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Documento 61985CJ0118
Judgment of the Court of 16 June 1987. # Commission of the European Communities v Italian Republic. # Transparency of financial relations between Member States and public undertakings. # Case 118/85.
Acórdão do Tribunal de 16 de Junho de 1987.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana.
Transparência das relações financeiras entre os Estados-membros e as empresas públicas.
Processo 118/85.
Acórdão do Tribunal de 16 de Junho de 1987.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana.
Transparência das relações financeiras entre os Estados-membros e as empresas públicas.
Processo 118/85.
Colectânea de Jurisprudência 1987 -02599
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1987:283
apresentado no processo 118/85 ( *1 )
I — Factos e tramitação processual
A Directiva 80/723 da Comissão, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-membros e as empresas públicas (JO L 195, p. 35; EE 08 F2 p. 75), adoptada especificamente por força do artigo 90.°, n.° 3, do Tratado CEE, tem por finalidade tornar transparentes as relações financeiras entre os Estados-membros e as empresas públicas. Para este efeito, o artigo 1.° da directiva dá uma definição de transparência, que consiste em fazer ressaltar a atribuição de recursos públicos às empresas públicas, efectuada quer directamente, quer por intermédio de outras empresas públicas, e também a utilização efectiva deles. Para efeitos de aplicação da directiva, o artigo 2° precisa que se entende por «poderes públicos» o Estado e outras pessoas colectivas de tipo territorial e por «empresa pública» qualquer empresa em que os poderes públicos possam exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante em consequência da propriedade, da participação financeira ou das regras que a disciplinem. Presume-se a influência dominante quando os poderes públicos, directa ou indirectamente, detenham a maioria do capital subscrito da empresa, disponham da maioria dos votos atribuídos às partes sociais da empresa ou possam designar mais de metade dos membros do órgão de administração, de direcção ou de fiscalização da empresa. O artigo 5.° obriga os Estados-membros a manter os dados relativos às relações financeiras em causa à disposição da Comissão durante cinco anos e a comunicar-lhos quando esta os solicitar.
Por cartas de 22 de Dezembro de 1982 e de 19 de Abril de 1983, a Comissão pediu à República Italiana informações respeitantes às relações financeiras com as empresas públicas dos sectores automóvel, dos estaleiros navais, das fibras sintéticas, das máquinas para a indústria têxtil e dos tabacos manufacturados. Enquanto para todos os outros sectores o Governo italiano forneceu um certo número de informações, quanto ao sector dos tabacos manufacturados, pelo contrário, por carta de 15 de Novembro de 1983 da representação permanente da Itália junto das Comunidades Europeias, alegava que não se considerava obrigado a comunicar as contas anuais desse sector. Com efeito, a Amministrazione autonoma dei monopoli di Stato (Administração Autònoma dos Monopólios de Estado, a seguir designada «AAME»), que opera no sector dos tabacos manufacturados, não podia, de acordo com a interpretação dada pelo Governo italiano, ser considerada como «empresa pública», na acepção do artigo 2.° da directiva de 25 de Junho de 1980, pertencendo, sim, à categoria dos «poderes públicos», na acepção deste mesmo artigo.
Por carta de 7 de Dezembro de 1983, o di-rector-geral da Concorrência da Comissão informava as autoridades italianas de que a Comissão não podia concordar com a referida interpretação da noção de empresa, sendo o facto determinante, em sua opinião, a oferta de bens e serviços no mercado e não a dependência dessa actividade em relação ao Estado, ou mesmo a sua incorporação na administração pública. A carta acrescentava que, se a aplicabilidade da directiva fosse excluída unicamente por se tratar de actividades exercidas directamente pelo Estado, tal poderia significar que a definição do campo de aplicação das disposições do Tratado CEE seria deixada aos Estados-membros. O director-geral recordava a seguir que, no processo 78/82 (Comissão/República Italiana, acórdão de 7 de Junho de 1983, Recueil, p. 1955), o Governo italiano tinha invocado a favor da AAME o artigo 90.°, n.° 2, do Tratado CEE, para justificar a medida contestada pela Comissão; ora, esta disposição pressupõe a existência de uma empresa.
Não tendo esta carta obtido resposta, a Comissão deu início ao processo previsto no artigo 169.° do Tratado CEE, por carta de 16 de Abril de 1984. Por nota da representação permanente, de 28 de Junho de 1984, o Governo italiano repetia os pontos de vista já expressos. Segundo as autoridades italianas, o carácter de organismo do Estado exclui a existência de personalidade jurídica distinta da do Estado, o que, aliás, seria reconhecido pela Comunidade, que, na Directiva 80/767 do Conselho, de 22 de Julho de 1980 (JO L 215 de 18.8.1980; EE 17 F1 p. 83), considera o monopólio do tabaco como fazendo parte do Ministério das Finanças. Por outro lado, a directiva sobre a transparência pressuporia uma contraposição entre duas pessoas jurídicas diferentes, entre as quais se possa presumir a existência de relações financeiras. A administração italiana admite que, lato sensu, a AAME é uma empresa no sentido econó-mico-produtivo e que essa empresa tem o caracter de monopólio fiscal na acepção do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado CEÈ, mas acrescenta que a noção de empresa contida nesta disposição não coincide com a da directiva sobre a transparência, como resultaria também da circunstância de o artigo 2° da directiva, ao dar uma definição de empresa pública, a circunscrever ao âmbito da directiva. A nota concluía insistindo no facto de, segundo o Governo italiano, a AAME, enquanto organismo do Estado, estar incluída na definição de poderes públicos e não na de empresa pública.
Por carta de 30 de Outubro de 1984, a Comissão enviou o parecer fundamentado, segundo o qual o Governo italiano, ao deixar de fornecer as informações relativas à AAME, solicitadas pela Comissão, faltou às obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.°, n.° 2, da directiva de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-membros e as empresas públicas. A Comissão convidava o Governo italiano a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao parecer fundamentado no prazo de dois meses, a contar da sua notificação.
O parecer fundamentado ficou sem resposta e, em consequência, a Comissão propôs a presente acção.
O requerimento da Comissão deu entrada na Secretaria do Tribunal em 29 dé Abril de 1985.
De acordo com o relatório do juiz relator e após ter ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução prévia.
II — Pedidos das partes
A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
— |
declarar que o Governo da República Italiana, tendo recusado transmitir as informações sobre a AAME pedidas pela Comissão, faltou ao cumprimento das obrigações que lhe incumbem por aplicação do artigo 5.°, n.° 2, da directiva de 25 de Junho de 1980 relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-membros e as empresas públicas; |
— |
condenar o Governo da República Italiana nas despesas do processo. |
O Governo italiano conclui pedindo que o Tribunal se digne:
— |
considerar a acção improcedente; |
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condenar a demandante nas despesas. |
III — Fundamentos e argumentos das partes
A Comissão sustenta que, embora a violação imputada diga respeito ao artigo 5.° da directiva, dado que o Governo italiano se recusou a fornecer as informações nela previstas, na realidade, o objecto do litígio é outro e respeita à interpretação do artigo 2.° da directiva, que dá as definições de «poderes públicos» e de «empresa pública».
Segundo a Comissão, as definições de «poderes públicos» e de «empresa pública» são indispensáveis para delimitar bem o campo de aplicação da directiva. Efectivamente, tendo em conta o objectivo do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado e as diferentes estruturas dos Estados-membros, chega-se à conclusão de que, para precisar melhor o que se entende por actividade do Estado, a Comissão substituiu a expressão «Estado--membro» pela expressão «poderes públicos» e de que, por esta última expressão, se deve entender quer o Estado, quer as diferentes pessoas colectivas territoriais que possam encontrar-se no território do Estado. Por outro lado, parece estar fora de discussão o facto de que os autores do Tratado, partindo do princípio da existência de concepções extremamente diferentes em cada Estado-membro quanto à importância, à função e à necessidade das empresas públicas, se abstiveram intencionalmente de dar uma definição de empresa pública. No entanto, a expressão utilizada no artigo 90.°, n.° 1, do Tratado é uma noção de direito comunitário e, por consequência, não pode ser interpretada senão de maneira uniforme por todos os Estados-membros, partindo do sentido e do objectivo da referida disposição. O objectivo do artigo 90.°, n.° 1, é controlar a influência dos poderes públicos, com vista a um bom funcionamento do mercado comum, e de modo que esta influência não seja utilizada abusivamente para proceder a discriminações ou a alterações da concorrência. E lógico portanto que, para alcancar o objectivo que a directiva fixou, a Comissão, ao dar a definição de «empresa pública», se tenha referido à noção de influência dominante, amplamente precisada no artigo 2.°, que os poderes públicos exercem sobre as empresas, independentemente do facto de saber se esta influência é enquadrável em relações de direito público ou de direito privado. Além disso, como a interpretação da noção de empresa pública deve ser funcional, o artigo 90.° aplicar-se-ia às relações entre o Estado (entendido na sua qualidade de representante dos interesses públicos) e qualquer organismo sobre o qual exerça uma influência dominante, sempre que este organismo ofereça bens e serviços no mercado e independentemente do facto de esse organismo possuir personalidade jurídica ou de poder ser efectivamente considerado como fazendo ele próprio parte do Estado.
No que respeita à recusa do Governo italiano em fornecer informações relativas à AAME pelo facto de o organismo em questão não ser uma «empresa» no sentido da directiva, não possuindo personalidade jurídica distinta da do Estado, a Comissão observa que, efectivamente, não resulta nem do texto nem dos objectivos visados pela directiva que as relações financeiras que têm de tornar-se transparentes devam ocorrer, necessariamente, entre pessoas colectivas distintas. Na verdade, o termo empresa, no Tratado, não corresponde a uma noção jurídica mas funcional. Não designa organismos dotados de personalidade jurídica (conceito que, de resto, pode variar segundo o direito interno de cada Estado-membro), mas limita-se a designar qualquer organismo que tenha por objecto a oferta de bens e de serviços no mercado. Sendo o objectivo do Tratado evitar que a concorrência seja falseada no mercado comum, dele resultaria que as regras do Tratado (como também as directivas) se aplicam quer o organismo seja privado, quer público e, nesta última hipótese, independentemente do facto de possuir personalidade jurídica ou fazer parte da administração do Estado. No caso presente, a possibilidade de confusão entre a função empresarial do Estado e a sua função de autoridade não existe, na medida em que a AAME possui autonomia orçamental relativamente ao orçamento geral do ministério de que faz parte.
Quanto ao argumento do Governo italiano de que a directiva adoptou uma noção de empresa mais restrita do que aquela que está consagrada no Tratado, a Comissão precisa que a definição de «empresa pública» contida na directiva está limitada ao seu âmbito específico e não coincide necessariamente com a noção de empresa a que se refere o Tratado. Não parece, porém, que se possa dizer, relativamente à questão levantada pelo Governo italiano, que haja divergência entre as duas noções. A directiva impôs a exigência de transparência nas relações financeiras entre o Estado e as empresas públicas para clarificar as situações em que é mais fácil uma confusão entre o Estado enquanto poder público e o Estado enquanto empresário. Neste caso concreto, a AAME exerce, no sector dos tabacos manufacturados, uma actividade de carácter empresarial, entrando em concorrência com as outras empresas que operam no sector. A Comissão deve poder verificar se esta concorrência não é falseada por ajudas incompatíveis com o artigo 92.° do Tratado CEE, ajudas que podem ser tanto mais difíceis de identificar quanto mais estreita for a ligação da actividade empresarial à estrutura do Estado. A definição de empresa pública do artigo 2° da directiva não visa tanto definir o termo «empresa», como clarificar o termo «pública». Portanto, a noção de empresa não é mais restrita na directiva do que no Tratado.
O Governo italiano, antes do mais, esclarece a natureza jurídica da AAME. Com base no diploma que a instituiu (Decreto-Lei n.° 2258, de 8 de Dezembro de 1927, convertido na Lei n.° 3474, de 6 de Dezembro de 1928, posteriormente alterada), a AAME constituiria um organismo directamente dependente da administração do Estado, ao qual foi confiado o exercício dos monopólios fiscais (tabaco e também jogo do loto: Lei n.° 528, de 2 de Agosto de 1982). A AAME apresenta particularidades quanto à «autonomia» do seu orçamento (o orçamento previsional é apresentado ao Parlamento em anexo à previsão de despesas do Ministério das Finanças e o balanço vai anexo, em apêndice à Conta Geral do Estado), quanto à fiscalização dos documentos, feita seguidamente pelo Tribunal de Contas, e quanto à existência de um conselho de administração especial, cujo parecer substitui o do Conselho de Estado.
No entanto, estas particularidades em nada modificam a natureza da AAME, que é um organismo da administração do Estado. Além disso, o «monopólio dos tabacos» está incluído nos organismos do Ministério das Finanças no anexo I da Directiva 80/767 do Conselho, de 22 de Julho de 1980, relativa aos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público (JO L 215, p. 1); pode ainda acrescentar-se que a ordem jurídica italiana inclui nas funções públicas e institucionais (do Estado) a produção e comercialização dos tabacos manufacturados pelo exercício do monopólio fiscal, adaptado em conformidade com o artigo 37.° do Tratado CEE.
Quanto à questão de saber se a AAME deve ser considerada como uma «empresa pública» à qual se aplicaria, por consequência, a obrigação referida no artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 80/723/CEE, o Governo italiano observa que, na sua acção, a Comissão admite que, no artigo 2.° da directiva, as definições de «poderes públicos» e de «empresa pública» constituem definições «... indispensáveis para bem delimitar o domínio de aplicação da directiva». O Governo italiano deduz disso que, segundo a própria Comissão, o litígio não diz respeito à noção de «empresa» ou de «empresa pública», na acepção do Tratado CEE, mas sim à noção específica de «empresa pública» de que trata o artigo 2.° da Directiva 80/723.
Parece arbitrário fazer referência a conceitos retirados do artigo 90.° do Tratado CEE, uma vez que a noção de «empresa pública» utilizada na directiva sobre a transparência não coincide com a dó artigo 90.° do Tratado. Esta falta de coincidência é reconhecida pela própria Comissão na sua acção e o Tribunal decidiu no mesmo sentido, no acórdão de 6 de Julho de 1982 (República Francesa/Comissão, processos apensos 188 a 190/80, Recueil, p. 2545, n.° 24 da fundamentação).
Por consequência, mesmo que se queira admitir que a AAME constitui uma empresa pública, na acepção do artigo 90.° do Tratado CEE, isso não significa que se deva necessariamente chegar à mesma conclusão para os fins e efeitos da directiva sobre a transparência. Além disso, uma vez que a noção de «empresa pública» de que trata a directiva não coincide com a que pode ser deduzida do Tratado, não parece justificado referir-se a este último para sustentar que, também segundo a directiva sobre a transparência, a noção de empresa pública tem caracter funcional e prescinde completamente dos aspectos estruturais.
O Governo italiano sustenta que, para interpretar a noção de «empresa pública» para os fins do presente processo, se deve ter como referência, exclusivamente, a Directiva 80/723, que pressupõe claramente que as «relações financeiras» de que é preciso assegurar a «transparência», a fim de garantir que não subsistem eventuais auxílios proibidos, tenham lugar entre diferentes sujeitos de direito (isto é, dotados de personalidades jurídicas distintas e separadas).
Os artigos 1.° e 2o da Directiva 80/723 evidenciam claramente a separação entre os «poderes públicos» e as «empresas públicas», pondo em relevo a distinta personalidade jurídica dos dois elementos entre os quais se estabelecem as relações financeiras.
Esta conclusão não se pode validamente refutar introduzindo na directiva um conceito exclusivamente funcional de empresa, pretensamente reconduzível ao Tratado CEE. O Governo italiano recorda que, na directiva, a empresa tem uma individualização no plano pessoal e estrutural, como sujeito contraposto aos «poderes públicos», isto é, ao Estado e às outras pessoas colectivas territoriais com as quais pode entrar em relações financeiras. Disto deriva que, se a AAME é, enquanto organismo do Estado, um «poder público», ela não poderá constituir, ao mesmo tempo, uma «empresa pública», no sentido da directiva. Não se pode, por fim, sustentar que as exigências de transparência, que a directiva visa satisfazer, devam poder ser satisfeitas mesmo quando a empresa pública se confunda, no plano da personalidade jurídica, com o poder público. A interpretação literal e lógica da directiva sobre a transparência não permite imaginar a hipótese de relações financeiras no seio da mesma pessoa colectiva. A directiva não permite de modo algum distinguir, no que diz respeito aos poderes públicos, entre actividades de autoridade e actividades empresariais.
O Governo italiano refere-se à tese da Comissão segundo a qual não há divergência entre a noção de «empresa pública» acolhida na directiva e a que pode ser deduzida do Tratado e de que a noção de empresa não é mais restrita na directiva do que no Tratado. Segundo o Governo italiano, se as duas noções não coincidem, são necessariamente diversas.
A noção de empresa pública deveria, para efeitos do presente litígio, ser definida exclusivamente com referência às disposições da directiva sobre a transparência. Estas disposições não permitem ignorar a separação, em termos de sujeitos de direito, entre o poder público e a empresa pública, e não permitem considerar como empresa pública inclusive a que for um organismo do Estado e, portanto, directamente gerida por este.
Outra questão é a que se prende com a exigência de controlo do respeito das regras de concorrência e das normas relativas aos auxílios do Estado mesmo nos sectores em que actuaram empresas «incorporadas» na própria estrutura do Estado. Não se trata, no caso presente, de decidir sobre o bem-fundado desta exigência; pelo contrário, trata-se de reconhecer que a directiva sobre a transparência, tal como está formulada, não se aplica às empresas sem personalidade jurídica distinta, exactamente porque incorporadas na própria estrutura do Estado ou de qualquer outro poder público.
Na réplica, a Comissão faz as seguintes observações sobre os argumentos invocados pelo Governo italiano. Segundo a Comissão, a argumentação adversa atém-se unicamente à letra das disposições em causa, uma vez que a demandada afirma poder deduzir-se dos dois primeiros artigos da directiva a distinção entre poderes públicos e empresas públicas, tendo como consequência a contraposição de duas pessoas jurídicas distintas. Na realidade, a leitura do artigo 1.°, que precisa quais as obrigações impostas aos Estados-membros pela directiva, e do artigo 2.°, que dá a definição de poderes públicos e de empresa pública, não leva, de forma alguma, às conclusões que a parte contrária deles procura tirar. Pelo contrário, do artigo 2.° — onde se precisa que as empresas públicas são aquelas sobre cujas decisões os poderes públicos podem exercer influência, esclarecendo ainda que esta influência se pode exercer com base quer numa participação financeira, quer nas normas que disciplinam a gestão da empresa — infere-se facilmente que esta definição se aplica também à AAME. Dela não resulta, no entanto, que a empresa pública deva ter uma estrutura autónoma. Por conseguinte, a definição de empresa (já que o objecto do litígio versa essencialmente sobre esta definição) não pode ser compreendida e interpretada unicamente pela leitura do texto do artigo 2.° da directiva.
A Comissão observa que, pelo contrário, resulta claro que é preciso reportar-se tanto ao Tratado como à directiva nó seu conjunto, tendo em conta os objectivos e finalidades prosseguidos por esta. Do acórdão do Tribunal de 6 de Julho de 1982, já referido, conclui-se que a noção de empresa utilizada no artigo 90.°, n.° 1, do Tratado constitui uma noção de direito comunitário e que o artigo 2° da directiva não tem por fim definir esta noção, tal como ela figura no artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, mas estabelecer os critérios necessários para determinar quais são as empresas cujas relações com os poderes públicos estão sujeitas à obrigação de informação consagrada na directiva. É todavia claro que, se o termo utilizado no artigo 90.°, n.° 1, é uma noção de direito comunitário e que, portanto, tem de ser interpretado de modo uniforme por todos os Estados-membros, partindo do sentido e do escopo da referida disposição, também a disposição do artigo 2.° da directiva deve estar submetida às mesmas regras. Raciocinando diferentemente permitir-se-ia aos Estados-membros subtraírem-se facilmente às obrigações que decorrem da directiva, interpretando eles próprios a noção de empresa pública ou a de influência dominante. Além disso, a relação entre o artigo 90.° e o artigo 2.° da directiva é colocada de modo extremamente claro no n.° 26 da fundamentação do acórdão de 6 de Julho de 1982, já referido.
Seria evidente que se a definição da noção de empresa pública na acepção do artigo 90.°, n.° 1, fazia explicitamente apelo à influência dos poderes públicos, tal definição não poderia ser senão funcional (e, portanto, independente dos limites, tanto públicos como privados, que lhe possam impor os diversos direitos nacionais) e, por maioria de razão, o mesmo deveria dizer-se quanto à definição que consta do artigo 2° da directiva, dado que a noção nela contida se refere igualmente ao mesmo conceito.
E errado o argumento do Governo italiano segundo o qual seria impossível, nos termos da directiva, admitir relações financeiras no âmbito do mesmo sujeito jurídico, uma vez que a AAME, se bem que não possua personalidade jurídica distinta da do Estado, possui, no entanto, um orçamento regido por disposições especiais que prevêem a sua autonomia. Existem, portanto, relações financeiras, previstas na legislação italiana que especificamente regula essa matéria.
E claro que, quando o Estado age como empresário, independentemente da formulação jurídica que define essa situação, a Comissão não pode, certamente, deixar-se paralisar por uma definição jurídica de empresa, mas deve ver se o Estado efectivamente desenvolve uma actividade de produção ou de comercialização de bens e serviços. Daqui resulta que a definição de empresa pública deve, em qualquer caso, poder adaptar-se a todas as situações e que, por conseguinte, a noção de empresa pública na acepção da directiva abrange igualmente o organismo que, directamente emanado do Estado, distribui os seus produtos segundo as regras e os preços fixados por este último.
No que respeita à tese do Governo italiano de que a directiva sobre a transparência não permite distinguir, no âmbito dos poderes públicos, entre as actividades características do exercício da autoridade pública e as actividades características da empresa, parece claro que um dos objectivos da directiva foi precisamente pôr em evidência a posição do Estado enquanto poder público e enquanto empresário. Resultaria do sexto considerando da directiva que a transparência nas relações financeiras entre os Estados-membros e as empresas públicas era pretendida precisamente para permitir uma clara distinção entre estes dois papéis desempenhados pelo Estado. Do que resulta que o papel do Estado, na sua qualidade de autoridade pública, não interessa à directiva, enquanto o seu papel como empresário é tomado em devida consideração. Neste caso concreto, não é o Estado italiano, enquanto autoridade pública, que está em causa, mas o Estado italiano que, através de um ramo da própria administração, desenvolve uma actividade tipicamente empresarial e, por consequência, de forma nenhuma indispensável para fins de interesse estritamente público, actividade sobre a qual a Comissão tem o dever de exercer o seu poder de fiscalização, nos termos do Tratado.
Por fim, a Comissão observa que, se a tese da parte contrária fosse admitida, os Esta-dos-membros poderiam facilmente escapar ao controlo efectivo previsto pela directiva sobre a transparência, modificando o estatuto das suas empresas públicas (consideradas pela sua legislação como pessoas jurídicas autónomas e, por conseguinte, distintas do Estado) e transformando-as em outros tantos ramos da própria administração pública. As consequências para o direito comunitário seriam incalculáveis, pois a Directiva (bem como, aliás, o próprio artigo 90.°) seria assim esvaziada de qualquer conteúdo prático. A Comissão considera o texto suficientemente claro e que ele deve, de qualquer forma, ser interpretado tendo em conta o Tratado e a finalidade jurídica da própria directiva. Consequentemente, a noção de empresa pública pode abranger qualquer organismo sobre o qual os poderes públicos exerçam uma influência dominante, independentemente da definição jurídica que se possa dar desse organismo, sempre que a sua actividade seja realmente de natureza empresarial.
Na réplica, o Governo italiano insiste no facto de que, para que os poderes públicos possam exercer influência sobre uma empresa pública, é necessário que os dois sujeitos sejam juridicamente distintos. O mesmo se diga quanto ao controlo, não podendo sequer imaginar-se que o sujeito controlado (empresa pública) coincida com o sujeito controlador (os poderes públicos). Por outro lado, também o tipo das relações financeiras, cuja transparência se visa assegurar (artigo 3.° da directiva), demonstra que tais relações ocorrem e têm de ocorrer entre pessoas jurídicas distintas.
O Governo italiano não contesta que a noção de empresa pública deve ser interpretada de modo uniforme em todos os Esta-dos-membros, mesmo para os efeitos da directiva sobre a transparência. Insiste, todavia, em afirmar que a noção (uniforme) de empresa pública comporta em si própria — para os efeitos da directiva — uma separação jurídica entre a própria empresa e o poder público. De facto, não podem existir «relações financeiras» no interior de um mesmo sujeito jurídico, e a observação da demandante de que o orçamento da Administração dos Monopólios de Estado apresenta uma certa autonomia relativamente ao orçamento do Ministério das Finanças é destituída de qualquer relevância.
T. F. O'Higgins
Juiz relator
( *1 ) Língua do processo: italiano.
16 de Junho de 1987 ( *1 )
No processo 118/85,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Sergio Fabro, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo junto de Georges Kremlis, membro do Serviço Jurídico da Comissão, edifício Jean Monnet, Kirchberg,
demandante,
contra
República Italiana, representada por Luigi Ferrari Bravo, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático, na qualidade de agente, assistido por Ivo M. Braguglia, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido na embaixada de Itália no Luxemburgo,
demandada,
que tem por objecto declarar que a República Italiana, ao ter-se recusado a transmitir à Comissão as informações relativas à Amministrazione autonoma dei monopoli di Stato, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do n.° 2 do artigo 5.° da Directiva 80/723/CEE da Comissão, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-membros e as empresas públicas (JO L 195, p. 35),
O TRIBUNAL,
constituído pelos Srs. Mackenzie Stuart, presidente, C. Kakouris, T. F. O'Higgins e F. Schockweiler, presidentes de secção, G. Bosco, T. Koopmans, K. Bahlmann, R. Joliét e G. C. Rodríguez Iglesias, juízes,
advogado-geral: J. Mischo
secretario: H. A. Rühl, administrador principal
visto o relatório para audiência e após a realização desta em 30 de Setembro de 1986,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiencia de 4 de Novembro de 1986,
profere o presente
Acórdão
1 |
Por petição entregue na Secretaria do Tribunal em 29 de Abril de 1985, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, ao abrigo do artigo 169.° do Tratado CEE, uma acção pela qual pretende obter a declaração de que a República Italiana, ao ter-se recusado a transmitir-lhe as informações a respeito da Amministrazione autonoma dei monopoli di Stato, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do n.° 2 do artigo 5.° da Directiva 80/723/CEE da Comissão, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-membros e as empresas públicas (JO L 195, p. 35; EE 08 F2 p. 75). |
2 |
Quanto aos elementos de facto, tramitação processual e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos dos autos só serão retomados na medida necessária à fundamentação da decisão do Tribunal. |
3 |
Não se contesta que a Amministrazione autonoma dei monopoli di Stato (Administração Autònoma dos Monopolios de Estado, a seguir designada «AAME») participa na actividade econòmica, na medida em que oferece, no domínio dos tabacos manufacturados, bens e serviços no mercado. Além disso, é sabido que a AAME não possui personalidade jurídica distinta do Estado. |
4 |
O Governo italiano defende a sua recusa em comunicar as informações solicitadas pela Comissão, alegando que a AAME não pode ser considerada como «empresa pública» na acepção do artigo 2.° da Directiva 80/723/CEE mas deve, pelo contrário, ser considerada como um dos «poderes públicos», na acepção do mesmo artigo. A este respeito, o Governo italianosustenta que se a AAME é, enquanto organismo de Estado, um poder público, não poderia ser, ao mesmo tempo, uma empresa pública na acepção da directiva. |
5 |
Nos termos do artigo 2.° da Directiva 80/723/CEE, entende-se por poderes públicos «o Estado, bem como outras pessoas colectivas de tipo territorial», e por empresa pública «qualquer empresa em que os poderes públicos possam exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante em consequência da propriedade, da participação financeira ou das regras que a disciplinam». |
6 |
Verifica-se, tal como o Tribunal declarou no acórdão de 6 de Julho de 1982 (República Francesa, República Italiana e Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte/Comissão, processos apensos 188 a 190/80, Recueil, p. 2545), que o principal objectivo da Directiva 80/723/CEE é promover a aplicação eficaz, às empresas públicas, do disposto nos artigos 92.° e 93.° do Tratado, relativo aos auxílios estaduais. Como resulta dos considerandos da directiva, a complexidade das relações entre os poderes públicos nacionais e as empresas públicas é de natureza a colocar entraves ao cumprimento do dever de vigilância da Comissão, de tal modo que apenas pode ser feita uma aplicação eficaz e equitativa das regras do Tratado CEE relativas aos auxílios se essas relações financeiras forem transparentes. Em especial, o sexto considerando prevê que, em matéria de empresas públicas, esta transparência deve permitir uma clara distinção entre o papel do Estado enquanto poder público e enquanto proprietário. |
7 |
A distinção prevista pelo sexto considerando tem origem no reconhecimento do facto de o Estado poder agir quer no exercício da autoridade pública quer no exercício de actividades económicas de carácter industrial ou comercial, que se traduzem na oferta de bens ou serviços no mercado. Para se poder operar essa distinção é, portanto, necessário proceder, em cada caso, ao exame das atividades exercidas pelo Estado e determinar a que categoria pertencem. |
8 |
Deve observar-se que, para este fim, não importa que o Estado exerça as referidas actividades económicas por intermédio de uma entidade distinta, sobre a qual pode exercer, directa ou indirectamente, uma influência dominante, segundo os critérios enumerados no artigo 2.° da directiva, ou que as exerça directamente por intermédio de um organismo que faça parte da administração do Estado. Com efeito, neste último caso, o facto de o organismo fazer parte integrante da administração do Estado implica, por hipótese, o exercício de uma influência dominante na acepção do referido artigo 2.° Neste caso, as relações financeiras podem tornar-se ainda mais complexas e, assim, a transparência pretendida pela directiva torna-se ainda mais necessária. No caso em apreço, o facto de a AAME fazer parte integrante da administração do Estado não se opõe a que ela seja considerada como empresa pública na acepção da Directiva 80/723/CEE. |
9 |
O Governo italiano alega ainda que, para os poderes públicos poderem exercer a sua influência sobre uma empresa pública, as duas entidades têm de ser juridicamente distintas. Em sua opinião, a empresa pública deve, portanto, possuir necessariamente personalidade jurídica distinta da do Estado. |
10 |
Este argumento não pode ser aceite. O objectivo da Directiva 80/723/CEE, acima referido, seria posto em causa se a sua aplicação dependesse da questão de saber se os organismos do Estado possuem ou não personalidade jurídica distinta. Com efeito, segundo a forma jurídica escolhida pelos Estados-membros, as actividades económicas de caracter industrial ou comercial de certos organismos do Estado estariam abrangidas pela directiva enquanto que as de outros não estariam. Além disso, a aplicação da directiva relativamente à mesma actividade seria diferente de um Estado-membro para outro Estado-membro, em função da classificação jurídica que cada Estado-membro atribui às empresas públicas que exercem essa actividade. |
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A este respeito, convém recordar, tal como o Tribunal tem constantemente sublinhado na sua jurisprudência, que o recurso a normas da ordem jurídica interna para limitar o âmbito de aplicação das disposições de direito comunitário teria por consequência afectar a unidade e eficácia deste direito e não poderia, portanto, ser aceite. Por conseguinte, a existência ou não de uma personalidade jurídica distinta da do Estadoatribuída pelo direito nacional não é relevante para se saber se um organismo pode ser considerado como empresa pública, na acepção da directiva. |
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O Governo italiano entende, além disso, que a noção de relações financeiras, de que a directiva pretende assegurar a transparência, pressupõe a existência de relações entre sujeitos de direito distintos. |
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Deve observar-se a este respeito, que o facto de um organismo que exerça actividades económicas de carácter industrial ou comercial estar integrado na administração do Estado, com o qual se confunde numa mesma pessoa jurídica, não impede a existência de relações financeiras entre o Estado e esse organismo. Com efeito, por meio da atribuição de fundos orçamentais, o Estado dispõe, por definição, do poder de exercer uma influência sobre a gestão económica da empresa, que permite compensar as perdas de exploração e colocar à disposição da empresa novos fundos, e pode assim permitir que esta prossiga uma exploração ao arrepio das regras de uma gestão comercial normal, situação que a directiva justamente pretende tornar visível. |
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Por último, o Governo italiano sustenta resultar do anexo I da Directiva 80/767/CEE do Conselho, de 22 de Julho de 1980, que adapta e completa, no que diz respeito a certas autoridades adjudicantes, a Directiva 77/62/CEE, que coordena os processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público (JO L 215, p. 1; EE 17 F1 p. 83), que a AAME é um organismo do Ministério das Finanças italiano. Com efeito, uma nota de pé de página no anexo I, a propósito do Ministério das Finanças, exclui os monopólios dos tabacos e do sal da lista das entidades compradoras italianas incluídas no âmbito de aplicação da directiva. |
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A este respeito deve observar-se que, no quadro da Directiva 80/767, tal como afirma o Governo italiano, a AAME é considerada dependente do Ministério das Finanças. Todavia, como resulta da fundamentação do Tribunal acima desenvolvida, esta circunstância não é relevante para a qualificação como empresa pública nos termos da Directiva 80/723. |
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Resulta do conjunto das considerações precedentes que a AAME deve ser considerada empresa pública, na acepção do artigo 2° da Directiva 80/723/CEE. |
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Deve pois reconhecer-se que, ao ter-se recusado a transmitir à Comissão as informações relativas à AAME, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do n.° 2 do artigo 5.° da Directiva da Comissão 80/723/CEE, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-membros e as empresas públicas. |
Quanto às despesas
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Nos termos do n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento Processual, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a República Italiana decaído na acção deve ser condenada nas despesas. |
Pelos fundamentos expostos, O TRIBUNAL decide : |
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Mackenzie Stuart Kakouris O'Higgins Schockweiler Bosco Koopmans Bahlmann Joliét Rodríguez Iglesias Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, am 16 de de Junho de 1987. O secretário P. Heim O presidente A. J. Mackenzie Stuart |
( *1 ) Ungua do processo: italiano.