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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 61961CJ0007

Acórdão do Tribunal de 19 de Dezembro de 1961.
Comissão da Comunidade Económica Europeia contra Governo da República Italiana.
Processo 7-61.

Edição especial portuguesa 1954-1961 00643

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:1961:31

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

19 de Dezembro de 1961 ( *1 )

No processo 7/61,

Comissão da Comunidade Económica Europeia, representada pelo seu consultor jurídico, Giancarlo Olmi, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo junto de Henri Manzanarès, secretário do Serviço Jurídico dos Executivos Europeus, 2, place de Metz,

demandante,

contra

Governo da República Italiana, representado por Riccardo Monaco, chefe do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente (substituído nos debates orais por Paolo Massimo Antici, conselheiro na Embaixada da República Italiana no Luxemburgo), assistido por Pietro Peronaci, substituto do advogado-geral do Estado, com domicílio escolhido no Luxemburgo, na sede da Embaixada de Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,

demandado,

que tem por objecto um pedido de declaração de que ao suspender, fora dos procedimentos instituídos para aplicação das cláusulas de protecção, as importações provenientes dos Estados-membros dos seguintes produtos, cuja liberalização foi por ela consolidada em conformidade com o disposto no artigo 31o, segundo parágrafo, do Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia:

gado suíno não destinado a abate,

toucinho e gordura de porco não obtidos por compressão ou fusão, frescos, refrigerados, salgados, ou em salmoura, secos ou fumados,

banhas e outras gorduras animais obtidas por compressão ou fusão,

fiambres,

a República Italiana violou uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE.

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: A. M. Donner, presidente, O. Riese e J. Rueff, presidentes de secção, L. Delvaux, Ch. L. Hammes, R. Rossi e N. Catalano, juízes,

advogado-geral: M. Lagrange

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

A — Quanto ao objecto da acção

Da correspondência trocada entre as partes desde o dia 1 de Março de 1961, e depositada na Secretaria do Tribunal em 18 de Novembro de 1961, resulta que o Governo italiano se conformou finalmente com o ponto de vista da Comissão e instituiu a partir do dia 1 de Julho de 1961, um regime de preços mínimos para alguns dos produtos em causa, enquanto que para outros restabeleceu a completa liberalização da importação.

O Tribunal deve portanto verificar se os pedidos formulados no processo não ficaram agora privados de objecto, caso em que não haverá lugar a qualquer decisão.

Do teor do artigo 171.o do Tratado resulta que a acção tem por objecto o reconhecimento pelo Tribunal de que um dos Estados-membros faltou ao cumprimento de uma das obrigações que para ele decorrem do Tratado.

Ao Tribunal cabe portanto decidir se tal violação foi cometida sem necessidade de examinar se posteriormente à propositura da acção o Estado em causa adoptou os procedimentos necessários para pôr fim à referida violação.

É bem verdade que o artigo 169.o, segundo parágrafo, atribui à Comissão o direito de recorrer ao Tribunal apenas no caso de o Estado em causa não proceder em conformidade com o parecer da Comissão dentro do prazo por ela fixado, prazo que permite ao Estado interessado regularizar a sua posição relativamente ao Tratado.

Se dentro do prazo fixado o Estado-membro não tiver procedido em conformidade com o parecer da Comissão, não pode esta ver-se privada do direito a obter uma decisão do Tribunal sobre a violação das obrigações decorrentes do Tratado.

No caso concreto, se bem que a Comissão reconheça que o Governo italiano finalmente — mas após o termo do prazo fixado — respeitou as suas obrigações, conserva interesse em ver resolvida pelo Tribunal a questão de saber se se verificou efectivamente uma violação do Tratado.

Não pode portanto considerar-se a acção sem objecto.

B — Quanto à admissibilidade

Contra a admissibilidade da acção foram levantadas três objecções:

a)

Em primeiro lugar sustenta-se que a carta da Comissão de 21 de Dezembro de 1960 não constitui um «parecer fundamentado» no sentido do artigo 169 o do Tratado, porquanto não examinaria a pertinência dos argumentos avançados pelo Governo italiano sobre a existência e gravidade da crise que afectava o mercado de suínos e sobre a necessidade das medidas provisórias adoptadas para lhe pôr cobro.

O parecer de que fala o artigo 169 o do Tratado deve considerar-se suficientemente fundamentado quando contenha, como no caso em análise, uma exposição coerente das razões que levaram a Comissão à convicção de que o Estado interessado faltou ao cumprimento de uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado. A supracitada carta de 21 de Dezembro de 1960, se bem que não redigida na devida forma, corresponde a esta exigência.

b)

O demandado sustenta em segundo lugar, que existe uma contradição entre a atitude da Comissão na data do parecer fundamentado (21 de Dezembro de 1960), em que se considerava em condições de poder apreciar a situação e de emitir um parecer fundamentado, e na data da sua resposta (10 de Março de 1961) ao pedido relativo à adopção de medidas de protecção, em que afirmava aguardar as informações necessárias para apreciar o pedido.

Observa-se a este respeito que enquanto que o pedido nos termos do artigo 226.o do Tratado exige quer uma instrução quer uma apreciação dos factos quer uma decisão, em qualquer caso, o desenvolvimento de um determinado processo, o primeiro parágrafo do artigo 169 o é, pelo contrário, aplicável sempre que a Comissão considere, com ou sem razão, que um Estado-membro deixou de cumprir uma das obrigações impostas pelo Tratado.

Não se pode portanto vislumbrar qualquer contradição entre a atitude da Comissão no momento em que emitiu o parecer fundamentado e a sua atitude no momento em que respondeu ao pedido relativo à adopção de medidas de protecção.

c)

Em terceiro lugar, o demandado sustenta que o processo de que fala o artigo 169 o , segundo parágrafo, só é admissível se o Estado em causa não agir em conformidade com o parecer fundamentado; ora o Governo italiano procedeu em conformidade, dirigindo à Comissão, em 5 de Janeiro de 1961, antes de expirar o termo fixado, um pedido relativo à adopção de medidas de protecção nos termos do artigo 226.o

Todavia, para proceder em conformidade com o parecer fundamentado, o Governo italiano deveria ter iniciado em tempo útil os procedimentos necessários para pôr fim às medidas suspensivas declaradas incompatíveis com o artigo 31o A apresentação de um pedido relativo à adopção de medidas de protecção tem outro significado.

Pelas razões acima expostas as questões de inadmissibilidade deduzidas pelo recorrido devem ser rejeitadas.

C — Quanto ao fundamento

O demandado, embora não contestando de maneira formal que a reintrodução por parte de um Estado-membro de medidas restritivas à importação de produtos cuja liberalização tinha sido consolidada entre os Estados-membros, seja incompatíve' com o artigo 31o do Tratado, invoca todavia vários argumentos tendentes a sustentar, que não obstante, nas condições e circunstâncias em que se apresenta a controvérsia, a referida inobservância do artigo 31.o não constituiria por parte da República Italiana um incumprimento das obrigações impostas pelo Tratado:

a)

O demandado, invocando antes de mais o carácter provisório das medidas adoptadas, afirma que a própria vontade de restabelecer o mais depressa possível a liberdade de importação dos produtos é demonstrada pelo facto de a duração de validade das medidas suspensivas ter sido fixada por diversas vezes e por curtos períodos.

Deve porém sublinhar-se, a este respeito, que a objecção de «standstill» prevista no artigo 31o é absoluta e não comporta qualquer excepção mesmo parcial ou temporária, enquanto que a interpretação sustentada pelo recorrido permitiria actuações unilaterais dos Estados-membros que se apresentariam claramente em contraste com o objectivo prosseguido pelo Tratado em matéria de livre circulação de mercadorias.

O argumento invocado pelo demandado deve portanto ser rejeitado.

b)

O demandado sustenta em segundo lugar que o artigo 226.o relativo à adopção de medidas de protecção, seria aplicável no caso concreto e que a Comissão deveria ter-se pronunciado a esse respeito, se bem que a isso não tenha sido convidada antes de 5 de Janeiro de 1961.

Deve porém assinalar-se que as medidas de protecção previstas no artigo 226.o só podem ser autorizadas no âmbito do procedimento especial previsto no referido artigo, isto é, com base num pedido formal e inequívoco do Governo interessado, uma vez que constituem medidas de excepção relativamente às normas do Tratado e que podem perturbar o funcionamento do mercado comum.

No caso, a carta do Governo italiano datada de 20 de Junho de 1960 referia-se apenas aos procedimentos adoptados por aquele Governo sem fazer a mínima alusão às medidas de protecção cuja adopção se encontra subordinada à autorização da Comissão.

Consequentemente, a Comissão não podia pronunciar-se sobre o pedido relativo à adopção de medidas de protecção antes de 5 de Janeiro de 1961, momento em que lhe foi dirigido um pedido expresso nesse sentido por parte do demandado.

c)

Em terceiro lugar, o demandado sustenta que, para obviar aos preços artificialmente baixos, então prevalecentes no sector de carne suína, não existia outro meio senão a suspensão provisória das importações e que, por outro lado, os princípios gerais do direito público autorizam qualquer Estado a, em caso de urgência, adoptar as medidas provisórias que se mostrem necessárias para pôr cobro a tão graves acontecimentos.

Convém todavia assinalar que o artigo 226.o contém uma disposição formal que prevê um procedimento de urgência que permite remediar, com a maior brevidade, as situações mais graves.

O simples facto de estar previsto um procedimento de urgência exclui qualquer possibilidade de actuação unilateral por parte dos Estados-membros. Estes não poderão portanto invocar nem a urgência nem a gravidade das situações para iludir o procedimento do artigo 226.o

No caso concreto, tal procedimento só foi instaurado vários meses após o início da fase administrativa do litígio.

Os argumentos relativos à necessidade e à urgência devem portanto ser rejeitados.

d)

O demandado invoca por fim o artigo 36.o do Tratado, o qual autoriza designadamente as proibições à importação justificadas por motivos de ordem pública e sustenta que a Comissão, a quem o assunto foi submetido, deveria ter examinado por sua própria iniciativa se o artigo 36.o era aplicável ao caso.

A este respeito deve antes de mais observar-se que o artigo 36.o diferentemente do artigo 226.o, contempla as hipóteses de carácter não económico, que não possam prejudicar os princípios estabelecidos nos artigos 30.o a 34.o, como o confirma a última frase do artigo citado.

Designadamente o artigo 36.o não estabelece uma cláusula de protecção genérica que somada à prevista no artigo 226.o, permita aos Estados-membros derrogar por actuação unilateral o procedimento e as garantias previstas neste último artigo.

Por fim, nada a priori podia deixar pressupor à Comissão que as restrições temporárias à importação, bruscamente aprovadas pelo Governo italiano poderiam justificar-se com base no artigo 36.o, uma vez que tal argumento nunca foi invocado durante os contactos que precederam a fase judicial.

Também esta tese deve ser rejeitada.

Por todas as razões acima expostas o Tribunal julga a acção procedente.

Quanto às despesas

Por força do disposto no n.o 2 do artigo 69o do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo o Governo demandado sido vencido há que condená-lo nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os elementos de processo,

ouvido o relatório do juiz relator,

ouvidas as partes nas suas alegações,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

vistos os artigos 30.o a 34.o, 36.o, 169.o, 171.o e 226.o do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia,

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

rejeita todas as outras conclusões mais amplas ou contrárias, julga a acção procedente e decide:

 

1)

O Governo italiano, ao suspender provisoriamente as importações dos produtos em causa, provenientes dos outros Estados-membros faltou ao cumprimento da obrigação imposta pelo artigo 31.o, primeiro parágrafo, do Tratado.

 

2)

O demandado é condenado nas despesas.

 

Donner

Riese

Rueff

Delvaux

Hammes

Rossi

Catalano

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de Dezembro de 1961.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

A. M. Donner


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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