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Documento 61988CJ0109

    Acórdão do Tribunal de 17 de Outubro de 1989.
    Handels- og Kontorfunktionærernes Forbund I Danmark contra Dansk Arbejdsgiverforening, agindo por conta de Danfoss.
    Pedido de decisão prejudicial: Faglige Voldgiftsret - Dinamarca.
    Igualdade de tratamento entre trabalhadores masculinos e femininos em matéria de remuneração.
    Processo 109/88.

    Colectânea de Jurisprudência 1989 -03199

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1989:383

    61988J0109

    ACORDAO DO TRIBUNAL DE 17 DE OUTUBRO DE 1989. - HANDELS- OG KONTORFUNKTIONAERERNES FORBUND I DANMARK CONTRA DANSK ARBEJDSGIVERFORENING FOR DANFOSS. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: FAGLIGE VOLDGIFTSRET - DINAMARCA. - POLITIQUE SOCIALE - IGUALIDADE DE TRATAMENTO ENTRE TRABALHADORES MASCULINOS E TRABALHADORES FEMININOS EM MATERIA DE REMUNERACAO. - PROCESSO 109/88

    Colectânea da Jurisprudência 1989 página 03199
    Edição especial sueca página 00187
    Edição especial finlandesa página 00201


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    ++++

    1. Questões prejudiciais - Recurso ao Tribunal - Órgão jurisdicional nacional na acepção do artigo 177.° do Tratado - Noção

    (Artigo 177.° do Tratado CEE)

    2. Política social - Trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos - Igualdade de remuneração - Falta de transparência do sistema de remunerações aplicado pela empresa - Inferioridade da remuneração média dos trabalhadores femininos em relação à dos trabalhadores masculinos - Ónus da prova da não discriminação - Aplicação de critérios de majoração - Condições

    (Artigo 119.° do Tratado CEE; artigos 1.° e 6.° da Directiva do Conselho 75/117)

    Sumário


    1. Os tribunais de arbitragem profissionais, cuja intervenção a lei prevê para julgar, em última instância, os litígios emergentes as partes nas convenções colectivas celebradas entre as organizações de trabalhadores, por um lado, e de empregadores, por outro, devem, pelo facto de a sua intervenção poder ser provocada por uma das partes, de modo que a sua competência não está dependente do acordo destas e de a sua composição não estar na disponibilidade das partes, sendo regulada pela lei, ser considerados órgãos jurisdicionais de um Estado-membro, na acepção do artigo 177.° do Tratado.

    2. A Directiva 75/117, relativa à igualdade de remunerações entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos, deve ser interpretada no sentido de que, quando uma empresa aplica um sistema de remuneração caracterizado pela total falta de transparência, cabe ao empregador o ónus de provar que a sua prática salarial não é discriminatória, a partir do momento em que o trabalhador feminino demonstre, em relação a um número relativamente significativo de assalariados, que a remuneração média dos trabalhadores femininos é inferior à dos trabalhadores masculinos.

    Sempre que se verifique que a aplicação de critérios de majoração como a flexibilidade, a formação profissional ou a antiguidade do trabalhador, desfavorece sistematicamente os trabalhadores femininos, o empregador pode justificar o recurso ao critério da flexibilidade, se este tiver em vista a capacidade de adaptação a horários e lugares de trabalho variáveis, mediante a prova de que esta capacidade de adaptação é relevante para a execução das missões específicas confiadas ao trabalhador, mas já não no caso de se entender que este critério abrange a qualidade do trabalho efectuado pelo trabalhador; pode igualmente justificar o recurso ao critério da formação profissional, provando que esta é relevante para a execução das tarefas específicas confiadas ao trabalhador; não tem necessidade de justificar, em especial, o recurso ao critério da antiguidade, dado que esta pressupõe a experiência, a qual normalmente permite ao trabalhador um melhor desempenho das suas funções.

    Partes


    No processo 109/88,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Faglige Voldgiftsret (Dinamarca) (tribunal arbitral profissional) com vista a obter, no processo principal pendente naquele Tribunal entre

    Handels- og Kontorfunktionaerernes Forbund i Danmark

    e

    Dansk Arbeijdsgiverforening, em representação da Danfoss,

    uma decissão a título prejudicial sobre o alcance do princípio de igualdade de tratamento entre trabalhadores masculinos e femininos em matéria de remunerações,

    O TRIBUNAL,

    constituído pelos Srs. O. Due, presidente, M. Zuleeg, presidente de secção, T. Koopmans, R. Joliet, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Diez de Velasco, juízes,

    advogado-geral: C. O. Lenz

    secretário: H. A. Ruehl, administrador principal,

    vistas as observações apresentadas:

    - em representação da Handels- og Kontorfunktionaerernes Forbund i Danmark , por L. S. Andersen,

    - em representação do Dansk Arbeijdsgiverforening, por H. Werner,

    - em representação da Comissão das Comunidades Europeias, pelos seus agentes J. Currall e I. Langermann, membros do seu Serviço Jurídico,

    - em representação do Governo dinamarquês, pelo seu agente P. Vesterdorf, consultor jurídico,

    - em representação do Governo britânico, pelos seus agentes S. J. Hay e D. Wyatt,

    - em representação do Governo italiano, por P. G. Ferri, avvocato dello stato,

    - em representação do Governo português, pelos seus agentes L. Fernandes e J. Leitão,

    visto o relatório para audiência e após a realização desta em 10 de Maio de 1989,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 31 de Maio de 1989,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por decisão de 12 de Outubro de 1987, entrada na Secretaria do Tribunal em 5 de Abril de 1988, o Faglige Voldgiftsret (tribunal arbitral profissional) submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, diversas questões prejudiciais relativas à interpretação da Directiva 75/117 do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros no que se refere à aplicação do princípio de igualdade da remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (JO L 45 p. 19; EE 05 F2 p. 52), adiante designada "directiva sobre a igualdade de remunerações".

    2 Estas questão foram suscitadas no quadro de um litígio entre a Federação dos Empregados de Comércio e de Escritório, a "Handels- og Kontorfunktionaerernes Forbund i Danmark" (adiante designada "Federação dos Empregados"), e a Confederação do Patronato, a "Dansk Arbeijdsgiverforening" (adiante designada "Confederação Patronal"), em representação da empresa Danfoss. A Federação dos Empregados alega que a prática salarial da empresa Danfoss implica discriminações em razão do sexo, violando assim o disposto no artigo 1.° da Lei dinamarquesa n.° 237, de 5 de Maio de 1986, que deu cumprimento à directiva sobre a igualdade de remunerações.

    3 A empresa Danfoss atribui o mesmo salário de base aos trabalhadores de uma mesma categoria salarial. Utilizando a faculdade prevista pelo artigo 9.° da convenção colectiva celebrada em 9 de Março de 1983 entre a Confederação Patronal e a Federação dos Empregados, atribui, no entanto, aos seus assalariados majorações salariais individuais calculadas, designadamente, em função da respectiva flexibilidade, formação profissional e antiguidade.

    4 No processo principal, a Federação dos Empregados tinha accionado uma primeira vez a empresa Danfoss perante o tribunal arbitral profissional, invocando o princípio da igualdade da remuneração a favor de duas empregadas ligadas uma ao serviço do laboratório e outra ao da recepção e de expedição de armazém. A fim de apoiar a sua acção, tinha provado que, nessas duas categorias salariais, o salário médio de um trabalhador masculino era superior ao de um trabalhador feminino. Em sentença de 16 de Abril de 1985, o tribunal arbitral considerou, no entanto, face ao número restrito de trabalhadores cujas remunerações tinham sido consideradas, que a Federação dos Empregados não tinha provado a discriminação. Esta intentou então nova acção, apresentando estatísticas mais elaboradas relativas às remunerações pagas a 157 trabalhadores entre 1982 e 1986, as quais revelam que a remuneração média concedida aos trabalhadores masculinos é superior em 6,85% à concedida aos trabalhadores femininos.

    5 Foi neste contexto que o tribunal arbitral profissional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal uma série de questões prejudiciais, relativas à interpretação da directiva sobre a igualdade de remuneração. Estas têm o seguinte conteúdo:

    "1 a) Quando, por hipótese, um trabalhador masculino e um trabalhador feminino efectuam o mesmo trabalho ou um trabalho de igual valor, a quem cabe demonstrar que a diferença de remunerações entre dois assalariados é ou não devida a considerações ligadas ao sexo?

    1 b) É contrário à directiva sobre a igualdade de remunerações pagar um salário mais elevado a assalariados masculinos que efectuam o mesmo trabalho, ou um trabalho do mesmo valor, que aos assalariados femininos, baseando-se a este respeito unicamente em critérios subjectivos, tais como a maior flexibilidade de um colaborador (masculino)?

    2 a) A directiva comunitária acima referida opõe-se a que sejam concedidos a trabalhadores de sexo diferente, que efectuam o mesmo trabalho ou um trabalho de valor igual aumentos específicos em razão da antiguidade, de uma formação especial, etc., que acrescem ao salário de base da categoria?

    2 b) Se a resposta à questão 2 a) for afirmativa, como pode uma empresa, sem infringir a directiva, efectuar uma diferenciação da remuneração entre os seus diversos trabalhadores?

    2 c) A directiva comunitária opõe-se a que trabalhadores de sexo diferente, que efectuam o mesmo trabalho ou um trabalho de valor igual, sejam remunerados diferentemente em função de uma diferença de formação profissional?

    3 a) Desde que demonstrem que uma empresa que emprega um número relativamente importante de trabalhadores (por exemplo, no mínimo 100) que efectuam um trabalho semelhante ou de igual valor paga em média uma remuneração mais baixa às mulheres, relativamente aos homens, um trabalhador ou uma organização de trabalhadores podem, deste modo, demonstrar que, por esse facto, há infracção da directiva?

    3 b) Em caso de resposta afirmativa à questão 3 a), resulta daí que os grupos de assalariados (homens e mulheres) devem receber em média o mesmo salário?

    4 a) Na medida em que se verifique que uma diferença de remuneração de um mesmo trabalho está ligada ao facto de os dois assalariados estarem abrangidos por convenções legislativas diferentes, tal implica, a este respeito, a não aplicação da directiva?

    4 b) É relevante para efeitos da apreciação da questão anterior que os âmbitos de aplicação das duas convenções colectivas abranjam maioritariamente, ou mesmo na totalidade, trabalhadores, quer masculinos, quer femininos?"

    6 Para mais ampla exposição dos factos do processo principal, bem como da tramitação do processo e das observações apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiantes retomados na medida em tal se revele necessário à fundamentação do Tribunal.

    Quanto à natureza jurisdicional do tribunal arbitral profissional

    7 Relativamente à questão de saber se o tribunal arbitral profissional constitui um órgão jurisdicional de um Estado-membro, na acepção do artigo 177.° do Tratado, deve antes de mais salientar-se que, nos termos do artigo 22.° da Lei Dinamarquesa n.° 317, de 13 de Junho de 1973, relativa aos tribunais de trabalho, os litígios entre as partes das convenções colectivas são, salvo disposições especiais dessas convenções, sujeitas ao processo tipo aprovado pela Confederação Patronal e pela Confederação dos Empregados. Cabe então ao tribunal arbitral profissional dirimir o litígio em última instância. A intervenção do Tribunal pode ser solicitada por uma das partes, pouco importando que a outra a tal se oponha. Em consequência, a competência do Tribunal não está dependente do acordo das partes.

    8 Deve, em seguida, notar-se que a mesma disposição da lei supracitada regula o modo como o Tribunal deve ser composto e, designadamente, o número de membros a nomear pelas partes e o processo de designação do árbitro de desempate, na falta de acordo entre elas. A composição do tribunal arbitral não é, assim, confiada à livre decisão das partes.

    9 Nestas condições, o tribunal arbitral profissional deve ser considerado órgão jurisdicional de um Estado-membro, na acepção do artigo 177.° do Tratado.

    Quanto ao ónus da prova (questões 1, alínea a), e 3, alínea a))

    10 Ressalta do processo que o litígio entre as partes tem a sua origem no facto de o mecanismo das majorações individuais aplicadas às remunerações de base funcionar de tal modo que se torna impossível a um trabalhador feminino identificar as causas de uma diferença entre o seu salário e o de um trabalhador masculino que efectue o mesmo trabalho. De facto, os trabalhadores ignoram quais os critérios de majoração aplicáveis e de que forma o são. Apenas lhes é dado conhecer o montante do seu salário, depois de majorado, não podendo determinar a influência exercida por cada um dos critérios de majoração. Quem pertence a uma determinada categoria salarial encontra-se assim na impossibilidade de comparar os diferentes componentes do seu salário com os do salário dos colegas que integram a mesma categoria salarial.

    11 Nestas condições, as questões submetidas pelo tribunal nacional devem entender-se como destinadas a apurar se a directiva relativa à igualdade de remuneração deve ser interpretada no sentido de que, quando uma empresa aplica um sistema de remuneração caracterizado pela total falta de transparência, cabe ao empregador provar que a prática salarial não é discriminatória, sempre que o trabalhador feminino demonstre, em relação a um número relativamente importante de assalariados, que a remuneração média dos trabalhadores femininos é inferior à dos trabalhadores masculinos.

    12 A esse respeito, deve antes de mais notar-se que, no acórdão de 30 de Junho de 1988 (Comissão/França, 318/86, Colect., p. 3575, n.° 27), o Tribunal condenou um sistema de recrutamento caracterizado pela falta de transparência, considerando-o contrário ao princípio da igualdade de acesso ao emprego, dado que essa falta de transparência impedia qualquer tipo de controlo por parte dos tribunais nacionais.

    13 Deve notar-se ainda que, numa situação em que está em causa um mecanismo de majorações individuais do salário caracterizado pela total falta de transparência, os trabalhadores femininos apenas podem provar a diferença existente entre remunerações médias. Não disporiam de qualquer meio eficaz para fazer respeitar o princípio de igualdade de remuneração perante os tribunais nacionais, caso o facto de fornecer essa prova não tivesse por efeito impor ao empregador o ónus de demonstrar que a sua prática salarial não é, efectivamente, discriminatória.

    14 Deve, por último, observar-se que, nos termos do artigo 6.° da directiva relativa à igualdade de remuneração, os Estados-membros devem adoptar, em conformidade com as respectivas situações nacionais e sistemas jurídicos, as medidas necessárias para garantir a aplicação do princípio de igualdade de remuneração, bem como certificar-se da existência de meios eficazes que permitam velar pelo respeito deste princípio. A exigência de eficácia que está assim na base da directiva deve levar a interpretá-la no sentido de que implica adaptações dos regimes nacionais do ónus da prova nos casos especiais em que essas adaptações se tornem indispensáveis à concretização efectiva do princípio da igualdade.

    15 A fim de provar que a sua prática salarial não desfavorece sistematicamente os trabalhadores femininos, o empregador deverá indicar como aplicou os critérios de majoração, sendo assim levado a tornar transparente o seu sistema de remuneração.

    16 Nestas condições, dever responder-se às questões 1 a), e 3 a), que a directiva relativa à igualdade de remuneração deve ser interpretada no sentido de que, quando uma empresa aplique um sistema remuneratório caracterizado pela total falta de transparência, cabe ao empregador provar que a sua prática salarial não é discriminatória, sempre que o trabalhador feminino demonstre, em relação a um número relativamente elevado de assalariados, que a remuneração média dos trabalhadores femininos é inferior à dos trabalhadores masculinos.

    Quanto à legalidade dos critérios de majoração em questão (questões 1 b) e 2 a) e c))

    17 Com estas questões pretendem fundamentalmente saber-se se a directiva deve interpretar-se no sentido de que, quando se verifique que a aplicação de critérios de majoração como a flexibilidade, a formação profissional ou a antiguidade do trabalhador, desfavorece sistematicamente os trabalhadores femininos, o empregador pode não obstante, sob determinadas condições, justificar a respectiva utilização. A fim de responder a esta questão, há que examinar separadamente cada um desses critérios.

    18 No que respeita, em primeiro lugar, ao critério da flexibilidade, o processo não revela claramente o alcance que lhe é atribuído. A Confederação Patronal referiu, durante a audiência, que o facto de estar disponível para trabalhar a horas diferentes não justifica, por si só, uma majoração do salário. A fim de aplicar o critério da flexibilidade, o empregador avalia globalmente a qualidade do trabalho efectuado pelos seus empregados. Para tal, tem em conta, designadamente, o respectivo brio profissional, sentido de iniciativa e volume de trabalho efectuado.

    19 Nestas condições, deve distinguir-se consoante o critério da flexibilidade seja utilizado para remunerar a qualidade de trabalho efectuada pelo empregado, ou para remunerar a capacidade de adaptação do empregado a horários e lugares de trabalho variáveis.

    20 No primeiro caso, o critério da flexibilidade é sem dúvida totalmente neutro do ponto de vista do sexo. Quando conduz a desfavorecer sistematicamente os trabalhadores femininos, tal só poderá dever-se ao facto de o empregador o ter aplicado de forma abusiva. Não é imaginável, com efeito, que a qualidade de trabalho efectuado por mulheres seja, em geral, inferior. O empregador não pode, deste modo, justificar a utilização do critério da flexibilidade, assim entendido, quando a aplicação deste se revele sistematicamente desfavorável às mulheres.

    21 O mesmo já não acontece no segundo caso. Se se considerar que este abrange a capacidade de adaptação do trabalhador a horários e lugares de trabalho variáveis, o critério da flexibilidade pode igualmente jogar em detrimento dos trabalhadores femininos que, em virtude das tarefas domésticas e familiares, muitas vezes a seu cargo, têm mais dificuldade que os trabalhadores masculinos em organizar de forma flexível o seu horário de trabalho.

    22 No acórdão de 13 de Maio de 1986 (Bilka, 170/84, Colect., p. 1607), o Tribunal considerou que a política de uma empresa que consiste em, de uma forma geral, conceder remunerações mais elevadas aos trabalhadores a tempo inteiro que aos trabalhadores a tempo parcial, excluídos do regime de pensões da empresa, podia afectar um número bastante mais elevado de mulheres do que de homens, tendo em conta as dificuldades com que deparam os trabalhadores femininos para trabalhar a tempo inteiro. Considerou, no entanto, que a empresa devia demonstrar que a sua prática salarial era determinada por factores objectivamente justificados e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo e que, assim procedesse, o artigo 119.° do Tratado não era violado. Estas considerações aplicam-se igualmente ao caso das práticas salariais que renumeram especialmente a capacidade de adaptação dos trabalhadores a horários e lugares de trabalho variáveis. O empregador pode assim justificar a remuneração de tal capacidade de adaptação, provando que esta é importante para a execução das tarefas concretas confiadas ao trabalhador.

    23 No que respeita, em segundo lugar, ao critério da formação profissional, não se exclui que possa jogar em desfavor dos trabalhadores femininos, na medida em que tenham tido menores possibilidades de adquirir uma formação profissional tão elevada como os trabalhadores masculinos ou tenham utilizado essas possibilidades em menor medida. No entanto, face às considerações contidas no acórdão de 13 de Maio de 1986, já citado, o empregador pode justificar a remuneração de uma particular formação profissional, demonstrando que esta era importante para a execução das tarefas concretas confiadas ao trabalhador.

    24 No que respeita, em terceiro lugar, ao critério da antiguidade, não se exclui igualmente que possa, tal como o da formação profissional, implicar um tratamento menos favorável dos trabalhadores femininos relativamente aos masculinos, na medida em que as mulheres tenham acedido mais recentemente ao mercado do trabalho que os homens, ou sofrido interrupções de carreira mais frequentes. No entanto, como a antiguidade é normalmente sinónimo de experiência e esta coloca normalmente o trabalhador em condições de efectuar um melhor trabalho, é lícito que o empregador a remunere, sem que tenha de provar a sua importância para a execução das tarefas concretas confiadas ao trabalhador.

    25 Nestas condições, deve responder-se às questões 1 b) e 2 a) e c) que a directiva relativa à igualdade de remuneração deve interpretar-se no sentido de que, quando se verifique que a aplicação de critérios de majoração como a flexibilidade, a formação profissional ou a antiguidade do trabalhador, desfavorece sistematicamente os trabalhadores femininos:

    - o empregador pode justificar o recurso ao critério da flexibilidade, caso este se entenda que este diz respeito à capacidade de adaptação a horários e lugares de trabalho variáveis, mediante a prova de que essa capacidade de adaptação é importante para a execução das tarefas concretas atribuídas ao trabalhador, mas não quando tal critério seja entendido como referido à qualidade do trabalho efectuado pelo trabalhador;

    - o empregador pode justificar o recurso ao critério de formação profissional, provando que esta é importante para a execução das tarefas concretas confiadas ao trabalhador;

    - o empregador não é obrigado a justificar, em especial, o recurso ao critério da antiguidade.

    Quanto à forma como o empregador pode diferenciar legalmente as remunerações dos seus assalariados (questão 2 b))

    26 Dado que as respostas dadas às questões relativas à legalidade dos critérios de majoração em causa (questões 1 b) e 2 a) e c)) indicaram de que forma a legalidade desses critérios de majoração deve ser apreciada em direito comunitário, tornar-se inútil responder à questão relativa à forma como o empregador pode legalmente diferenciar a remuneração dos seus assalariados (questão 2 b)).

    Quanto à relevância da existência de duas convenções colectivas distintas (questão 4)

    27 Através desta questão, o tribunal nacional pretende saber se a existência de duas convenções colectivas distintas aplicáveis, no essencial, respectivamente, a trabalhadores masculinos e a trabalhadores femininos, tem por efeito afastar a aplicação da directiva relativa à igualdade de remuneração.

    28 A este respeito, deve notar-se que a própria decisão de reenvio revela que a convenção colectiva de 9 de Março de 1983, já citada, é a única em questão no caso em apreço. Tal facto foi aliás confirmado pelas partes durante a audiência. Nestas condições, não há que responder à questão 4 submetida pelo tribunal nacional.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    29 As despesas efectuadas pelos Governos dinamarquês, britânico, português e italiano, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL

    pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo tribunal arbitral profissional, em decisão de 12 de Outubro de 1987, declara:

    A Directiva 75/117 do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros no que respeita à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos, deve interpretar-se no sentido de que:

    1) Quando uma empresa aplica um sistema de remuneração caracterizado pela total falta de transparência, cabe ao empregador o ónus da prova de que a sua prática salarial não é discriminatória, sempre que o trabalhador feminino demonstre, em relação a um número relativamente importante de assalariados, que a remuneração média dos trabalhadores femininos é inferior à dos trabalhadores masculinos;

    2) quando se verifique que a aplicação de critérios de majoração como a flexibilidade, a formação profissional ou a antiguidade do trabalhador, desfavorece sistematicamente os trabalhadores femininos:

    - o empregador pode justificar o recurso ao critério da flexibilidade, entendido este como tendo em vista a capacidade de adaptação a horários e lugares variáveis, demonstrando que esta capacidade de adaptação é importante para a execução das tarefas concretas atribuídas ao trabalhador, mas não quando tal critério seja entendido como referido à qualidade do trabalho efectuado pelo trabalhador;

    - o empregador pode justificar o recurso ao critério da formação profissional, provando que esta é importante para a execução das tarefas concretas confiadas ao trabalhador;

    - o empregador não é obrigado a justificar, em especial, o recurso ao critério de antiguidade.

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