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Document 62003CC0346
Opinion of Mr Advocate General Ruiz-Jarabo Colomer delivered on 28 April 2005. # Giuseppe Atzeni and Others (C-346/03), Marco Scalas and Renato Lilliu (C-529/03) v Regione autonoma della Sardegna. # Reference for a preliminary ruling: Tribunale di Cagliari - Italy. # State aid - Decision 97/612/EC - Preferential loans in favour of agricultural undertakings - Article 92(2)(b) and (3)(a) and (c) of the EC Treaty (now, after amendment, Article 87(2)(b) and (3)(a) and (c) EC) - Admissibility - Legal basis - Legitimate expectations. # Joined cases C-346/03 and C-529/03.
Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 28 de Abril de 2005.
Giuseppe Atzeni e o. (C-346/03), Marco Scalas e Renato Lilliu (C-529/03) contra Regione autonoma della Sardegna.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunale di Cagliari - Itália.
Auxílios de Estado - Decisão 97/612/CE - Empréstimos bonificados a favor de empresas agrícolas - Artigo 92.º, n.os 2, alínea b), e 3, alíneas a) e c), do Tratado CE [que passou, após alteração, a artigo 87.º, n.os 2, alínea b), e 3, alíneas a) e c), CE] - Admissibilidade - Base jurídica - Confiança legítima.
Processos apensos C-346/03 e C-529/03.
Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 28 de Abril de 2005.
Giuseppe Atzeni e o. (C-346/03), Marco Scalas e Renato Lilliu (C-529/03) contra Regione autonoma della Sardegna.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunale di Cagliari - Itália.
Auxílios de Estado - Decisão 97/612/CE - Empréstimos bonificados a favor de empresas agrícolas - Artigo 92.º, n.os 2, alínea b), e 3, alíneas a) e c), do Tratado CE [que passou, após alteração, a artigo 87.º, n.os 2, alínea b), e 3, alíneas a) e c), CE] - Admissibilidade - Base jurídica - Confiança legítima.
Processos apensos C-346/03 e C-529/03.
Colectânea de Jurisprudência 2006 I-01875
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:256
CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
DÁMASO RUIZ‑JARABO COLOMER
apresentadas em 28 de Abril de 2005 (1)
Processos apensos C‑346/03 e C‑529/03
Francesco Atzori, Giuseppe Atzeni e Giuseppe Ignazio Boi
e
Marco Scalas e Renato Lilliu
contra
Regione Autonoma della Sardegna
[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Tribunale de Cagliari (Itália)]
«Auxílios de Estado – Decisão que declara ilegais e incompatíveis auxílios concedidos pela região da Sardenha a empresas agrícolas – Admissibilidade das questões prejudiciais – Aplicação das regras de concorrência à agricultura – Princípio da confiança legítima – Vícios do procedimento – Fundamentação – Compatibilidade dos auxílios»
Índice
I – Introdução
II – Quadro jurídico comunitário
A – Regime geral dos auxílios de Estado
B – Auxílios de Estado na agricultura
III – Factos dos processos principais
A – Concessão de auxílios pelo Governo Regional da Sardenha
1. Lei regional 44/1988
2. Aplicação da Lei regional 44/1988
a) Deliberação de 30 de Dezembro de 1988
b) Deliberação de 27 de Junho de 1990
c) Deliberação de 20 de Novembro de 1990
d) Deliberação de 26 de Junho de 1992
3. Lei regional 17/1992
B – Procedimento observado pela Comissão
C – Decisão 97/612
1. Exposição de motivos
2. Dispositivo
D – Recuperação dos auxílios
E – Litígios no Tribunale de Cagliari
IV – Recursos de anulação
V – Questões prejudiciais e processo no Tribunal de Justiça
VI – Admissibilidade das questões prejudiciais
A – Abordagem
B – Considerações gerais
C – Recurso de anulação e questão prejudicial de validade
1. Recurso de anulação
a) Configuração ordinária
b) Legitimidade dos particulares
i) Actos impugnáveis
ii) Decisão que diz directa e individualmente respeito ao interessado
2. Questão prejudicial de validade
3. Relação entre o recurso de anulação e a questão prejudicial de validade
a) Complementaridade
b) Coexistência
D – Conteúdo da decisão e possibilidades de impugná‑la
1. Conteúdo
2. Impugnabilidade
VII – Exame da validade da decisão
A – Base jurídica
1. Relações entre as políticas agrícola e da concorrência
a) Introdução
b) Aplicação das normas sobre auxílios de Estado à agricultura
c) Direito derivado
2. Base jurídica da decisão
a) Sistema de auxílios da Lei regional 44/1988
b) Auxílios concedidos pelas deliberações da «Giunta regionale»
i) Culturas em estufas
ii) Empresas florestais
iii) Cunicultores
iv) Explorações agrícolas endividadas
c) Reflexão final
B – Violação do princípio da confiança legítima
1. Configuração do princípio
2. Confiança legítima no âmbito dos auxílios de Estado
3. Aplicação ao caso dos autos
a) Ilegalidade
b) Incompatibilidade
i) Investigação prévia
ii) Procedimento formal
c) Apreciação global
C – Outros vícios
1. Irregularidades no procedimento
2. Fundamentação
3. Compatibilidade dos auxílios
a) Artigo 87.° CE, n.° 2, alínea b)
b) Artigo 87.° CE, n.° 3, alíneas a) e c)
VIII – Consequências da validade
IX – Conclusão
I – Introdução
1. Dois giudici istruttori da sezione civile do Tribunale di Cagliari (Itália) questionam o Tribunal de Justiça sobre a validade da Decisão 97/612/CE, de 16 de Abril de 1997 (a seguir «decisão») (2), em que a Comissão declara ilegais e incompatíveis com o mercado comum, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 87.° CE, os auxílios concedidos pelo Governo da Sardenha no sector agrícola, ao abrigo da Lei regional 44/1988.
2. Sem prejuízo dos vários fundamentos aduzidos sobre a ilegalidade da referida decisão, o Tribunal de Justiça deve pronunciar‑se sobre três aspectos fundamentais: a admissibilidade das questões prejudiciais, a aplicação à agricultura das regras de concorrência consagradas com carácter geral no Tratado e a consideração do princípio da confiança legítima como fundamento de nulidade.
3. Em primeiro lugar, é suscitada a especificidade do vínculo existente entre o recurso de anulação e o reenvio prejudicial, que remete, em parte, para a controvérsia sobre o acesso dos particulares à justiça comunitária, uma vez que o acto de cuja validade duvidam agora os juízes italianos foi impugnado no Tribunal de Primeira Instância.
4. Em segundo lugar, alude‑se à base jurídica da decisão adoptada, núcleo essencial das dúvidas dos juízes de reenvio, que entendem que as regras de concorrência em que se baseia não são aplicáveis.
5. Em seguida, importa considerar a incidência do princípio da confiança legítima nos incentivos públicos, não tanto como pressuposto da responsabilidade patrimonial do Estado que não cumpre as suas obrigações para com a Comunidade, mas como razão para anular os actos de uma das instituições desta última.
6. Finalmente, há que reflectir sobre as restantes causas de nulidade alegadas, que se referem ao procedimento de adopção da disposição, à sua fundamentação e à compatibilidade dos auxílios.
II – Quadro jurídico comunitário
A – Regime geral dos auxílios de Estado
7. Segundo Milton e Rose Friedman, «a intervenção de um governo a favor das empresas do seu país faz com que as empresas dos outros países procurem a ajuda dos seus próprios governos para fazer oposição às medidas tomadas» (3) pelo primeiro. Independentemente da polémica sobre a sobrevivência das subvenções − manifestação do debate mais alargado sobre a intervenção da administração na vida económica −, a referida actuação estatal justifica a preocupação da Comunidade quanto a estes temas, dada a incidência que os auxílios públicos têm na realização do mercado interno, cuja instauração implica um endurecimento da concorrência entre os agentes económicos, com o perigo de que tais auxílios não sejam neutros (4).
8. O Tratado CE dedica a esta matéria três disposições, inseridas nas normas de concorrência, que demonstraram possuir uma extraordinária vitalidade jurídica (5):
1) O artigo 87.° CE:
– O n.° 1 declara a incompatibilidade dos auxílios que, afectando as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, falseiem ou ameacem falsear a concorrência favorecendo certas empresas ou certas produções.
– Esta regra geral tem duas excepções, previstas nos números seguintes.
– O n.° 2 reconhece a adequação, em qualquer caso − «são»−, de certos auxílios de natureza social, dos que tenham por objectivo fazer face a acontecimentos extraordinários e dos que se destinem a beneficiar algumas regiões alemãs.
– O n.° 3 admite considerar compatíveis − «podem» − outras situações destinadas a promover o desenvolvimento económico de regiões com um nível de vida anormalmente baixo ou onde exista uma grave situação de subemprego, e as restantes possibilidades expressamente previstas.
2) O artigo 88.° CE (6):
– O n.° 1 obriga a Comissão a examinar os regimes de auxílios dos Estados‑Membros.
– Segundo o n.° 2, quando a referida instituição verificar que um desses auxílios não é compatível com o mercado comum, deve solicitar ao Estado que o suprima ou modifique − podendo recorrer directamente ao Tribunal de Justiça −; em circunstâncias excepcionais, o Conselho pode decidir noutro sentido.
– O n.° 3 obriga os Estados a informarem a Comissão dos planos relativos à concessão ou alteração de auxílios, para que, se perturbarem o mercado comum, se inicie o procedimento previsto no número anterior.
3) O artigo 89.° CE:
– Permite ao Conselho adoptar os regulamentos adequados à execução dos artigos 87.° CE e 88.° CE, assim como fixar, designadamente, as condições de aplicação do artigo 88.°, n.° 3, CE, e as categorias de auxílios dispensadas.
9. A leitura destas disposições revela que o controlo dos auxílios de Estado é realizado em três fases: na primeira, os Estados têm que notificar todas as propostas de concessão; na segunda, a Comissão examina os projectos e mantém uma vigilância permanente sobre os que já existem; na última, procede‑se à restituição das vantagens obtidas ilegalmente ou que sejam incompatíveis com o mercado comum. De qualquer modo, a eficácia do sistema depende da colaboração entre os Estados‑Membros e a referida instituição, à qual foi reservado um papel exclusivo para garantir um regime de concorrência não falseada.
B – Auxílios de Estado na agricultura
10. As referidas normas dizem respeito a qualquer benefício público concedido a empresas ou produções concretas, independentemente da actividade económica desenvolvida. Estas disposições têm, contudo, algumas ressalvas no sector dos transportes (artigos 73.° CE, 76.° CE e 78.° CE), assim como em matéria de segurança nacional [artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE].
11. Relativamente à agricultura há também uma regra específica no artigo 36.° CE, segundo a qual:
«As disposições do capítulo relativo às regras de concorrência só são aplicáveis à produção e ao comércio dos produtos agrícolas, na medida em que tal seja determinado pelo Conselho, no âmbito do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 37.° e em conformidade com o processo aí previsto, tendo em conta os objectivos definidos no artigo 33.°
O Conselho pode, nomeadamente, autorizar a concessão de auxílios:
a) Para a protecção de explorações em situação desfavorável devido a condições estruturais ou naturais;
b) No âmbito de programas de desenvolvimento económico.»
12. Por conseguinte, diferentemente do que se passa noutros sectores, a competência da Comissão em matéria de controlo e de supervisão dos auxílios neste sector não decorre directamente do Tratado, mas das normas adoptadas pelo Conselho, com as restrições que este imponha (7).
13. No entanto, todos os regulamentos que instituem organizações comuns de mercado contemplam a utilização das regras de concorrência no seu âmbito de aplicação. Só os bens que ainda não contam com tais regimes gerais, como as batatas que não sejam de fécula, a carne de cavalo, o mel, o café, o álcool de origem agrícola e os vinagres de álcool, assim como a cortiça, estão sujeitos ao artigo 4.° do Regulamento n.° 26 do Conselho, de 4 de Abril de 1962, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas (8), nos termos do qual:
«O disposto no n.° 1 e no n.° 3, primeira frase, do artigo [88.°] do Tratado é aplicável aos auxílios concedidos em beneficio da produção ou do comércio dos produtos enumerados no [Anexo I] do Tratado.»
III – Factos dos processos principais
A – Concessão de auxílios pelo Governo Regional da Sardenha
1. Lei regional 44/1988
14. Em 13 de Dezembro de 1988, a Região Autónoma da Sardenha aprovou a Lei 44 (9), que instituiu um fundo de garantia para a agricultura.
15. O artigo 5.° concede auxílios a favor das explorações agrícolas cuja situação financeira seja afectada por circunstâncias adversas. Para contribuir para a liquidez das empresas, permite a concessão de empréstimos com a duração máxima de quinze anos − incluindo um período de carência de três anos –, com juro bonificado, para a consolidação de passivos a curto prazo.
16. Segundo o n.° 4 da referida disposição, estes financiamentos são regidos pela norma que os prevê e pela Lei 1760, de 5 de Julho de 1928, relativa às medidas de regulamentação do crédito agrícola (10).
2. Aplicação da Lei regional 44/1988
17. Compete à «Giunta regionale» precisar, através de deliberação ad hoc para cada caso, as regras dos empréstimos e, especialmente, as circunstâncias que justificam a concessão, o sector ou sectores de intervenção, o montante das quantias face ao endividamento e o prazo do auxílio. Fê‑lo em quatro ocasiões.
a) Deliberação de 30 de Dezembro de 1988 (11)
18. O que provocou a situação de crise foi a queda dos preços dos produtos agrícolas cultivados em estufa, que impediu a cobertura dos custos.
19. Para que os empréstimos fossem concedidos era necessário que o endividamento a curto prazo da exploração favorecida fosse igual ou superior a 75% do valor da sua produção bruta no ano considerado. O prazo das operações de financiamento foi fixado no máximo previsto pela lei de base − quinze anos.
b) Deliberação de 27 de Junho de 1990 (12)
20. Perante a situação das explorações silvícolas, decidiu‑se que os benefícios contemplados no artigo 5.° da Lei regional 44/1988 seriam atribuídos às proprietárias das superfícies que ainda não oferecessem uma colheita rentável, a fim de sanar ou consolidar os débitos contraídos para efectuar investimentos e para a gestão das plantações, que se vencessem antes de 30 de Junho de 1990, assim como para cobrir os saldos bancários negativos pendentes nessa data e as obrigações exigíveis pelos assalariados − salários −, pelos proprietários dos terrenos − renda − e pelos fornecedores − pagamento das mercadorias.
21. Como no caso anterior, apenas se exigiu que o montante global das dívidas a curto prazo fosse igual ou superior a 75% da produção bruta, embora o prazo dos empréstimos se tenha fixado em treze anos − com três anos de pré‑amortização.
c) Deliberação de 20 de Novembro de 1990 (13)
22. Em consequência de uma epizootia que assolou a zona na Primavera de 1990, os cunicultores viram diminuído o rendimento das quintas.
23. Os que perderam pelo menos 20% dos animais foram duplamente favorecidos: a) através de empréstimos com uma taxa de juro bonificada e duração de quinze anos − com três anos de pré‑amortização –, que cobriam até duas anuidades − ou quatro semestres − dos previamente contraídos a longo prazo; e b) com o equivalente às necessidades financeiras da exploração durante um ano.
d) Deliberação de 26 de Junho de 1992 (14)
24. Neste caso, o auxílio foi dispensado a todos os operadores agrícolas, devido à progressiva deterioração das condições de mercado e ao agravamento das condições climatéricas.
25. Exigiu‑se que o endividamento a curto prazo do negócio correspondesse, no mínimo, a 51% da produção bruta ao longo de 1991. O financiamento, concedido por quinze anos − três dos quais de pré‑amortização –, podia ser utilizado para cobrir os empréstimos de gestão com taxa de juro bonificada, as dívidas relacionadas com os empréstimos de médio prazo − excluídas as que tivessem sido contraídas para aquisição da maquinaria agrícola − e as amortizações pendentes de financiamentos plurianuais atribuídos por danos sofridos devido a calamidades naturais.
3. Lei regional 17/1992
26. A Lei regional 17, de 27 de Agosto de 1992 (15), contém as disposições técnicas de execução das operações financeiras realizadas com base no artigo 5.° da Lei regional 44/1988.
B – Procedimento observado pela Comissão
27. Em 1 de Setembro de 1992, a Itália notificou a Lei regional 17/1992 à Comissão, diligência esta que não efectuara relativamente à Lei regional 44/1988 e restantes normas aprovadas ao seu abrigo.
28. Esta comunicação recebeu o n.° N 557/93 e deu lugar a duas cartas da instituição, de 29 de Outubro de 1992 e 27 de Maio de 1993, pedindo mais informação às autoridades nacionais, que a forneceram em 24 de Março de 1993, 2 de Abril de 1993 e 3 de Dezembro de 1993. Em 28 de Fevereiro de 1994 foram solicitados dados complementares, proporcionados em 25 de Abril seguinte.
29. Em 1 de Agosto de 1994, foi aprovada uma decisão que dava início, contra o referido Estado, ao procedimento do n.° 2 do artigo 93.° do Tratado CE (actual artigo 88.° CE) relativamente, por um lado, aos auxílios previstos no artigo 5.° da Lei regional 44/1988, já que «[…] a sua formulação excessivamente geral não oferece garantias de que se respeitem os critérios comunitários de concessão de auxílios a empresas agrícolas em dificuldades» e, por outro, às deliberações do Governo da Sardenha, uma vez que, segundo informações na posse da Comissão, são incompatíveis com os referidos critérios comunitários.
30. Através de uma comunicação publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (16), em que se reproduzia a carta enviada, o país em causa, os restantes Estados‑Membros e os terceiros interessados foram convidados a apresentar observações.
31. O Governo italiano formulou as suas observações por cartas de 30 de Janeiro, 25 de Agosto e 1 de Dezembro de 1995.
32. No entanto, a Comissão tomou conhecimento, noutro procedimento, da Lei regional 33, de 5 de Dezembro de 1995 (17), cujo artigo 36.°, n.° 4, indicou que os auxílios do artigo 5.° da Lei regional 44/1988 deviam ser concedidos a explorações agrícolas em dificuldades, observando «os critérios adoptados na matéria pela Comunidade». Esta circunstância suscitou o pedido de novos esclarecimentos em 21 de Dezembro de 1995, recebidos em 22 de Fevereiro do ano seguinte.
33. As explicações dadas não convenceram a instituição que, na decisão de 25 de Julho de 1996, indicou que a alteração de 1995 seria examinada em conjunto com a totalidade do sistema. No entanto, alegando que não foi fornecido qualquer pormenor quanto à aplicação dessa alteração, notificou o Estado interessado de que as informações disponíveis não lhe permitiam pronunciar‑se sobre a mesma.
C – Decisão 97/612
34. Esta decisão, de 16 de Abril de 1997, pôs termo ao procedimento iniciado em 1 de Agosto de 1994. Constitui o objecto das questões prejudiciais submetidas, pelo que importa explicar sumariamente o seu conteúdo, em que se distinguem claramente duas partes: a primeira contém os raciocínios que justificam as disposições da segunda.
1. Exposição de motivos
35. Nos considerandos são expostos os pormenores da Lei regional 44/1988 e das deliberações da Giunta da Sardenha que concedem os benefícios, as dúvidas expressas sobre a compatibilidade com o mercado comum, as observações apresentadas pela Itália, assim como a conclusão de que as medidas são ilegais e incompatíveis com a livre concorrência.
36. É alegado que a não notificação prévia da regulamentação instaurada e sua execução, sem que a Comissão tenha podido manifestar‑se «criam uma situação especialmente grave», tendo em conta que o Estado não rebateu a aplicabilidade das regras sobre apoios às explorações agrícolas em situação difícil nem pediu que fossem aplicados os critérios das Orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade (18). No que respeita a estas orientações, acrescenta‑se que, embora tenham entrado em vigor depois de se dar início ao procedimento, os auxílios atribuídos não são qualificados de auxílios de emergência, dado o tipo de empréstimo acordado, nem de auxílios à reestruturação, perante a inexistência de um plano destinado a atribuir viabilidade económica às empresas, sem alterar as condições de concorrência, cuja função não é substituída pela análise, efectuada pelos bancos, sobre a solvência financeira dos mutuários.
37. Também são reveladas as razões pelas quais não se partilha a argumentação do Governo italiano quanto às causas que provocaram o endividamento excessivo das explorações favorecidas: os factores climáticos − a seca − constituem riscos normais da agricultura, as crises dos mercados são suportadas por todos os empresários, a falta de organização na comercialização não é um elemento alheio ao negócio e os juros elevados justificariam unicamente apoios limitados ao necessário para cobrir a diferença entre a taxa acordada e a actual.
38. Concretamente, no que concerne às empresas florestais, é esclarecida a discrepância dos conceitos que integram as despesas de investimento, uma vez que os incentivos se destinavam a cobrir dívidas correntes da gestão normal do negócio e a fazer frente a encargos sociais, salários ou fornecimentos. No que se refere aos cunicultores, também não é garantida a aprovação de um plano de erradicação da epizootia nem a redução do empréstimo para uma quantia inferior às perdas. De qualquer modo, em nenhum dos casos se demonstrou o cumprimento dos critérios reguladores dos auxílios.
39. À luz do exposto observa‑se que o regime analisado tem um efeito directo nos custos, pelo que os beneficiários estão em vantagem sobre outros produtores, alterando‑se os parâmetros em que se desenvolvem as trocas comunitárias, de onde se deduz a sua incompatibilidade com o mercado comum, nos termos previstos no n.° 1 do artigo 87.° CE, sem que se verifiquem as excepções dos n.os 2 e 3.
40. As emergências reconhecidas nas alíneas a) e c) do n.° 2 do próprio artigo 87.° CE são claramente inaplicáveis, não tendo sido fornecida qualquer informação susceptível de despoletar a aplicação da emergência enunciada na alínea b).
41. As excepções do n.° 3 demonstram que é necessária a intervenção pública para se atingir um dos objectivos que a própria disposição refere, operação esta que não é possível realizar, já que «a Itália não apresentou nem a Comissão encontrou qualquer justificação» relevante. Em especial, no que respeita às singularidades contempladas nas alíneas a) e c), a instituição «entende, à luz da análise que antecede e das normas comunitárias aplicáveis, que, devido à sua natureza de auxílios ao funcionamento, as disposições em causa não são de molde a produzir uma melhoria duradoura das condições do sector e da região em questão».
42. As últimas reflexões da exposição de motivos justificam a recuperação das vantagens financeiras indevidamente recebidas, correspondentes à diferença entre o custo de mercado dos empréstimos bancários de consolidação do passivo e o que pago pelos beneficiários.
2. Dispositivo
43. Como corolário de tudo o que foi exposto, resulta o articulado da decisão:
– Os auxílios concedidos pela região da Sardenha nos termos do artigo 5.° da Lei regional 44/1988 e das deliberações da «Giunta regionale» de 30 de Dezembro de 1988, 27 de Junho de 1990, 20 de Novembro de 1990 e 26 de Junho de 1992 são ilegais e incompatíveis com o mercado comum (artigo 1.°).
– A Itália fica obrigada a suprimir os auxílios no prazo de dois meses a contar da data de notificação da decisão, e a adoptar as medidas necessárias para os recuperar, mediante reembolso, no prazo de seis meses (artigo 2.°).
– O referido Estado tem de informar a instituição comunitária das medidas adoptadas para dar cumprimento ao decidido e permitir a sua verificação (artigo 3.°).
– A decisão tem como destinatária a «República Italiana».
D – Recuperação dos auxílios
44. A Região Autónoma da Sardenha executou a decisão através das seguintes medidas:
– suspendeu as transferências, para os bancos, da sua quota de juros a partir do primeiro semestre de 1997.
– revogou o artigo 5.° da Lei regional 44/1988.
– revogou os auxílios concedidos ao abrigo dos decretos do «Assessorato all’Agricultura» de 18 de Dezembro de 1997.
45. Segundo o primeiro despacho de reenvio, estas últimas medidas foram notificadas aos interessados em 16 de Novembro de 2001.
E – Litígios no Tribunale de Cagliari
46. Giuseppe Atzeni e outras 51 pessoas intentaram no Tribunale de Cagliari uma acção cível contra a Região Autónoma da Sardenha, registada com o n.° 3/2003. O mesmo fizeram Marco António Scalas, Renato Lilliu e outros 389 afectados, tendo a sua petição sido registada no referido Tribunale com o n.° 5777/2003.
47. No primeiro processo, os demandantes pedem a não aplicação das disposições regionais que anulam os apoios e a condenação da demandada no pagamento das quantias que estão pendentes. Subsidiariamente, pedem a declaração do incumprimento da regulamentação comunitária e o ressarcimento dos danos causados.
48. No segundo processo, os demandantes solicitam a sua exoneração da obrigação de reembolso e que a região transfira para as entidades de crédito a sua contribuição para os juros. Também pedem, no caso de o acto impugnado ser considerado válido, o reconhecimento da responsabilidade da Administração e o ressarcimento dos danos sofridos.
49. Em ambos processos, é requerido aos respectivos juízes que submetam ao Tribunal de Justiça a questão da validade da decisão da Comissão.
IV – Recursos de anulação
50. Além de requererem a tutela dos órgãos jurisdicionais nacionais, G. Atzeni e outros agricultores interpuseram no Tribunal de Primeira Instância um recurso de anulação da decisão da Comissão (19) − segundo foi afirmado na audiência, M. Scalas e R. Lilliu não o fizeram.
51. A Comissão suscitou a questão prévia da admissibilidade do pedido por duas razões: o facto de o recurso ter sido interposto fora de prazo e de o acto recorrido não dizer individualmente respeito aos recorrentes.
52. Por despacho de 29 de Maio de 2002 (20), o Tribunal de Primeira Instância, acolheu a primeira questão prévia e não apreciou a segunda. Afirmou que, pelo facto de a decisão recorrida ter sido publicada no Jornal Oficial de 11 de Setembro de 1997 e de só ter sido interposto recurso para o órgão jurisdicional comunitário em 25 de Janeiro de 2002, o recurso era extemporâneo e, portanto, inadmissível.
53. Outros recursos semelhantes foram decididos do mesmo modo (21).
V – Questões prejudiciais e processo no Tribunal de Justiça
54. Os giudici istruttori da sezione civile do Tribunale di Cagliari suspenderam as instâncias e pediram ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse sobre a validade da decisão.
55. No despacho de 29 de Abril de 2003, que deu lugar ao processo C‑346/03, são indicados os seguintes vícios:
«a) incompetência da Comissão para adoptar a decisão impugnada por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.°, 33.°, 34.°, 35.°, 36.°, 37.° e 38.° do Tratado da União Europeia;
b) violação das normas que regem o processo instituído nos termos do artigo 88.°, n.° 1, do Tratado da União Europeia;
c) violação das normas que regem o processo instituído nos termos do artigo 88.°, n.os 2 e 3, do Tratado da União Europeia;
d) falta de fundamentação da decisão nos termos das disposições conjugadas dos artigos 253.°, 88.°, n.° 3, e 87.°, n.° 1, do Tratado da União Europeia;
e) violação e errada aplicação do Regulamento n.° 797/85 do Conselho, relativo à melhoria da eficácia das estruturas agrícolas;
f) violação e incumprimento das práticas instituídas para os auxílios às empresas agrícolas em dificuldade e das ‘orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade’.»
56. Por sua vez, no despacho de 20 de Outubro de 2003, que deu origem ao processo C‑529/03, além de se acolherem as indicações da decisão judicial anterior, chama‑se a atenção para a existência de outras causas de invalidade. A este respeito, refere‑se o princípio da confiança legítima, dado o tempo decorrido entre a publicação da Lei regional 44/1988, o início do procedimento relativo à infracção, a adopção da decisão e o pedido de reembolso a cada agricultor. Também se insiste na falta de fundamentação do acto comunitário, precisando‑a sob outras perspectivas.
57. Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça, no prazo indicado pelo artigo 20.° do Estatuto, por M. Scalas e R. Lilliu, demandantes no processo principal que deu origem ao processo C‑529/03, e pela Comissão.
58. Por despacho de 6 de Maio de 2004, foi decidida a apensação dos dois processos para efeitos da fase oral, da apresentação de conclusões e da sentença.
59. Na audiência, que teve lugar em 16 de Fevereiro de 2005, compareceram, para apresentar oralmente alegações, os representantes de G. Atzeni e outros, de M. Scalas e R. Lilliu, e da Comissão.
60. Importa ainda referir uma terceira questão prejudicial submetida pelo mesmo Tribunale de Cagliari. Esta questão deu origem ao processo C‑285/04, Medda, cuja tramitação está suspensa, à espera da decisão dos processos ora em causa.
VI – Admissibilidade das questões prejudiciais
A – Abordagem
61. A Comissão suscita, nas suas observações, um problema interessante: o dos efeitos processuais desencadeados quando se recorre directa e indirectamente de uma mesma decisão. O assunto não é de somenos importância, pois pode acarretar a inadmissibilidade das questões formuladas pelos juízes italianos, questão que terá de ser examinada oficiosamente, enquanto requisito imprescindível ao desenrolar do processo.
62. À primeira vista, a situação parece simples: uma decisão dirigida a um Estado‑Membro, que declara a ilegalidade de auxílios de Estado e a sua incompatibilidade com o mercado comum, é contestada pelos particulares; por um lado, através da interposição de um recurso de anulação no Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias; por outro, através da impugnação das medidas tomadas pelo país em causa para dar cumprimento ao acto comunitário, cuja validade é discutida em processos nos órgãos jurisdicionais nacionais.
63. No entanto, o panorama é mais complexo, ao coexistirem outros factores: o Tribunal de Primeira Instância não se pronunciou sobre a legitimidade dos recorrentes; a decisão não se limita à análise dos auxílios concedidos, respeitando também ao regime em que estes se baseiam; e, fundamentalmente, a regulação, no Tratado CE, das possibilidades de reacção dos particulares é insatisfatória.
B – Considerações gerais
64. Em qualquer ordenamento jurídico convivem instrumentos normativos de diferente natureza estruturados de acordo com o princípio da hierarquia. A Constituição ocupa o topo, seguida, nos escalões inferiores, pelas leis e pelos regulamentos. Com excepção da primeira, em que o povo soberano é o arquitecto do sistema, trata‑se de disposições gerais emanadas dos poderes constituídos, quer dos representantes da cidadania, quer da Administração.
65. Paralelamente, há outros instrumentos de significado diferente, normalmente procedentes da Administração, cuja distinção dos anteriores não é fácil, embora um método útil consista em verificar se se esgotam com a sua utilização ou se inovam o direito, mais do que verificar se se dirigem a vários sujeitos ou a um destinatário singular.
66. Esta abordagem dá lugar a duas reflexões importantes. Em primeiro lugar, há que limitar a legitimidade individual para impugnar directamente as disposições gerais de grau superior, em particular as leis, na medida em que são aprovadas por representantes do povo e a sua crítica é feita nas eleições; mas, sem prejuízo de a não conformidade com a Constituição ser combatida com outros instrumentos, esta justificação não serve quando as normas não procedem dos órgãos legislativos. Em segundo lugar, os cidadãos devem impugnar as normas nos prazos expressamente indicados, no respeito do princípio da segurança jurídica, embora, por vezes, as exigências do princípio da legalidade aconselhem a que se admita a sua impugnação de maneira indirecta, através dos actos que as aplicam.
67. A transposição do raciocínio anterior para o âmbito comunitário encontra sérias dificuldades dada a singularidade do contexto jurídico vigente − foi qualificado de «caos regulamentar» (22) − e as limitações impostas às pessoas singulares e colectivas para impugnar as decisões emanadas das instituições, embora o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa (23) simplifique o panorama, distinguindo, nitidamente, nos artigos I‑33.° e seguintes, entre actos legislativos (lei e leis‑quadro) e os que o não são (regulamentos e decisões) (24), bem como definindo as hipóteses em que os particulares podem recorrer ao Tribunal de Justiça (25).
C – Recurso de anulação e questão prejudicial de validade
1. Recurso de anulação (26)
a) Configuração ordinária
68. O recurso de anulação foi criado com uma dupla finalidade: fiscalizar o respeito do direito comunitário pelas instituições e defender os direitos dos recorrentes (pessoas singulares e colectivas, Estados‑Membros e instituições) (27).
69. O seu objecto está limitado aos actos adoptados em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, aos do Conselho, aos da Comissão e aos do Banco Central Europeu que não sejam recomendações ou pareceres, bem como aos do Parlamento Europeu «destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros» (artigo 230.° CE, primeiro parágrafo). Além disso, é possível interpor recursos de anulação das deliberações do Conselho de Governadores e do Conselho de Administração do Banco Europeu de Investimento [artigo 237.°, alíneas b) e c)] (28).
70. Os fundamentos do recurso limitam‑se à incompetência, à violação de formalidades essenciais, à violação do Tratado ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação e ao desvio de poder (artigo 230.°, segundo parágrafo). Os dois primeiros referem‑se à legalidade externa, podendo ser suscitados oficiosamente (29), os dois últimos respeitam à legalidade interna e devem ser invocados pelos interessados.
71. A limitação da legitimidade para interpor recurso é uma das suas principias características. Diferentemente dos recorrentes privilegiados − os Estados‑Membros, o Parlamento Europeu, a Comissão e o Conselho –, o Tribunal de Contas e o Banco Central Europeu apenas têm essa possibilidade para defesa das suas prerrogativas e as pessoas singulares ou colectivas só podem recorrer de decisões de que sejam destinatárias ou que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou decisão dirigida a outra pessoa, lhes digam directa e individualmente respeito (artigo 230.°, terceiro e quarto parágrafos) (30).
b) Legitimidade dos particulares
72. Do exposto se conclui que o direito de acesso dos particulares ao Tribunal de Justiça é restringido de duas formas: através da limitação dos actos recorríveis e através da exigência de certas qualidades pessoais para o efeito.
i) Actos impugnáveis
73. A primeira limitação exclui a impugnação directa das disposições gerais, admitindo‑se apenas relativamente às decisões. Não é possível, pois, quanto a regulamentos, a não ser que contenham uma decisão, já que, nesse caso, segundo a jurisprudência, a forma escolhida não altera a natureza do acto (31).
74. É, no entanto, complicado saber quais as hipóteses em que um acto é recorrível. Importa lembrar que, segundo o acórdão Confédération nationale des producteurs de fruits et legumes e o./Conselho (32), o critério básico de distinção reside no âmbito de aplicação, uma vez que a decisão tem destinatários limitados, enquanto o regulamento se destina a categorias consideradas abstractamente e no seu todo. Porém, o alcance geral e, portanto, a natureza normativa de um acto não é prejudicado pela possibilidade de se determinar com maior ou menor precisão o número ou até a identidade dos sujeitos jurídicos a que se aplica em determinado momento, desde que se comprove que essa aplicação é efectuada em virtude de uma situação objectiva de direito ou de facto definida pelo acto e relacionada com o seu objectivo (33).
75. Por outro lado, não se pode esquecer que, de facto, as decisões dirigidas aos Estados‑Membros costumam ter carácter normativo, já que são concebidas de modo geral e abstracto para situações delimitadas segundo parâmetros neutros.
ii) Decisão que diz directa e individualmente respeito ao interessado
76. Para que uma pessoa tenha acesso ao recurso de anulação comunitário não basta que este se dirija contra uma disposição susceptível de recurso, sendo que, como indiquei nas conclusões apresentadas no processo Comité d’entreprise de la Société française de production e o./Comissão (34), «[s]ó a condição cumulativa de a decisão dizer directa e individualmente respeito ao particular que dela não seja destinatário lhe confere legitimidade para pedir a sua impugnação» (n.° 15).
77. Em princípio, o acto diz directamente respeito quando se verifica uma relação de causa‑efeito entre a decisão e a alteração da posição jurídica subjectiva do interessado, embora por vezes exija medidas de aplicação adoptadas pelas autoridades nacionais (35).
78. Sobre a outra condição (36), ganha todo o significado a doutrina exposta pela primeira vez no acórdão Plaumann/Comissão (37) e reiteradamente seguida (38), de que um acto não diz individualmente respeito aos sujeitos que não sejam seus destinatários, salvo se «os afectar devido a certas qualidades que lhes são próprias ou a uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e assim os individualiza de maneira análoga à do destinatário».
79. Nesta linha, o acórdão Van der Kooy e o./Comissão (39) declarou que uma empresa não se pode opor, em princípio, a uma decisão da Comissão que proíba incentivos sectoriais, se estes só lhe dizem respeito devido ao facto de pertencer ao ramo em causa e à sua condição de beneficiário potencial do referido regime, uma vez que são medidas de alcance geral que se aplicam a situações determinadas objectivamente e implicam efeitos jurídicos para uma categoria de pessoas definidas de forma genérica e abstracta (n.° 15). Pelo contrário, como afirma o acórdão Itália e Sardegna Lines/Comissão, já referido, quando se tem a qualidade de beneficiário do auxílio o acto diz‑nos individualmente respeito (n.os 34 a 36) (40).
2. Questão prejudicial de validade
80. O Tratado estabeleceu um sistema completo de vias de recurso destinado a confiar ao Tribunal de Justiça a fiscalização da legalidade dos actos das instituições (41). Daí que as limitações inerentes ao recurso de anulação sejam compensadas por outros mecanismos, entre os quais ocupa lugar de destaque a questão prejudicial de validade (42), que se destina a esse mesmo fim.
81. Nestes casos, o interessado recorre ao tribunal nacional para pôr em causa um acto das autoridades do país, alegando a ilegalidade da norma comunitária em que se baseia.
82. Sem prejuízo dos requisitos impostos pelos ordenamentos processuais de cada Estado‑Membro, esta regulamentação incide sobre os inconvenientes derivados do prazo e da reduzida legitimidade prevista para o recurso para os órgãos jurisdicionais da Comunidade.
3. Relação entre o recurso de anulação e a questão prejudicial de validade
83. Os números anteriores demonstram que uma e outra via processual se complementam e podem coexistir.
a) Complementaridade
84. Diferentemente do que acontece com o recurso de anulação, o reenvio de validade tem por objecto, além das decisões e de outros actos de natureza semelhante, qualquer disposição geral. Como se observa no acórdão Les Verts/Parlamento, já referido, as pessoas singulares e colectivas estão assim protegidas contra a aplicação de actos de alcance geral que não podem impugnar directamente. Quando a execução administrativa desses actos compete às instituições comunitárias, podem interpor recurso directo, junto do Tribunal, contra os actos de aplicação de que são destinatárias, ou que lhes digam directa e individualmente respeito, e invocar, nesse recurso, a ilegalidade do acto geral de base. Quando essa execução for da competência das instâncias nacionais, podem invocar a invalidade dos actos de alcance geral perante os órgãos jurisdicionais nacionais e levar estes a consultar, a esse respeito, o Tribunal, por meio de questões prejudiciais (n.° 23).
85. Logo, esta via prejudicial só procede quando não seja possível fazer uso do recurso de anulação (43) e se tenha verificado uma medida nacional de execução. Além disso, se não existir uma medida estatal, a inviabilidade de uma questão prejudicial é evidente. Mas, se nesta última hipótese também não se puder realizar uma oposição directa, o carácter completo do sistema de recursos fica posto em causa (44).
b) Coexistência
86. Já o acórdão Rau e o. (45) destacou esta peculiaridade, ao afirmar que a oportunidade de interpor recurso directo da decisão de uma instituição comunitária «não exclui o direito de interpor, junto do tribunal nacional, recurso do acto da autoridade nacional que execute essa decisão, invocando a ilegalidade desta» (n.° 12).
87. Mas, se se permitisse de modo absoluto a colocação de uma questão prejudicial sobre uma decisão não impugnada em tempo útil, embora tivesse sido possível fazê‑lo, eludir‑se‑ia o efeito preclusivo dos prazos e as restantes consequências que este acarreta (46). Por esta razão, o acórdão Deggendorf (47) projectou nos particulares a doutrina que o próprio Tribunal de Justiça tinha elaborado relativamente aos Estados‑Membros, para declarar que as exigências de segurança jurídica conduzem à exclusão da possibilidade, para o beneficiário de um auxílio objecto de uma decisão da Comissão, que teria podido impugnar a decisão e que deixou expirar o prazo imperativo previsto para esse efeito no Tratado, de pôr em causa a legalidade dessa decisão perante os órgãos jurisdicionais nacionais no quadro de um recurso dirigido contra as medidas de execução dessa decisão tomadas pelas autoridades nacionais (n.° 17), mesmo quando, segundo se conclui dos acórdãos Accrington Beef (48) e Wiljo (49), o acto tenha como destinatário um Estado, desde que as autoridades o tenham notificado ao interessado em tempo útil para recorrer dele (50).
88. A jurisprudência Deggendorf é muito discutível (51) e o Tribunal de Justiça terá de optar entre elaborá‑la de maneira mais precisa ou erradicá‑la, pois suscita objecções importantes:
a) Baseia‑se na segurança jurídica, mas esse princípio não hierarquiza as duas vias de recurso e, além disso, não prevalece sempre sobre o princípio da legalidade, importando referir que o próprio direito da União regula alguns casos em que não existe essa prioridade, pois a excepção de ilegalidade prevista no artigo 241.° CE permite pôr em causa um regulamento, embora tenha decorrido o prazo para a sua impugnação directa. Em nome da segurança jurídica podem limitar‑se os efeitos da sentença no tempo, mas não cercear a fiscalização jurisdicional da actuação comunitária.
b) Não distingue entre disposições gerais e actos de aplicação, preconizando sempre a mesma solução. Obriga os particulares a interpor recurso de anulação, mesmo de forma cautelar, sem lhes garantir a sua admissibilidade, dadas as restrições impostas à legitimidade pela jurisprudência.
c) Contradiz os acórdãos Foto‑Frost, Binder e Behn Verpackungsbedarf (52), em que se admitiu o reenvio sem discussão, apesar de os demandantes no processo principal terem podido impugnar no tribunal comunitário as decisões da Comissão, cuja validade foi contestada no tribunal nacional. Aliás, o acórdão Universität Hamburg (53) reconheceu que o indeferimento do pedido por uma autoridade do Estado‑Membro constitui o único acto dirigido ao particular, «que dele tomou necessariamente conhecimento em tempo útil e que pode impugnar sem quaisquer dificuldades de demonstrar o seu interesse em agir», pelo que «deve ter a possibilidade, no quadro dum recurso interposto nos termos do direito nacional […] de invocar a excepção de ilegalidade da decisão da Comissão que serviu de fundamento à decisão nacional tomada contra si» (n.° 10).
d) Exige ao tribunal nacional que analise a legitimidade do interessado para interpor recurso de anulação no Tribunal de Justiça e verifique que aquele o fez; no entanto, o acórdão Rau e o., já referido, recusa investigar «se o recorrente no processo principal pode ou não impugnar a decisão perante […o] Tribunal [de Justiça]» (n.° 11). Vai ainda mais longe, afirmando que se dúvidas houvesse sobre essa possibilidade, teria de formular uma questão interpretativa, da qual dependeria o reenvio da questão de validade. Cria‑se, pois, a um sistema demasiado complicado e artificial, que origina mais inconvenientes que vantagens.
e) Por fim, ignora o fundamento e a natureza do processo do artigo 234.° CE como instrumento de cooperação judicial, uma vez que, quando o interessado não tenha razões para interpor um recurso de anulação, o tribunal nacional não pode iniciar o diálogo com o Tribunal de Justiça, ainda que considere ilegal o acto comunitário de base ou entenda que, na sua execução, surgiram vícios inicialmente ignorados. Ou seja, se se subordinar o reenvio ao comportamento das partes, desvirtua‑se a colaboração entre tribunais estabelecida pelo Tratado (54) porque, da mesma forma, poderia considerar‑se inadmissível uma questão em que esteja em causa a validade por razões diferentes das esgrimidas no recurso de anulação.
89. Há que sublinhar, por último, que na hipótese de um órgão jurisdicional nacional hesitar quanto à validade quando esteja pendente no Tribunal de Justiça um recurso de anulação, o acórdão Masterfoods e HB (55) atribui ao primeiro a opção de suspender a instância até que o órgão comunitário profira uma decisão definitiva nos termos do artigo 230.° CE ou de submeter uma questão prejudicial.
D – Conteúdo da decisão e possibilidades de impugná‑la
1. Conteúdo
90. O artigo 1.° da decisão declara a ilegalidade e a incompatibilidade com o mercado comum dos auxílios concedidos pela região da Sardenha, nos termos do artigo 5.° da Lei regional 44/1988, e das quatro deliberações da «Giunta regionale» já referidas. Logo, diz respeito a dois aspectos: ao regime de auxílios propriamente dito e às suas manifestações concretas.
91. A primeira declaração possui carácter geral e abstracto, já que se refere a situações objectivamente definidas, mas imprecisas; além disso, dá lugar à supressão de uma regulamentação interna; por último, dirige‑se a uma pluralidade indeterminada de sujeitos. Nestas circunstâncias, o acto não diz directa e individualmente respeito aos particulares, pelo que estes carecem de legitimidade para o impugnar directamente.
92. No entanto, a decisão da Comissão também respeita às deliberações que concederam incentivos a pessoas susceptíveis de serem individualizadas, dizendo‑lhes assim respeito, uma vez que as obriga a devolverem os referidos incentivos. Portanto, deve reconhecer‑se a estes agentes a faculdade de solicitarem a anulação das deliberações relativas a tais medidas.
2. Impugnabilidade
93. A dupla óptica descrita incide nas possibilidades de recurso da decisão.
94. Se se considerar que os interessados podem impugná‑la validamente de forma directa, há que declarar as questões prejudiciais inadmissíveis. Em caso contrário, não procede qualquer objecção deste tipo.
95. Nos presentes processos, embora processualmente pareça mais correcto examinar em primeiro lugar a legitimidade activa dos recorrentes e, consoante os resultados, verificar se agiram no prazo fixado, o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se a declarar a extemporaneidade do recurso de anulação, atendendo apenas à data de publicação do acto no Jornal Oficial e à de interposição do referido recurso.
96. Esta tese conduz à imputação aos recorrentes de todos os prejuízos derivados do recurso tardio ao órgão jurisdicional comunitário.
97. Mas esta solução não se aplica na situação ora em causa, dadas as circunstâncias existentes e as considerações que expus nos números anteriores.
98. A decisão não tinha como destinatários os beneficiários dos auxílios, mas o Estado italiano; embora lhes dissesse directa e individualmente respeito em alguns pontos, não foram dela notificados nem pelo referido Estado nem pela Comissão. Esta falta de informação pessoal pode ser suprida por outros meios, mas antes há que procurá‑la, estando em melhores condições para o fazer quem possui os correspondentes registos da concessão dos auxílios (56). Para evitar estes problemas, parece útil prever um sistema eficaz que informe quer do início quer do fim de um procedimento por ilegalidade ou incompatibilidade dos auxílios de Estado. Ou, pelo menos, que se efectue a contagem do prazo de interposição do recurso de anulação segundo a teoria da actio nata, ou seja, a partir da data em que era possível interpor esse mesmo recurso. Qualquer outra solução constitui uma falácia e uma diminuição do direito de defesa das pessoas singulares e colectivas (57).
99. Além disso, como a decisão tem um duplo conteúdo, não é disparatado pensar que, em parte, esses cidadãos não têm acesso directo ao órgão jurisdicional comunitário e que apenas de forma indirecta podem impugnar a sua legalidade.
100. Todas estas razões aconselham que, se alguma dúvida tem a este respeito, o Tribunal de Justiça admita as questões prejudiciais.
VII – Exame da validade da decisão
101. Os tribunais nacionais consideram que a decisão incorre em vários vícios, que há que agrupar em três categorias: a falta de base jurídica, a violação do princípio da confiança legítima e outros, quer de carácter formal − irregularidade do processo e fundamentação insuficiente –, quer substantivo − compatibilidade dos auxílios com o mercado comum.
A – Base jurídica
102. A primeira causa de invalidade invocada refere‑se à observância, na agricultura, das regras sobre auxílios contidas no Tratado. Argumenta‑se que, à luz do artigo 36.° CE, não é aplicável nesse sector o artigo 87.° CE, em que se baseia a decisão, por o Conselho não o ter incluído no Regulamento n.° 26.
103. Estas alegações levam a que se aprecie a relação entre a agricultura e o mercado livre e a sua incidência no presente caso.
1. Relações entre as políticas agrícola e da concorrência
a) Introdução
104. A política agrícola comum constitui um dos meios de integração para se atingir os objectivos económicos da Comunidade. Esta ideia explica que a primeira disposição de entre as dedicadas à «agricultura», o artigo 32.° CE, indique que «[o] mercado comum abrange a agricultura e o comércio de produtos agrícolas», incluindo, nestes últimos, os produtos do solo, da pecuária e da pesca.
105. A importância que adquiriu desde o início não esconde que, como noutros âmbitos, a consolidação também se obtenha pela negativa, através da substituição das intervenções estatais pelo exercício das liberdades económicas no mercado comum (58).
106. Esta opção, como revela o artigo 2.° CE e confirmam outras normas do Tratado, não implica uma proibição absoluta de toda e qualquer ingerência pública. São admitidas várias excepções, embora subordinadas ao superior interesse comunitário.
107. Neste sentido, os objectivos enunciados no artigo 33.° CE revestem‑se de natureza económica, embora um ou outro tenha o cariz social que marca certos aspectos do texto fundador. Consequentemente, o artigo 34.° CE estabelece a criação de «uma organização comum dos mercados agrícolas» que, consoante os produtos, abrange desde a previsão de medidas de regulação de preços, de auxílios à produção e à comercialização, de formas de armazenamento e de compensação de remanescentes, assim como de mecanismos semelhantes de estabilização das importações ou exportações, até uma remissão pura e simples para as normas partilhadas sobre concorrência (59).
108. As vantagens concedidas pelos Estados à agricultura têm um acentuado carácter sectorial, são medidas de intervenção económica sujeitas aos critérios da regulamentação geral, embora apresentem singularidades devido às circunstâncias do sector em que são utilizadas ou do contexto ambiental, sanitário ou social que, em muitos casos, as afectam.
109. Afigura‑se, pois, criticável a oposição, sem mais, a qualquer auxílio nacional, uma vez que, com frequência, as intervenções servem para favorecer a concorrência, devolvendo aos operadores a situação de igualdade que tinha sido alterada. Há momentos em que, através de uma justificação suficiente e respeitando os princípios fundamentais da actividade de auxílio, essas intervenções contribuem para a livre concorrência.
b) Aplicação das normas sobre auxílios de Estado à agricultura
110. Apesar de já terem passado muitos anos desde a entrada em vigor do Tratado, as relações entre a política agrícola comum e a política de concorrência não estão claramente delimitadas (60), tendo‑se remetido a respectiva regulamentação para o direito derivado. Não há dúvidas de que a situação da agricultura europeia impedia que se utilizassem, sem mais, as regras que garantem a livre concorrência, mas, hoje em dia, os obstáculos desapareceram, embora seja conveniente introduzir alguns matizes (61). Outra opção, nada despicienda, uma vez que também tem cabimento no Tratado, defende a criação de uma regulamentação própria a este respeito.
111. A favor da primeira alternativa milita o n.° 2 do artigo 32.° CE, segundo o qual «[a]s regras previstas para o estabelecimento do mercado comum são aplicáveis aos produtos agrícolas, salvo disposição em contrário dos artigos 33.° a 38.° inclusive», sujeitando o sector à regulamentação geral do mercado comum, embora protegendo as suas exigências específicas.
112. Por sua vez, o artigo 36.° CE subordina a utilização das regras de concorrência ao que for determinado pelo Conselho «tendo em conta os objectivos definidos no artigo 33.°» (62). Desta expressão se infere a existência de uma hierarquia em que a política agrícola ocupa uma posição preferencial, como manifestou o acórdão McCarren (63) e, mais claramente, o acórdão Maizena/Conselho (64), embora esta regulamentação implique a salvaguarda de uma base de livre concorrência, sem a qual se desvirtuaria o mercado comum (65).
113. As normas que o Tratado dedica à agricultura não constituem um quadro fechado e independente em que não tenham cabimento as normas que regulam a concorrência. Estas últimas, no entanto, constituem um elemento de um todo (66), que não deve ser ignorado (67).
114. É neste contexto que o Regulamento n.° 26, já referido, se situa, pois, de facto, permite a elaboração de uma política de concorrência própria do sector agrícola, embora ainda não levada a cabo (68). Pelo contrário, como indiquei anteriormente, as instituições procuraram, através do direito derivado, que os artigos 87.° CE a 89.° CE fossem utilizados em todos os domínios daquela política.
c) Direito derivado
115. A remissão efectuada pelo artigo 36.° CE para a vontade do Conselho encontrou uma pronta resposta no Regulamento n.° 26, aplicável ao comércio e à obtenção dos produtos que constam do anexo I do Tratado, com exclusão das matérias auxiliares utilizadas no fabrico − como o coalho (69), os fertilizantes e os produtos fitossanitários (70).
116. Este diploma, de carácter horizontal, decretou a inobservância, no referido âmbito, dos artigos 87.° CE, 88.° CE, n.° 2, e 89.° CE, mas a justificação inicial desta não aplicação, dada a incipiente política comum na matéria, desaparece com a instituição das organizações de mercado, de modo que, mesmo havendo propostas orientadas para a supressão das limitações (71), a utilização das referidas normas na política agrícola exigiria um acordo relativamente a cada uma das regulamentações parciais, como se fez de forma generalizada, através das correspondentes declarações de observância do Tratado em matéria de auxílios de Estado, sempre que nos respectivos articulados não se prevejam excepções de forma explícita.
117. O mesmo não acontece no caso dos bens não sujeitos às regulamentações comuns que, na falta de normas específicas e em virtude do referido regulamento, apenas ficariam sujeitos ao disposto no n.° 1 e no primeiro período do n.° 3 do artigo 88.° CE, limitando‑se o poder da Comissão à formulação de recomendações sobre os auxílios de Estado, como foi decidido nos acórdãos St. Nikolaus Brennerei (72) e Société d’iniciatives et de coopération agricoles/Comissão (73).
118. Também se pode entender que as restrições previstas no Regulamento n.° 26 tinham um carácter provisório, de modo que, em harmonia com o sistema do Tratado, no fim do período transitório, os artigos 87.° CE e 88.° CE se aplicariam na íntegra à agricultura (74).
119. Do exposto se conclui que, para se examinar a base jurídica de uma actuação da Comissão nesta matéria, há que demonstrar, em primeiro lugar, se está apoiada num regulamento que expressamente confira uma habilitação. Seguidamente, se assim for e se não existir uma organização comum de mercado, é necessário demonstrar a incidência do Regulamento n.° 26. Finalmente, não sendo esse o caso, impõe a observância directa das normas sobre concorrência nos termos sugeridos, com reserva das medidas específicas acordadas.
2. Base jurídica da decisão
120. A decisão baseia‑se no artigo 88.°, n.° 2, CE (embora também aluda ao n.° 3), assim como no artigo 87.°, n.° 3, CE. Todavia os tribunais nacionais duvidam de que a Comissão possa recorrer a essas normas, nos termos do estipulado no Regulamento n.° 26, uma vez que este só permite utilizar as normas sobre auxílios de Estado que enuncia, de entre as quais não constam aquelas disposições.
121. Há que dar, portanto, prioridade às regulamentações específicas, considerando um duplo âmbito: o geral, previsto na Lei regional 44/1988, e o especial, determinado pelas deliberações que a apoiam, para se chegar a uma reflexão geral.
a) Sistema de auxílios da Lei regional 44/1988
122. Com este instrumento normativo é criado um fundo de garantia para a agricultura. Em especial, o artigo 5.° regula um regime de auxílios a favor das explorações cuja situação financeira seja afectada por circunstâncias desfavoráveis.
123. Nessa situação, a aplicação das normas do Tratado sobre intervenções públicas é feita pelo Regulamento (CEE) n.° 797/85 do Conselho, de 12 de Março de 1985, relativo à melhoria da eficácia das estruturas agrícolas (75), várias vezes alterado e codificado, tendo sido revogado pelo Regulamento (CEE) n.° 2328/91 do Conselho, de 15 de Julho de 1991, com o mesmo título (76).
124. O artigo 1.° do Regulamento n.° 797/85 institui uma acção comum para melhorar a eficácia das explorações agrícolas e contribuir para a sua evolução. Por sua vez, o artigo 1.° do Regulamento n.° 2328/91 menciona, entre os objectivos da referida acção, por um lado, o de contribuir para o progresso dos negócios através do reforço e da reorganização das respectivas estruturas e da promoção de actividades complementares [artigo 1.°, n.° 1, ii)] e, por outro, o de preservar uma comunidade agrícola viável para participar no desenvolvimento do tecido social dos sectores rurais, assegurando um nível de vida equitativo aos camponeses, nomeadamente mediante a compensação das deficiências naturais nas zonas de montanha e nas zonas desfavorecidas [artigo 1.°, n.° 1, iii)].
125. Por conseguinte, à luz da sua finalidade, a Lei regional 44/1988 é afectada pelos referidos regulamentos (77).
126. Assim sendo, como o Regulamento n.° 797/85 exige que se respeitem os artigos 87.° CE a 89.° CE (artigo 31.°) − o Regulamento n.° 2328/91 também o faz (artigos 12.°, n.° 1, e 35.°) −, as medidas nacionais estão sujeitas às regras comunitárias sobre auxílios de Estado, sem que, pelo contrário, intervenha o Regulamento n.° 26.
127. De qualquer forma, se alguma dúvida houvesse quanto a este aspecto, invocar‑se‑ia o argumento exposto anteriormente sobre a projecção directa das normas do Tratado sobre concorrência na agricultura.
b) Auxílios concedidos pelas deliberações da «Giunta regionale»
128. Se o quadro base delineado na norma italiana, que apoia a atribuição dos incentivos, está sujeito à regulamentação dos auxílios de Estado, parece lógico concluir que as suas manifestações concretas também o estão. Mas esta circunstância não obsta à análise da base comunitária da decisão da Comissão relativamente aos auxílios concedidos pela Região Autónoma da Sardenha, apesar de não caber ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a lei regional (78).
i) Culturas em estufas
129. A deliberação de 30 de Dezembro de 1988 concedeu empréstimos como consequência da queda dos preços dos produtos cultivados em estufa (79).
130. Na esteira do que foi exposto, esta actuação inscreve‑se na órbita do Regulamento n.° 797/85, que habilita a Comissão a aplicar todas as disposições do Tratado sobre auxílios de Estado.
ii) Empresas florestais
131. A deliberação de 27 de Junho de 1990 favoreceu as empresas florestais, cujas plantações não proporcionavam ainda uma colheita rentável.
132. No entanto, embora apresente contornos muito amplos, uma vez que também engloba o gado e a pesca, o conceito de «agricultura» a que se refere o Tratado não integra as explorações florestais, nem os produtos destas últimas se consideram «agrícolas» para efeitos do anexo I, ainda que a relação entre estas esferas seja conhecida (80).
133. Neste sentido, é pertinente a referência da Comissão ao acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 1999 (81), segundo o qual «o anexo [I] não pode ser entendido como abrangendo […] as árvores e produtos da actividade florestal, ainda que determinados desses produtos, considerados de forma isolada, possam entrar no âmbito de aplicação dos artigos [32.° a 38.°] do Tratado».
134. Por conseguinte, se não se tiverem em conta as especificidades previstas no artigo 36.° CE, as intervenções nacionais regem‑se, sem mais, pelas normas comunitárias de carácter geral.
iii) Cunicultores
135. Os coelhos sofreram uma epizootia que assolou a região na Primavera de 1990. Os seus criadores beneficiaram das vantagens concedidas pela deliberação de 20 de Novembro do mesmo ano.
136. Trata‑se de um sector que, diferentemente do anterior, se assemelha ao sector agrícola e que, por isso, está sujeito ao Regulamento n.° 797/85, gozando, no entanto, de uma regulamentação específica, o Regulamento (CEE) n.° 827/68 do Conselho, de 28 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado para certos produtos enumerados no anexo I do Tratado (82).
137. Segundo o artigo 5.° deste regulamento, os artigos 87.° CE a 89.° CE «[s]ão aplicáveis à produção e ao comércio dos produtos enumerados no anexo», entre os quais figuram «[o]utros animais vivos» (ponto 01.06).
iv) Explorações agrícolas endividadas
138. As condições de mercado e o agravamento das circunstâncias climáticas determinaram que a deliberação de 26 de Junho de 1992 concedesse auxílios aos operadores económicos que reunissem certos requisitos.
139. Nestes processos, atendendo às datas consideradas, há que ter em conta o Regulamento n.° 2328/91, em cujo âmbito material ficaria integrada a actuação da região, com a consequência de que há que aplicar todas as normas do Tratado sobre concorrência.
c) Reflexão final
140. Os números anteriores justificam a aplicação dos artigos 87.° CE a 89.° CE, conjugados com a Lei regional 44/1988 e com as suas quatro manifestações práticas. Há normas de direito derivado que permitem fazê‑lo, algumas delas, como as que são dirigidas aos criadores de coelhos, com carácter específico. Mas, ainda que assim não fosse, o Tribunal de Justiça tem uma boa oportunidade para afirmar que a base jurídica da decisão assenta no Tratado, uma vez ponderada a letra e o espírito do seu texto.
B – Violação do princípio da confiança legítima
141. Nos despachos de reenvio atribui‑se uma grande relevância ao longo período que decorreu entre a publicação da norma regional, a instauração do procedimento por incumprimento contra a Itália, a adopção da decisão da Comissão e a reclamação do reembolso das quantias indevidamente recebidas, relacionando‑se tais factos com o princípio da confiança legítima, considerado violado por não se ter verificado com prontidão a compatibilidade dos auxílios com o mercado comum.
1. Configuração do princípio
142. A confiança legítima tem uma relação muito próxima com a segurança jurídica, da qual é uma manifestação específica, mas não tem o carácter claramente objectivo desta última, uma vez que pretende tutelar situações individualizadas. Este carácter subjectivo dá origem a que o seu efeito protector dependa, em grande medida, das circunstâncias de cada situação (83).
143. Enunciado já há algum tempo pelo Tribunal de Justiça (84), o seu reconhecimento exigiu um longo e progressivo processo, de acordo com o desenvolvimento de que foi objecto o direito comunitário, o que dificultou a obtenção de uma definição clara e consistente (85).
144. À luz da evolução jurisprudencial (86), para que o princípio produza efeitos exigem‑se vários requisitos simultâneos (87): uma actuação das autoridades comunitárias que justifique as lícitas expectativas dos interessados − uma vez que, como indica o acórdão Kühn (88), só deve ser invocado se a própria Comissão tiver previamente criado uma situação capaz de gerar uma confiança legítima; alguma probabilidade de que a pessoa mantenha a sua posição, susceptível de ser reconhecida e considerada por um observador externo, com uma base e uma dimensão objectivas, de forma a que se transformem em «esperanças fundadas» não contrárias ao ordenamento jurídico da União; e a prevalência do interesse do interessado face ao interesse público em presença.
145. O problema reside em descobrir a «base de confiança», pois só quando esta existe a situação merece protecção (89).
2. Confiança legítima no âmbito dos auxílios de Estado
146. A recuperação dos benefícios ilegais e incompatíveis tem sempre lugar, a não ser que contrarie um princípio geral de direito (90). Entre estas excepções tem especial importância a confiança legítima dos sujeitos, aspecto analisado com frequência pela jurisprudência, que distingue as situações em que essa confiança é invocada para afastar a obrigação derivada do acto comunitário daquelas em que é invocada para impugnar jurisdicionalmente a sua validade (91).
147. O Tribunal de Justiça declarou que, tendo em conta o carácter imperativo do controlo efectuado pela Comissão, os beneficiários só podem «ter uma confiança legítima na regularidade do auxílio [quando] este tenha sido concedido no respeito pelo processo», acrescentando, além disso, que, «um operador económico diligente deve normalmente estar em condições de se assegurar de que esse processo foi respeitado» (92). Em concreto, quando um auxílio é concedido sem notificação prévia, o interessado não pode, nesse momento, crer legitimamente na regularidade da sua concessão (93). Aliás, até que não seja aprovado e, inclusivamente, enquanto não tiver decorrido o prazo fixado para interposição de recurso da decisão correspondente, não há qualquer certeza quanto à regularidade do auxílio (94). Consequentemente, o princípio não pode ser invocado sem antes se ter confirmado que o Estado em causa efectuou a comunicação prévia obrigatória (95), já que é difícil justificar o desconhecimento do sistema de controlo comunitário dos auxílios de Estado (96).
148. Todavia, a verificação da Comissão requer tempo, como sublinha o Tribunal de Justiça no acórdão de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão (97), ao apreciar a alegação de que o decurso de um intervalo prolongado entre a concessão dos auxílios e a adopção das medidas de recuperação tinha dado origem à convicção da regularidade dos auxílios. Em primeiro lugar, para que haja um prazo de prescrição do direito à recuperação da quantia paga, exigiu que esse prazo seja previamente previsto, o que, à semelhança do presente processo, não acontecia na data do acto ali impugnado (n.° 89) (98). Em segundo lugar, embora, baseando‑se noutros acórdãos (99), tenha avisado que a segurança jurídica se opõe a que a instituição comunitária possa retardar indefinidamente o exercício das suas competências (n.° 90), o Tribunal de Justiça lembrou que, quando não haja notificação, um atraso só lhe é imputável a partir do momento em que teve conhecimento da sua existência (n.° 91).
149. O atraso em agir constitui, precisamente, a razão justificativa da única situação em que não se exigiu o reembolso. Foi o que o Tribunal de Justiça afirmou no acórdão RSV/Comissão (100), devido às excepcionais particularidades do processo (101), em que se recorreu de uma decisão que, 26 meses depois da comunicação, declarou a incompatibilidade e decidiu a supressão de um auxílio dirigido a um sector que gozava de outros benefícios autorizados e pretendia cobrir o custo suplementar de uma operação que também tinha recebido um auxílio autorizado.
3. Aplicação ao caso dos autos
150. O exame da decisão a partir de um ângulo material revela uma dupla contingência: em primeiro lugar, a não notificação dos auxílios, que determina a sua ilegalidade; em segundo lugar, a falta de adequação à livre concorrência, que provoca a sua incompatibilidade com o mercado comum. Esta dupla consequência aconselha uma análise conjunta.
a) Ilegalidade
151. A decisão da Comissão começa com a declaração da ilicitude dos benefícios concedidos ao abrigo do artigo 5.° da Lei regional 44/1988, por aquela não ter sido informada dessa norma nem das deliberações tomadas com base nela.
152. A não comunicação constitui um facto de fácil comprovação que, em princípio, não é compatível com uma dilação como a que se verifica nestes processos.
153. Antes de mais, há que qualificar as medidas concedidas para efeitos de aplicação dos artigos 87.° CE a 89.° CE. Por vezes esta tarefa não é simples.
154. Além disso, as infracções ao ordenamento comunitário declaradas respeitam não só a aspectos formais, como à própria substância dos auxílios em questão. Tem aqui importância a jurisprudência Boussac (102), segundo a qual não há lugar à devolução de um incentivo estatal pela mera circunstância de o mesmo não ter sido notificado de acordo com o n.° 3 do artigo 88.° CE, ou seja, pela sua ilegalidade − formelle Gemeinschaftsrechtswidrigkeit −, sendo necessária uma decisão sobre a sua incompatibilidade com o mercado comum − materielle Gemeinschaftsrechtswidrigkeit.
155. Não são, pois, compartimentos estanques, já que aparecem intimamente ligados, o que conduz à consideração da segunda vertente da decisão.
b) Incompatibilidade
156. Para apreciar o decurso do tempo, há que ponderar os dados relatados na exposição dos factos dos processos principais, quer no que se refere à concessão dos benefícios pelo Governo Regional da Sardenha, quer no que respeita à tramitação levada a cabo pela Comissão.
157. Uma análise detalhada leva a introduzir nuances nas indicações de que, embora a lei regional date de 1988, o procedimento foi iniciado em 1994, a decisão foi aprovada em 1997 e o reembolso das quantidades indevidamente recebidas foi exigido em 2001.
158. Ao apreciar a validade de um acto comunitário, há que avaliar a diligência observada pelas instituições. O comportamento do Estado‑Membro influencia a esfera interna das suas relações com os cidadãos, mas não pode provocar a anulação da decisão. Consequentemente, os prazos controvertidos começaram a correr no momento em que a Comissão teve conhecimento, pela primeira vez, de elementos susceptíveis indicar a existência dos auxílios, o que aconteceu em 1 de Setembro de 1992, aquando da comunicação da Lei regional 17/1992. O dies ad quem ocorreu no momento em que a decisão da instituição foi notificada.
159. Entre os dois momentos pode distinguir‑se duas fases: uma de averiguações preliminares e outra de verificação formal.
i) Investigação prévia
160. Uma vez que nem a Lei regional 44/1988 nem as deliberações da «Giunta regionale» tinham sido notificadas, esta etapa satisfaz a necessidade de esclarecimento dos pontos relevantes, em especial a índole e o alcance dos benefícios e os seus efeitos no mercado comum (103).
161. A referida etapa decorreu entre Setembro de 1992 e Agosto de 1994, período em que foram apresentados vários pedidos de informação ao Governo italiano com datas de 29 de Outubro de 1992 e 27 de Maio de 1993, respondidos em 24 de Março, 2 de Abril e 3 de Dezembro de 1993; e um último de 28 de Fevereiro de 1994, respondido em 25 de Abril seguinte.
162. Estas actuações demonstram que não houve uma paralisação relevante face à alegada nulidade da decisão. Apesar de não ter sido sublinhado no processo prejudicial, é de destacar a demora das autoridades nacionais em dar resposta a alguns requerimentos, como o de 27 de Maio de 1993, que só a obteve seis meses depois.
ii) Procedimento formal
163. Este segundo lapso temporal vai desde o momento em que se dá início ao procedimento formal, em Agosto de 1994, até à emissão do parecer, em Abril de 1997.
164. Reveste‑se de especial significado a publicação, no Jornal Oficial, da comunicação da Comissão, já referida, dirigida, nos termos do n.° 2 do artigo 88.° CE, aos Estados‑Membros e a terceiros para, no prazo de um mês, «apresentarem as suas observações sobre as medidas» propostas. O acórdão Intermills/Comissão indicou que aquela disposição «não exige a notificação individual de sujeitos em particular», uma vez que «o seu único objectivo é obrigar […] a proceder de modo a que todas as pessoas potencialmente afectadas sejam avisadas e tenham oportunidade de apresentar as suas observações», acrescentando que «a publicação de um aviso no Jornal Oficial constitui um meio adequado para dar conhecimento a todos os interessados da existência de um procedimento» (104).
165. Durante estes 32 meses verificaram‑se vários acontecimentos, como o depósito das observações da Itália, em 30 de Janeiro, em 25 de Agosto e em 1 de Dezembro de 1995. Além disso, no último trimestre de 1995 a regulamentação foi alterada, exigindo‑se novos esclarecimentos em Dezembro do referido ano, apresentados em 22 de Fevereiro de 1996. Ainda assim, é relevante que, perante as circunstâncias, a Comissão tenha decidido analisar a alteração de 1995 juntamente com toda a regulamentação dos auxílios, o que foi participado ao Estado por decisão de 25 de Julho de 1996, apesar de não ter sido possível levá‑la a cabo dada a falta de informação sobre os efeitos da reforma.
166. Apesar da existência de alguma dilação dificilmente justificável, a Comissão não renunciou às suas funções.
c) Apreciação global
167. Perante o exposto, o duplo conteúdo da decisão e os factos que a precederam, importa concluir que a confiança legítima dos beneficiários não foi violada, pois, por um lado, demonstrou‑se a não notificação da Lei regional 44/1988 e das deliberações que a aplicaram, assim como a publicação do início do procedimento; por outro lado, o tempo que decorreu até à adopção do acto comunitário não é suficientemente longo para que se conclua de outro modo.
C – Outros vícios
168. Antes de mais importa repetir que a decisão declara os auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado comum. A primeira declaração baseia‑se na concessão dos referidos auxílios sem que a Comissão os tenha podido examinar enquanto projecto. A segunda baseia‑se no n.° 1 do artigo 87.° CE, ao não terem sido satisfeitas condições necessárias à inclusão dos mesmos auxílios nas excepções dos n.os 2 e 3 desta disposição.
169. Esta dupla afirmação obedece aos requisitos impostos pelo Tribunal de Justiça, que distingue, desde os acórdãos Boussac e Tubemeuse, já referidos, a incompatibilidade material, por um lado, e a ilegalidade no plano processual, por outro, pelo que a não notificação formal não se repercute na livre concorrência.
170. No presente caso não se discute a não comunicação, que acarreta a ilicitude dos auxílios, mas a adequação destes ao mercado comum e as diligências levadas a cabo.
171. Importa agora analisar a deficiente tramitação, a insuficiente fundamentação e a compatibilidade dos auxílios.
1. Irregularidades no procedimento
172. Até ao Regulamento n.° 659/1999, já referido, a Comissão não contava com normas que regulassem a tramitação quando os auxílios de Estado já tivessem sido adoptados ou efectivados. Anteriormente, seguiu os ditames do Tribunal de Justiça que, a partir do acórdão de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão (105), delineou um procedimento de controlo especial, tomando como base as regras previstas para o momento em que a notificação tivesse ocorrido.
173. No acórdão Boussac, já referido, explicaram‑se os seguintes passos:
– Quando a Comissão verifica que um auxílio foi concedido ou alterado sem que tal lhe tenha sido comunicado, requer ao Estado interessado que formule as suas observações, após o que pode ordenar a suspensão imediata da sua concessão e, sendo caso disso, da sua execução, assim como a obtenção de todos os documentos, informações e dados necessários.
– Uma vez fornecidos esses elementos, a Comissão verifica a compatibilidade da medida com o mercado comum. Na falta de explicações do país em causa, pode pôr fim ao procedimento e adoptar a decisão pertinente, exigindo, sendo caso disso, a devolução dos auxílios.
– Se o Estado não suspender a concessão do auxílio, a Comissão, ao mesmo tempo que prossegue a análise quanto ao mérito, tem a possibilidade de recorrer directamente ao Tribunal de Justiça para que este declare a violação do Tratado.
174. No presente caso, quando os alegados auxílios foram conhecidos, iniciou‑se uma investigação prévia que desembocou na instauração formal do procedimento do n.° 2 do artigo 88.° CE, no decurso do qual a Itália apresentou observações em vários momentos, procedimento este que terminou com a decisão controvertida.
175. Não se verifica, nessa sucessão factual, qualquer infracção substancial que conduza à nulidade do acto definitivo.
176. Além disso, há que ter em conta as seguintes reflexões:
a) A regulamentação da Lei regional 44/1988 − completada pela Lei regional 17/1992 − assentava, segundo o seu artigo 5.°, na concessão de empréstimos com juros reduzidos, regulados, nos termos do n.° 4 da referida disposição, pela norma que os previa, e por uma lei de 1928, sobre medidas relativas ao crédito agrícola, que, portanto, não regulamenta os auxílios, mas apenas o meio através do qual se materializam, e só em parte.
Logo, não se pode afirmar que os auxílios estavam previstos antes do Tratado − circunstância que a verificar‑se, conduziria à observância do n.° 1 do artigo 88.° CE, que obriga a Comissão e os Estados‑Membros a um exame permanente dos auxílios «existentes» −, uma vez que não há dúvida de que são novos (106).
b) Também não parece admissível o argumento de que, depois da notificação da Lei regional 17/1992, não se verificou a compatibilidade, uma vez que essa comunicação conduziu à abertura de um relatório preliminar e de uma série de trâmites, já expostos.
Portanto, embora a decisão aprecie a adequação dos auxílios ao mercado comum, a duração da tramitação não afecta a regularidade processual, mas outra esfera distinta − o princípio da confiança legítima −, já abordada.
2. Fundamentação
177. Nas conclusões que apresentei no processo que deu origem ao acórdão de 11 de Novembro de 2004, Portugal/Comissão (107), indiquei que a fundamentação de um acto «constitui parte essencial» (108) e que a obrigação de a expor existe quer em benefício dos particulares, quer para fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários que lhe permitam levar plenamente a cabo a correspondente fiscalização jurisdicional (109). A jurisprudência também insistiu em que o Tratado exige que se revele de modo claro e inequívoco o raciocínio da instituição autora da decisão, de modo a permitir aos interessados conhecer as causas da medida tomada e ao órgão jurisdicional exercer a sua missão; no entanto, não se exige a especificação de todos os antecedentes de facto e de direito pertinentes, uma vez que a questão da fundamentação deve ser apreciada não somente à luz da sua redacção, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (110).
178. A natureza economicamente complexa dos regimes de auxílios faz com que, nestes assuntos, a fundamentação das decisões adquira muita importância. Já o acórdão de 12 de Julho de 1973, Comissão/Alemanha (111), referiu a conveniência de a decisão ser suficientemente precisa e, por não o ser, os acórdãos Intermills/Comissão, já referido, e Países Baixos e Leeuwardeer Papierwarenfabrik/Comissão (112) anularam o acto impugnado. No entanto, o acórdão Boussac, já referido, declarou que a partir do momento em que um Estado‑Membro concede um benefício sem o ter notificado previamente, a decisão que declara a incompatibilidade não tem de demonstrar a influência real na concorrência ou nas trocas comerciais, já que, se assim não fosse, favorecer‑se‑iam os infractores em detrimento dos que comunicam as medidas em fase de projecto (n.os 32 e 33, em especial).
179. No caso em apreço, os considerandos da decisão da Comissão expõem os pormenores do procedimento seguido para a adoptar e os pormenores das disposições nacionais. Também indicam as razões pelas quais a falta de notificação é particularmente grave, as razões da não aplicação das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade, e as razões para não se concordar com a argumentação relativa às causas que provocaram o endividamento excessivo das explorações. Seguidamente, abordam os efeitos dos auxílios e da inaplicabilidade das excepções previstas nas alíneas a) e c) do n.° 2 do artigo 87.° CE. Por fim, defendem a procedência da recuperação das quantias pagas.
180. De onde se conclui a existência de uma fundamentação suficiente. Pode discordar‑se da extensão ou do conteúdo das explicações dadas, mas conhecem‑se as justificações do que foi decidido.
3. Compatibilidade dos auxílios
181. Os auxílios de Estado devem ser apreciados, como as restantes restrições à concorrência, tendo em conta a economia de mercado e a integração europeia (113), uma vez que a sua concessão destrói artificialmente a igualdade dos meios e altera as oportunidades das empresas, embora possam contribuir, pelo menos temporariamente, para a adaptação a novas situações, a luta contra o desemprego ou o desenvolvimento regional harmonioso.
182. Este conflito de interesses manifesta‑se no artigo 87.° CE, que proíbe as intervenções nacionais (n.° 1), mas contém um elenco de casos de compatibilidade e de situações em que a Comissão é erigida árbitro (n.os 2 e 3, respectivamente).
183. Como resultou, desde logo, do acórdão de 14 de Dezembro de 1962, Comissão/Luxemburgo e Bélgica (114), as excepções à regulamentação geral devem ser interpretadas restritivamente, precisando‑se no acórdão Syndicat national des céréales e o. (115) os limites das derrogações no sector agrícola. Como indicou recentemente o acórdão de 11 de Novembro de 2004, Espanha/Comissão (116), «a influência nas trocas comerciais entre Estados‑Membros depende da existência de uma concorrência efectiva entre as empresas estabelecidas em tais Estados no âmbito em causa» (n.° 29), ideia esta a relacionar com o acórdão de 29 de Abril de 2004, Grécia /Comissão (117), onde se afirma, remetendo para muitos precedentes, que «a importância relativamente reduzida de um auxílio (118) ou a dimensão relativamente reduzida da empresa beneficiária não impedem, a priori, a eventualidade de as trocas comerciais […] serem afectadas ou de a concorrência ser falseada» (n.° 69), uma vez que outros elementos desempenham um papel determinante na apreciação dos seus efeitos, como «o carácter cumulativo do auxílio, bem como a circunstância de que as empresas beneficiárias operam num sector particularmente exposto à concorrência» (n.° 70) como é o da agricultura (119).
184. Para sustentar a regularidade dos auxílios foi invocada a alínea b) do n.° 2 do artigo 87.° CE, assim como as alíneas a) e c) do n.° 3 da mesma disposição.
a) Artigo 87.° CE, n.° 2, alínea b)
185. Esta disposição prevê a compatibilidade com o mercado comum dos «auxílios destinados a remediar os danos causados por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários».
186. O acórdão de 11 de Novembro de 2004, Espanha/Comissão, já referido, exige a este respeito «uma relação directa entre os danos causados pelo acontecimento extraordinário e o auxílio de Estado», sendo requerida «uma avaliação precisa dos danos sofridos pelos produtores afectados» (n.° 37).
187. No presente caso, não se demonstrou qualquer calamidade ou fenómeno singular que exija medidas económicas especiais para restabelecer o equilíbrio, uma vez que nem a seca − por duradoura que seja –, nem as crises dos mercados, os juros elevados ou a falta de organização na fase de comercialização se revestem dessa qualidade. Além disso, é necessária uma estimativa, ainda que indicativa, dos prejuízos causados aos destinatários. Por último, também não foram afastadas as razões apresentadas na decisão a este respeito.
b) Artigo 87.° CE, n.° 3, alíneas a) e c)
188. Estas normas possibilitam que a Comissão considere compatíveis os auxílios «destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego», assim como as que tenham por objecto «facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum».
189. Segundo reiterada jurisprudência, na análise das hipóteses incluídas no n.° 3 do artigo 87.° CE, «a Comissão goza […] de um amplo poder de apreciação cujo exercício envolve apreciações de ordem económica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário»; por sua vez «o Tribunal de Justiça, ao controlar a legalidade do exercício dessa liberdade, não pode substituir a apreciação da autoridade competente pela sua própria apreciação na matéria, devendo limitar‑se a examinar se esta última está viciada por erro manifesto ou por desvio de poder» (120).
190. Nem das medidas tomadas neste processo nem do teor das explicações na decisão se pode inferir qualquer erro na avaliação realizada. Também não se conclui que a Comissão tenha exercido as suas atribuições com finalidades distintas das previstas no ordenamento jurídico.
191. Além disso, a própria decisão debruça‑se sobre as Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade, já referidas, que foram invocadas pela Itália na fase administrativa. A decisão conclui que as referidas orientações não são aplicáveis uma vez que, quando entraram em vigor, já se tinha iniciado o procedimento em causa; no entanto, ainda que fossem tidas em conta, não se verificam as condições nelas enunciadas em nenhum dos casos em questão.
VIII – Consequências da validade
192. A conformidade da decisão com o ordenamento jurídico implica, segundo o acórdão Tubemeuse, já referido, a restituição das quantias recebidas como consequência lógica do incumprimento do regime.
193. O Tribunal de Justiça declarou que, perante a inexistência, no direito comunitário, de um procedimento de recuperação de auxílios − pelo menos até ao referido Regulamento n.° 659/1999 –, há que recorrer às normas nacionais (121), incumbindo ao Estado o dever de colaborar de boa fé para superar as dificuldades que se coloquem (122). Neste sentido, o acórdão de 29 de Junho de 2004, Comissão/Conselho (123), indica que a obrigação que incumbe aos países membros de suprimir um auxílio incompatível com o mercado comum «visa, com efeito, o restabelecimento da situação anterior», que se consegue uma vez efectuada a devolução, com os juros de mora correspondentes, já que, como consequência da devolução, o beneficiário «perde a vantagem de que tinha beneficiado no mercado relativamente aos seus concorrentes» (n.° 42).
194. Ao longo da exposição que precede ficou claro que o Estado‑Membro não comunicou à Comissão as medidas adoptadas, que também não notificou os interessados do início do procedimento, e que, quando os notificou da decisão final, tinham decorrido quase quatro anos desde a sua adopção, embora aqueles pudessem conhecer antes através de outros meios.
195. Nos processos que deram origem às questões prejudiciais são patentes as referidas circunstâncias, em que os recorrentes se baseiam para solicitar o ressarcimento dos danos causados. Embora não se peça ao Tribunal que se pronuncie sobre esta questão em especial, nada obsta a que se proporcione ao órgão jurisdicional nacional uma indicação útil para a resolução do problema.
196. A polémica centra‑se na possível responsabilidade do Estado pelo incumprimento do direito comunitário (124), especialmente por violar a obrigação de informar previamente a Comissão, já que o outro aspecto sublinhado deve ser apreciado à luz do direito interno, como também sucede com a possível violação, pela Itália, da confiança legítima dos interessados.
197. Pois bem, se os beneficiários dos auxílios anulados por violação das normas de procedimento intentarem acções de indemnização (125), é muito importante determinar se há uma violação «suficientemente caracterizada» (126) para gerar a obrigação de reparação, no sentido expresso pelo acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame (127).
198. A verificação incumbe ao órgão jurisdicional nacional que, se tiver alguma dúvida, pode voltar a submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial de interpretação. De qualquer modo, importa lembrar que, se se reconhecer o direito a uma indemnização, o prejuízo não pode corresponder ao valor das quantias a devolver, uma vez que isso implicaria uma concessão indirecta dos auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado comum.
IX – Conclusão
199. Perante as considerações expostas, sugiro que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo ao Tribunale de Cagliari:
«O exame das questões submetidas não revelou nenhum elemento que possa afectar a validade da Decisão 97/612/CE da Comissão, de 16 de Abril de 1997, relativa aos auxílios concedidos pela região da Sardenha (Itália) ao sector agrícola.»
1 – Língua original: espanhol.
2 – JO L 248, p. 27.
3 – Citação de Calvo Caravaca, A. L., e Carrascosa González, J., Intervenciones del Estado y libre competencia en la Unión Europea, Colex, Madrid, 2001, p. 171.
4 – «[…] se esta modalidade de intervencionismo económico pode suscitar graves reparos − pelo menos teóricos – relativamente ao sistema económico interno de cada Estado, quando se trata de conseguir um mercado unitário supranacional, o intervencionismo de cada um dos Estados através da concessão de auxílios económicos a favor das suas empresas, se persistir, pode constituir um obstáculo praticamente inultrapassável», Fernández Farreres, G., «El control de las ayudas», in García de Enterría, E., Gonzáles Campos, J., e Muñoz Machado, S., (dir.), Tratado de derecho comunitário europeo, volume II, Civitas, Madrid, 1986, p. 620.
5 – Valle Gálvez, A., «Las ayudas de Estado en la Jurisprudencia del Tribunal de Justicia de las Comunidades Europeas», in Rodríguez Iglesias, G. C., e Liñán Nogueras, D. J., (dir.), El derecho comunitario europeo y su aplicación judicial, Civitas, Madrid, 1993, p. 885.
6 – O Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução deste artigo (JO L 83, p. 1), não pode, por razões temporais, ser tido em conta nos processos prejudiciais aqui em causa, salvo para efeitos puramente indicativos.
7 – Comunicação da Comissão − Orientações comunitárias para os auxílios estatais no sector agrícola (JO C 28, de 1 de Fevereiro de 2000, p. 2, ponto 3.1.)
8 – JO 1962, 30, p. 993; EE 08 F1 p. 29.
9 – Bollettino Ufficiale della Regione Sardegna n.° 46, de 14 de Dezembro de 1988.
10 – Lei fornecida pela Comissão como anexo 6 das suas observações.
11 – Esta deliberação figura como anexo 2 das observações da Comissão
12 – Esta deliberação consta do anexo 3 das observações da Comissão.
13 – Esta deliberação encontra‑se no anexo 4 das observações da Comissão.
14 – Esta deliberação figura como anexo 5 das observações da Comissão. Foi adoptada na reunião da «Giunta regionale» de 23 de Junho de 1992.
15 – Bollettino Ufficiale della Regione Sardegna n.° 35, de 1 de Setembro de 1992.
16 – Comunicação da Comissão nos termos do n.° 2 do artigo 93.° do Tratado CE aos Estados‑Membros e aos outros interessados relativa ao projecto de auxílio que a Itália (região da Sardenha) concedeu a empresas agrícolas com dificuldades (JO 1994, C 271, p. 14).
17 – Bollettino Ufficiale della Regione Sardegna n.° 42, de 13 de Dezembro de 1995.
18 – JO 1994, C 368, p. 12. A última versão foi publicada no JO 2004, C 244, p. 2.
19 – Processo T‑21/02.
20 – Despacho não publicado na Colectânea. O dispositivo foi publicado no JO C 202, p. 28.
21 – Por exemplo, no processo T‑4/02, também se considerou que o recurso fora interposto fora de prazo, tendo sido declarado inadmissível por despacho de 29 de Maio de 2002.
22 – Martín y Pérez de Nanclares, J., «El proyecto de Constitución europea: reflexiones sobre los trabajos de la Convención», Revista de Derecho Comunitario Europeo, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, n.° 15, Maio/Agosto 2003, p. 564.
23 – JO 2004, C 310, p. 1.
24 – A caracterização material da lei europeia coincide com a do actual regulamento, e a da lei‑quadro com a da directiva. O regulamento tem como função básica a aplicação das leis e de determinadas disposições especiais da Constituição; pelo seu lado, a decisão é obrigatória em todos os seus elementos, embora só para os seus destinatários, se os designar.
25 – Sobre a possibilidade de acesso ao Tribunal de Justiça , v. Louis, J. V., «La fonction juridictionnelle, de Nice à Rome […] et au‑delà», in de Schutter, O., e Nihoul P. (coor.), Une Constitution pour l´Europe. Réflexions sur les transformations du droit de l´Union européenne, Larcier, Bruxelas, 2004, pp. 135 e 136.
26 – V. Rodríguez Curiel, J. W., «Recursos contra la Comisión Europea en materia de ayudas de Estado interpuestos por personas físicas o jurídicas», in Revista Española de Derecho Europeo, n.° 2, Abril/Junho 2002, pp. 259 e segs.
27 – Pronunciei‑me neste sentido nas conclusões apresentadas no processo Ismeri Europa/Tribunal de Contas (acórdão de 10 de Julho de 2001, C‑315/99 P, Colect., p. I‑5281). V. Waelbroeck, M., e Waelbroeck, D., «Article 173», in Louis, J.‑V., Vandersanden, G., Waelbroeck, D. e Waelbroeck, M., Commentaire Megret. Le droit de la CEE, vol. 10 (La Cour de Justice. Les actes des institutions), Éditions de l´Université de Bruxelles, Bruxelas, 1993, p. 98; e Vandersanden‑Barav, Contentieux communautaire, Bruylant, Bruxelas, 1977, p. 127.
28 – Castillejo Manzanares, R., «El recurso de anulación», in Mariño, F., Moreno Catena, V. e Moreiro, C., (dir.), Derecho procesal comunitario, Tirant lo Blanch, Valência, 2001, p. 151.
29 – Por exemplo, o acórdão de 10 de Maio de 1960, Alemanha/Alta Autoridade (19/58, Recueil, p. 469, Colect. 1954‑1961, p. 401) declarou, relativamente ao vício de incompetência, que embora não tivesse sido formalmente invocado nem na petição nem na réplica, havia que examiná‑lo.
30 – V., em geral, Moitinho de Almeida, J. C., «Evolución jurisprudencial en materia de acceso de los particulares a la jurisdicción comunitaria», in Rodríguez Iglesias, G. C., e Liñán Nogueras, D. J., (dir.), op. cit., pp. 595 e segs. Por outro lado, como lembrei nas conclusões apresentadas no processo C‑110/03, Bélgica/Comissão, ainda sem decisão, este pressuposto da legitimidade activa dos particulares no recurso de anulação deu lugar a uma jurisprudência restritiva do Tribunal de Justiça, fortemente contestada pela doutrina – entre outros, Sarmiento, D., «La sentencia UPA (C‑50/2000), los particulares y el activismo inactivo del Tribunal de Justicia», Revista Española de Derecho Europeo, n.° 3, Julho‑Setembro 2002, pp. 531 a 577; também Ortega, M., El acceso de los particulares a la justicia comunitaria, Ariel Practicum, Barcelona, 1999, em particular o capítulo 6 «Hacia una mejora del sistema de protección jurisdiccional de los particulares». O advogado‑geral F. Jacobs, nas conclusões apresentadas no processo Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (acórdão de 25 de Julho de 2002, C‑50/00, Colect., p. I‑6677), propôs uma interpretação extensiva por entender que «uma medida comunitária diz individualmente respeito a uma pessoa quando afecta ou é susceptível de afectar negativa e substancialmente os seus interesses» (n.° 102, ponto 4); as suas indicações foram inicialmente seguidas pelo acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Maio de 2002, Jégo‑Quéré/Comissão (T‑177/01, Colect., p. II‑2365), anulado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 2004 (C‑263/02 P, Colect., p. I‑3425). Nesta linha extensiva, importa referir o Tratado que institui uma Constituição para a Europa, cujo artigo III‑365.°, n.° 4, distingue duas possibilidades, ao permitir que uma pessoa singular ou colectiva impugne «os actos de que seja destinatária ou que lhe digam directa e individualmente respeito» e ainda «os actos regulamentares que lhe digam directamente respeito e não necessitem de medidas de execução», o que deve ser conjugado com os novos instrumentos normativos que regula.
31 – Entre outros, acórdãos de 5 de Maio de 1977, Koninklijke Scholten Honing/Conselho e Comissão (101/76, Recueil, p. 797, n.os 6 e 7, Colect., p. 303); de 17 de Junho de 1980, Calpak/Comissão (789/79 e 790/79, Recueil, p. 1949, n.° 7); de 29 de Janeiro de 1985, Binderer/Comissão (147/83, Recueil, p. 257, n.° 14); e de 13 de Dezembro de 1989, Grimaldi (C‑322/88, Colect. p. I‑4407, n.° 14).
32 – Acórdão de 14 de Dezembro de 1962 (16/62 e 17/62, Colect. 1962‑1964, p. 175, n.° 2); no mesmo sentido, acórdão de 6 de Outubro de 1982, Alusuisse/Conselho e Comissão (307/81, Recueil, p. 3463, n.° 8).
33 – Acórdãos de 29 de Junho de 1993, Gibraltar/Conselho (C‑298/89, Colect., p. I‑3605, n.° 17); e de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho (C‑309/89, Colect., p. I‑1853, n.° 18).
34 – Que deu origem ao acórdão de 23 de Maio de 2000 (C‑106/98 P, Colect., p. I‑3659).
35 – Neste sentido, Ortega, M., op.cit., pp. 54 a 64, e jurisprudência aí referida.
36 – A doutrina considerou esta exigência uma «barreira quase intransponível», assim como uma «verdadeira prova de fogo». V. Kovar, R., e Barav, A., «Variations nouvelles sur un thème ancien: les conditions du recours individuel en annulation dans la CEE. À propos du cas d´un acte pris sous l´apparence d´un règlement», Cahiers de Droit Européen, 1976, n.° 1, p. 75; Cortés Martín, J. M., «Afectación individual (230.4 CE): ¿un obstáculo infranqueable para la admisibilidad del recurso de anulación de los particulares?», Revista de Derecho Comunitario Europeo, n.° 16, Setembro/Dezembro 2003, pp. 1199 e segs.
37 – Acórdão de 15 de Julho de 1963 (25/62, Colect. 1962‑1964, p. 279).
38 – Acórdãos de 2 de Julho de 1964, Glucoseries Réunies/Comissão (1/64, Recueil, p. 811, Colect. 1962‑1964, p. 501); de 23 de Novembro de 1971, Bock/Comissão (62/70, Colect., p. 333); de 24 de Fevereiro de 1987, Deutz e Geldermann/Conselho (26/86, Colect., p. 941); de 2 de Abril de 1998, Greenpace Council e o./Comissão (C‑321/95 P, Colect., p. I‑1651); e de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão (C‑298/00 P, Colect., p. I‑0000); no mesmo sentido, despacho de 21 de Junho de 1993, Van Parijs e o./Conselho e Comissão (C‑257/93, Colect., p. I‑3335).
39 – Acórdão de 2 de Fevereiro de 1988 (67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219). Em sentido análogo, acórdãos de 7 de Dezembro de 1993, Federmineraria/Comissão (C‑6/92, Colect., p. I‑6357, n.° 14); e de 19 de Outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão (C‑15/98 e C‑105/99, Colect., p. I‑8855, n.° 33).
40 – V., também, acórdão de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão (já referido, n.° 39). Na doutrina, Koenig, C., Pechstein, M., e Sander, C., EU‑/EG‑Prozessrecht, 2.ª edição, Tubinga, 2002, p. 203.
41 – Acórdão de 23 de Abril de 1986, Les Verts/Parlamento (294/83, Colect., p. 1339, n.° 23).
42 – O mesmo acontece relativamente à excepção de ilegalidade e ao recurso por responsabilidade extracontratual. Quanto à primeira, recorde‑se que, segundo o acórdão de 14 de Dezembro de 1962, Wöhrmann/Comissão (31/62 e 33/62, Colect. 1962‑1964, p. 195), tem como único objectivo proteger o particular contra a aplicação de um regulamento ilegal, sem por esse facto pôr em causa o regulamento em si. V. Ortega, M., op. cit., pp. 139 a 158 e 159 a 188, respectivamente.
43 – Acórdãos de 6 de Março de 1979, Simmenthal/Comissão (92/78, Colect., p. 407, n.° 39), e de 15 de Fevereiro de 2001, Nachi Europe (C‑239/99, Colect., p. I‑1197, n.° 36).
44 – Neste sentido, Everling U., «L´avenir de l´organisation juridictionnel de l´Union européenne», La reforme du système juridictionnel communautaire, Institut d´Etudes Européennes, Bruxelas, 1994, p. 22.
45 – Acórdão de 21 de Maio de 1987 (133/85 a 136/85, Colect., p. 2289).
46 – V. Gröpl, C., «Individualrechtsschutz gegen EG‑Verordnungen. Rechtsschutzlücken im Konkurrenzverhältnis des Vorabentscheidungsverfahrens (Art. 177 Abs. 1 Buchst. b EGV) gegenüber der Nichtigkeitsklage (Art. 173 EGV)», Europäische Grundrechts‑Zeitschrift, 1995, pp. 583 e segs.; Pache, E., «Keine Vorlage ohne Anfechtung? – Zum Verhältnis des Vorabentscheidungsverfahrens nach Art. 177 I lit. b EGV zur Nichtigkeitsklage nach Art. 173 IV EGV)», Europäische Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, 1994, pp. 615 e segs.; e Tomuschat, C.,Die gerichtliche Vorabentscheidung nach den Verträgen über die EuropäischenGemeinschaften, Munique, 1964, pp. 87 e segs.
47 – Acórdão de 9 de Março de 1994, TWD Textilwerke Deggendorf, conhecido como «Deggendorf» (C‑188/92, Colect., p. I‑833).
48 – Acórdão de 12 de Dezembro de 1996 (C‑241/95, Colect., p. I‑6699).
49 – Acórdão de 30 de Janeiro de 1997 (C‑178/95, Colect., p. I‑585).
50 – Alguns autores consideram necessário um conhecimento pleno da decisão comunitária e da possibilidade de a impugnar mediante um recurso de anulação, e que a referida decisão lhe diga directa e individualmente respeito. V. Turner, S., «Challenging EC law before national court: a further restriction of the rights of natural and legal persons?», Irish Journal of European Law, 1/1995, p. 81.
51 – A doutrina formulou sérias críticas, que Barav, A., «Deviation prejudicielle», Les dynamiques du droit européen en début de siècle‑Études en l´honneur de Jean‑Claude Gautron, Éditions A. Pedone, Paris, 2004, pp. 227 e segs., recolheu e analisou magistralmente.
52 – Acórdãos de 22 de Outubro de 1987 (314/85, Colect., p. I‑4199); de 12 de Julho de 1989 (161/88, Colect., p. 2415); e de 28 de Junho de 1990 (C‑80/89, Colect., p. I‑2659), respectivamente, que deram resposta a questões prejudiciais sobre a validade de decisões que declararam a procedência da cobrança, a posteriori, de direitos de importação.
53 – Acórdão de 27 de Setembro de 1983 (216/82, Recueil, p. 2771).
54 – Neste sentido, Ritleng, D., «Pour une systématique des contentieux au profit d´une protection juridictionnelle effective», Mélanges en hommage à Guy Isaac‑50 ans du droit communautaire, tomo 2, Presses de l´Université des sciences sociales de Toulouse, 2004, pp. 735 e segs., citado por Barav, A., op. cit., p. 244, nota 100.
55 – Acórdão de 14 de Dezembro de 2000 (C‑ 344/98, Colect., p. I‑11369, n.° 55).
56 – Afigura‑se desproporcionado exigir aos particulares uma consulta contínua ao Jornal Oficial da União Europeia a fim de impugnar qualquer decisão comunitária que viole os seus direitos. Neste sentido, Hoskins, M, «Case C‑188/92, TWD Textilwerke Deggendorf GmbH v. Bundesrepublik Deutschland, Judgment of 9 March 1994, [1994] ECR I‑833», Common Market Law Review, 1994, p. 1402.
57 – O artigo II‑107.° do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa declara o direito à tutela jurisdicional efectiva de «[t]oda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados».
58 – Roberti, G. M., «Le contrôle de la Commission des Communautés européennes sur les aides nationales», Actualité Juridique Droit Administratif, n.° 6, 1993, p. 398, situa os auxílios de Estado numa área transaccional entre a integração positiva e a negativa, dado que as suas diversas modalidades se transformam com frequência em instrumentos de primeira grandeza para executar as políticas comunitárias.
59 – V. Martínez López‑Muñiz, J. L., no prólogo ao livro de Prieto Álvarez, T., Ayudas agrícolas nacionales en el Derecho comunitario, Marcial Pons, Madrid, 2001, pp. 11 e segs..
60 – V. Blaise, J. B., «Liberté de concurrente en agriculture», in Raux, J., (dir.), Politique Agricole Commune et construction communautaire, Paris, 1984, p. 21; também Dehousse, F., «Les règles de concurrence sur les aides d´état dans le secteur de l´agriculture», Studia diplomatica, n.° 1‑2, 2000, pp. 41 a 58.
61 – O Comité Económico e Social pronunciou‑se neste sentido no «Parecer sobre o XXI Relatório sobre a política da concorrência» (XXI Relatório sobre política de concorrência, 1991), mantendo que «as disposições gerais do Tratado relativas à concorrência devem ser aplicadas também no sector agrícola. No entanto, é admissível que uma aplicação deste tipo seja o resultado de uma ponderação entre, por um lado, os objectivos da política europeia de concorrência e, por outro, a especificidade da política agrícola comunitária» (p. 263)
62 – Em sentido análogo, o n.° 1 do artigo III‑230.° do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa estabelece que «[a] Secção relativa às regras de concorrência só é aplicável à produção e ao comércio dos produtos agrícolas na medida em que tal seja determinado na lei ou lei‑quadro europeia em conformidade com o n.° 2 do artigo III‑231.°, tendo em conta os objectivos definidos no artigo III‑227.°».
63 – Acórdão de 26 de Junho de 1979 (177/78, Recueil, p. 2161, n.° 11).
64 – Acórdão de 29 de Outubro de 1980 (139/79, Recueil, p. 3393, n.° 23). No mesmo sentido, acórdão de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho (C‑280/93, Colect., p. I‑4973, n.os 59 a 61).
65 – V. Prieto Álvarez, T., op. cit., pp. 234 e segs..
66 – Neste sentido, Barthélémy, M., «La politique communautaire en matière d´aides d´Etat dans le secteur agricole», in Blumann, C., e Lange, D. (dir.), Les distorsions de concurrence en matière agricole dans la CEE, Revue de Droit Rural, n.° 163, 1988, p. 80.
67 – Como afirmou parte da doutrina, por exemplo, Muffat‑Jeandet, D., no vocábulo «Aides», Encyclopédie Juridique Dalloz. Répertoire de Droit communautaire, tomo I, Paris, 1992.
68 – V. Blaise, J. B., op. cit., p. 23.
69 – Acórdão de 25 de Março de 1981, Coöperatieve Stremsel‑ en Kleurselfabriek/Comissão (61/80, Recueil, p. 851, n.° 21).
70 – Acórdão de 15 de Dezembro de 1994, DLG (C‑250/92, Colect., p. I‑5641, n.° 23).
71 – Em Março de 1966 a Comissão enviou ao Conselho uma comunicação sobre «critérios para o estabelecimento de uma política comum de auxílios na agricultura», em que incluía uma proposta de alteração do Regulamento n.° 26, no sentido de tornar aplicáveis os artigos 87.° CE e segs. a todos os produtos enumerados no anexo I do Tratado [COM (66) final, de 23 de Março, apresentado ao Conselho em 25 de Março de 1966]. Sobre esta matéria, v. Ventura, S., Principes de Droit agraire communautaire, Bruylant, Bruxelas, 1967.
72 – Acórdão de 21 de Fevereiro de 1984 (337/82, Recueil, p. 1051, n.° 12).
73 – Acórdão de 5 de Julho de 1984 (114/83, Recueil, p. 2589, n.° 27).
74 – Esta ideia já fora apresentada pelo advogado‑geral F. Capotorti nas conclusões apresentadas no processo Hansen (acórdão de 13 de Março de 1979, 91/78, Colect., p. 505). Após diversos raciocínios, indicou: «no quadro do sistema que acabo de descrever à luz da jurisprudência do Tribunal, seria deformar o sistema continuar a reconhecer aos Estados‑Membros toda a liberdade em matéria de auxílios nos sectores agrícolas que não são ainda regidos (e que talvez nunca o venham a ser) por uma organização comum. De harmonia com o sistema do Tratado, parece‑me necessário admitir que, após o termo do período transitório, as disposições dos artigos [87.° e 88.°] do Tratado se apliquem igualmente à agricultura». O Tribunal de Justiça considerou desnecessário abordar esta questão (n.° 11 do acórdão).
75 – JO L 93, p. 1; EE 03 F34 p. 66.
76 – JO L 218, p. 1. Segundo o disposto no artigo 41.°, é aplicável a partir de 9 de Agosto de 1991.
77 – Embora, por razões temporais, só vigorasse o Regulamento n.° 797/85, aquele que lhe sucedeu tem um conteúdo similar: note‑se a este respeito que o anexo II do Regulamento n.° 2328/91 proporciona o quadro de correspondência entre uma e outra regulamentação – também com o Regulamento (CEE) n.° 1760/87 do Conselho, de 15 de Junho de 1987, que altera os Regulamentos (CEE) n.° 797/85, (CEE) n.° 270/79, (CEE) n.° 1360/78 e (CEE) n.° 355/77 no que respeita às estruturas agrícolas e à adaptação da agricultura à nova situação dos mercados e à preservação do espaço rural (JO L 167, p. 1).
78 – Como se explica a seguir, a deliberação de 27 de Junho de 1990, que afecta as empresas de produção silvícola, não faz parte do âmbito da «agricultura», pelo menos na perspectiva comunitária.
79 – Em números anteriores destas conclusões – especialmente nos que estão agrupados sob a rubrica «Concessão de auxílios pelo Governo Regional da Sardenha» – são fornecidos mais detalhes sobre esta e outras medidas.
80 – Deste modo, por exemplo, o Regulamento n.° 797/85 prevê a participação da Secção «Orientação» do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola em medidas de carácter florestal a favor das explorações agrícolas, tais como a florestação de terras, a realização de corta‑fogos, o traçado de caminhos e a melhoria da exploração de superfícies florestais [artigo 1.°, n.° 2, alínea d), e artigo 20.°].
81 – Processo Parlamento/Conselho (C‑164/97 e C‑165/97, Colect., p. I‑1139).
82 – JO L 151, p. 16; EE 03 F2 p. 170.
83 – Parejo Alfonso, L., de la Quadra‑Salcedo Fernández del Castillo, T., Moreno Molina, A. M., e Estella de Noriega, A., (dir.), Manual de Derecho administrativo comunitario, Centro de Estudios Ramón Areces, Madrid, 2000, pp. 75 e 76, e jurisprudência aí referida.
84 – Hubeau, F., «Le principe de la protection de la confiance légitime dans la jurisprudence de la Cour de justice des Communautés européennes», Cahier de Droit Européen, n.° 2‑3, 1983, p. 149; e García Macho, R., «Contenido y límites del principio de la confianza legítima: estudio sistemático en la jurisprudencia del Tribunal de Justicia», Revista Española de Derecho Administrativo, n.° 56, 1987, p. 563, consideram que o termo, já existente no direito alemão – Vertrauensschutz –, foi utilizado pela primeira vez no acórdão de 13 de Julho de 1965, Lemmerz‑Werke/Alta Autoridade (111/63, Recueil, p. 835, Colect. 1965‑1968, p. 189).
85 – Schwarze, J., «Tendencies towards a Common Administrative Law in Europe», European Law Review, n.° 2, 1991, p. 870.
86 – Um resumo da jurisprudência pode encontrar‑se, entre outros, em Castillo Blanco, F. A., La protección de la confianza en el Derecho administrativo, Marcial Pons, Madrid, 1998, pp. 163 a 199.
87 – V., entre outros, Schwarze, J., op. cit., pp. 949 e segs.; Parejo Alfonso, L., e outros, op. cit., pp. 76 a 78; e Rodríguez Curiel, J. W., «Principios generales del derecho y recuperación de ayudas de Estado ilegales. En especial la confianza legítima», Gaceta Jurídica, n.° 209, Setembro/Outubro 2000, pp. 33 a 36.
88 – Acórdão de 10 de Janeiro de 1992 (C‑177/90, Colect., p. I‑35, n.° 14).
89 – Pescatore, P., «Les principes généraux du droit en tant que source du droit communautaire», Rapport du 12e congrès de la Fédération internationale pour le droit européen, vol. I, Paris, 1986, p. 35.
90 – Este postulado, mantido pelo Tribunal de Justiça, é acolhido no n.° 1 do artigo 14.° do Regulamento n.° 659/1999, já referido, cuja entrada em vigor foi posterior à publicação da decisão.
91 – Neste sentido, acórdão de 14 de Janeiro de 1997, Espanha/Comissão (C‑169/95, Colect., p. I‑135, n.° 49).
92 – Acórdão de 11 de Novembro de 2004, Demesa e Territorio Histórico de Álava/Comissão (C‑183/02 P e C‑187/02 P, Colect., p. I‑0000, n.° 44), que refere os acórdãos de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha (C‑5/89, Colect., p. I‑3437, n.° 14); de 14 de Janeiro de 1997, Espanha/Comissão, já referido, n.° 51; e de 20 de Março de 1997, Alcan Deutschland (C‑24/95, Colect., p. I‑1591, n.° 25).
93 – Acórdão Demesa e Territorio Histórico de Álava/Comissão, já referido, n.° 45, que, por sua vez, menciona o acórdão Alcan Deutschland (também já referido, n.os 30 e 31).
94 – Acórdão de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão (C‑91/01, Colect., p. I‑0000), n.° 66, que se baseia no acórdão Espanha/Comissão (já referido, n.° 53) e no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 2002, Graphischer Maschinenbau/Comissão (T‑126/99, Colect., p. II‑2427, n.° 42).
95 – Fastenrath, U., «Verwaltungsrecht. Europarecht», Juristenzeitung 1992, p. 1081.
96 – Pernice, I., «Neues zum EG‑Beihilfenverbot», Europäische Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, 1992, p. 66, exorta os beneficiários dos auxílios a que confirmem se foram notificados e foram iniciados procedimentos nos termos do n.° 3 do artigo 88.° CE; também recomenda aos Estados‑Membros que verifiquem se ainda existem auxílios não notificados. A própria Comissão chamou a atenção para a precariedade dos auxílios não notificados, numa comunicação publicada no JO 1983, C 318, pp. 3 e 4.
97 – C‑298/00 P, Colect., p. I‑0000.
98 – O artigo 15.° do Regulamento n.° 659/1999 (já referido) fixa um prazo de prescrição para que a Comissão exerça validamente as suas competências no que respeita ao resgate dos auxílios.
99 – Acórdãos de 14 de Julho de 1972, Geigy/Comissão (52/69, Recueil, p. 787, n.os 20 e 21, Colect., p. 293), e de 24 de Setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão (C‑74/00 P e C‑75/00 P, Colect., p. I‑7869, n.° 140).
100 – Acórdão de 24 de Novembro de 1987 (223/85, Colect., p. I‑4617).
101 – O inusual da situação já foi referido no acórdão de 28 de Janeiro de 2003, Alemanha/Comissão (C‑334/99, Colect., p. I‑1139, n.° 44). Na doutrina, Götz, V., «Handbuch des EU‑Wirtschaftsrechts», H. III, Subventionsrecht, n.° 108, p. 34.
102 – Acórdão de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, conhecida como «Boussac» (C‑301/87, Colect., p. I‑307, n.os 19 e segs.). A sua doutrina foi seguida pelos acórdãos de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, conhecida como «Tubemeuse» (C‑142/87, Colect., p. I‑959, n.os 15 a 20); de 21 de Novembro de 1991, Fédération Nationale du Commerce Extérieur des Produits Alimentaires e Syndicat National des Négociants et Transformateurs de Saumon (C‑354/90, Colect., p. I‑5505, n.° 13); e de 11 de Julho de 1996, SFEY e o. (C‑39/94, Colect., p. I‑3547, n.° 43).
103 – O acórdão Boussac (já referido) concede à Comissão tempo para reflectir e investigar antes de dar início ao procedimento formal (n.° 27).
104 – Acórdão de 14 de Novembro de 1984 (323/82, Recueil, p. 3809, n.° 17).
105 – 173/73, Colect., p. 357.
106 – De contrário, tomando o exemplo proposto pela Comissão nas suas observações, uma remissão para a regulamentação dos contratos no Código Civil de 1942 significaria que as medidas vigoravam nessa data.
107 – C‑249/02, Colect., p. I‑0000.
108 – Acórdão de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho (131/86, Colect., p. 905, n.° 37).
109 – Acórdão de 20 de Março de 1959, Nold KG/Alta Autoridade (18/57, Recueil, p. 89, Colect. 1954‑1961, p. 315) e jurisprudência subsequente.
110 – Acórdãos de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão (C‑350/88, Colect., p. I‑395), e de 15 de Abril de 1997, Irish Farmers Association e o. (C‑22/94, Colect., p. I‑1809).
111 – Processo 70/72, Colect., p. 309, n.° 23.
112 – Acórdão de 13 de Março de 1985 (296/82 e 318/82, Recueil, p. 809).
113 – Calvo Caravaca, A. L., e Carrascosa González, J., op. cit., p. 231.
114 – Processos 2/62 e 3/62, Colect. 1962‑1964, p. 147. A propósito da interpretação da lista do anexo I do Tratado, o Tribunal de Justiça afirmou «[r]esulta do n.° 2 do artigo [32.°] que as derrogações admitidas em matéria agrícola às normas previstas para o estabelecimento do mercado comum constituem medidas excepcionais que devem ser interpretadas de forma estrita».
115 – Acórdão de 17 de Dezembro de 1970 (34/70, Recueil, p. 1233, Colect. 1969‑1970, p. 699).
116 – Processo C‑73/03, Colect., p. I‑0000.
117 – Processo C‑278/00, Colect., p. I‑3997.
118 – Os representantes dos recorrentes nos processos principais informaram na audiência que os auxílios oscilaram, aproximadamente, em média, entre 5 000 e 10 000 euros por beneficiário.
119 – Neste sentido, o acórdão de 11 de Novembro de 2004, Espanha/Comissão (já referido) proclama que «no que respeita ao sector agrícola, não há dúvidas de que constitui um sector muito exposto à concorrência na União Europeia» (n.° 29).
120 – Entre os mais recentes, acórdãos de 26 de Setembro de 2002, Espanha/Comissão (C‑351/98, Colect., p. I‑8031, n.° 74); de 13 de Fevereiro de 2003, Espanha/Comissão (C‑409/00, Colect., p. I‑1487, n.° 93); e de 29 de Abril de 2004, Grécia/Comissão (já referido, n.° 97), que se baseia no de 12 de Dezembro de 2002, França/Comissão (C‑456/00, Colect., p. I‑11949, n.° 41).
121 – Entre outros, acórdão de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor/Alemanha (205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633, n.° 19), e jurisprudência nele referida.
122 – Acórdão de 15 de Janeiro de 1986, Comissão/Bélgica (52/84, Colect., p. 89, n.° 16).
123 – Proferido no processo C‑110/02 e Colect., p. I‑0000, que refere o acórdão de 4 de Abril de 1995, Comissão/Itália (C‑350/93, Colect., p. I‑699, n.os 21 e 22), e o acórdão de 7 de Março de 2002, Itália/Comissão (C‑310/99, Colect., p. I‑2289, n.os 98 e 99).
124 – Sobre a evolução jurisprudencial e o desenvolvimento inicial desta questão, v. Alonso García, R., La responsabilidad de los Estados miembros por infracción del Derecho comunitario, Civitas, Madrid, 1997. Em geral, apresentando uma formulação crítica, García de Enterría, E., «El principio de protección de la confianza legítima como supuesto título justificativo de la responsabilidad patrimonial del Estado legislador», Revista de Administración Pública, Setembro‑Dezembro 2002, pp. 173 a 206.
125 – O advogado‑geral P. Léger salientou no n.° 74 das conclusões apresentadas no processo que deu origem ao acórdão de 11 de Setembro de 2003, Bélgica/Comissão (C‑197/99 P, Colect., p. I‑8461), que «no plano nacional, diversas consequências importantes podem decorrer da verificação do carácter ilegal de um auxílio do Estado», referindo, entre elas, a possibilidade de ser intentada uma acção de responsabilidade contra o Estado, pelo beneficiário do auxílio ou pelos seus concorrentes, tal como já tinha sido indicado pelo advogado‑geral G. Tesauro, no n.° 7, último parágrafo, das conclusões apresentadas no processo Tubemeuse, já referido.
126 – V. Keppenne, J.‑P., Guide des aides d´État en droit communautaire, Bruylant, Bruxelas, 1999.
127 – Acórdão de 5 de Março de 1996 (C‑46/93 e C‑48/93, Colect., p. I‑1029, n.° 51).