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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 61974CC0067

    Conclusões do advogado-geral Mayras apresentadas em 19 de Fevereiro de 1975.
    Carmelo Angelo Bonsignore contra Oberstadtdirektor der Stadt Köln.
    Pedido de decisão prejudicial: Verwaltungsgericht Köln - Alemanha.
    Ordem pública e segurança pública.
    Processo 67-74.

    Edição especial portuguesa 1975 00125

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1975:22

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    HENRI MAYRAS

    apresentadas em 19 de Fevereiro de 1975 ( 1 )

    Senhor Presidente,

    Senhores Juízes,

    O presente processo vai conduzir o tribunal a definir a interpretação da Directiva n.o 221 do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, que, como sabem, trata da coordenação, na Comunidade, das medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada, justificadas por razões de ordem pública e, designadamente, de segurança pública.

    No acórdão de 4 de Dezembro último, no processo 41/74, Van Duyn, o Tribunal declarou que as disposições do artigo 3.o , n.o 1, deste acto comunitário, nos termos do qual «as medidas de ordem pública ou de segurança pública devem fundamentar-se, exclusivamente, no comportamento pessoal do indivíduo em causa», criam «a favor dos particulares direitos que os mesmos podem invocar em juízo nos Estados-membros e que os órgãos jurisdicionais nacionais devem salvaguardar».

    Assim, o Tribunal reconheceu a aplicabilidade directa desta norma no sentido que a sua jurisprudência atribui a esta expressão. O Tribunal decidiu igualmente que a apreciação do comportamento pessoal é uma condição necessária a qualquer medida restritiva da liberdade de circulação e de emprego dos trabalhadores migrantes tomada pelas autoridades nacionais. A expulsão, medida de polícia de que um Estado pode fazer uso nos termos da sua lei interna, só é justificada, à luz do direito comunitário, quando fundada na apreciação individual do comportamento da pessoa visada.

    No caso presente, o Verwaltungsgericht de Colónia coloca ao Tribunal duas questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 3.o da Directiva n.o 64/221.

    Pela primeira destas questões, o tribunal administrativo pergunta se estas disposições constituem obstáculo a que as autoridades competentes de um Estado-membro — no caso concreto a República Federal da Alemanha — possam ordenar a expulsão de um trabalhador migrante, nacional de um outro Estado-membro, «com o objectivo de dissuadir outros estrangeiros a cometer um delito idêntico ou semelhante àquele de que é acusado o trabalhador atingido por esta medida ou mesmo de cometer outras infracções contra a segurança e ordem públicas» do país de acolhimento.

    Por outras palavras, o problema é saber se a directiva proíbe a expulsão de um trabalhador comunitário no caso desta decisão ser motivada por um objectivo de «prevenção geral».

    É uma questão de princípio cuja solução contribuirá para definir o conteúdo e determinar os limites da «reserva de ordem pública» contida no artigo 48.o do Tratado da Comunidade Económica Europeia, relativo à livre circulação de trabalhadores assalariados, e que se encontra, em termos análogos, no artigo 56.o, relativo à liberdade de estabelecimento.

    A segunda questão colocada pelo juiz alemão relaciona-se directamente com os factos que deram origem ao litígio na causa principal.

    O juiz pergunta ao tribunal se o artigo 3.o, n. os 1 e 2, da directiva deve ser interpretado no sentido de que «um nacional de um Estado-membro só pode ser expulso do território de um outro Estado-membro se existirem indícios probatórios que permitam pensar que este estrangeiro, condenado por ter cometido uma infracção à lei penal do país de acolhimento, cometerá uma nova infracção ou perturbará a segurança e a ordem públicas deste país».

    Antes de abordar o estudo destas questões devemos recordar a origem do caso e expor brevemente o curso do processo perante as autoridades tanto administrativas como judiciais da República Federal.

    Carmelo Bonsignore, de nacionalidade italiana, nascido na Sicília em 1950, chegou à Alemanha em Outubro de 1968. Empregou-se na fábrica Ford de Colónia como operário químico. Em Maio de 1971, este jovem compra ilegalmente a um desconhecido uma pistola automática de marca Beretta, calibre 6,35 mm, munida de cartuchos. Não possui licença de uso ou porte de arma.

    Alguns dias mais tarde, em 30 de Maio, num jantar de família no domicílio da sua irmã, exibe a arma que adquiriu e quer mostrar o seu funcionamento. Retira o carregador, verifica que ficou uma bala na câmara. Tenta retirá-la mas não consegue. Pouco familiarizado com o manejo de armas de fogo, premiu involuntariamente o gatilho. O tiro parte. O seu jovem irmão, Angelo, recentemente chegado à Alemanha, é mortalmente atingido na cabeça.

    Após o inquérito policial, o Schöffengericht (juízo correccional) junto do Amtsgericht (tribunal de instância) de Colónia condena Carmelo Bonsignore a uma multa por infracção à lei sobre a detenção de armas.

    Em contrapartida, isentou-o de pena pela acusação de homicídio involuntário com fundamento em que o acusado, jovem, inexperiente, ficou profundamente afectado pela morte do seu irmão provocada pela sua imprudência; o tribunal considera ainda como circunstância atenuante o facto de ele não ter de forma alguma procurado negar a sua responsabilidade e o compromisso por si assumido de nunca mais tocar numa arma.

    Porém, o Oberstadtdirektor da cidade de Colónia, em 18 de Setembro de 1972 — dezasseis meses após o drama —, decide expulsar o interessado do território da República Federal. Ordena a execução desta medida no prazo de um mês. Tendo o recurso gracioso interposto pelo interessado sido julgado improcedente, este deduziu oposição à execução da decisão para o Tribunal Administrativo de Colónia. A Quarta Secção deste órgão jurisdicional defere a suspensão da execução apesar dos argumentos apresentados pela administração. Esta alegou que a aquisição e a detenção ilegal de uma arma de fogo «provam suficientemente que o recorrente não tem a intenção de respeitar a ordem jurídica alemã». «Não pode ser tolerado — acrescenta a autoridade municipal de Colónia — que estrangeiros, acolhidos como hóspedes, façam pesar uma ameaça permanente sobre a comunidade (nacional) adquirindo e detendo ilegalmente armas».

    E — é a consideração essencial da defesa da autoridade municipal — «como o número de delitos cometidos por estrangeiros com armas de fogo aumentou consideravelmente no decurso dos últimos anos, é necessário prevenir um novo aumento desta criminalidade violenta expulsando imediatamente os estrangeiros que infringiram a legislação sobre as armas». Esta posição, aliás, estava em conformidade com instruções dadas pelo Governo alemão.

    O Tribunal não acolheu este ponto de vista. Declarou que o recorrente só poderia ser expulso se o seu comportamento pessoal justificasse tal medida, não sendo uma condenação penal, por si só, determinante. Portanto, a expulsão só seria legal se, com base no comportamento do estrangeiro, fosse de presumir que constitui, no futuro, um perigo para a segurança e a ordem públicas na Alemanha, isto é, se houvesse um risco de reincidência. Tendo o tribunal entendido que, no caso concreto, não existia qualquer risco desta natureza, a ordem de expulsão deve ser considerada como «manifestamente viciada por erro».

    Porém, a 26 de Abril de 1973, o Regierungspräsident de Colónia confirma a decisão de expulsão inicialmente tomada pela autoridade municipal. Afirmando que a protecção da segurança e da ordem públicas na Alemanha deve prevalecer sobre o interesse pessoal do requerente em residir no país, considera que existe um risco de reincidência por parte daquele. Embora o Regierungspräsident se baseie, desta forma, no comportamento pessoal presumido ou, segundo ele, previsível do trabalhador italiano, a preocupação de «prevenção geral» permanece latente na sua argumentação.

    Carmelo Bonsignore requereu a anulação desta medida e concluiu perante o tribunal administrativo que deve ser ordenado às autoridades competentes que o autorizem a manter a sua residência no território da República Federal Alemã.

    Foi este o processo no qual o tribunal administrativo colocou as questões prejudiciais que recordámos no início das nossas conclusões.

    Discussão

    Para abordar o exame destas questões, cremos que é necessário referirmo-nos ao acórdão de princípio que o Tribunal proferiu no processo Van Duyn.

    Nessa decisão, o Tribunal confirmou, em primeiro lugar, que o artigo 48.o do Tratado é directamente aplicável, mesmo considerando que o n.o 3 deste artigo coloca, em relação ao princípio da livre circulação e ao direito de permanência dos trabalhadores migrantes, «uma reserva relativa às limitações justificadas por razões de ordem pública e, designadamente, de segurança pública». Mas esta reserva, que constitui uma excepção aos direitos criados pelo artigo 48.o em benefício dos nacionais comunitários, deve ser interpretada restritivamente à luz da Directiva n.o 64/221 do Conselho.

    Seguidamente o Tribunal declarou que as disposições contidas no artigo 3.o, n.o 1.o, desta directiva, nos termos do qual «as medidas de ordem pública ou de segurança pública devem fundamentar-se, exclusivamente no comportamento pessoal do indivíduo em causa», têm igualmente efeito directo pelo facto de, nos casos em que as autoridades comunitárias, por meio de directiva, «obrigaram os Estados-membros a adoptar um comportamento determinado, o efeito útil de tal acto ficaria enfraquecido se os particulares fossem impedidos de o fazer valer em juízo e os órgãos jurisdicionais nacionais impedidos de tomá-lo em consideração enquanto elemento de direito comunitário».

    Aliás, o Tribunal precisou que o artigo 3.o, n.o 1.o, da directiva «estabelece uma obrigação que não comporta qualquer reserva ou condição e que, por sua natureza, não necessita de intervenção de qualquer acto, quer das instituições comunitárias, quer dos Estados-membros».

    A obrigação desta forma imposta aos Estados limita manifestamente o poder, que conservaram, de tomar, para salvaguarda da ordem pública nacional, decisões susceptíveis de afectar o direito dos nacionais comunitários, garantido pelo artigo 48.o do Tratado, de entrarem em seu território e nele permanecerem, uma vez que o artigo 3.o , n.o 1.o, da directiva exige que unicamente considerações derivadas do comportamento pessoal destas as podem legitimar.

    Lembrado isto, é oportuno citar os termos do n.o 2 do artigo 3.o da directiva, que dispõe que «a mera existência de condenações penais não pode, por si só, servir de fundamento…» às medidas de ordem pública ou de segurança pública tomadas em relação aos trabalhadores comunitários.

    Com efeito, este número foi expressamente mencionado na decisão de reenvio do Tribunal Administrativo de Colónia.

    Na nossa opinião, não cabe dúvida que esta disposição, como a do n.o 1.o, tem efeito directo e cria, consequentemente, direitos subjectivos a favor dos particulares.

    Uma decisão de expulsão, tomada em relação a um nacional de um Estado-membro, seria indubitavelmente contrária ao direito comunitário directamente aplicável se fosse apenas fundada na mera existência de uma condenação proferida por um órgão jurisdicional penal do Estado de acolhimento.

    Esta solução é imposta pela consideração de que se, em princípio, a prática de qualquer infracção à lei penal constitui, por si, uma perturbação da ordem pública nacional, a aplicação da lei punitiva pelos órgãos jurisdicionais competentes basta, em relação aos nacionais como aos cidadãos de outros Estados-membros, para garantir a repressão destinada a proteger aquela ordem pública.

    É certo que a expulsão, que, evidentemente, apenas pode atingir os estrangeiros e não os nacionais, é uma medida de polícia, mas os seus efeitos no plano social e no plano humano revelam-se infinitamente mais graves do que os de uma pena pecuniária, ou mesmo de uma pena privativa da liberdade, pelo menos de curta duração.

    Os autores da directiva pretenderam, assim, que, independentemente de qualquer condenação, as autoridades nacionais só pudessem decidir a expulsão na medida em que a conduta pessoal do cidadão comunitário, autor de uma infracção, tenha comportado ou corra o risco de comportar no futuro uma tal ameaça para a ordem pública nacional que a presença do indivíduo em causa no território do país de acolhimento se torne intolerável.

    Ora, sem falar das infracções de natureza contravencional, os delitos de imprudência, ou mesmo alguns crimes passionais cometidos num contexto psicológico específico, não são, em geral, de natureza a afectar a ordem pública e designadamente a segurança públicaem. condições de tal gravidade que a expulsão do seu autor apareça como uma solução necessária.

    Da mesma forma, se nos reportarmos aos autos enviados pelo órgão jurisdicional alemão, dos mesmos resulta que Carmelo Bonsignore foi condenado unicamente pela acusação de detenção ilícita de arma de fogo. Em contrapartida, foi absolvido da acusação de homicídio por imprudência. A única condenação sofrida não podia, nos próprios termos do artigo 3o, n.o 2, da directiva, bastar para fundamentar legalmente a sua expulsão.

    Portanto, não é neste terreno que as autoridades locais — tanto o Oberstadtdirektor como o Regierungspräsident — podiam tentar justificar a medida tomada.

    Assim, as mesmas autoridades alegaram que a detenção ou o porte de uma arma ilícita — e o homicídio por imprudência que daí resultou — são indissociáveis no comportamento pessoal do interessado; que, mesmo que este não possa ser considerado como um reincidente em potência, a própria natureza do delito de detenção ilícita de arma, que envolve um perigo potencial para a ordem pública, bastaria para justificar a medida de expulsão.

    Aliás, este ponto de vista está em conformidade, segundo parece, com instruções dadas pela autoridade federal, segundo as quais determinados delitos, como designadamente a detenção de armas ou, num outro plano, a venda de estupefacientes, se incluem no número daqueles que deveriam, em princípio, implicar a expulsão dos seus autores estrangeiros.

    É um facto que, nos países industrializados que recorrem amplamente à mão-de-obra de origem estrangeira, as estatísticas judiciárias e policiais mostram que determinadas formas de criminalidade são mais particularmente devidas à população imigrada. Diversas razões explicam este fenómeno: relativa inadaptação dos trabalhadores estrangeiros numa sociedade a maior parte das vezes muito diferente daquela que conheceram no seu país de origem; condições de vida e de alojamento muitas vezes difíceis; falta de assimilação; sensação que experimentam de continuar efectivamente estranhos ao corpo social do país de acolhimento. Os sociólogos diriam que se trata de um sentimento de alienação.

    Pode igualmente pensar-se que, nos estados industriais evoluídos e muito particularmente nos grandes aglomerados urbanos que são uma das consequências da industrialização, certos delitos, mesmo relativamente menores, como a detenção de armas, por exemplo, justificariam medidas preventivas, da mesma forma, aliás, que a protecção da saúde pública exige que seja organizada a prevenção de certas doenças contagiosas.

    Todavia, se no domínio da protecção sanitária é fácil elaborar a lista das doenças cuja declaração e prevenção são obrigatórias, também seria necessário que os delitos considerados como comportando mutatis mutandis um risco de «contágio» fossem objecto de uma enumeração limitativa decretada pelas autoridades comunitárias, de forma que os princípios da livre circulação e do direito ao emprego e à permanência dos trabalhadores migrantes recebam, em cada um dos Estados-membros, uma aplicação uniforme.

    Tal não é, como se viu, o sistema adoptado pela directiva do Conselho. Esta baseia-se num conceito diferente, que assenta no exame, caso por caso, do comportamento pessoal dos interessados.

    E a primeira questão colocada pelo juiz alemão reduz-se a saber se o objectivo de prevenção geral, de dissuasão, é ou não compatível com uma interpretação correcta desta directiva.

    É fácil compreender as razões pelas quais o Tribunal Administrativo de Colónia solicitou a interpretação do Tribunal de Justiça sobre este problema de princípio.

    É que, efectivamente, a jurisprudência dos órgãos jurisdicionais alemães é, relativamente aos critérios da prevenção especial e da prevenção geral, divergente ou mesmo dividida.

    Desta forma, a questão coloca-se em termos diferentes conforme os estrangeiros visados pelas medidas de expulsão são ou nacionais de estados terceiros, e, portanto, sob a alçada da lei chamada «Ausländergesetz», diploma de direito comum em matéria de polícia de estrangeiros, ou, pelo contrário, são cidadãos comunitários sujeitos como tais a um regime específico, que é descrito na «Aufenthaltsgesetz», lei adoptada em aplicação da Directiva n.o 64/221.

    Em relação aos primeiros concebe-se que, sem prejuízo de convenções bilaterais, as autoridades alemãs disponham de um poder de apreciação mais amplamente discricionário, que, todavia, devem exercer em conformidade com o direito e, designadamente, respeitando o princípio da proporcionalidade, sob o controlo dos tribunais.

    Aliás, num primeiro tempo, parece que o Bundesverwaltungsgericht, órgão jurisdicional federal supremo em matéria administrativa, adoptou, mesmo no âmbito do direito comum em matéria de polícia de estrangeiros, uma concepção fundada unicamente na noção de prevenção especial (acórdão de 11 de Junho de 1968).

    Alguns autces, como Kloesel e Christ, criticaram esta solução afirmando que, nos termos do décimo parágrafo, n.o 2, desta lei, devia ser admitido o fundamento de prevenção geral.

    Contudo, a jurisprudência do tribunal federal evoluiu. Um acórdão mais recente, de 15 de Janeiro de 1970, que aliás faz referência a duas decisões anteriores, admite expressamente o fundamento de prevenção geral e nega provimento ao recurso interposto por um cidadão turco de uma medida de expulsão pronunciada por condução em estado de embriaguez «com vista a dissuadir outros estrangeiros de se comportarem da mesma forma».

    Os órgãos jurisdicionais administrativos inferiores adoptaram soluções idênticas.

    O problema coloca-se em termos diferentes no caso de as medidas de expulsão atingirem cidadãos dos Estados-membros.

    A Aufenthaltsgesetz tem como objectivo transpor para o direito interno as disposições da directiva do Conselho. Fá-lo de forma extensiva, uma vez que acrescenta ao conceito de perigo para a ordem pública, para a segurança e saúde públicas, o de «perigo para os interesses primordiais da Alemanha». Uma circular de aplicação que, indubitavelmente, só poderá ter um valor indicativo para os órgãos jurisdicionais, disso é reveladora ao admitir que, em relação aos cidadãos comunitários, os fundamentos de expulsão são os mesmos que em relação aos outros estrangeiros. Essa instrução precisa que a exigência de uma apreciação do comportamento pessoal significa apenas que, sem se ater exclusivamente à existência de uma condenação penal, deve ter-se em conta a natureza da infracção, as condições em que esta foi cometida e o perigo de eventual reincidência.

    Com base nesta lei, alguns tribunais tiveram a preocupação de fundamentar as suas decisões em considerações exclusivamente baseadas na ideia de comportamento pessoal e de prevenção especial:

    Oberverwaltungsgericht de Berlim, decisão de 15 de Maio de 1968 (I.A./398 n.o OVG 1 B 31.67),

    ou sobre a gravidade particular do delito e do risco de reincidência:

    decisão do mesmo tribunal, da mesma data (I.A./399 n.o OVG 1 B 41.67).

    Além do mais, o Oberverwaltungsgericht de Berlim exprimiu-se claramente numa decisão de 2 de Outubro de 1968 (I.A./400, n.o OVG 1 B 93.67) pela qual concedeu provimento ao recurso de um cidadão italiano condenado por venda de droga. Considerando o carácter puramente ocasional do delito, que exclui, segundo este tribunal, o fundamento de prevenção especial, precisou que, «como as medidas de segurança pública se devem basear exclusivamente no comportamento pessoal do indivíduo em causa, deve ser afastada a pretensão da administração de fundamentar a medida em considerações de prevenção colectiva».

    Da mesma forma, o Verwaltungsgericht de Kassel, por decisão de 29 de Setembro de 1972(Neue Juristische Wochenschrift, 1973, l. a parte, p. 439), entendeu, no caso de uma italiana homicida do seu cunhado que tivera em relação a ela uma atitude imoral, que a Aufenthaltsgesetz apenas autoriza a expulsão por motivos de prevenção especial.

    As mesmas considerações de princípio foram feitas pelo Oberverwaltungsgericht de Münster numa decisão de 20 de Dezembro de 1972(Die öffentliche Verwaltung, 1972, p. 415), decisão que, afastando o fundamento de prevenção geral ou colectiva, só admitiu a legalidade da expulsão de um cidadão belga condenado por vários furtos fundando-se em motivos particulares de prevenção e com o fim de impedir nova prática de tais delitos.

    Pelo contrário, outros órgãos jurisdicionais não se limitaram à apreciação do comportamento pessoal do delinquente, mas consideraram expressamente o conceito de prevenção geral. Assim, já numa decisão de 13 de Dezembro de 1965 proferida no caso de um italiano condenado por furto, o Vertwaltungsgerichtshof (tribunal administrativo) de Bade-Würtemberg invocou o fundamento de prevenção geral. É certo que esta decisão é anterior à entrada em vigor da Aufenthaltsgesetz.

    Contudo, num acórdão mais recente de 3 de Maio de 1973(Die öffentliche Verwaltung, 1973, p. 732), o próprio Bundesverwaltungsgericht considerou que as disposições da Directiva n.o 64/221, relativas à apreciação do comportamento pessoal dos cidadãos comunitários objecto de medidas de expulsão, são ambíguas e não devem necessariamente ser entendidas num sentido restritivo dos poderes das autoridades nacionais. Segundo o alto tribunal administrativo, a directiva não conduziria, portanto, a eliminar o objectivo de prevenção geral. Embora o tribunal administrativo alemão tenha admitido nesse caso concreto — tratava-se de um crime passional cometido por um cidadão italiano — o recurso, foi apenas porque entendeu que a decisão estava insuficientemente fundamentada, tanto no que respeita às considerações de prevenção geral como, inclusivamente, aos fundamentos de prevenção especial.

    Porém, os considerandos de princípio do Bundesverwaltunsgericht não o estão menos.

    Será de lamentar, Senhores Juízes, que, tendo-se manifestamente interrogado sobre a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, da directiva a ponto de revelar alguma hesitação sobre o sentido e alcance desta disposição comunitária, o Bundesverwaltunsgericht não tenha resolvido apresentar ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial que o Tribunal Administrativo de Colónia reenviou com o objectivo evidente de orientar, para o futuro, a jurisprudência nacional ou, pelo menos, de a assentar em bases comunitárias incontestáveis.

    Não temos qualquer dúvida em propor ao Tribunal que responda que o conceito de comportamento pessoal exclui que uma medida de expulsão possa ser ordenada em relação a um trabalhador comunitário com fundamento na preocupação de prevenção geral.

    Em primeiro lugar, a liberdade de circulação, reconhecida em benefício dos trabalhadores pelo artigo 48.o do Tratado, implica o direito de residir e de trabalhar no Estado de acolhimento. Ora, trata-se de direitos subjectivos essenciais à realização do mercado comum que, longe de estar limitado às trocas sem entraves das mercadorias, implica necessariamente a mobilidade dos homens e a garantia de acesso ao território de cada Estado-membro para nele trabalhar. Essas considerações, aliás, são igualmente válidas em matéria de liberdade de estabelecimento.

    Esses direitos têm uma natureza fundamental no sistema do Tratado. O seu exercício não pode ser limitado arbitrariamente ou mesmo discricionariamente pelos Estados-membros. É certo que estes mantiveram a sua competência em matéria de segurança pública e tivemos a ocasião de dizer, a propósito do processo Van Duyn, que os imperativos da ordem pública nacional variam de um Estado para outro, da mesma forma que variam igualmente no tempo, em função das condições sociológicas.

    Portanto, é incontestável que deve ser reconhecida às autoridades nacionais uma certa margem de apreciação neste domínio, mas, como o Tribunal declarou, esta margem de apreciação deve inscrever-se nos limites impostos pelo Tratado e, acrescentaremos, pela directiva adoptada em aplicação do seu artigo 48.o Ora, para retomar os próprios termos do vosso acórdão de 4 de Dezembro de 1974 (processo 41/74, Van Duyn), «o conceito de ordem pública, no contexto comunitário, e designadamente enquanto justificação de uma derrogação a um princípio fundamental de direito comunitário, deve ser entendido restritivamente, de maneira a que o seu alcance não possa ser determinado unilateralmente por cada um dos Estados-membros sem controlo das instituições da Comunidade».

    A este respeito, não há dúvida que, ao exigir a apreciação do comportamento individual de qualquer cidadão comunitário sujeito a uma decisão fundada na protecção da ordem pública, e particularmente da segurança pública, o artigo 3.o, n.o 1, da directiva entendeu limitar o poder das autoridades nacionais e afastar qualquer faculdade de as mesmas tomarem em relação a este cidadão medidas de polícia de natureza colectiva.

    Em nossa opinião, deve-se ir ainda mais longe e conferir o seu efeito útil pleno à directiva, reconhecendo que o conceito de comportamento pessoal e a preocupação de prevenção geral são antinómicos, inconciliáveis.

    Expulsar um trabalhador nacional de um Estado-membro é negar o seu direito à residência e ao emprego no território do Estado de acolhimento. Trata-se de uma medida muito grave, cheia de consequências, que só poderá ser justificada por considerações baseadas exclusivamente no comportamento pessoal, tal como são reveladas pelos factos cometidos. A contrario, a directiva impõe assim aos Estados-membros a obrigação de não ter em conta factores alheios a este comportamento pessoal.

    Portanto, afigura-se-nos impossível fazer de um trabalhador comunitário, mesmo condenado por uma infracção penal, um «bode expiatório» com vista a dissuadir outros estrangeiros de agir como ele o fez. Na verdade, a directiva exige que a perturbação da ordem pública nacional, enquanto resultante do comportamento pessoal, seja tal que a expulsão se imponha, quer porque a ordem pública foi gravemente perturbada pelos factos cometidos, quer porque é de temer a nova prática de actos anti-sociais por parte do interessado.

    Quanto a nós, permitimo-nos mostrar um certo cepticismo quanto ao efeito realmente dissuasor de uma expulsão ordenada para «dar o exemplo». Admitindo que o conhecimento de tal medida se divulgue amplamente nos meios dos trabalhadores estrangeiros, não se mostra evidente que a mesma tenha um carácter de exemplaridade tal que incite a generalidade dos imigrados a absterem-se de cometer actos delituosos.

    No limite, não nos podemos impedir de pensar que a expulsão de um trabalhador estrangeiro, mesmo cidadão do mercado comum, responde na realidade ao sentimento de hostilidade, que por vezes confina a xenofobia, que a prática de um delito por um estrangeiro faz geralmente surgir ou reaviva na população nacional.

    Seja como for, o objectivo da dissuasão parece-nos só poder ser atingido na condição de a expulsão ser não apenas decidida, mas executada, num prazo muito breve.

    Ora, no caso em apreço, lembramos que, se os factos delituosos tiveram lugar no fim de Maio de 1971, se a condenação por detenção ilegal de armas só ocorreu no mês de Outubro seguinte, o Oberstadtdirektor da cidade de Colónia esperou pela data de 15 de Setembro de 1972 para ordenar a expulsão, isto é, mais de quinze meses após os factos, cerca de um ano após a decisão penal.

    Durante este período, pelo que se sabe, o recorrente prosseguiu a sua actividade assalariada na Alemanha.

    Isto mostra como, no caso em apreço, a eficácia da dissuasão foi singularmente enfraquecida.

    Acrescentamos que, ao admitir o pedido de suspensão da execução apresentado pelo recorrente, a Quarta Secção do Tribunal Administrativo de Colónia rejeitou incontestavelmente a tese das autoridades locais e revelou que à luz da directiva comunitária a expulsão não encontrava qualquer justificação séria.

    Evidentemente, é a esse tribunal, ao decidir de mérito, que competirá, conformando-se com o vosso acórdão interpretativo, situar o caso no seu verdadeiro terreno jurídico, isto é, apreciar em que medida o comportamento individual de Carmelo Bonsignore constitui ou não um perigo para a segurança pública da República Federal em condições susceptíveis de fundamentar a sua expulsão. Não nos compete entrar neste debate.

    Mas, na verdade, estas considerações conduzem-nos a apreciar a segunda questão prejudicial.

    Podemos ser muito breves sobre este aspecto, uma vez que resulta já das explicações que acabámos de dar que a noção do comportamento pessoal deve ser apreciada não apenas à luz dos fartos cometidos, mas tendo em conta a «perigosidade» do delinquente, para empregar a linguagem dos criminologistas.

    Noutros termos, entendemos que a expulsão de um cidadão num Estado-membro da Comunidade está dependente do reconhecimento, pelas autoridades nacionais, tanto administrativas como judiciais, de indícios probatórios susceptíveis de basear a convicção de que existe um risco sério de esse cidadão cometer uma nova infracção ou, de forma mais geral, revelar pelo seu compor tamento, tanto passado como previsível, um perigo para a segurança e a ordem públicas do Estado de acolhimento.

    Esta apreciação depende, em cada caso, em definitivo, da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais.

    Isto é, Senhores Juízes, somos da opinião de que se deve responder afirmativamente à segunda questão colocada.

    Em definitivo, a entrada em vigor do artigo 48.o do Tratado e da Directiva n.o 64/221 tem pois como objectivo e deve ter como efeito reduzir substancialmente o poder discricionário dos Estados de tomarem, em relação aos estrangeiros privilegiados que são os trabalhadores nacionais do mercado comum, medidas restritivas do seu direito de permanência, justificadas pela ordem pública, ao exigir que a sua situação individual seja objecto de um exame atento sob controlo jurisdicional.

    Todavia, o texto da directiva é apenas um primeiro passo com vista à harmonização ou, diríamos antes, à coordenação da aplicação das medidas fundadas na ordem pública.

    Uma solução mais eficaz, que vai no sentido de uma melhor protecção dos trabalhadores referidos no artigo 48.o, consistiria não certamente em transferir neste domínio para as instituições comunitárias as competências policiais que os Estados-membros quiseram conservar, das quais não está em causa privá-los, mas sim em reforçar e definir as disposições da directiva de maneira tal que os fundamentos de expulsão sejam baseados em critérios comunitários uniformemente aplicáveis.

    Em nossa opinião, esta é a via na qual será necessário, na altura própria, empenharmo-nos, devendo a aplicação de tais critérios às situações individuais permanecer dentro da competência das autoridades nacionais.

    Então, pelo menos, ter-se-á de uma vez por todas renunciado ao velho conceito de expulsão, medida de polícia discricionária das autoridades administrativas que lhes dá o poder de reconduzir às fronteiras os estrangeiros «indesejáveis», poder que, aliás, até uma época muito recente, esteve praticamente subtraído a um controlo jurisdicional eficaz.

    Concluímos que o Tribunal declare:

    1)

    Que as disposições do artigo 3.o, primeiro e segundo parágrafos, da Directiva n.o 64/221 do Conselho, directamente aplicáveis e, como tais, criando a favor dos nacionais dos Estados-membros da Comunidade direitos subjectivos que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proteger, devem ser interpretadas no sentido de que a expulsão de um destes nacionais, condenado por ter cometido uma infracção penal, não pode ser fundamentada em meras considerações de prevenção geral com vista a dissuadir outros estrangeiros de cometer um delito idêntico ou semelhante ou outras infracções que ponham em perigo a segurança ou a ordens públicas nacionais.

    2)

    Que uma tal expulsão, em conformidade com as referidas disposições da directiva, só pode ser decidida após uma apreciação do comportamento pessoal do delinquente e se, sob eventual controlo dos órgãos jurisdicionais nacionais, esta apreciação revelar a existência de uma ameaça suficientemente grave e previsível para a segurança e ordem públicas, designadamente em razão de um risco de reincidência.


    ( 1 ) Língua original: francês.

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