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Document 62009CC0493
Opinion of Mr Advocate General Mengozzi delivered on 25 May 2011.#European Commission v Portuguese Republic.#Failure of a Member State to fulfil obligations - Article 63 TFEU and Article 40 of the EEA Agreement - Free movement of capital - Foreign and national pension funds - Corporation tax - Dividends - Exemption - Difference in treatment.#Case C-493/09.
Conclusões do advogado-geral Mengozzi apresentadas em 25 de Maio de 2011.
Comissão Europeia contra República Portuguesa.
Incumprimento de Estado - Artigos 63.º TFUE e 40.º do Acordo EEE - Livre circulação de capitais - Fundos de pensões estrangeiros e nacionais - Imposto sobre as sociedades - Dividendos - Isenção - Diferença de tratamento.
Processo C-493/09.
Conclusões do advogado-geral Mengozzi apresentadas em 25 de Maio de 2011.
Comissão Europeia contra República Portuguesa.
Incumprimento de Estado - Artigos 63.º TFUE e 40.º do Acordo EEE - Livre circulação de capitais - Fundos de pensões estrangeiros e nacionais - Imposto sobre as sociedades - Dividendos - Isenção - Diferença de tratamento.
Processo C-493/09.
Colectânea de Jurisprudência 2011 I-09247
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:344
CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
PAOLO MENGOZZI
apresentadas em 25 de Maio de 2011 (1)
Processo C‑493/09
Comissão Europeia
contra
República Portuguesa
«Artigo 63.° TFUE – Artigo 40.° do Acordo EEE – Restrições aos movimentos de capitais – Investimentos dos fundos de pensões estrangeiros e nacionais – Dividendos – Tributação – Diferença de tratamento – Coerência do sistema fiscal – Eficácia dos controlos fiscais»
I – Introdução
1. Com a sua acção proposta em 1 de Dezembro de 2009, a Comissão Europeia pede a declaração de que, ao tributar os dividendos auferidos por fundos de pensões não residentes a uma taxa superior à que onera os dividendos auferidos por fundos de pensões residentes em território português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 63.° TFUE (ex‑artigo 56.° CE) e do artigo 40.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (2) (a seguir «Acordo EEE»).
II – Quadro jurídico
2. Nos termos do artigo 16.°, n.° 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (a seguir «EBF»), os rendimentos auferidos pelos fundos de pensões e equiparáveis que se constituam e operem de acordo com a legislação portuguesa são isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (a seguir «IRC»).
3. O artigo 16.°, n.° 4, do EBF dispõe que, em caso de inobservância dos requisitos estabelecidos no n.° 1 do mesmo artigo, a fruição do benefício aí previsto fica, no respectivo exercício, sem efeito, sendo as sociedades gestoras de fundos de pensões e equiparáveis, incluindo as associações mutualistas, responsáveis originariamente pelas dívidas de imposto dos fundos ou patrimónios cuja gestão lhes caiba, devendo efectuar o pagamento do imposto em dívida no prazo previsto no n.° 1 do artigo 120.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (a seguir «CIRC»).
4. O artigo 4.°, n.° 2, do CIRC dispõe que as pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC quanto aos rendimentos nele obtidos. O artigo 80.°, n.° 4, alínea c), do CIRC precisa que a taxa do IRC é de 20%, sem prejuízo da aplicação das disposições de convenções destinadas a evitar a dupla tributação (3).
5. Nos termos do artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do CIRC, entre os rendimentos dos não residentes que são tributados em Portugal contam‑se os rendimentos derivados de aplicações de capitais cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado.
6. É o seguinte o teor do n.° 11 do artigo 88.° do CIRC:
«São tributados autonomamente, à taxa de 20%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.»
7. O n.° 12 do artigo 88.° do CIRC acrescenta:
«Ao montante do imposto determinado, de acordo com o disposto no número anterior, é deduzido o imposto que eventualmente tenha sido retido na fonte, não podendo nesse caso o imposto retido ser deduzido ao abrigo do n.° 2 do artigo 90.°»
8. Por fim, o n.° 2 do artigo 90.° do CIRC esclarece que, no que toca aos dividendos pagos a fundos de pensões residentes, não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC, feita que seja a prova, perante a entidade pagadora, da isenção de que aproveitam, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto.
III – Procedimento pré‑contencioso
9. Em 23 de Março de 2007, a Comissão enviou à República Portuguesa uma notificação para cumprir, em que alegava a incompatibilidade da legislação fiscal portuguesa que confere um tratamento fiscal menos favorável aos juros e dividendos recebidos por fundos de pensões não residentes em Portugal com os artigos 56.° CE e 40.° do Acordo EEE.
10. Não tendo ficado convencida com a resposta da República Portuguesa, a Comissão dirigiu‑lhe, em 8 de Maio de 2008, um parecer fundamentado convidando‑a a tomar todas as medidas necessárias para agir em conformidade com os artigos 56.° CE e 40.° do Acordo EEE no que diz respeito à legislação relativa à tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões não residentes (4).
11. Na sua resposta, de 14 de Agosto de 2008, a República Portuguesa admite que o regime fiscal em causa constitui uma restrição à livre circulação de capitais, mas alegou que tal restrição é justificada pelo direito comunitário. Alegou, mais concretamente, que o regime fiscal mais favorável dos fundos de pensões estabelecidos em Portugal seria justificado pelas características específicas dos fundos de pensões nacionais e pelas regras próprias a que estão sujeitos. Esse Estado‑Membro insiste, na sua resposta, na impossibilidade prática de verificar se uma entidade não residente preenche requisitos semelhantes aos exigidos pela legislação nacional e também na coerência fiscal do regime controvertido.
IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes
12. Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 1 de Dezembro de 2009, a Comissão propôs a presente acção, pedindo ao Tribunal que:
– declare que, ao tributar os dividendos auferidos por fundos de pensões não residentes a uma taxa superior à que onera os dividendos auferidos por fundos de pensões estabelecidos em território português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 63.° TFUE e 40.° do Acordo EEE; e
– condene a República Portuguesa nas despesas.
13. A República Portuguesa pede que o Tribunal julgue a acção improcedente e condene a Comissão nas despesas.
14. Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 8 de Abril de 2010 e com base no terceiro parágrafo do artigo 40.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e no artigo 93.° do respectivo Regulamento de Processo, o Órgão de Fiscalização da EFTA pediu que fosse admitida a sua intervenção no presente processo a fim de apoiar os pedidos da Comissão.
15. Por despacho de 15 de Julho de 2010, o presidente do Tribunal de Justiça indeferiu esse pedido.
16. Foram ouvidas as alegações da Comissão e da República Portuguesa na audiência que decorreu em 24 de Março de 2011.
V – Apreciação
17. Antes de passar a analisar o carácter restritivo do regime controvertido e os motivos de justificação invocados pela República Portuguesa, devo fazer algumas observações sobre o objecto do incumprimento censurado pela Comissão, questão que foi objecto de debate na audiência no Tribunal de Justiça.
A – Quanto ao objecto do incumprimento censurado
18. O objecto da presente acção por incumprimento consiste, como indica a Comissão, no diferente tratamento dado pelo regime fiscal português aos dividendos auferidos pelos fundos de pensões em função do local do estabelecimento dos referidos fundos. Assim, os dividendos pagos por sociedades portuguesas a fundos de pensões que se constituam e operem de acordo com a legislação portuguesa são totalmente isentos de IRC, ao passo que os dividendos similares pagos a fundos de pensões não residentes são sujeitos a IRC à taxa máxima de 20% do dividendo pago.
19. A Comissão vê nessa diferença de tratamento uma restrição à livre circulação de capitais, na medida em que o investimento dos fundos de pensões não residentes em sociedades portuguesas se torna menos atraente.
20. A República Portuguesa alega que o objecto do incumprimento censurado é formulado em termos demasiado genéricos. Com efeito, segundo o artigo 88.°, n.° 11, do CIRC, os lucros distribuídos por entidades portuguesas sujeitas a IRC a fundos de pensões são tributados à taxa de 20% quando as partes sociais a que respeitam os dividendos não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Essa taxa é, portanto, igual à que é aplicada à tributação dos fundos de pensões não residentes. Daqui infere a República Portuguesa que o incumprimento que lhe é censurado se deveria circunscrever à situação das partes sociais detidas por um fundo de pensões por um período superior a um ano.
21. Esta objecção da República Portuguesa não me convence.
22. Com efeito, resulta claramente da redacção do dispositivo da petição inicial que o incumprimento não visa as disposições legislativas que prevêem a tributação dos dividendos distribuídos por sociedades portuguesas a fundos de pensões residentes e não residentes a uma mesma taxa de 20%, como as que são aplicáveis às partes sociais detidas durante um período inferior a um ano.
23. Assim, o pedido da Comissão não engloba as situações em que a tributação dos dividendos distribuídos a esses fundos de pensões residentes é igual à tributação dos dividendos distribuídos a fundos de pensões não residentes.
B – Quanto à existência de uma restrição aos movimentos de capitais
24. A título liminar, recordo que, nos termos do n.° 1 do artigo 63.° TFUE, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados‑Membros.
25. Constituem restrições deste tipo as medidas, incluindo as de carácter fiscal, tomadas por um Estado‑Membro que sejam aptas a dissuadir os não residentes de realizar investimentos no seu território (5).
26. No presente caso, os dividendos distribuídos a fundos de pensões não residentes são onerados por uma retenção na fonte de 20%, ao passo que essa retenção não é suportada pelos dividendos distribuídos a fundos de pensões portugueses. O investimento no capital das sociedades portuguesas torna‑se, assim, inegavelmente menos atraente para os fundos não residentes do que para os seus homólogos residentes, sendo claro que todos esses fundos de pensões se encontram numa situação comparável à luz da legislação portuguesa, pois a República Portuguesa exerce, enquanto Estado‑Membro de origem dos rendimentos, a sua competência fiscal sobre os dividendos distribuídos a essas entidades, independentemente do lugar em que estejam estabelecidas.
27. Além disso, faço questão de salientar que este tratamento menos favorável não é contestado pela República Portuguesa.
28. Destarte, considero que o regime fiscal em causa constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida, em princípio, pelo n.° 1 do artigo 63.° TFUE.
29. Dado que as disposições do artigo 40.° do Acordo EEE têm o mesmo alcance jurídico que as disposições, no essencial idênticas, do n.° 1 do artigo 63.° TFUE, as considerações anteriores são aplicáveis mutatis mutandis ao referido artigo 40.° (6).
30. Resta, portanto, analisar os motivos de justificação apresentados pela República Portuguesa.
C – Quanto às justificações invocadas pela República Portuguesa
31. A título de justificação da restrição dos movimentos de capitais acima evidenciada, a República Portuguesa invoca principalmente duas ordens de justificações: em primeiro lugar, a necessidade de assegurar a coerência do sistema fiscal e, em segundo lugar, a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais.
1. Quanto à justificação baseada na coerência do sistema fiscal
32. Segundo a República Portuguesa, o regime fiscal dos fundos de pensões é justificado com base numa aplicação ampla do princípio da coerência fiscal. Com efeito, a isenção dos rendimentos dos fundos de pensões portugueses é compensada pela tributação das pensões a pagar aos beneficiários residentes em Portugal em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. No domínio das reformas, essa interpretação é necessária para afastar todo e qualquer risco de afectação do equilíbrio financeiro do sistema da segurança social. A República Portuguesa refere, nos seus articulados, o princípio dito «IIT» (isenção das contribuições pagas aos fundos de pensões, isenção dos rendimentos recebidos e das mais‑valias realizadas pelos fundos de pensões e tributação das pensões pagas pelos fundos às pessoas singulares). Esse sistema visa, ao fim e ao cabo, canalizar a poupança para instrumentos de financiamento das reformas, prevenindo a dupla tributação económica destes rendimentos.
33. A Comissão retorque que, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, esta justificação não pode ser aceite neste caso.
34. Subscrevo a posição da Comissão.
35. A este respeito, recordo que, a partir dos acórdãos Bachmann e Comissão/Bélgica (7), o Tribunal de Justiça admitiu que a necessidade de preservar a coerência dos sistemas fiscais pode justificar uma regulamentação passível de restringir o exercício das liberdades de circulação garantidas pelo Tratado (8).
36. Contudo, segundo jurisprudência constante, para que um argumento baseado na justificação pela coerência fiscal possa proceder, o Tribunal de Justiça exige que exista uma relação directa entre a vantagem fiscal e a respectiva compensação mediante determinado imposto, devendo essa relação ser apreciada tendo em conta o objectivo da regulamentação em causa (9).
37. Até ao acórdão Manninen (10), o Tribunal de Justiça interpretou o conceito de relação directa a partir da necessidade de a dedução e a tributação ocorrerem no quadro de um mesmo imposto e serem efectuadas relativamente ao mesmo contribuinte (11).
38. Como já indiquei nas minhas conclusões no processo que deu origem ao acórdão Columbus Container Services (12), a partir do dito acórdão Manninen, o Tribunal de Justiça atenuou a rigidez da interpretação do conceito de relação directa, que se baseava em critérios de identidade do imposto e do contribuinte, dominante até então na jurisprudência.
39. É neste contexto que a República Portuguesa propõe que o Tribunal de Justiça adopte uma concepção «ampla» da justificação baseada na coerência do sistema fiscal.
40. A República Portuguesa está absolutamente ciente de que, se fosse seguida a linha da jurisprudência tradicional anterior ao referido acórdão Manninen, já referido, faltaria claramente, no caso concreto, o requisito da existência de uma relação directa. Com efeito, a desvantagem fiscal que onera os fundos de pensões não estabelecidos em Portugal e a isenção das pensões de reforma pagas às pessoas singulares reformadas dizem respeito a dois contribuintes diferentes, no quadro de dois impostos diferentes: por um lado, a tributação dos lucros de uma pessoa colectiva e, por outro, a tributação dos rendimentos das pessoas singulares.
41. Em qualquer caso, mesmo considerando a jurisprudência posterior ao acórdão Manninen, já referido, não se poderá concluir pela existência de uma relação directa no presente caso.
42. A este respeito, recordo que o objectivo e a lógica do regime fiscal controvertido se baseiam na isenção dos fundos de pensões residentes na perspectiva de evitar a dupla tributação dos montantes que se destinam a ser pagos às pessoas reformadas, que, sem aquele regime, se produziria: num primeiro momento, ao nível dos fundos de pensões e, num segundo momento, com o pagamento da pensão às pessoas singulares.
43. A isenção fiscal dos fundos de pensões é uma prática comum aos Estados‑Membros, encorajada pelo artigo 4.° da Convenção‑Modelo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE), que se refere à isenção dos organismos de reforma ou dos organismos caritativos. A maior parte dos Estados‑Membros tributam as pensões de reforma de trabalho segundo o sistema IIT (isenção das cotizações, isenção dos investimentos e das mais‑valias e tributação das pensões). O regime IIT permite assim conceder abatimentos fiscais no decurso da fase de constituição da reserva de reforma e tributa as prestações que serão pagas aos reformados.
44. Para a República Portuguesa, é inerente à lógica e à finalidade deste regime que a isenção fiscal dos rendimentos dos fundos se aplique apenas aos fundos de pensões residentes, porquanto, globalmente, as reformas tributadas subsequentemente resultam essencialmente dos investimentos efectuados e dos rendimentos gerados pelos fundos de pensões que a República Portuguesa isenta de imposto.
45. Contudo, não entendo as razões pelas quais a coerência interna do sistema nacional português poderia ser afectada pela extensão da isenção fiscal de que beneficiam os fundos de pensões residentes aos fundos de pensões estabelecidos noutros Estados‑Membros. Em meu entender, a coerência do sistema fiscal nacional pode perfeitamente ser preservada se se conceder esse benefício fiscal aos fundos de pensões não residentes (13).
46. A este respeito, acrescentarei que esta extensão pode, pelo contrário, reforçar a coerência do sistema nacional quando os fundos de pensões não residentes pagam pensões a pessoas singulares residentes em Portugal, as quais, na falta dessa extensão, se verifica ficarem sujeitas a dupla tributação.
47. Além disso, a República Portuguesa, apesar de lhe ter sido colocada uma questão na audiência sobre este ponto, não conseguiu explicar as razões pelas quais admite uma falha à pretensa coerência do seu sistema nacional ao conceder um tratamento idêntico aos dividendos pagos aos fundos de pensões residentes e não residentes que detenham partes sociais em sociedades portuguesas por um período inferior a um ano, em aplicação do artigo 88.°, n.° 11, do CIRC.
48. Por estas razões, considero que a justificação com base na preservação da coerência do sistema fiscal não pode ser acolhida neste caso.
2. Quanto à justificação baseada na preservação da eficácia dos controlos fiscais
49. A República Portuguesa alega igualmente que a limitação da isenção de IRC dos fundos de pensões residentes se baseia em exigências decorrentes da eficácia dos controlos fiscais. As condições legais que permitem beneficiar dessa isenção implicam que os fundos que dela beneficiam possam ser controlados directamente pelas autoridades fiscais portuguesas.
50. Assim, os fundos portugueses estariam submetidos não apenas a regras prudenciais e de protecção dos investidores particularmente estritas em aplicação da Directiva 2003/41/CE (14) mas também a requisitos adicionais específicos do direito português, em particular em matéria de responsabilidade financeira. A este respeito, a República Portuguesa insiste no facto de o regime de responsabilidade originária pela dívida de imposto, prevista no artigo 16.°, n.° 4, do EBF, não poder ser activada no caso de fundos de pensões não residentes.
51. Ora, a fiscalização destes elementos é bastante complexa e implica que as autoridades fiscais portuguesas possam dirigir‑se directamente aos fundos de pensões beneficiários de isenção de IRC. Em especial, em caso de não cumprimento dos requisitos estabelecidos na legislação portuguesa em matéria de isenção de IRC, seria indispensável uma intervenção directa junto do fundo de pensões para garantir o reembolso dos montantes devidos a título de IRC. Tal intervenção não poderia ser assegurada no que toca aos fundos de pensões estabelecidos noutro Estado‑Membro, a fortiori num Estado do Espaço Económico Europeu (EEE), uma vez que as disposições da União relativas à cooperação em matéria fiscal não são aplicáveis no quadro do referido acordo.
52. Segundo a Comissão, a tese da República Portuguesa deve ser rejeitada. O regime fiscal controvertido restringe o benefício de isenção do IRC aos fundos de pensões residentes sem dar aos fundos não residentes a possibilidade de provar que oferecem garantias equivalentes às que estão sujeitas os fundos residentes. Para esse efeito, e para assegurar a realização dos objectivos referidos pela República Portuguesa, bastaria pedir aos fundos de pensões não residentes que fizessem prova da sua qualidade e do quadro legal em que operam, uma vez que os mecanismos de cooperação e de assistência mútua previstos no direito da União, mas também em acordos multilaterais e bilaterais no que toca aos Estados do EEE, permitem às autoridades portuguesas proceder às verificações necessárias e até mesmo à cobrança de dívidas fiscais.
53. Pela minha parte, subscrevo, no essencial, a argumentação desenvolvida pela Comissão.
54. Com efeito, como correctamente indicou esta última, com o pretexto da preservação da eficácia dos controlos fiscais, a República Portuguesa nega em absoluto aos fundos de pensões não residentes a possibilidade de demonstrarem que podem satisfazer os requisitos previstos no CIRC para poderem beneficiar da isenção fiscal concedida aos fundos de pensões residentes.
55. Ora, recordo que, em diversas ocasiões, o Tribunal de Justiça declarou não se poderem justificar a título da preservação da eficácia dos controlos fiscais as regulamentações nacionais que impedem o contribuinte, em absoluto, de fazer prova de que pode satisfazer os requisitos impostos pelo Estado‑Membro em que requer a concessão de um benefício fiscal (15). Com efeito, não se pode excluir a priori que o sujeito passivo esteja em condições de apresentar os documentos justificativos pertinentes que permitam às autoridades tributárias do Estado‑Membro que tem a competência tributária verificar, de forma clara e precisa, que estão preenchidos os requisitos que esse Estado fixa (16).
56. Esta apreciação aplica‑se igualmente aos sujeitos passivos residentes nos Estados do EEE.
57. Com efeito, em primeiro lugar, no que toca mais concretamente ao argumento da República Portuguesa relativo ao cumprimento das exigências da Directiva 2003/41, cumpre salientar que os fundos de pensões estabelecidos nos Estados‑Membros da União Europeia e nos Estados do EEE estão sujeitos às suas disposições (17), e podem, portanto, perfeitamente obter das respectivas autoridades de supervisão os documentos necessários comprovativos de que satisfazem as garantias exigidas pela legislação portuguesa.
58. Em segundo lugar, quanto às demais condições, com excepção da relativa à responsabilidade originária pela dívida de imposto, a República Portuguesa limita‑se a recordar as exigências gerais enumeradas no Decreto‑Lei n.° 12/2006, de 20 de Janeiro de 2006, que constitui o acto de transposição da Directiva 2003/41 notificado, enquanto tal, pelas autoridades portuguesas à Comissão.
59. Não compreendo por isso o que impediria as autoridades portuguesas de se dirigirem aos fundos de pensões não residentes para obter as informações necessárias que lhes permitissem conceder‑lhes o benefício da isenção fiscal controvertida, à semelhança do tratamento concedido aos fundos de pensões estabelecidos em Portugal.
60. Acrescento ainda que, embora a Comissão e a República Portuguesa tenham longamente debatido a aplicação da Directiva 77/799/CEE (18), as suas disposições parecem‑me ser de pouca utilidade para uma situação como a que é objecto do presente processo.
61. Com efeito, as condições cujo cumprimento é exigido pelas autoridades portuguesas para poder ser concedida a isenção controvertida dizem respeito não à situação fiscal, nos seus respectivos Estados‑Membros de estabelecimento, dos fundos de pensões não residentes, mas à actividade económica desses fundos, em especial às informações relativas ao seu controlo prudencial e à diversificação dos seus activos. Por consequência, a Directiva 77/799, que diz respeito à troca de informações em matéria fiscal entre as autoridades fiscais dos Estados‑Membros, não constitui, em meu entender, o quadro jurídico adequado para obter as informações exigidas pela legislação portuguesa.
62. Mas mesmo admitindo que o fosse, não compreendo as razões pelas quais, nas relações com os outros Estados‑Membros, essas informações não poderiam ser obtidas pelas autoridades fiscais portuguesas. No que se refere aos Estados do EEE, é verdade que a Directiva 77/799 não é aplicável. Contudo, tal não seria suficiente para considerar que as restrições previstas pela legislação portuguesa são justificadas. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e segundo o que resulta do recente acórdão Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (19), a legislação portuguesa nem sequer prevê a possibilidade de isentar os dividendos recebidos pelos fundos de pensões não residentes quando exista um acordo de assistência mútua entre a República Portuguesa e os Estados do EEE (20).
63. Em terceiro lugar, no que se refere à condição relativa à responsabilidade originária pela dívida de imposto prevista no artigo 16.°, n.° 4, do EBF, importa fazer as seguintes observações.
64. Segundo a República Portuguesa, uma vez que está demonstrado que, quando se verifique a inexistência dos pressupostos do benefício fiscal, este deixa de ser concedido, as sociedades gestoras de fundos de pensões devem responder originariamente pela dívida de imposto dos fundos que gerem. Ora, segundo o Estado‑Membro demandado, seria impossível cobrar essa dívida a sociedades gestoras de fundos de pensões não residentes.
65. Esta argumentação não me convence.
66. Antes de mais, tenho dificuldade em perceber de que maneira um mecanismo que tem por objecto a cobrança de dívidas fiscais poderia ser susceptível de garantir a eficácia dos controlos fiscais, na medida em que tal mecanismo não intervém na realização dos controlos fiscais levados a cabo pelas autoridades nacionais. Com efeito, a meu ver, a fase de cobrança das dívidas fiscais não está ligada à eficácia dos controlos fiscais, mas aos meios de execução de que dispõem as autoridades fiscais.
67. Em seguida, como acertadamente alegou a Comissão nos seus articulados sem contestação da República Portuguesa, as autoridades desse Estado‑Membro podem perfeitamente recorrer, nas suas relações com as autoridades fiscais dos outros Estados‑Membros, ao mecanismo previsto na Directiva 2008/55/CE (21) a fim de receberem assistência na cobrança da dívida fiscal constituída em Portugal.
68. Com efeito, a dita directiva permite aos Estados‑Membros solicitar às autoridades competentes dos outros Estados‑Membros que procedam à cobrança de qualquer dívida relativa à totalidade dos impostos, taxas e direitos, quaisquer que eles sejam, incluindo os impostos sobre o rendimento, cobrados pelos Estados‑Membros ou por sua conta e também trocar todas as informações presumivelmente pertinentes para a cobrança da dívida (22).
69. Finalmente, no que se refere à situação dos Estados do EEE, embora seja verdade que a Directiva 2008/55, como reconheceu a Comissão, não tenha sido estendida ao Acordo EEE, julgo, contudo, que proibir absolutamente os fundos de pensões não residentes de beneficiarem da isenção fiscal concedida aos fundos de pensões portugueses é, em qualquer circunstância, desproporcionado à luz das alegadas dificuldades de cobrança da dívida de imposto nos Estados do EEE.
70. Como sugeriu a Comissão, poderiam ser introduzidas outras medidas menos restritivas para garantir a cobrança dessas dívidas fiscais. É, assim, concebível que a Administração Fiscal portuguesa possa garantir a priori que os fundos estabelecidos nos Estados do EEE que requeiram a isenção devam prestar as garantias financeiras necessárias. Em alternativa, pode pensar‑se na criação de um regime que permita cobrar as dívidas fiscais a posteriori mediante um desconto liberatório sobre os resultados dos exercícios futuros da sociedade portuguesa detida pelo fundo não residente em causa, quando as condições impostas pela legislação portuguesa não forem respeitadas.
71. Por consequência, há que constatar que a restrição à livre circulação de capitais também não pode ser justificada com a preservação da eficácia dos controlos fiscais.
72. Tendo em conta as considerações precedentes, a legislação portuguesa em causa constitui, em meu entender, uma restrição à livre circulação de capitais que não tem justificação.
73. Por consequência, proponho que seja julgada procedente a acção intentada pela Comissão.
74. Acrescento ainda que, nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Ora, a Comissão pediu a condenação da República Portuguesa. Assim, se o Tribunal de Justiça acolher a minha proposta e julgar procedente a acção, há igualmente que condenar a República Portuguesa nas despesas.
VI – Conclusão
75. À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que declare e decida da seguinte forma:
«1) Ao tributar os dividendos auferidos por fundos de pensões estabelecidos nos Estados‑Membros e nos Estados partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992, a uma taxa superior à que onera os dividendos auferidos pelos fundos de pensões estabelecidos em Portugal, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 63.° TFUE e do artigo 40.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.
2) A República Portuguesa é condenada nas despesas.»
1 – Língua original: francês.
2 – JO 1994, L 1, p. 3.
3 – Segundo as explicações da Comissão, que a República Portuguesa não contestou, a taxa resultante da aplicação dessas convenções é reduzida a 10%.
4 – Como esclarece na petição inicial, a Comissão desistiu das suas acusações relativas ao tratamento fiscal dos juros no parecer fundamentado, que, como explica, são objecto de um processo de incumprimento distinto.
5 – V., neste sentido, designadamente, acórdãos de 18 de Dezembro de 2007, A (C‑101/05, Colect., p. I‑11531, n.° 40); de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha (C‑487/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 43); e de 10 de Fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C‑436/08 e C‑437/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 50).
6 – V., a este propósito, acórdão de 7 de Abril de 2011, Comissão/Portugal (C‑20/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 68 e jurisprudência aí referida).
7 – Acórdãos de 28 de Janeiro de 1992, Bachmann (C‑204/90, Colect., p. I‑249), e Comissão/Bélgica (C‑300/90, Colect., p. I‑305).
8 – V. acórdãos Bachmann, já referido (n.° 28); Comissão/Bélgica, já referido (n.° 21); de 23 de Fevereiro de 2006, Keller Holding (C‑471/04, Colect., p. I‑2107, n.° 40); e de 8 de Novembro de 2007, Amurta (C‑379/05, Colect., p. I‑9569, n.° 46).
9 – V., designadamente, acórdãos de 7 de Setembro de 2004, Manninen (C‑319/02, Colect., p. I‑7477, n.os 42 e 43); de 28 de Fevereiro de 2008, Deutsche Shell (C‑293/06, Colect., p. I‑1129, n.° 37); de 27 de Novembro de 2008, Papillon (C‑418/07, Colect., p. I‑8947, n.° 44); de 18 de Junho de 2009, Aberdeen Property Fininvest Alpha (C‑303/07, Colect., p. I‑5145, n.° 72); e de 1 de Julho de 2010, Dijkman e Dijkman‑Lavaleije (C‑233/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 55).
10 – Acima referido.
11 – V., designadamente, acórdãos de 13 de Abril de 2000, Baars (C‑251/98, Colect., p. I‑2787, n.° 40); de 6 de Junho de 2000, Verkooijen (C‑35/98, Colect., p. I‑4071, n.os 57 e 58); de 18 de Setembro de 2003, Bosal (C‑168/01, Colect., p. I‑9409, n.os 29 e 30); e de 15 de Julho de 2004, Lenz (C‑315/02, Colect., p. I‑7063, n.° 36).
12 – N.° 189 das conclusões apresentadas em 29 de Março de 2007 no processo que deu origem ao acórdão de 6 de Dezembro de 2007 (C‑298/05, Colect., p. I‑10451).
13 – V., por analogia, acórdãos, já referidos, Lenz (n.° 38) e Manninen (n.° 46). V., igualmente, as minhas conclusões no processo Columbus Container Services, já referidas (n.° 194).
14 – Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho de 2003, relativa às actividades e à supervisão das instituições de realização de planos de pensões profissionais (JO L 235, p. 10).
15 – V., neste sentido, acórdãos de 10 de Março de 2005, Laboratoires Fournier (C‑39/04, Colect., p. I‑2057, n.° 25); de 14 de Setembro de 2006, Centro di Musicologia Walter Stauffer (C‑386/04, Colect., p. I‑8203, n.° 49); e de 27 de Janeiro de 2009, Persche (C‑318/07, Colect., p. I‑359, n.° 60).
16 – V., neste sentido, acórdãos Laboratoires Fournier, já referido (n.° 25), e de 11 de Outubro de 2007, ELISA (C‑451/05, Colect., p. I‑8251, n.° 96).
17 – Quanto a estes últimos, a aplicação da Directiva 2003/41 foi estendida à República da Islândia, ao Principado do Liechtenstein e ao Reino da Noruega pela Decisão n.° 88/2006 do Comité Misto do EEE, de 7 de Julho de 2006, que altera o anexo IX (Serviços Financeiros) do Acordo EEE (JO L 289, p. 26).
18 – Directiva do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos directos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 49).
19 – Acórdão já referido (n.os 132 e 133).
20 – Note‑se que a Comissão demonstrou existirem essas cláusulas no que se refere às relações entre a República Portuguesa e a República da Islândia e entre a República Portuguesa e o Reino da Noruega.
21 – Directiva do Conselho, de 26 de Maio de 2008, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a certas quotizações, direitos, impostos e outras medidas (JO L 150, p. 28) Embora esta directiva tenha sido adoptada na pendência desta acção por incumprimento, o seu conteúdo já era aplicável no momento da abertura do procedimento pré‑contencioso. Com efeito, a Directiva 2008/55 é simplesmente a versão codificada da Directiva 76/308/CEE do Conselho, de 15 de Março de 1976, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos resultantes de operações que fazem parte do sistema de financiamento do Fundo Europeu de Orientação e [de] Garantia Agrícola, bem como de direitos niveladores agrícolas e de direitos aduaneiros (JO L 73, p. 18; EE 02 F3 p. 46), conforme alterada pela Directiva 2001/44/CE do Conselho, de 15 de Junho de 2001 (JO L 175, p. 17), cuja transposição deveria ser realizada até 30 de Junho de 2002.
22 – V., designadamente, artigos 2.° e 4.° da Directiva 2008/55.