quotas de captura atribuídas ao primeiro Estado-membro nos termos da política comum das pescas, a não ser que a propriedade e a gestão dos navios sejam transferidas para cidadãos do primeiro Estado-membro, que nele residam e tenham domicílio, de acordo com as disposições da referida medida?

    12 Para mais ampla exposição dos factos do litígio no processo principal, da tramitação processual e das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Esses elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

    Primeira questão

    13 Deve observar-se, em primeiro lugar, que, no estado actual do direito comunitário, a competência para determinar as condições de matrícula dos navios pertence aos Estados-membros. No que toca em particular aos navios de pesca, o Tribunal de Justiça declarou no acórdão de 19 de Janeiro de 1988, Pesca Valentia, n.° 13 (223/86, Colect., p. 83) que as disposições do Regulamento (CEE) n.° 101/76 do Conselho, de 19 de Janeiro de 1976, que estabelece uma política comum de estruturas no sector da pesca (JO L 20, p. 19; EE 04 F1 p. 16) se referiam aos navios de pesca que arvoram o pavilhão de um Estado-membro ou nele matriculados, mas que a definição dessas noções competia à legislação dos Estados-membros.

    14 Não obstante, convém recordar que os Estados-membros devem exercer as suas competências com respeito do direito comunitário (ver, em último lugar, os acórdãos de 7 de Julho de 1988, Grécia/Comissão, n.° 9, 57/86, Colect., p. 2855, e de 21 de Julho, Comissão/Grécia, n.° 7, 127/87, Colect., p. 3333).

    15 O Governo do Reino Unido e os governos belga e helénico alegam todavia que assim não sucede quando se trata da competência que o direito internacional público reconhece a cada Estado-membro para definir soberanamente as condições em que concede a um navio o direito de arvorar o seu pavilhão. Invocam, a este respeito, o n.° 1 do artigo 5.° da Convenção de Genebra de 29 de Abril de 1958 sobre o alto-mar (Recueil des traités des Nations unies, 450, n.° 6465), que tem a seguinte redacção:

    Cada Estado fixa as condições pelas quais concede a sua nacionalidade aos navios, e bem assim as condições de registo e o direito de arvorar o seu pavilhão. Os navios possuem a nacionalidade do Estado cujo pavilhão estão autorizados a usar. Deve existir uma ligação substancial entre o Estado e o navio; o Estado deve, nomeadamente, exercer a sua jurisdição efectiva e a sua fiscalização nos domínios técnico, administrativo e social sobre os navios que arvoram o seu pavilhão.

    16 Este argumento somente podia ter algum mérito se as exigências do direito comunitário em relação ao exercício, pelos Estados-membros, dos poderes que lhes estão reservados em matéria de matrícula de navios estivessem em conflito com as normas de direito internacional.

    17 Consequentemente, a resposta à primeira questão deve ser no sentido de que, no estado actual do direito comunitário, cabe aos Estados-membros determinar, de acordo com as normas gerais de direito internacional, as condições que devem ser preenchidas para que um navio possa ser matriculado nos seus registos e possa ser concedido a esse navio o direito de arvorar o seu pavilhão, mas que, ao exercer esse poder, o Estado-membro deve respeitar as normas de direito comunitário.

    Segunda questão

    18 Pela segunda questão, o tribunal nacional pretende saber se as três condições a que a lei de 1988 subordina a matrícula de navios de pesca, no Reino Unido, são compatíveis com o direito comunitário. Ela deve interpretar-se consequentemente como se segue:

    1. O direito comunitário e, em particular, os princípios da liberdade de estabelecimento, de não discriminação em razão da nacionalidade e da proporcionalidade deverão ser interpretados no sentido de que obstam a que um Estado-membro estipule como condição para a matrícula dum navio de pesca no seu registo nacional:

    a) que os proprietários (legal owners e beneficial owners), os fretadores e os exploradores do navio devam ser nacionais desse Estado-membro ou sociedades constituídas nesse Estado-membro, e que, no último caso, pelo menos 75% do capital da sociedade deva ser detido por nacionais desse Estado-membro ou por sociedades que satisfaçam as mesmas condições e que 75% dos administradores da sociedade devam ser nacionais desse Estado-membro;

    b) esses proprietários (legal owners e beneficial owners), fretadores, armadores, exploradores, accionistas e administradores, conforme o caso, devam ser residentes e domiciliados nesse Estado-membro;

    c) que o navio em questão seja explorado e as suas operações dirigidas e controladas a partir do território desse Estado-membro?

    2. A resposta à questão anterior será diferente quando exista a possibilidade de dispensar a condição da nacionalidade em relação a um particular, tendo em conta a extensão do período de tempo em que residiu no Estado-membro em questão e aí se dedicou a actividades no sector da indústria de pesca nesse Estado-membro?

    Quanto às condições de nacionalidade, de residência e de domicílio ((n.° 1, alíneas a) e b) da segunda questão do tribunal nacional, tal como reformulada))

    19 Na audiência, a Comissão alegou que a matrícula de um navio constitui em si mesma um acto de estabelecimento na acepção do artigo 52.° e seguintes do Tratado e que, consequentemente, as regras relativas ao livre estabelecimento são aplicáveis.

    20 Deve observar-se, a este respeito, que o conceito de estabelecimento, na acepção do artigo 52.° e seguintes do Tratado, envolve a prossecução efectiva de uma actividade económica, através de uma instalação estável noutro Estado-membro, por um período indefinido.

    21 Consequentemente, a matrícula de um navio não implica necessariamente estabelecimento na acepção do Tratado, em especial quando o navio não é usado para prosseguir uma actividade económica ou quando o pedido de matrícula é feito por, ou em nome de, uma pessoa que não esteja estabelecida no Estado em causa, e não tenha intenção de nele vir a estabelecer-se.

    22 Todavia, quando um navio constitui um instrumento para a prossecução de uma actividade económica que implica uma instalação estável no Estado-membro em causa, a matrícula desse navio não pode ser dissociada do exercício da liberdade de estabelecimento.

    23 Segue-se que as condições decretadas para a matrícula de navios não devem constituir obstáculo à liberdade de estabelecimento na acepção do artigo 52.° e seguintes do Tratado.

    24 O Governo do Reino Unido e o Governo belga alegam, porém, que a matrícula de um navio num Estado-membro não é uma conditio sine qua non do estabelecimento nesse Estado-membro, uma vez que as pessoas singulares ou as sociedades não estão impedidas de explorar navios, mesmo navios de pesca, por exemplo, a partir do Reino Unido, no contexto de operações com ligação ao território desse Estado; o estabelecimento no Reino Unido por essa via é possível em relação a qualquer navio matriculado num dos outros Estados-membros.

    25 Este argumento não pode ser acolhido. Em conformidade com o segundo parágrafo do artigo 52.° do Tratado, a liberdade de estabelecimento compreende, no caso de nacionais de um Estado-membro, o acesso às actividades não assalariadas ((...)) nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais....

    26 O Governo do Reino Unido e os governos belga, dinamarquês e grego consideram que o Tratado não se opõe a uma condição de nacionalidade do tipo da que está em causa no processo principal, porque só pode constituir discriminação em razão da nacionalidade quando, segundo o direito de um Estado-membro, os particulares sejam tratados de forma diferente em função da sua nacionalidade. Pelo contrário, neste caso, o que está em causa não é o tratamento discriminatório em razão da nacionalidade, mas uma condição para a concessão de nacionalidade e, neste domínio, os Estados-membros podem determinar livremente a quem concedem ou recusam a sua nacionalidade, tanto no caso de pessoas singulares como no de navios.

    27 A este respeito, deve observar-se que o conceito de nacionalidade dos navios, que não são pessoas jurídicas, é diferente do de nacionalidade das pessoas singulares.

    28 A proibição de discriminação em razão da nacionalidade, enunciada, nomeadamente, quanto ao direito de estabelecimento, no artigo 52.° do Tratado, refere-se às diferenças de tratamento entre pessoas singulares nacionais dos Estados-membros e entre sociedades equiparadas a essas pessoas singulares por força do artigo 58.°

    29 Consequentemente, no exercício dos seus poderes para efeitos de definição das condições exigidas para a concessão da sua nacionalidade a um navio, cada Estado-membro deve respeitar a proibição de discriminação contra nacionais de Estados-membros em razão da sua nacionalidade.

    30 Resulta do que precede que o artigo 52.° do Tratado se opõe a uma condição como a que está em causa no processo principal, que exige que as pessoas singulares, proprietárias ou fretadoras de um barco e, no caso das sociedades, os detentores do capital social e os seus administradores, tenham uma determinada nacionalidade.

    31 Tal condição é também contrária ao disposto no artigo 221.° do Tratado, que impõe aos Estados-membros a obrigação de concederem aos nacionais de outros Estados-membros o mesmo tratamento que aos seus próprios nacionais, no que diz respeito à participação financeira daqueles no capital das sociedades, na acepção do artigo 58.°

    32 Quanto à condição de os proprietários, fretadores, armadores e exploradores do navio e, no caso das sociedades, os accionistas e administradores serem residentes e domiciliados no Estado-membro em que o navio está matriculado, deve declarar-se que tal exigência, que não se justifica pelos direitos e obrigações criados pela concessão de um pavilhão nacional a um navio, tem por resultado uma discriminação em razão da nacionalidade. A grande maioria dos nacionais do Estado-membro em questão são residentes e domiciliados nesse Estado e, consequentemente, satisfazem essa exigência automaticamente, enquanto os nacionais de outros Estados-membros têm, na maioria dos casos, de transferir a sua residência e domicílio para esse Estado-membro em ordem a satisfazer as exigências da sua legislação. Segue-se que tal exigência é contrária ao disposto no artigo 52.°

    33 Resulta do que precede que as disposições do direito comunitário, e, em particular, o artigo 52.° do Tratado CEE se opõem a que um Estado-membro estipule como condição para a matrícula de um navio de pesca no seu registo nacional: a) que os proprietários (legal owners e beneficial owners) os fretadores e os exploradores do navio sejam nacionais desse Estado-membro ou sociedades constituídas nesse Estado-membro e que, no último caso, pelo menos 75% do capital da sociedade seja detido por nacionais desse Estado-membro ou por sociedades que satisfaçam as mesmas exigências e 75% dos administradores da sociedade sejam nacionais desse Estado-membro; e b) que os proprietários (legal owners e beneficial owners), fretadores, exploradores, accionistas e administradores, conforme o caso, sejam residentes e estejam domiciliados nesse Estado-membro.

    A condição relativa ao lugar de actividade, direcção e controlo do navio ((n.° 1, alínea c) da segunda questão reformulada))

    34 A este propósito, é suficiente referir que uma condição para a matrícula de um navio no sentido de este dever ser explorado e as suas actividades dirigidas e controladas a partir do território do Estado-membro em que está matriculado coincide essencialmente com o próprio conceito de estabelecimento na acepção do artigo 52.° e seguintes do Tratado, que implica uma instalação estável. Segue-se que esses artigos, que consagram precisamente a liberdade de estabelecimento, não podem ser interpretados como constituindo obstáculo a tal exigência.

    35 Tal exigência não seria, todavia, compatível com as referidas disposições se devesse ser interpretada como constituindo obstáculo à matrícula no caso de um estabelecimento secundário, em que o centro de direcção das operações do navio no Estado-membro em que o navio está matriculado actua sob instruções provenientes de um centro de decisões localizado no Estado-membro do estabelecimento principal.

    36 Consequentemente, a resposta ao tribunal nacional deve ser no sentido de que o direito comunitário não se opõe a que um Estado-membro estipule, como condição para a matrícula de um navio de pesca no seu registo nacional, que o navio em questão seja explorado e as suas operações dirigidas e controladas a partir do território desse Estado-membro.

    A possibilidade de dispensa da condição da nacionalidade (n.° 2 da segunda questão reformulada)

    37 Esta parte da questão tem, no fundo, por objectivo saber se o facto de o ministro competente de um Estado-membro ter o poder para dispensar um indivíduo da condição da nacionalidade, tendo em conta a extensão do período de tempo em que tal indivíduo residiu nesse Estado-membro e aí se dedicou a actividades no sector da indústria da pesca desse Estado-membro, pode justificar, à luz do direito comunitário, a norma segundo a qual a matrícula de um navio de pesca está subordinada a uma condição de nacionalidade e a uma condição de residência e domicílio.

    38 Deve ser referido, a este respeito, que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal, o simples facto de a autoridade competente estar habilitada a conceder isenções ou dispensas não pode justificar uma medida nacional contrária ao Tratado, mesmo que o poder em questão seja de facto utilizado de forma liberal (ver, em especial, os acórdãos de 24 de Janeiro de 1978, Van Tiggele, 82/77, Recueil, p. 25, e de 16 de Dezembro de 1980, Fietje, 27/80, Recueil, p. 3839).

    39 Consequentemente, a resposta a dar ao tribunal nacional deve ser no sentido de que o facto de o ministro competente de um Estado-membro ter o poder de dispensar um indivíduo da condição da nacionalidade, tendo em conta a extensão do período de tempo em que tal indivíduo residiu nesse Estado-membro e se dedicou a actividades no sector da indústria da pesca nesse Estado-membro, não pode justificar, à luz do direito comunitário, a norma segundo a qual a matrícula de um navio de pesca está subordinada a uma condição de nacionalidade e a uma condição de residência e domicílio.

    Terceira questão

    40 Deve recordar-se, em primeiro lugar, que, nos seus acórdãos de 14 de Dezembro de 1989, Agegate (C-3/87, Colect., p. 4459) e Jaderow (C-216/87, Colect., p. 4509), o Tribunal declarou que, no exercício dos poderes que lhes foram concedidos para definirem as normas reguladoras da utilização das suas quotas, os Estados-membros podem determinar a que navios das suas frotas pesqueiras será permitido pescar por conta das quotas nacionais, desde que os critérios utilizados sejam compatíveis com o direito comunitário. No último acórdão, o Tribunal decidiu, inter alia, que um Estado-membro pode impor condições tendentes a assegurar que um navio tenha uma ligação económica real com esse Estado-membro, no caso de essa ligação dizer respeito somente às relações entre as actividades de pesca do navio e as populações dependentes da pesca e das indústrias conexas.

    41 Em segundo lugar, deve observar-se que não é objectivo da legislação nacional que respeita à matrícula de navios, tal como a que está em causa no processo principal, definir normas reguladoras das utilização de quotas. Consequentemente, quaisquer que sejam os objectivos prosseguidos pelo legislador nacional, tal legislação não pode justificar-se pela existência de um regime comunitário de quotas nacionais.

    42 A resposta à terceira questão deve ser, por conseguinte, no sentido de que a existência do actual regime de quotas nacionais não afecta a resposta dada à segunda questão.

    Quarta questão

    43 Deve observar-se que a quarta questão foi apresentada para o caso de o Tribunal de Justiça considerar que o direito comunitário não se opõe às condições da nacionalidade, residência e domicílio do tipo das que estão em causa no processo principal. Uma vez que não é esse o caso, não há necessidade de responder à quarta questão.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    44 As despesas efectuadas pelo Governo do Reino Unido e pelos governos belga, dinamarquês, alemão, helénico, espanhol e irlandês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL,

    pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pela High Court de Inglaterra e do País de Gales, por decisão de 10 de Março de 1988, declara:

    1) No estado actual do direito comunitário cabe aos Estados-membros determinar, de acordo com as normas gerais do direito internacional, as condições que devem ser preenchidas para que um navio possa ser matriculado nos seus registos e lhe ser concedido o direito de arvorar o seu pavilhão, mas, no exercício desse poder, os Estados-membros devem respeitar as normas do direito comunitário.

    2) As disposições do direito comunitário e, em especial, o disposto no artigo 52.° do Tratado CEE opõem-se a que um Estado-membro estipule como condição para a matrícula de um navio de pesca no seu registo nacional que: a) os proprietários (legar owners e beneficial owners), os fretadores, e os exploradores do navio sejam nacionais desse Estado-membro ou sociedades constituídas nesse Estado-membro, e, no último caso, pelo menos 75% do capital da sociedade seja detido por nacionais desse Estado-membro ou por sociedades que satisfaçam as mesmas condições e 75% dos administradores da sociedade sejam nacionais desse Estado-membro; e b) esses proprietários (legal owners e beneficial owners), fretadores, exploradores, accionistas e administradores, consoante o caso, sejam residentes e estejam domiciliados nesse Estado-membro.

    3) O direito comunitário não se opõe a que um Estado-membro estipule como condição para a matrícula de um navio de pesca no seu registo nacional que o navio em questão seja explorado e as suas actividades dirigidas e controladas a partir do território desse Estado-membro.

    4) O facto de o ministro competente de um Estado-membro poder dispensar a condição da nacionalidade em relação a um indivíduo, tendo em conta a extensão do período de tempo em que tal indivíduo residiu nesse Estado-membro e se dedicou a actividades no sector da indústria das pescas desse Estado-membro não pode justificar, à luz do direito comunitário, a norma segundo a qual a matrícula de um navio de pesca está subordinada a uma condição de nacionalidade e a uma condição de residência e domicílio.

    5) A existência do actual regime de quotas nacionais não afecta as respostas dadas à segunda questão.

    ** NT: Noções próprias do direito inglês, que correspondem a uma distinção dos direitos de propriedade consagrados pela common law e protegidos in equity, respectivamente.

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