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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 61989CJ0294

    Acórdão do Tribunal de 10 de Julho de 1991.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa.
    Advogados - Livre prestação de serviços.
    Processo C-294/89.

    Colectânea de Jurisprudência 1991 I-03591

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1991:302

    AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-294/89 ( *1 )

    I — Factos e tramitação processual

    1. Enquadramento jurídico

    a) Direito comunitário

    Em 22 de Março de 1977, o Conselho adoptou a Directiva 77/249/CEE tendente a facilitar o exercício efectivo da livre prestação de serviços pelos advogados (JO L 78, p. 17; EE 06 Fl p. 224).

    Nos termos do artigo l.°, n.° 1, a directiva é aplicável, nos limites e condições previstos, às actividades de advogado exercidas sob a forma de prestação de serviços. O artigo 1.°, n.° 2, define o termo «advogado» como qualquer pessoa habilitada para exercer as suas actividades profissionais sob uma das denominações nele mencionadas. O artigo 2.° dispõe que a qualquer dessas pessoas deve ser reconhecida «a qualidade de advogado» para o exercício das suas actividades sob a forma de prestação de serviços.

    Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da directiva,

    «As actividades relativas à representação e à defesa de um cliente em juízo ou perante autoridades públicas serão exercidas em cada Estado-membro de acolhimento nas condições previstas quanto aos advogados estabelecidos nesse Estado, com exclusão de qualquer requisito de residência ou de inscrição numa organização profissional no referido Estado.»

    Além disso, o artigo 5.° da directiva dispõe que:

    «No que respeita ao exercício das actividades relativas à representação e à defesa de um cliente em juízo, os Estados-membros podem exigir aos advogados mencionados no artigo 1.° :

    que, de acordo com as regras ou usos locais, sejam apresentados ao presidente da jurisdição e, se for caso disso, ao bastonário competente no Estado-membro de acolhimento;

    que actuem de concerto, quer com um advogado que exerça perante a jurisdição competente e que será, se necessário, responsável perante essa jurisdição, quer com um “avoué” ou um “procuratore” que exerçam perante essa jurisdição.»

    b) Direito francês

    As disposições destinadas a transpor a Directiva 79/249 para o direito francês estão previstas no Decreto n.° 79-233, de 22 de Março de 1979, relativo à livre prestação de serviços em França pelos advogados nacionais dos Estados-membros das Comunidades Europeias e que altera o Decreto n.° 72-468, de 9 de Junho de 1972, que estabelece a organização da profissão de advogado (JORF de 23.3.1979, p. 659).

    O Decreto n.° 79-233 insere no Decreto n.° 72-468 um título IV bis intitulado «Da livre prestação de serviços em França pelos advogados dos outros Estados-membros das Comunidades Europeias», que contém seis artigos (artigos 126-1 a 126-6).

    Nos termos do artigo 126-1, primeiro parágrafo, podem invocar estas disposições os advogados nacionais de um dos Estados-membros, estabelecidos, a título permanente, num desses Estados-membros que não seja a França e que venham desempenhar, em França, uma actividade profissional ocasional.

    O artigo 126-2, primeiro parágrafo, dispõe que «só é reconhecida, em França, a qualidade de advogado aos nacionais dos outros Estados-membros das Comunidades Europeias que exerçam no seu país de origem as suas actividades profissionais» sob uma das denominações referidas no artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 79/249.

    Além disso, o artigo 126-3, quarto e quinto parágrafos, prevê que:

    «Para postular ou praticar os actos processuais na fase escrita (o advogado mencionado no artigo 126-1) deve, em matéria cível, quando o patrocínio é obrigatório, fazer-se assistir: perante o tribunal de grande instance, por um advogado inscrito no foro deste tribunal ou habilitado a pleitear no mesmo; perante a cour d'appel por um “avoué” inserito neste tribunal ou, na sua falta, por um advogado habilitado a no mesmo pleitear.

    Nos outros tribunais, órgãos jurisdicionais ou disciplinares ou autoridades públicas, sem prejuízo dos usos vigentes à data da entrada em vigor do presente artigo, o advogado deve actuar de concerto com um advogado inscrito junto dum foro francês, que será, nesse caso, responsável perante esse tribunal, órgão ou autoridade».

    2. Fase pré-contenciosa

    Em 26 de Dezembro de 1984, a Comissão enviou uma notificação à República Francesa. Nesta notificação, a Comissão formulava três arguições em relação às disposições do Decreto n.° 72-468 na redacção que lhe foi dada pelo Decreto n.° 79-233 (a seguir «Decreto n.° 72-468»). Em primeiro lugar, a Comissão salientava que o artigo 126-2, primeiro parágrafo, do decreto reserva o benefício da livre prestação de serviços aos advogados nacionais de um Estado-membro diferente da República Francesa, sendo certo que, segundo a Comissão, os cidadãos franceses estão igualmente abrangidos pela directiva. Mesmo reconhecendo que resulta do artigo 126-1 do decreto que o Governo francês não parece ter querido excluir do âmbito de aplicação deste decreto os nacionais franceses que exercem a profissão de advogado num outro Estado-membro, a Comissão considerava que, por razões de segurança jurídica, o artigo 126-2, primeiro parágrafo, devia ser alterado a fim de estar conforme com as exigências da directiva. A segunda arguição formulada pela Comissão continha duas partes. Por um lado, a Comissão alegava que, contrariamente ao que previa o artigo 126-3, quarto e quinto parágrafos, do Decreto n.° 72-468, a obrigação de o advogado prestador de serviços actuar de concerto com um advogado inscrito junto dum foro francês apenas dizia respeito à actuação do advogado perante os órgãos jurisdicionais e os organismos e autoridades públicas dependentes da área judiciária. Por outro lado, a Comissão sublinhava que esta obrigação só se aplicava no âmbito de processos nos quais, segundo a legislação francesa, o patrocíonio do advogado é obrigatório e que, portanto, fazem parte de um monopólio dos advogados. Em terceiro lugar, a Comissão alegava que a obrigação imposta ao advogado prestador de serviços pelo artigo 126-3, quarto parágrafo, do decreto, de «se fazer assistir» por um colega local para intervir na fase processual escrita e praticar actos processuais em matéria cível perante certos órgãos jurisdicionais — obrigação resultante da «exclusividade territorial da intervenção processual escrita» —, parecia ir para além da obrigação de actuar de concerto imposta pelo artigo 5.° da directiva.

    A República Francesa respondeu em 14 de Março de 1985. Não contestando a procedência da primeira arguição e da primeira parte da segunda arguição enunciadas no ofício de notificação, a República Francesa propunha-se alterar a sua legislação a fim de ter em conta as observações formuladas a este respeito pela Comissão. Em contrapartida, no que respeita à segunda parte da segunda arguição, salientava que, em numerosos órgãos jurisdicionais perante os quais a intervenção de um advogado não é obrigatória, um advogado beneficia, não obstante, de um monopólio de representação no sentido de que, se a parte na causa não entender assegurar ela própria a sua defesa, deve fazer-se representar por um advogado. Além disso, a República Francesa considerava que a obrigação de actuar de concerto também é extensiva aos processos nos quais os advogados não beneficiam deste monopólio de representação (processo perante os tribunais de comércio) quando o advogado prestador de serviços não se apresenta munido de um mandato especial mas invoca a sua qualidade de advogado. Finalmente, no que se refere à exclusividade territorial em matéria de intervenção processual escrita, a República Francesa sublinhava, nomeadamente, que o artigo 126-3, quarto parágrafo, do Decreto n.° 72-468 coloca o advogado prestador de serviços na mesma posição do seu colega francês que advoga numa cour d'appel ou num tribunal de grande instance que não seja aquele do foro a que pertence.

    Em 6 de Setembro de 1985, a Comissão formulou o parecer fundamentado previsto no artigo 169.° do Tratado. Neste parecer, a Comissão salientava que a República Francesa reconhecia a procedência da primeira arguição assim como da primeira parte da segunda arguição formuladas no ofício de notificação. No que se refere à segunda parte desta segunda arguição (obrigação de actuar de concerto quando o direito francês não exige a assistência de um advogado), a Comissão considerava que a obrigação de actuar de conceno com um advogado estabelecido em França parecia justificada nos processos em que o advogado dispõe de um monopólio de representação mesmo quando a sua intervenção não é obrigatória — em que as partes podem agir por si próprias. Em contrapartida, segundo a Comissão, esta obrigação não se aplica aos processos nos tribunais de comércio nos quais o advogado não beneficia de um monopólio de representação, e isto mesmo quando o advogado prestador de serviços aí invoca a sua qualidade de advogado. Além disso, no que se refere à terceira arguição (exclusividade territorial em matéria de intervenção processual escrita), a Comissão mantinha a posição adoptada no ofício de notificação. A Comissão alegava ainda que, por força do artigo 4.° da Directiva 77/249, o advogado prestador de serviços deve ter a possibilidade de actuar perante um tribunal de grande instance como um advogado inscrito nesse órgão jurisdicional, com a única reserva de actuar de concerto com um advogado inscrito no referido órgão jurisdicional. A Comissão concedia à República Francesa um prazo de dois meses para se conformar com o parecer fundamentado.

    A República Francesa respondeu em 10 de Janeiro de 1986. No ofício dirigido à Comissão mantinha a posição adoptada em 14 de Março de 1985 em resposta à notificação.

    Na sequência do acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha (427/85, Colect., p. 1123), e de contactos estabelecidos entre a Comissão e o Ministério da Justiça, a República Francesa apresentou novas observações à Comissão, por ofício de 9 de Agosto de 1989. Neste ofício, a República Francesa não contestava a procedência da primeira arguição formulada no ofício de notificação de 24 de Dezembro de 1984 e comprometia-se a alterar a sua legislação. Além disso, no que se refere à segunda arguição, a República Francesa reconhecia que, na sequência do citado acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha, a obrigação de actuar concertadamente só podia ser imposta nos processos em que a assistência de um advogado é obrigatória. Assim, dispunha-se a suprimir o último parágrafo do artigo 126-3 do decreto. Em contrapartida, contestava a terceira arguição alegando que a regra da territorialidade da intervenção na fase escrita se justifica pela preocupação de assegurar uma boa administração da justiça e impõe ao advogado prestador de serviços obrigações conformes ao conceito de actuação concertada.

    Perante o diferendo que subsistia entre a Comissão e República Francesa quanto à questão da territorialidade da intervenção escrita e perante o facto de a legislação francesa não ter sido modificada a fim de pôr termo às duas outras situações de incumprimento, a Comissão propôs a presente acção.

    3. Tramitação processual

    A petição da Comissão deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de Setembro de 1989.

    Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de Fevereiro de 1990, a República Federal da Alemanha requereu a sua intervenção em apoio das conclusões da demandada. Por despacho de 21 de Fevereiro de 1990, o Tribunal de Justiça admitiu esta intervenção.

    Com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal de Justiça decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

    II — Conclusões das partes

    A Comissão, autora, conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

    1)

    declarar verificado que, ao não adoptar, em observância dos artigos 59.° e 60.° do Tratado CEE, todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para se conformar inteiramente com a Directiva 77/249 do Conselho, de 22 de Março de 1977, tendente a facilitar o exercício efectivo da livre prestação de serviços pelos advogados e, nomeadamente, com os artigos 1.°, n.° 2, 4.° e 5.°, primeiro parágrafo e segundo travessão, da mesma directiva, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado;

    2)

    condenar a República Francesa nas despesas.

    A República Francesa, demandada, conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

    1)

    julgar improcedente a terceira arguição contida na petição da Comissão.

    A República Federal da Alemanha, interveniente, conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

    1)

    decidir que a regulamentação adoptada pela República Francesa para transpor a Directiva 77/249 não viola os artigos 59.° e 60.° do Tratado CEE nem o artigo 5.°, segundo travessão, da citada directiva, pelo menos na medida em que prevê que, nos processos cíveis em que a intervenção de advogado é obrigatória, o prestador de serviços só pode indicar para actuar concertadamente consigo perante o tribunal de grande instance um advogado inscrito no foro desse tribunal, e perante a cour d'appel um advogado inscrito neste órgão jurisdicional, e julgar improcedente o pedido da Comissão relativamente a este ponto;

    2)

    condenar a autora nas despesas de intervenção.

    III — Fundamentos e argumentos das partes

    A — Quanto ao âmbito de aplicação da Directiva 77/249

    A Comissão considera que o artigo 126-2, primeiro parágrafo, do Decreto n.° 72-468 é contrário ao artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 77/249 na medida em que exclui do benefício da directiva os nacionais franceses que exercem a profissão de advogado num Estado-membro que não seja a República Francesa. Salienta que esta exclusão figura igualmente no título da regulamentação francesa. Segundo a Comissão, mesmo que a referida exclusão pareça involuntária (tal como resulta do artigo 126-1 do decreto), será necessário, por razões de segurança jurídica, adaptar a legislação francesa às exigências da directiva.

    A Comissão salienta que a República Francesa não contesta o alegado incumprimento e se obrigou a alterar a sua legislação. Observa, contudo, que esta alteração ainda não teve lugar. Por consequência, a Comissão mantém esta arguição.

    A República Francesa refere que preparou o projecto de decreto que tem em conta as observações formuladas pela Comissão. Sublinha que está a trabalhar para ultimar este diploma legal com a maior brevidade.

    A República Federal da Alemanha não apresentou observações quanto a este ponto.

    B — Quanto ao domínio da concertação

    A Comissão considera que o artigo 126-3, quinto parágrafo, do Decreto n.° 66-468 é contrário ao artigo 5.° da Directiva 77/249 na medida em que, por um lado, impõe a concertação em processos que decorrem perante organismos e autoridades que não fazem parte da área judiciária e, por outro lado, impõe a concertação em processos em relação aos quais o direito francês não prevê a assistência obrigatória de um advogado.

    A Comissão salienta que a procedência destas arguições não é contestada pela República Francesa, que se obrigou a alterar a sua legislação em consequência. Observa, contudo, que esta alteração ainda não teve lugar e mantém, em consequência, as suas arguições.

    A República Francesa refere que foi preparado um projecto de decreto a fim de pôr o direito francês em conformidade com a directiva. Sublinha que trabalha para ultimar este projecto com maior brevidade.

    A República Federal da Alemanha não apresenta observações quanto a este ponto.

    C — Quanto à territorialidade da representação em juízo e da intervenção processual escrita

    A Comissão considera que é contrária ao direito comunitário a aplicação ao advogado prestador de serviços da regra da exclusividade territorial em matéria de representação em juízo e de intervenção processual escrita, nos termos da qual um advogado estabelecido em França e que advogue num tribunal de grande instance diferente daquele em cujo foro está inscrito deve fazer-se assistir de um advogado inscrito no foro do tribunal de grande instance em causa a fim de postular ou praticar actos processuais na fase escrita.

    A Comissão sublinha que, no citado acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão//Alemanha, o Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a compatibilidade da regra da territorialidade da intervenção processual escrita com o direito comunitário. Observa que o Tribunal de Justiça não considerou a territorialidade da intervenção processual escrita como uma modalidade da concertação, mas que se interrogou sobre a questão de saber se esta regra, na medida em que disciplina o exercício de uma actividade permanente num Estado-membro por pessoas estabelecidas nesse Estado-membro, podia ser aplicada da mesma maneira às prestações de serviços efectuadas por pessoas estabelecidas num outro Estado-membro. Recorda que o Tribunal de Justiça decidiu esta questão referindo que, contrariamente aos advogados estabelecidos no Estado-membro em que existe a regra de territorialidade da intervenção processual escrita, o advogado prestador de serviços não se encontra numa situação de poder estar inscrito numa jurisdição deste Estado e que, em consequência, «a regra da exclusividade territorial não pode ser aplicada a actividades de carácter temporário exercidas por advogados estabelecidos noutros Estados-membros, uma vez que estes se encontram, neste ponto de vista, em condições de facto e de direito que não permitem comparação com as aplicáveis aos advogados estabelecidos no território alemão. Esta consideração apenas se impõe com reserva da obrigação, que o advogado prestador de serviços tem de agir concertadamente, dentro dos limites e segundo as modalidades atrás definidas, com o advogado inscrito no órgão jurisdicional chamado a decidir» (n.os 42 e 43). A Comissão sublinha ainda que o Governo alemão tinha tentado justificar a regra da territorialidade da intervenção processual escrita invocando razões baseadas na preocupação de assegurar o bom funcionamento da justiça, mas que o Tribunal de Justiça não acolheu estas razoes.

    Segundo a Comissão, daí resulta que o advogado prestador de serviços deve ter a possibilidade de actuar em França perante qualquer tribunal de grande instance nas mesmas condições que um advogado francês inscrito nesse tribunal, com a única reserva de actuar de concerto com um advogado inscrito no foro a que pertence este órgão jurisdicional em conformidade com o artigo 5.° da directiva.

    A este respeito, na opinião da Comissão, a legislação francesa (e o tribunal chamado a decidir) apenas poderá impor ao advogado que actua de concerto que confirme (e, se for caso disso, que revogue) a concertação. Isso resulta do n.° 24 do citado acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha, no qual o Tribunal de Justiça referiu que o advogado prestador de serviços e o advogado local devem ser considerados capazes de definir em conjunto as modalidades de cooperação adequadas ao mandato que lhes foi confiado.

    Consequentemente, a Comissão considera que as normas que limitam a intervenção processual escrita não são oponíveis ao advogado prestador de serviços. Tal seria o caso da norma da exclusividade territorial da intervenção processual escrita e das que, neste contexto, prevêem que o advogado estabelecido em França seja o mandatário «ad litem» e que assine os actos processuais a título de prova da concertação. A este respeito, a Comissão reporta-se ao citado acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão//Alemanha, n.° 26 — no qual o Tribunal de Justiça afirmou que as disposições alemãs respeitantes à prova da concertação e a exigência de que o advogado actuando de concerto seja ele próprio mandatário «ad litem» vão para além do que é exigido pelo artigo 5.° da directiva —, assim como ao acórdão de 12 de Julho de 1984, Ordre des avocats au barreau de Paris/Klopp (107/83, Recueil, p. 2971), no qual o Tribunal de Justiça afirmou que «os actuais meios de transporte e de telecomunicação oferecem a possibilidade de assegurar de maneira adequada o contacto com as autoridades judiciais e com os clientes» (n.° 21). A Comissão acrescenta ainda que o facto de, no sistema francês, o advogado prestador de serviços conservar a direcção do processo é desprovida de pertinência, porque é em primeiro lugar ao cliente que compete dirigir o assunto.

    A República Francesa enuncia antes de mais as razões que, segundo ela, justificam a obrigação imposta ao advogado prestador de serviços de se fazer assistir por um advogado inscrito no foro do tribunal de grande instance competente, a fim de este intervir na fase processual escrita. Por um lado, pretende-se assegurar a manutenção de um contacto permanente com o órgão jurisdicional competente a fim de permitir uma tramitação rápida do processo (e, nomeadamente, das audiências preparatórias) no respeito do princípio do contraditório e, por outro lado, facilitar, se necessário, o funcionamento da responsabilidade disciplinar do advogado local quando o advogado prestador de serviços näo respeitar as regras processuais e deontológicas aplicáveis, dado que o advogado local depende, neste plano, do conselho da ordem do foro em que está inscrito.

    Segundo a República Francesa, estas razões justificam que só um advogado inscrito no foro do tribunal de grande instance competente possa ser escolhido na qualidade de advogado chamado a actuar de concerto com o advogado prestador de serviços. Além disso, justificam que o advogado local tenha a possibilidade de acompanhar as diferentes fases do processo.

    A este respeito, a República Francesa considera que o citado acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha, não pode ser interpretado como opondo-se a qualquer forma de territorialidade da intervenção processual escrita. Com efeito, o mesmo apenas diz respeito à regulamentação alemã. O sistema francês é, por seu turno, proporcionado às exigências a que deve responder e conforme com o conceito de actuação concertada. A este respeito, a República Francesa sublinha que o advogado prestador de serviços conserva a direcção do processo, que a presença do advogado local não é exigida na audiência ou nos contactos com o cliente e que a única prova exigida da concertação é a assinatura do advogado local nos actos processuais.

    A República Francesa recorda igualmente que a actuação de concerto tem como finalidade fornecer ao advogado prestador de serviços o apoio necessário com vista a actuar num sistema jurisdicional diferente do seu e dar ao órgão jurisdicional chamado a decidir a garantia de que está em condições de respeitar as regras processuais e deontológicas aplicáveis (citado acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha, n.° 23). A este respeito, a República Francesa alega que, se a única obrigação que a legislação nacional pudesse impor consistisse em exigir que o advogado nacional confirme (e, eventualmente, revogue) a concertação, este objectivo não poderia ser atingido.

    A República Federal da Alemanha apresenta observações sobre a questão de saber se é compatível com o direito comunitário exigir que o advogado chamado a actuar de concerto com o advogado prestador de serviços seja um advogado inscrito no órgão jurisdicional chamado a decidir. Na sua opinião, algumas passagens da petição sugerem que a Comissão daria uma resposta negativa a esta questão. A República Federal da Alemanha salienta contudo que, na sua réplica, a Comissão reconheceu explicitamente que esta exigência era compatível com o direito comunitário. Não obstante, acrescenta que, perante a atitude incial da Comissão, conserva um interesse legítimo em que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre esta questão.

    A República Federal da Alemanha alega que o facto de reservar apenas aos advogados inscritos no órgão jurisdicional chamado a decidir o direito de actuar de concerto com o advogado prestador de serviços é conforme com o artigo 5.° da Directiva 77/249 e com o citado acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão//Alemanha, n.os 42 e 43.

    Além disso, a República Federal da Alemanha sublinha que esta exclusividade é justificada pela existência de usos locais e de práticas específicas em cada tribunal e pela necessidade de os magistrados que procedem à instrução dos processos poderem contactar facilmente o advogado que actue de concerto para que este assista às conferências destinadas a fixar a tramitação processual. A República Federal da Alemanha observa ainda que a exclusividade em questão não comporta qualquer entrave à liberdade de prestação de serviços, pois que, se nenhum advogado inscrito no órgão jurisdicional chamado a decidir estiver disposto a actuar de concerto com o advogado prestador de serviços, é designado para este efeito pelo bastonário da ordem um dos advogados inscritos neste órgão jurisdicional. Finalmente, relembra que cada Estado-membro dispõe de uma certa margem de acção que lhe permite adequar o regime da intervenção processual escrita de forma a que o funcionamento dos tribunais seja afectado o menos possível.

    IV — Questão ao Governo francês

    O Tribunal de Justiça solicitou ao Governo francês que informasse sobre a adopção eventual do projecto de decreto para alterar o Decreto n.° 72-468, de 9 de Junho de 1972, que organiza a profissão de advogado, a fim de ter em conta as observações formuladas pela Comissão quanto ao âmbito de aplicação pessoal da Directiva 77/249 assim como quanto ao domínio da concertação.

    O Governo francês respondeu o seguinte:

    «As alterações previstas do Decreto n.° 72-468, de 9 de Junho de 1972, ainda não tiveram lugar em razão da reforma em curso das profissões judiciárias e jurídicas. São tomadas em consideração no decreto que deve ser aprovado para aplicação da lei que reforma certas profissões jurídicas e judiciárias, adoptado recentemente pelo Parlamento» ( 1 ).

    T. F. O'Higgins

    Juiz relator


    ( *1 ) Lingua do processo: francês.

    ( 1 ) JORF de 5.1.1991.

    Início

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    10 de Julho de 1991 ( *1 )

    No processo C-294/89,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Étienne Lasnet, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Guido Berardis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    autora,

    contra

    República Francesa, representada por Jean-Pierre Puissochet, director dos assuntos jurídicos no Ministerio dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e Marc Giacomini, secretário dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente suplente, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de França, 9, boulevard du Prince-Henri,

    demandada,

    apoiada por

    República Federal da Alemanha, representada por Horst Teske, Ministerialrat no Ministério federal da Justiça, Ernst Roder, Regierungsdirektor no Ministério federal da Economia, e Heinz Weil, advogado no foro de Paris, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada da República Federal da Alemanha, 20-22, avenue Émile Reuter,

    interveniente,

    que tem por objecto obter a declaração de que a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE ao não adoptar, em conformidade com os artigos 59.° e 60.° do Tratado, todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para se conformar com a Directiva 77/249/CEE do Conselho, de 22 de Março de 1977, tendente a facilitar o exercício efectivo da livre prestação de serviços pelos advogados (JO L 78, p. 17; EE 06 Fl p. 224),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: O. Due, presidente, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, M. Diez de Velasco, presidentes de secção, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler, F. Grévisse, M. Zuleeg e P. J. G. Kapteyn, juízes,

    advogado-geral : G. Tesauro

    secretario: H. A. Rühl, administrador principal

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações das partes na audiência de 21 de Março de 1991,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 7 de Maio de 1991,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de Setembro de 1989, a Comissão das Comunidades Europeias propôs, nos termos do artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção com vista a obter a declaração de que a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado ao não adoptar, em conformidade com os artigos 59.° e 60.° do Tratado, todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para se conformar com a Directiva 77/249/CEE do Conselho, de 22 de Março de 1977, tendente a facilitar o exercício efectivo da livre prestação de serviços pelos advogados (JO L 78, p. 17; EE 06 Fl p. 224, a seguir «Directiva 77/249»).

    2

    As disposições adoptadas pela Repúbica Francesa com vista a promover a aplicação da citada Directiva 77/249 figuram no Decreto n.° 72-468, de 9 de Junho de 1972, que organiza a profissão de advogado, com as alterações introduzidas pelo Decreto n.° 79-233, de 22 de Março de 1979, relativo à livre prestação de serviços em França pelos advogados nacionais dos Estados-membros das Comunidades Europeias (JORF 23.3.1979, p. 659, a seguir «Decreto n.° 72-468»).

    3

    O artigo 126-2, primeiro parágrafo, do Decreto n.° 72-468 dispõe que «são reconhecidos, em França, como advogados os nacionais dos outros Estados-membros das Comunidades Europeias que exerçam no seu país de origem as suas actividades profissionais» sob uma das denominações referidas no artigo 1.°, n.° 2, da citada Directiva 77/249.

    4

    Além disso, o artigo 126-3, quarto parágrafo, do Decreto n.° 72-468 prevê que «para postular ou praticar actos processuais na fase escrita (o advogado prestador de serviços) deve, em matéria cível, fazer-se assistir, quando o patrocínio é obrigatório: perante o tribunal de grande instance, por um advogado inscrito na ordem correspondente a esse tribunal e habilitado a nele intervir na fase processual escrita; perante a cour d'appel, por um avoué inserito neste tribunal ou, na sua falta, por um advogado habilitado a nele intervir na fase processual escrita». Ainda nos termos do artigo 126-3, quinto parágrafo, deste mesmo decreto, o advogado prestador de serviços deve «nas outras jurisdições, órgãos jurisdicionais ou disciplinares ou autoridades públicas... sem prejuízo dos usos vigentes à data da entrada em vigor do presente artigo, actuar de concerto com um advogado inscrito numa ordem de advogados francesa que será, nesse caso, responsável perante essa jurisdição, órgão ou autoridade».

    5

    No ofício de notificação e no parecer fundamentado que enviou à República Francesa, em conformidade com o artigo 169.° do Tratado, a Comissão formulou três acusações distintas relativamente às disposições do Decreto n.° 72-468 relativas à livre prestação de serviços em França pelos advogados. A primeira acusação diz respeito ao âmbito de aplicação pessoal destas disposições, tal como resulta do artigo 126-2, primeiro parágrafo, do decreto. A segunda acusação incide sobre o domínio de aplicação da obrigação, imposta ao advogado prestador de serviços, de agir de concerto com um advogado estabelecido em França. A terceira acusação visa a obrigação, imposta ao advogado prestador de serviços, de se fazer assistir, perante certos órgãos jurisdicionais, por um advogado inscrito no foro do órgão jurisdicional chamado a decidir a fim de intervir na fase escrita do processo e praticar os actos processuais.

    6

    Dado que a República Francesa não se conformou com o parecer fundamentado emitido pela Comissão, esta propôs a presente acção.

    7

    Para uma mais ampla exposição da tramitação processual assim como dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos dos autos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

    A — Âmbito de aplicação pessoal do Decreto n.° 72-468

    8

    A Comissão considera que o artigo 126-2, primeiro parágrafo, do Decreto n.° 72-468 é contrário ao artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 77/249 pelo facto de privar os cidadãos franceses que exercem a profissão de advogado num Estado-membro que não seja a República Francesa do benefício das disposições relativas à livre prestação de serviços em França pelos advogados.

    9

    A República Francesa não contesta o incumprimento que desta forma lhe é imputado.

    10

    Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 77/249, a expressão «advogado», na acepção desta directiva, designa qualquer pessoa habilitada a exercer as suas actividades profissionais sob uma das denominações referidas nesta disposição. Além disso, o artigo 2.° desta mesma directiva prevê que deve ser reconhecida a qualidade de advogado, em cada Estado-membro, às pessoas mencionadas no artigo 1.°, n.° 2, para o exercício das suas actividades em regime de prestação de serviços.

    11

    Em consequência, devem ser reconhecidos em França como advogados, para o exercício das suas actividades em regime de prestação de serviços, näo apenas os nacionais dos Estados-membros que não sejam a República Francesa, mas também os cidadãos franceses habilitados a exercer as suas actividades profissionais num Estado-membro que não seja a República Francesa, sob uma das denominações referidas no artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 77/249.

    12

    Portanto, há que declarar verificado que, ao privar os cidadãos franceses que exercem a profissão de advogado num Estado-membro que não seja a República Francesa do benefício das disposições relativas à livre prestação de serviços em França pelos advogados, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

    B — Ambito da concertação

    13

    A Comissão considera que o artigo 136-3, quinto parágrafo, do Decreto n.° 72-468 é contrário ao artigo 5.° da Directiva 77/249 na medida em que obriga o advogado prestador de serviços a agir de concerto com o advogado inscrito numa ordem de advogados francesa nos processos que decorrem perante organismos e autoridades que não fazem parte do domínio da justiça, assim como nos processos em que, por força do direito francês, a intervenção dum advogado não é obrigatória.

    14

    A República Francesa não contesta o incumprimento que lhe é imputado.

    15

    Convém salientar que o artigo 5.° da Directiva 77/249 autoriza os Estados-membros a exigir que os advogados prestadores de serviços actuem de concerto com um advogado que exerça perante a jurisdição competente, unicamente «no que respeita ao exercício das actividades relativas à representação e à defesa de um cliente em juízo».

    16

    Em consequência, esta obrigação não pode ser imposta para o exercício de actividades perante organismos ou autoridades que não exercem funções jurisdicionais.

    17

    Além disso, tal como o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha, n.° 13 (427/85, Colect., p. 1123), o artigo 5.° da directiva não pode ter por efeito sujeitar o advogado prestador de serviços a exigências sem equivalência nas regras profissionais aplicáveis na ausência de qualquer prestação de serviços na acepção do Tratado.

    18

    Ora, é facto assente que, em relação a certos processos que decorrem perante os órgãos jurisdicionais, a legislação francesa não exige que as partes sejam assistidas por um advogado. Pelo contrário, permite que as próprias partes assegurem a sua defesa ou, no que se refere aos processos perante os tribunais de comércio, que se façam assistir e representar por uma pessoa que não é advogado mas que está munida de um mandato especial.

    19

    Em consequência, o advogado prestador de serviços não pode ser obrigado a actuar de concerto com um advogado que exerça perante o órgão jurisdicional chamado a decidir, em acções judiciais nas quais a legislação francesa não exige a intervenção obrigatória de advogado.

    20

    Assim, há que declarar verificado que, ao obrigar o advogado prestador de serviços a actuar de concerto com um advogado inscrito numa ordem de advogados francesa para o exercício de actividades perante autoridades e organismos que não exercem funções jurisdicionais, assim como para o exercício de actividades para as quais o direito francês não exige intervenção obrigatória de um advogado, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

    C — Territorialidade da intervenção processual escrita

    21

    A Comissão considera que o quarto parágrafo do artigo 126-3 do Decreto n.° 72-468 é contrário aos artigos 59.° e 60.° do Tratado e ao artigo 5.° da Directiva 77/249 na medida em que prevê que, em matéria cível e quando o patrocínio é obrigatório, o advogado prestador de serviços que intervenha perante um tribunal de grande instance deve fazer-se assistir de um advogado inscrito na ordem correspondente a esse tribunal ou habilitado a nele intervir na fase processual escrita, a fim de requerer por escrito ou praticar outros actos processuais.

    22

    Segundo a Comissão, o advogado prestador de serviços deve ter a possibilidade de actuar em França perante qualquer órgão jurisdicional nas mesmas condições que um advogado inscrito na ordem correspondente a esse órgão jurisdicional, ou seja, como um advogado habilitado a intervir na fase processual escrita, com a única reserva da obrigação de actuar de concerto com um advogado que exerça perante o referido órgão jurisdicional.

    23

    A República Francesa considera que a obrigação que resulta do artigo 126-3, quarto parágrafo, do Decreto n.° 72-468 está em conformidade com a noção de concertação, tal como figura no artigo 5.° da citada Directiva 77/249. A este propósito, alega que a obrigação de se fazer assistir por um advogado inscrito na ordem correspondente ao órgão jurisdicional chamado a decidir a fim de intervir na fase processual escrita se justifica pelo facto de, nos termos do artigo 5.° da mesma directiva, este advogado ser responsável perante o órgão jurisidicional competente, pelo respeito das regras processuais e deontológicas aplicáveis.

    24

    A título liminar, convém recordar que o Tribunal de Justiça, decidindo em matéria de liberdade de estabelecimento, precisou, no acórdão de 12 de Julho de 1984, Klopp, n.° 20 (107/83, Recueil, p. 2971), que, se é certo que, tendo em conta as particularidades da profissão de advogado, se deve reconhecer ao Estado-membro de acolhimento o direito, no interesse da boa administração da justiça, de exigir que os advogados inscritos numa ordem no seu território exerçam as suas actividades de forma a manter um contacto suficiente com os seus clientes e com as autoridades judiciais e que respeitem as regras de deontologia, estas exigências não podem ter como efeito impedir os nacionais dos outros Estados-membros de exercer efectivamente um direito que lhes é garantido pelo Tratado.

    25

    No que respeita à liberdade de prestação de serviços, todas as restrições desta liberdade devem, nos termos do artigo 59.° do Tratado, ser suprimidas, isto com vista a permitir, nomedamente, que o prestador de serviços, como dispõe o artigo 60.°, terceiro parágrafo, do Tratado, exerça a sua actividade no país onde a prestação é realizada nas mesmas condições que esse país impõe aos seus próprios nacionais.

    26

    Estas disposições têm como principal finalidade tornar possível ao prestador de serviços o exercício da sua actividade no Estado-membro de acolhimento sem discriminação relativamente aos nacionais deste Estado. Como o Tribunal de Justiça precisou no acórdão de 17 de Dezembro de 1981, Webb, n.° 16 (279/80, Recueil, p. 3395), aquelas disposições não implicam que toda a legislação nacional aplicável aos nacionais desse Estado, e que visa normalmente uma actividade permanente das pessoas estabelecidas no mesmo, possa ser aplicada integralmente da mesma forma a actividades de carácter temporário exercidas por pessoas estabelecidas noutros Estados-membros.

    27

    A regra da exclusividade territorial prevista no quarto parágrafo do artigo 126-3 do Decreto n.° 72-468 insere-se precisamente numa legislação nacional que visa uma actividade permanente dos advogados estabelecidos no território do Estado-membro em causa, dado que estes advogados têm todos o direito de intervir na fase processual escrita perante o tribunal de grande instance em cuja circunscrição estão estabelecidos. Em contrapartida, o advogado prestador de serviços que está estabelecido num outro Estado-membro não se encontra numa situação em que possa intervir na fase processual escrita perante um tribunal de grande instance francês.

    28

    Nestas condições, há que concluir que a regra da exclusividade territorial não pode ser aplicada a actividades de carácter temporário exercidas por advogados estabelecidos noutros Estados-membros, uma vez que estes se encontram, desse ponto de vista, em condições de direito e de facto que não permitem a comparação com as aplicáveis aos advogados estabelecidos no território francês.

    29

    Todavia, esta conclusão só é válida com a reserva da obrigação de o advogado prestador de serviços actuar de concerto com o advogado inscrito no órgão jurisdicional chamado a decidir, nos limites e segundo as modalidades definidas pelo Tribunal de Justiça no citado acórdão de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Alemanha.

    30

    Neste acórdão, o Tribunal de Justiça entendeu que a obrigação a que os Estados-membros podem sujeitar o advogado prestador de serviços, de actuar de concerto com o advogado que exerça no órgão jurisdicional competente, tinha como objectivo fornecer ao advogado prestador de serviços o apoio necessário com vista a actuar num sistema jurisdicional diferente daquele a que está habituado, e dar ao órgão jurisdicional chamado a decidir a garantia de que ele dispõe efectivamente deste apoio e, desta forma, está em condições de respeitar plenamente as regras processuais e deontológicas aplicáveis.

    31

    Nesta perspectiva, o advogado prestador de serviços e o advogado local, ambos sujeitos às regras deontológicas aplicáveis no Estado-membro de acolhimento, devem ser considerados capazes de decidir em conjunto, no respeito por essas regras deontológicas e no exercício da sua autonomia profissional, as modalidades de cooperação adequadas ao mandato que lhes foi confiado.

    32

    Essa consideração não exclui a possibilidade de os legisladores nacionais fixarem o quadro geral da cooperação entre os dois advogados. É ainda necessário que as obrigações que resultam dessas disposições não sejam desproporcionadas em relação aos objectivos do dever de concertação tal como foram acima definidos.

    33

    A República Francesa alega que a regra prevista no quarto parágrafo do artigo 126-3 do Decreto n.° 72-468 é necessária para dar ao órgão jurisdicional competente a garantia de que o advogado prestador de serviços respeitará plenamente as regras processuais e deontológicas aplicáveis em França. Por um lado, essa regra será indispensável para que sejam respeitadas as disposições com vista a assegurar uma tramitação rápida e contraditória do processo, nomeadamente na fase da instrução, que implicam a existência entre o advogado que intervém na fase processual escrita e o órgão jurisdicional chamado a decidir de um contacto permanente que um advogado estabelecido num outro Estado-membro não está em condições de assegurar. Por outro lado, tal regra será susceptível de facilitar a instauração de procedimentos disciplinares em relação ao advogado local que actua de concerto com o advogado prestador de serviços.

    34

    Esta argumentação não merece acolhimento.

    35

    Por um lado, como o Tribunal de Justiça declarou no citado acórdão de 12 de Junho de 1984, Klopp, n.° 21, os actuais meios de transporte e de telecomunicação oferecem aos advogados a possibilidade de assegurar de maneira apropriada os contactos necessários com as autoridades judiciárias e os seus clientes. Além disso, uma tramitação rápida do processo, com respeito pelo princípio do contraditório, pode ser assegurada impondo ao advogado prestador de serviços obrigações que restrinjam de forma mínima o exercício das suas actividades. Assim, este objectivo poderá ser atingido impondo ao advogado prestador de serviços a obrigação de escolher domicílio no escritório do advogado com o qual actua de concerto, no qual poderão ser validamente efectuadas as notificações provenientes do órgão jurisdicional chamado a decidir.

    36

    Por outro lado, embora possa facilitar os procedimentos discipinares em relação ao advogado local, a regra da exclusividade territorial não é necessária para o exercício de tais procedimentos.

    37

    Em consequência, há que declarar verificado que, ao exigir que, em matéria cível e quando o patrocínio é obrigatório, o advogado prestador de serviços que intervenha perante um tribunal de grande instance se faça assistir por um advogado inscrito na ordem correspondente a esse tribunal ou habilitado a nele intervir na fase processual escrita, para requerer ou praticar outros actos processuais, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

    38

    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a República Francesa ficado vencida, deve ser condenada nas despesas. A República Federal da Alemanha, que interveio em apoio das conclusões apresentadas pela República Francesa, suportará as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    declara:

     

    1)

    A República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 59.° e 60.° do Tratado CEE e da Directiva 77/249/CEE do Conselho, de 22 de Março de 1977, tendente a facilitar o exercício efectivo da livre prestação de serviços pelos advogados:

    ao privar os cidadãos franceses, que exercem a profissão de advogado num Estado-membro que não seja a República Francesa, do benefício das disposições relativas à livre prestação de serviços em França pelos advogados;

    ao obrigar o advogado prestador de serviços a actuar de concerto com um advogado inscrito numa ordem de advogados francesa para o exercício de actividades perante autoridades e organismos que não exercem funções jurisdicionais, assim como para o exercício de actividades para as quais o direito francês não exige a intervenção obrigatória de advogado;

    ao exigir que, em matéria cível e quando o patrocínio é obrigatório, o advogado prestador de serviços, que intervenha perante um tribunal de grande instance, se faça assistir por um advogado inscrito na ordem correspondente a esse tribunal ou habilitado a nele intervir na fase processual escrita, para requerer ou praticar outros actos processuais.

     

    2)

    A República Francesa é condenada nas despesas.

     

    3)

    A República Federal da Alemanha suportará as suas próprias despesas.

     

    Due

    O'Higgins

    Moitinho de Almeida

    Diez de Velasco

    Kakouris

    Schockweiler

    Grévisse

    Zuleeg

    Kapteyn

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de Julho de 1991.

    O secretário

    J.-G. Giraud

    O presidente

    O. Due


    ( *1 ) Língua do processo: francès.

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