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Document 62023CJ0420

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 20 de junho de 2024.
Faurécia – Assentos de Automóvel Lda contre Autoridade Tributária e Aduaneira.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Artigo 63.° TFUE — Livre circulação de capitais — Imposto do selo — Operações de tesouraria de curto prazo — Mutuários residentes e não residentes — Diferença de tratamento — Restrição.
Processo C-420/23.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:534

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

20 de junho de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Artigo 63.o TFUE — Livre circulação de capitais — Imposto do selo — Operações de tesouraria de curto prazo — Mutuários residentes e não residentes — Diferença de tratamento — Restrição»

No processo C‑420/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por Decisão de 24 de maio de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de julho de 2023, no processo

Faurécia — Assentos de Automóvel, Lda.

contra

Autoridade Tributária e Aduaneira

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, P. G. Xuereb e A. Kumin (relator), juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de Faurécia — Assentos de Automóvel, Lda., por D. Soares e S. Soares, advogadas,

em representação do Governo Português, por P. Barros da Costa, H. Gomes Magno e A. Rodrigues, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por P. Caro de Sousa e W. Roels, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 18.° e 63.°, bem como o artigo 65.o, n.o 3, TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Faurécia — Assentos de Automóvel, Lda. (a seguir «Faurécia») à Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal), a propósito da tributação de um imposto do selo nas operações de tesouraria de curto prazo.

Direito português

3

O artigo 1.o, n.o 1, do Código do Imposto do Selo, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «CIS») tem a seguinte redação:

«O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo, incluindo as transmissões gratuitas de bens.»

4

Nos termos do artigo 7.o, n.os 1 e 2, do CIS:

«1.   São também isent[a]s do imposto:

[...]

g)

[a]s operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10 % do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a € 5000000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em beneficio de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo.

[...]

2.   O disposto nas alíneas g) e h) do n.o 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado‑Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.o 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.»

5

A verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, intitulada «Operações financeiras», tem a seguinte redação:

«17.1. Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando‑se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato ‑sobre o respetivo valor, em função do prazo:

[...]

17.1.4. Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 ‑ 0,04 %.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

6

A Faurécia, sociedade com sede em Portugal, dedica‑se à atividade de subcontratação no setor automóvel. À data dos factos na origem do processo principal, era detida pelas sociedades Faurécia Investments, S. A. (99,99 %) e Financière Faurécia, S. A. (0,01 %), ambas sedeadas em França e pertencentes ao mesmo grupo (a seguir «grupo Faurécia»).

7

Para assegurar a gestão de tesouraria no grupo Faurécia, foi assinada, no mês de fevereiro de 2000, entre as entidades deste grupo, uma convenção de gestão centralizada de tesouraria («cash pooling»), nos termos da qual caberia à sociedade Financière Faurécia essa gestão. Nos termos dessa convenção, os excedentes de tesouraria gerados por certas entidades do grupo Faurécia deviam ser transferidos, sob a forma de concessão de empréstimos a juros, para a conta da Faurécia Investments que se encarregava, em seguida, de satisfazer as necessidades de tesouraria de outras entidades do grupo Faurécia.

8

É neste contexto que foi celebrado um contrato de mútuo entre a Faurécia, na qualidade de mutuante, e a Faurécia Investments, na qualidade de mutuária. Nos termos desse contrato, que produzia efeitos a 1 de janeiro de 2011, a Faurécia concedeu à Faurécia Investments um empréstimo na modalidade de crédito rotativo de um ano, no montante máximo de 65 milhões de euros, mediante o pagamento de juros calculados no final de cada mês com base na utilização mensal do crédito. O referido contrato foi objeto de várias modificações posteriores, relativas designadamente à respetiva duração e ao montante máximo do empréstimo.

9

Na sequência de quatro ações inspetivas efetuadas durante o ano de 2019, que incidiram sobre os exercícios de 2014 a 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a uma cobrança, considerando que tais operações de concessão de crédito pela Faurécia estavam sujeitas ao imposto do selo.

10

Após ter sido indeferida a sua reclamação graciosa, a Faurécia recorreu para o Tribunal Arbitral em Matéria Tributária (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD, Portugal) — com base, designadamente, numa violação dos princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais consagrados, respetivamente, pelos artigos 18.° e 63.° TFUE. Esse tribunal arbitral proferiu uma decisão em 3 de novembro de 2020, pela qual negou provimento ao recurso da Faurécia. Ora, numa decisão anterior, de 6 de outubro de 2020, entre as mesmas partes, pelos mesmos factos e com fundamento numa legislação nacional que não foi alterada, o referido tribunal arbitral tinha considerado que a cobrança do imposto do selo era contrária à livre circulação de capitais.

11

A Faurécia interpôs recurso da sentença do Tribunal Arbitral em Matéria Tributária (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) de 3 de novembro de 2020 para o Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), o órgão jurisdicional de reenvio, com base numa contrariedade desta sentença com a proferida pelo mesmo tribunal arbitral em 6 de outubro de 2020.

12

O órgão jurisdicional de reenvio é assim chamado a verificar a conformidade das disposições pertinentes do CIS com o direito da União. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio especifica que, em princípio, a isenção do imposto do selo prevista no artigo 7.o, n.o 1, alínea g), do CIS é aplicável às operações financeiras em causa no processo principal. Contudo, o artigo 7.o, n.o 2, do CIS restringe o âmbito de aplicação daquela isenção, que não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional.

13

Embora o artigo 7.o, n.o 2, do CIS preveja uma exceção à exclusão da isenção, esta exceção só se aplica quando o credor tenha a sua sede ou direção efetiva noutro Estado‑Membro da União Europeia ou num Estado com o qual a República Portuguesa tenha celebrado uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o património. Ora, no caso em apreço, o credor, a Faurécia, tem a sua sede em Portugal, pelo que esta sociedade não está abrangida pela referida exceção.

14

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, na sentença de 6 de outubro de 2020, o Tribunal Arbitral em Matéria Tributária (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) considerou que o artigo 7.o, n.o 2, do CIS constituía uma restrição à livre circulação de capitais, uma vez que os residentes dos outros Estados‑Membros seriam privados da possibilidade de beneficiarem, no que respeita ao imposto do selo, da isenção aplicável aos mútuos contraídos em Portugal.

15

Em contrapartida, na sentença de 3 de novembro de 2020, o facto de, no processo em apreço, o sujeito passivo do imposto do selo ser o credor, a Faurécia, e não o devedor estabelecido em França, foi considerado determinante para chegar à conclusão inversa da sentença de 6 de outubro de 2020. Assim, na sentença de 3 de novembro de 2020, o Tribunal Arbitral em Matéria Tributária (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) declarou que, no que respeita ao imposto do selo, os credores residentes em Portugal não são objeto de nenhum tratamento fiscal diferenciado em função da nacionalidade ou da residência dos seus mutuários.

16

Nestas condições, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A norma constante do artigo 7.o, n.o 2, do [CIS], segundo a qual a isenção de Imposto de Selo prevista para as operações de tesouraria de curto prazo é aplicável quando nestas intervêm duas entidades residentes em Portugal ou quando o mutuário é aqui residente (sendo o credor residente na União Europeia) mas já não é aplicável quando o mutuário (devedor) é residente num Estado‑Membro da União Europeia e o mutuante (credor) é residente em Portugal, é conforme aos princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais, estabelecidos nos artigos 18.°, 63.° e 65.°, n.o 3 do TFUE?»

Quanto à questão prejudicial

17

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 18.° e 63.°, bem como o artigo 65.o, n.o 3, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro segundo a qual as operações de tesouraria de curto prazo estão isentas de imposto do selo quando nestas intervenham duas entidades estabelecidas nesse Estado‑Membro ou quando o mutuário aí esteja estabelecido, mas não estão isentas quando o mutuante esteja estabelecido no referido Estado‑Membro e o mutuário esteja estabelecido noutro Estado‑Membro.

Quanto aos princípios e liberdades aplicáveis

18

A título preliminar, importa recordar que o artigo 18.o TFUE apenas deve ser aplicado de modo autónomo às situações regidas pelo direito da União para as quais o Tratado FUE não preveja regras específicas de não discriminação [Acórdão de 18 de março de 2021, Autoridade Tributária e Aduaneira, C‑388/19 (Imposto sobre as mais‑valias imobiliárias), C‑388/19, EU:C:2021:212, n.o 20 e jurisprudência referida].

19

Ora, o Tratado FUE prevê, designadamente, no seu artigo 63.o, uma regra específica de não discriminação no domínio da liberdade de circulação de capitais [Acórdão de 18 de março de 2021, Autoridade Tributária e Aduaneira, C‑388/19 (Imposto sobre as mais‑valias imobiliárias), C‑388/19, EU:C:2021:212, n.o 21 e jurisprudência referida]. Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que os empréstimos concedidos por residentes a não residentes, como os que estão em causa no processo principal, constituem movimentos de capitais abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 63.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 1999, Sandoz,C‑439/97, EU:C:1999:499, n.o 7).

20

Por conseguinte, há que examinar a questão prejudicial unicamente à luz do artigo 63.o TFUE.

Quanto à livre circulação de capitais

21

O artigo 63.o, n.o 1, TFUE proíbe, de maneira geral, os entraves aos movimentos de capitais entre os Estados‑Membros. As medidas proibidas por esta disposição, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado‑Membro de investir noutros Estados (Acórdão de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.o 42 e jurisprudência referida).

22

No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o CIS previa, em caso de concessão de empréstimos por um residente português, regras de tributação diferentes consoante o mutuário residisse ou não em Portugal, estando prevista uma isenção do imposto do selo unicamente no primeiro caso.

23

Tal diferença de tratamento é suscetível de tornar menos atrativos, para os residentes portugueses, investimentos como a concessão de empréstimos, realizados no estrangeiro, em relação aos investimentos realizados no território português. Esta diferença de tratamento produz também um efeito restritivo em relação aos mutuários não residentes, uma vez que constitui um obstáculo à recolha de capitais em Portugal que os mutuários residentes não encontram.

24

Neste contexto, é irrelevante o facto de, segundo a legislação portuguesa em causa no processo principal, o sujeito passivo do imposto do selo ser o mutuante estabelecido em Portugal e não o mutuário estabelecido noutro Estado‑Membro. Com efeito, o facto de o exercício da livre circulação de capitais se tornar menos atrativo devido a uma regulamentação fiscal nacional que trata diferentemente uma situação interna e uma situação transfronteiriça basta, por si só, para demonstrar a existência de uma restrição.

25

Além disso, também não é suscetível de demonstrar a inexistência de uma restrição à livre circulação de capitais o argumento do Governo Português segundo o qual o imposto do selo não constitui um encargo fiscal para o mutuante, uma vez que são os mutuários que suportam efetivamente o imposto, embora, regra geral, tenham a possibilidade de deduzir o seu montante no âmbito do imposto sobre os lucros.

26

É certo que, como indicou a própria recorrente no processo principal nas suas observações escritas, pode acontecer que o mutuário suporte o imposto do selo, quer porque o mutuante lhe imputa um montante correspondente, quer porque o imposto lhe é diretamente exigido em caso de não pagamento desse imposto pelo sujeito passivo. Todavia, por um lado, esta conclusão em nada altera o facto de, por força da legislação nacional em causa no processo principal, ser o mutuante que é sujeito passivo do imposto do selo. Por outro lado, em todo o caso, como foi salientado no n.o 23 do presente acórdão, esta legislação produz um efeito restritivo não só em relação aos mutuantes residentes mas também em relação aos mutuários não residentes.

27

Como tal, uma legislação como a que está em causa no processo principal constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.o TFUE.

28

Posto isto, segundo o artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE, o artigo 63.o TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

29

Resulta de jurisprudência constante que o artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE, uma vez que constitui uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita. Por conseguinte, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que toda a legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residem ou do Estado em que investem os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado [Acórdão de 16 de novembro de 2023, Autoridade Tributária e Aduaneira (Mais‑valias sobre transmissões de participações sociais), C‑472/22, EU:C:2023:880, n.o 27 e jurisprudência referida].

30

Com efeito, as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE não devem constituir, de acordo com o n.o 3 deste artigo, um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que semelhantes diferenças de tratamento só podem ser autorizadas se disserem respeito a situações que não são objetivamente comparáveis ou, no caso contrário, se forem justificadas por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 16 de novembro de 2023, Autoridade Tributária e Aduaneira (Mais‑valias sobre transmissões de participações sociais), C‑472/22, EU:C:2023:880, n.o 28 e jurisprudência referida].

31

Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa, bem como o objeto e o conteúdo destas últimas. Apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença objetiva entre as situações [Acórdão de 16 de novembro de 2023, Autoridade Tributária e Aduaneira (Mais‑valias sobre transmissões de participações sociais), C‑472/22, EU:C:2023:880, n.o 29 e jurisprudência referida].

32

A este respeito, por um lado, nem o órgão jurisdicional de reenvio nem o Governo Português especificaram o objetivo prosseguido pela isenção parcial do imposto do selo resultante da legislação nacional em causa no processo principal.

33

Por outro lado, o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal baseia‑se no local de residência do mutuário, uma vez que as operações de tesouraria de curto prazo estão isentas de imposto do selo quando envolvam duas entidades estabelecidas em Portugal ou quando o mutuário esteja estabelecido nesse Estado‑Membro, mas não estão isentas quando o mutuário esteja estabelecido noutro Estado‑Membro.

34

No entanto, como a Comissão salientou nas suas observações escritas, no que respeita ao imposto do selo cobrado em Portugal, o caso de um empréstimo concedido a um mutuário residente afigura‑se comparável à de um empréstimo concedido a um mutuário não residente, uma vez que esse imposto é calculado com base em cada operação individual e à qual se aplica uma taxa de imposto fixa, tendo em conta as circunstâncias particulares da operação.

35

Assim, tendo em conta o objeto e o conteúdo da regulamentação nacional em causa no processo principal, a diferença de tratamento que dela resulta não parece assentar, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, numa diferença de situações objetiva.

36

De resto, nem o órgão jurisdicional de reenvio nem o Governo Português invocaram uma razão imperiosa de interesse geral que justifique a restrição gerada por essa regulamentação.

37

Tendo em conta todas as considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 63.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro segundo a qual as operações de tesouraria de curto prazo estão isentas de imposto do selo quando nestas intervenham duas entidades estabelecidas nesse Estado‑Membro, mas não estão isentas quando o mutuário esteja estabelecido noutro Estado‑Membro.

Quanto às despesas

38

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

O artigo 63.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro segundo a qual as operações de tesouraria de curto prazo estão isentas de imposto do selo quando nestas intervenham duas entidades estabelecidas nesse Estado‑Membro, mas não estão isentas quando o mutuário esteja estabelecido noutro Estado‑Membro.

 

von Danwitz

Xuereb

Kumin

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de junho de 2024.

O Secretário

A. Calot Escobar

O Presidente de Secção

T. von Danwitz


( *1 ) Língua do processo: português.

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