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Document 62023CC0728
Opinion of Advocate General Emiliou delivered on 18 September 2025.###
Conclusões do advogado-geral Emiliou apresentadas em 18 de setembro de 2025.
Conclusões do advogado-geral Emiliou apresentadas em 18 de setembro de 2025.
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2025:710
Edição provisória
CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
NICHOLAS EMILIOU
apresentadas em 18 de setembro de 2025 (1)
Processo C‑728/23 P
Reino de Espanha
contra
Robert Stockdale,
Conselho da União Europeia,
Comissão Europeia,
Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE),
Representante Especial da União Europeia na Bósnia‑Herzegovina
« Recurso — Nacional do Reino Unido que trabalha para o Representante Especial da União Europeia na Bósnia‑Herzegovina — Contratos de trabalho por tempo determinado sucessivos — Resolução do contrato na sequência da retirada do Reino Unido da União Europeia — Recurso interposto por um Estado‑Membro que não interveio no processo no Tribunal Geral — Artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia — Admissibilidade do recurso — Conceito de “litígios entre a União e os seus agentes” »
I. Introdução
1. O artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia (a seguir «Estatuto») permite aos Estados‑Membros interporem recursos para o Tribunal de Justiça das decisões do Tribunal Geral que ponham termo à instância, mesmo que não tenham intervindo no processo no Tribunal Geral. No entanto, este direito está sujeito a uma ressalva: não se aplica às situações em que estejam em causa litígios «entre a União e os seus agentes». Por conseguinte, nesses casos, um Estado‑Membro só pode interpor recurso de uma decisão que ponha termo à instância se tiver intervindo no processo no Tribunal Geral.
2. Com o seu recurso, o Reino de Espanha pede ao Tribunal de Justiça que se digne anular parcialmente o Acórdão do Tribunal Geral proferido no processo Stockdale/Conselho e o. (a seguir «acórdão recorrido»), relativo a um litígio entre o Conselho da União Europeia e um particular (R. Stockdale), que trabalhou para o Representante Especial da União Europeia (REUE) na Bósnia‑Herzegovina com base em contratos de trabalho por tempo determinado sucessivos (2).
3. O Reino de Espanha pediu para intervir no processo no Tribunal Geral que conduziu à prolação desse acórdão. No entanto, o acórdão recorrido foi proferido antes de este órgão jurisdicional ter adotado uma decisão de deferimento ou indeferimento da intervenção deste Estado‑Membro.
4. A pedido do Tribunal de Justiça, as presentes conclusões centrar‑se‑ão na questão processual de saber se se deve considerar que o recurso interposto pelo referido Estado‑Membro foi interposto num caso relativo a um «litígio entre a União e os seus agentes», sendo, por isso, inadmissível ao abrigo do artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto.
II. Quadro jurídico
A. Estatuto
5. Ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto:
«Pode ser interposto recurso para o Tribunal de Justiça das decisões do Tribunal Geral que ponham termo à instância, bem como das decisões que apenas conheçam parcialmente do mérito da causa ou que ponham termo a um incidente processual relativo a uma exceção de incompetência ou a uma questão prévia de inadmissibilidade. O recurso deve ser interposto no prazo de dois meses a contar da notificação da decisão impugnada.
O recurso pode ser interposto por qualquer das partes que tenha sido total ou parcialmente vencida. [...]
Com exceção dos casos relativos a litígios entre a União e os seus agentes, este recurso pode igualmente ser interposto pelos Estados‑Membros e pelas instituições da União que não tenham intervindo no litígio no Tribunal Geral. Neste caso, esses Estados‑Membros e instituições beneficiam de uma posição idêntica à dos Estados‑Membros ou das instituições que tenham intervindo em primeira instância.»
B. Decisão (PESC) 2019/1340
6. Nos termos do artigo 1.° da Decisão (PESC) 2019/1340 do Conselho, de 8 de agosto de 2019, que nomeia o representante especial da União Europeia na Bósnia‑Herzegovina:
«Johann Sattler é nomeado representante especial da União Europeia na Bósnia‑Herzegovina para o período compreendido entre 1 de setembro de 2019 e 31 de agosto de 2021. O Conselho pode decidir que o mandato do REUE cesse antes dessa data, com base numa avaliação do Comité Político e de Segurança (CPS) e sob proposta do alto representante da União [Europeia] para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (AR).»
7. O artigo 4.° desta decisão dispõe:
«1. O REUE é responsável pela execução do mandato, atuando sob a autoridade do AR.
2. O CPS mantém uma relação privilegiada com o REUE, sendo o principal ponto de contacto do REUE com o Conselho. O CPS faculta orientação estratégica e direção política ao REUE no âmbito do seu mandato, sem prejuízo das competências do AR.
3. O REUE trabalha em estreita coordenação com o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) e com os seus serviços competentes.»
8. O artigo 6.° desta decisão, sob a epígrafe «Constituição e composição da equipa», prevê:
«1. Nos limites do seu mandato e dos correspondentes meios financeiros disponibilizados, o REUE é responsável pela constituição da sua equipa. A equipa deve dispor de conhecimentos especializados sobre questões políticas específicas, em função das necessidades do mandato. O REUE informa prontamente o Conselho e a Comissão [Europeia] da composição da equipa.
2. Os Estados‑Membros, as instituições da União e o SEAE podem propor o destacamento de pessoal para trabalhar com o REUE. A remuneração do pessoal destacado fica a cargo, respetivamente, do Estado‑Membro, da instituição da União em causa ou do SEAE. Podem igualmente ser adstritos ao REUE peritos destacados pelos Estados‑Membros para as instituições da União ou para o SEAE. O pessoal internacional contratado deve ter a nacionalidade de um dos Estados‑Membros.
3. Todo o pessoal destacado permanece sob a autoridade administrativa do Estado‑Membro de origem, da instituição da União de origem ou do SEAE, desempenhando as suas funções e agindo no interesse do mandato do REUE.»
III. Antecedentes do litígio
9. Os antecedentes do litígio estão expostos de forma pormenorizada no acórdão recorrido (3). Os factos relevantes para as presentes conclusões podem ser resumidos do seguinte modo.
10. R. Stockdale é um nacional do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, que desempenhou as funções de chefe das finanças e da administração no REUE na Bósnia‑Herzegovina.
11. O Conselho adotou, em 11 de março de 2002, uma decisão relativa à nomeação de um REUE na Bósnia‑Herzegovina (4) ao abrigo do artigo 33.° TUE. Posteriormente, o Conselho adotou diversos atos sucessivos pelos quais nomeou, ininterruptamente, um REUE na Bósnia‑Herzegovina para um mandato de duração determinada.
12. Na data em que o recurso em causa foi interposto (a saber, 29 de dezembro de 2020), o REUE na Bósnia‑Herzegovina tinha sido nomeado para o período compreendido entre 1 de setembro de 2019 e 31 de agosto de 2021 (5).
13. De 15 de fevereiro de 2006 a 1 de março de 2007, R. Stockdale exerceu funções ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo determinado (CTD) celebrado com o REUE por uma duração que não podia exceder o mandato deste último.
14. A partir de 1 de março de 2007, celebrou dezasseis CTD sucessivos com o REUE. O último CTD celebrado por R. Stockdale (a seguir «contrato em causa») previa, no seu artigo 5.°, uma duração compreendida entre 1 de setembro de 2019 e 31 de agosto de 2021.
15. R. Stockdale assinou igualmente treze contratos tripartidos com a Comissão e com o REUE, que o designavam chefe de gabinete interino. Estes contratos previam que, em caso de morte, demissão, acidente ou doença do REUE que impedisse o exercício das suas funções, ou do término da convenção de financiamento celebrada entre a Comissão e o REUE, R. Stockdale tornar‑se‑ia o responsável pela gestão dos fundos destinados ao referido REUE. O último destes contratos foi assinado por R. Stockdale em 7 de outubro de 2019.
16. Em 24 de janeiro de 2020, os representantes da União e do Reino Unido assinaram o Acordo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (6) (a seguir «Acordo de Saída União‑Reino Unido»).
17. Em 1 de fevereiro de 2020, o Acordo de Saída União‑Reino Unido entrou em vigor por força do seu artigo 185.° Este acordo estabelece, no seu artigo 126.°, um período de transição com início na data da sua entrada em vigor e termo em 31 de dezembro de 2020 (a seguir «período de transição»), durante o qual, em conformidade com o artigo 127.°, n.° 6, as referências aos «Estados‑Membros» no direito da União deviam entender‑se como incluindo o Reino Unido.
18. Em 24 de junho de 2020, R. Stockdale dirigiu uma carta ao REUE para o questionar sobre os seus direitos e apresentar uma queixa por discriminação na hipótese de o seu posto ser considerado excedentário devido à transferência do gabinete do REUE na Bósnia‑Herzegovina para a delegação da União neste país e, por conseguinte, para o SEAE.
19. Em 7 de julho de 2020, o REUE transmitiu o pedido de R. Stockdale à diretora do Serviço de Instrumentos de Política Externa da Comissão, indicando que este tinha suscitado questões relativas às suas condições de trabalho, nomeadamente na perspetiva de uma provável resolução do contrato em causa na sequência da retirada do Reino Unido da União Europeia. Uma chefe de unidade do referido serviço respondeu, em 13 de julho de 2020, que esse serviço não era responsável pelos recursos humanos respeitantes ao pessoal do âmbito da PESC (Política Externa e de Segurança Comum) e que aconselhava ao REUE que consultasse o SEAE a esse respeito. Assinalou igualmente que, quanto à parte do pedido de R. Stockdale relativa a aspetos financeiros, nos termos do contrato em causa, não era possível pagar‑lhe uma indemnização por despedimento ou contribuições para a pensão.
20. Em 15 de setembro de 2020, o REUE dirigiu‑se ao SEAE transmitindo‑lhe a carta do recorrente de 24 de junho de 2020.
21. Em 28 de setembro de 2020, R. Stockdale escreveu ao REUE para que este último obtivesse mais informações sobre a possibilidade de se manter nas suas funções além do termo do período de transição. Após o REUE ter contactado o Serviço dos Instrumentos de Política Externa da Comissão, a diretora deste último respondeu, em 2 de outubro de 2020, que não estava prevista nenhuma exceção para os nacionais do Reino Unido e que os seus contratos terminariam em 31 de dezembro de 2020.
22. Em 17 de novembro de 2020, o REUE adotou uma decisão de resolução, pela qual pôs termo ao contrato em causa mediante pré‑aviso, produzindo essa decisão efeitos em 31 de dezembro de 2020 (a seguir «decisão de resolução»). Como o Tribunal Geral refere no n.° 34 do acórdão recorrido, a decisão de resolução está fundamentada pela circunstância de, em razão da retirada do Reino Unido da União, o recorrente já não possuir a nacionalidade de um Estado‑Membro, o que implica, segundo o REUE na Bósnia‑Herzegovina, que já não podia continuar a fazer parte do seu pessoal.
IV. Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido
A. Tramitação processual no Tribunal Geral
23. Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de dezembro de 2020, R. Stockdale interpôs um recurso contra o Conselho, a Comissão, o SEAE e o REUE na Bósnia‑Herzegovina, pedindo: em primeiro lugar, que a decisão de resolução fosse declarada ilegal; em segundo lugar, que os recorridos fossem condenados a pagar‑lhe o montante de 10 000 euros a título de indemnização pelos danos não patrimoniais resultantes desta decisão; e, em terceiro lugar, que fosse ordenada a sua reintegração nas suas funções anteriores ou, a título subsidiário, que os recorridos fossem condenados a pagar‑lhe o montante de 393 850,08 euros a título de indemnização pelos danos patrimoniais resultantes da decisão de resolução (a seguir «primeiro pedido»).
24. R. Stockdale apresentou ainda três outros pedidos, o último dos quais foi formulado «a título subsidiário». No entanto, para efeitos do presente recurso, só é relevante o primeiro pedido.
25. Por articulados separados apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, em 11 de maio de 2021 pela Comissão e pelo Conselho, em 12 de maio de 2021 pelo SEAE e em 30 de junho de 2021 pelo REUE na Bósnia‑Herzegovina, respetivamente, estas partes suscitaram exceções de inadmissibilidade e de incompetência, alegando, nomeadamente, que a decisão de resolução e as alegadas irregularidades invocadas por R. Stockdale não lhes eram imputáveis.
26. Em 30 de agosto de 2021, R. Stockdale apresentou as suas observações relativas às exceções de inadmissibilidade e de incompetência, pedindo que estas fossem julgadas improcedentes.
27. O Tribunal Geral decidiu, ao abrigo do artigo 130.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo, pronunciar‑se sobre as questões de competência e de admissibilidade relativamente a todos os pedidos antes de conhecer do mérito da causa.
B. Acórdão recorrido
28. No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou parcialmente procedentes as exceções de inadmissibilidade e de incompetência suscitadas pelos recorridos.
29. Em particular, no que respeita ao primeiro pedido, o Tribunal Geral declarou‑se competente, tanto ao abrigo do artigo 263.° TFUE, no que respeita ao pedido de fiscalização jurisdicional da legalidade da decisão de resolução, que foi adotada por uma entidade da União instituída pelos Tratados, a saber, o REUE na Bósnia‑Herzegovina, como ao abrigo do artigo 268.° TFUE, no que diz respeito ao pedido de reparação pecuniária dos alegados danos não patrimoniais e patrimoniais que resultaram dessa decisão. Após ter identificado o REUE na Bósnia‑Herzegovina como o órgão da União que adotou a decisão de resolução, o Tribunal Geral concluiu que estes pedidos eram admissíveis no que respeita ao REUE na Bósnia‑Herzegovina e inadmissíveis no que respeita ao Conselho, à Comissão e ao SEAE.
30. No entanto, o Tribunal Geral declarou‑se incompetente relativamente ao pedido de R. Stockdale para que fosse ordenada a sua reintegração como membro do pessoal do REUE na Bósnia‑Herzegovina. O Tribunal Geral explicou que os juízes da União não podem, em princípio, incluindo no âmbito de uma ação de indemnização, dar ordens a uma instituição, a um órgão ou a um organismo da União sem interferir com as prerrogativas da autoridade administrativa.
V. Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos
31. Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de novembro de 2023, o Reino de Espanha interpôs o presente recurso.
32. Com o seu recurso, o Reino de Espanha conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:
– anular o acórdão recorrido na parte em que se pronuncia sobre a legitimidade passiva em relação ao primeiro pedido; e
– declarar o primeiro pedido admissível na parte em que respeita ao Conselho e inadmissível na parte em que respeita ao REUE.
33. Na sua resposta a este recurso, R. Stockdale conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:
– dar provimento ao recurso interposto pelo Reino de Espanha; e
– condenar os recorridos nas despesas do recurso.
34. Na sua resposta, o Conselho conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:
– negar provimento ao recurso; e
– condenar o Reino de Espanha nas despesas efetuadas pelo Conselho no presente processo.
35. Na sua resposta, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:
– negar provimento ao recurso; e
– condenar o Reino de Espanha nas despesas.
36. Na sua resposta, o SEAE conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:
– negar provimento ao recurso por improcedência ou, subsidiariamente, negar‑lhe provimento por inadmissibilidade; e
– condenar o Reino de Espanha nas despesas.
37. Na sua resposta, o REUE na Bósnia‑Herzegovina conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:
– negar provimento ao recurso com fundamento em inadmissibilidade ou, em todo o caso, com fundamento em improcedência; e
– condenar o Reino de Espanha nas despesas.
38. R. Stockdale interpôs recurso subordinado em 28 de outubro de 2024. No entanto, para efeitos das presentes conclusões, terei apenas em conta o recurso interposto pelo Reino de Espanha (a seguir «recurso principal»), uma vez que a minha análise se centrará na admissibilidade deste recurso.
VI. Análise
39. O Reino de Espanha alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir, nos n.os 125 a 142 do acórdão recorrido, que o primeiro pedido era admissível em relação ao REUE na Bósnia‑Herzegovina e inadmissível em relação, nomeadamente, ao Conselho. No seu entender, o Conselho devia ter sido considerado o único recorrido.
40. Este Estado‑Membro interpôs o recurso principal ao abrigo do artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto, alegando que, na data em que o acórdão recorrido foi proferido, tinha pedido para intervir no processo no Tribunal Geral, mas ainda não tinha sido admitido como «interveniente».
41. Como expliquei na introdução, o artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto confere aos Estados‑Membros um direito especial (ou alargado) de recurso (7), que derroga a regra geral, contida no segundo parágrafo deste artigo, segundo a qual só as partes que intervieram perante o Tribunal Geral podem interpor recurso das decisões deste órgão jurisdicional que ponham termo à instância ou a um incidente processual relativo a uma exceção de incompetência ou de inadmissibilidade.
42. Por força deste direito especial de recurso, os Estados‑Membros podem recorrer das decisões do Tribunal Geral que ponham termo à instância, mesmo que não tenham intervindo no processo neste órgão jurisdicional. O objetivo é permitir a estes recorrentes privilegiados, na sua qualidade de «guardiães do direito», recorrer ao Tribunal de Justiça para preservar a coerência da jurisprudência, mesmo quando as partes no processo perante o Tribunal Geral aceitam o acórdão proferido por este último (8).
43. No entanto, resulta claramente da redação do artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto que este direito não se estende aos «casos relativos a litígios entre a União e os seus agentes». Por conseguinte, assim como esta disposição consagra um direito especial ou alargado de recurso para os Estados‑Membros, prevê igualmente uma exceção a este direito. No que respeita a estes litígios relacionados com o pessoal, o direito de recurso dos Estados‑Membros limita‑se ao reconhecido no artigo 56.°, segundo parágrafo, do Estatuto (ou seja, aplica‑se a regra geral) (9).
44. Na secção seguinte, desenvolverei as razões pelas quais considero que a exceção relativa aos «litígios entre a União e os seus agentes», prevista no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto, não abrange os litígios entre a União Europeia e o pessoal contratual internacional da PESC, como é o caso de R. Stockdale, pelo que o recurso principal é admissível (A). Em seguida, pronunciar‑me‑ei sobre o facto de, no presente processo, o Reino de Espanha ter pedido para intervir no processo no Tribunal Geral. No entanto, o acórdão recorrido foi proferido antes ter sido tomada uma decisão de deferimento ou indeferimento da intervenção deste Estado‑Membro. Explicarei por que razão esta particularidade constitui, a meu ver, uma razão adicional para considerar o recurso principal admissível (B).
A. Por que razão a exceção relativa aos «litígios entre a União e os seus agentes» não se aplica ao pessoal contratual internacional da PESC
45. Nas suas respostas a uma questão do Tribunal de Justiça para resposta escrita relativa à admissibilidade do recurso principal, o Reino de Espanha, o Conselho, a Comissão, o SEAE e o REUE na Bósnia‑Herzegovina explicaram que a exceção ao direito especial dos Estados‑Membros de interporem recurso de uma decisão do Tribunal Geral que ponha termo à instância, mesmo que não tenham intervindo no processo neste órgão jurisdicional, abrange todas as decisões proferidas com base no artigo 270.° TFUE, e nenhuma outra.
46. O artigo 270.° TFUE confere ao Tribunal de Justiça da União Europeia competência para decidir sobre «todo e qualquer litígio entre a União e os seus agentes, dentro dos limites e condições estabelecidas pelo Estatuto dos Funcionários da União e no Regime aplicável aos Outros Agentes da União» (a seguir «Estatuto dos Funcionários») (10). Como tal, esta disposição garante um direito de recurso judicial aos funcionários públicos da União e às restantes pessoas às quais o Estatuto dos Funcionários se aplica. A mesma foi objeto de interpretação extensiva, uma vez que o Tribunal de Justiça considerou que abrange litígios relativos não só às pessoas abrangidas pelo Estatuto dos Funcionários enquanto funcionários ou «outros agentes da União» mas também às pessoas que não têm o estatuto de funcionário nem de «outro agente da União» e que se limitam a reivindicar este estatuto (11).
47. No entanto, nem todos os litígios que têm origem numa relação laboral entre uma pessoa singular e a União Europeia estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 270.° TFUE. Com efeito, o Estatuto dos Funcionários não constitui uma regulamentação exaustiva que proíba o recrutamento de pessoas fora do quadro regulamentar assim estabelecido (12).
48. Em particular, os membros do pessoal contratual da PESC não estão abrangidos pelo Estatuto dos Funcionários, pelo que estão excluídos do âmbito de aplicação desta disposição (13). Um exemplo claro desta categoria é o dos membros do pessoal contratual que trabalham em missões da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) (14) em países terceiros. Estes agentes, que (como outros agentes contratuais da PESC, de um modo mais geral) podem ser recrutados a nível local ou internacional (15), não estão abrangidos pelo Estatuto dos Funcionários — embora se considere que a sua missão está abrangida pelo conceito de «órgãos ou organismos da União» para efeitos da aplicação do artigo 263.° TFUE (16). Por conseguinte, os recursos interpostos por estas pessoas nos órgãos jurisdicionais da União, em aplicação do artigo 270.° TFUE, seriam considerados inadmissíveis (17).
49. A única forma de os órgãos jurisdicionais da União serem competentes para conhecer destes litígios laborais é quando os mesmos são apresentados com fundamento no artigo 272.° TFUE ou no artigo 263.° TFUE. Contudo, o artigo 272.° TFUE só permite a fiscalização jurisdicional por estes órgãos jurisdicionais se existir uma cláusula compromissória no contrato de trabalho em causa que designe os órgãos jurisdicionais da União como aqueles perante os quais devem ser submetidos os litígios relativos a esse contrato. O artigo 263.° TFUE habilita os órgãos jurisdicionais da União a fiscalizar «a legalidade dos atos dos órgãos ou organismos da União destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros» (o que pressupõe que se possa considerar que o ato impugnado foi adotado pela União).
50. Um particular, como R. Stockdale, que é um agente contratual internacional que trabalha para o REUE na Bósnia‑Herzegovina (no âmbito da PESC), dispõe dessas mesmas vias jurídicas. No acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou‑se competente ao abrigo do artigo 263.° TFUE no que respeita ao primeiro pedido, na parte em que dizia respeito a um pedido de fiscalização jurisdicional da legalidade da decisão de resolução, que tinha sido adotada por uma entidade da União instituída pelos Tratados, isto é, o REUE na Bósnia‑Herzegovina. O artigo 270.° TFUE nunca foi considerado, nem sequer por R. Stockdale, como uma possível «via» para submeter o litígio ao Tribunal Geral.
51. Tanto quanto é do meu conhecimento, nos últimos cinco anos, só foram submetidos aos órgãos jurisdicionais da União dois outros litígios laborais relativos a pessoas recrutadas como membros do pessoal contratual internacional no âmbito da PESC [in casu, pela Missão da União Europeia de Reforço das Capacidades na Somália (EUCAP Somália)] (18). Mais uma vez, nesses processos, os recorrentes basearam o seu recurso no artigo 263.° TFUE e (a título subsidiário) no artigo 272.° TFUE, e não no artigo 270.° TFUE.
52. Nestas condições, parece‑me evidente que R. Stockdale, enquanto membro do pessoal contratual internacional do REUE na Bósnia‑Herzegovina (no âmbito da PESC), não está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 270.° TFUE.
53. Feito este esclarecimento, passo a explicar as razões pelas quais concordo com a posição do Reino de Espanha, do Conselho, da Comissão, do SEAE e do REUE na Bósnia‑Herzegovina, segundo a qual a exceção relativa aos «litígios entre a União e os seus agentes», prevista no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto, tem o mesmo alcance que o artigo 270.° TFUE, pelo que o recurso principal não está abrangido pelo âmbito de aplicação desta exceção, sendo, por isso, admissível. A este respeito, basear‑me‑ei numa análise textual e contextual destas disposições (1), bem como em considerações teleológicas (2).
1. Análise textual e contextual
54. Desde logo, observo que a redação do artigo 270.° TFUE e a da exceção prevista no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto são rigorosamente idênticas, não só na versão em língua inglesa mas também, por exemplo, nas versões nas línguas francesa (19) e espanhola (20). A sua redação é também praticamente idêntica noutras versões linguísticas (21).
55. Na minha opinião, esta redação idêntica constitui o primeiro elemento que corrobora a conclusão de que o alcance do artigo 270.° TFUE e o da exceção prevista no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto coincidem.
56. Esta conclusão é ainda reforçada pelo facto de o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia ter sido incorporado como Protocolo n.° 3 do Tratado FUE. Assim, quando são utilizadas expressões idênticas nas disposições do Tratado e deste Estatuto, considero que as mesmas devem ser entendidas da mesma forma, se não existir nenhuma indicação em contrário.
57. A este respeito, acrescento que há uma lógica natural em considerar que o modo como uma categoria específica de processos é definida no Tratado FUE (neste caso, a categoria referida no artigo 270.° TFUE como «litígios entre a União e os seus agentes») determina a forma como a mesma categoria deve ser entendida no Estatuto.
58. Nas minhas Conclusões no processo Parlamento/Axa Assurances Luxembourg e o (22)., expliquei que «[o]s diplomas que regulam o processo nos órgãos jurisdicionais da União assemelham‑se a um sistema ferroviário. Cada linha representa uma via processual, enquanto os comboios que operam nestas linhas simbolizam os processos submetidos a esta instituição jurisdicional. À medida que se desenrola um processo, o regulamento de processo funciona como a sinalização ferroviária, assegurando que o processo permanece na via adequada em direção ao seu destino final.»
59. A meu ver, é evidente que as linhas ferroviárias perante os órgãos jurisdicionais da União estão definidas no Tratado FUE. O ponto de partida da linha ferroviária para os «litígios entre a União e os seus agentes» é o artigo 270.° TFUE, que, como expliquei, confere aos órgãos jurisdicionais da União competência para se pronunciarem sobre estes litígios. A exceção prevista no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto é a «sinalização ferroviária», uma vez que indica que as decisões do Tribunal Geral relativas aos «litígios entre a União e os seus agentes» não podem ser objeto de recurso pelos Estados‑Membros que não participaram no processo neste órgão jurisdicional.
60. Tendo em conta estes elementos, considero, com base numa análise literal e contextual, que esta exceção e o artigo 270.° TFUE abrangem a mesma categoria de processos. Uma vez que o presente processo não se enquadra no âmbito de aplicação desta disposição, não está abrangido pela exceção relativa aos «litígios entre a União e os seus agentes» prevista no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto, pelo que é admissível.
61. Gostaria de fazer uma observação adicional.
62. Como expliquei acima, no n.° 46, o artigo 270.° TFUE foi interpretado pelo Tribunal de Justiça no sentido de que abrange não só as pessoas definidas pelo Estatuto dos Funcionários como sendo funcionários ou «outros agentes da União» mas também aquelas que não têm o estatuto nem de funcionário nem de «outro agente da União» e que se limitam reivindicar esse estatuto.
63. No entanto, a meu ver, isto não significa que se deva considerar que o presente processo podia ter sido instaurado com fundamento no artigo 270.° TFUE. Com efeito, R. Stockdale não alegou no Tribunal Geral que devia ser considerado uma pessoa abrangida pelo âmbito de aplicação do Estatuto dos Funcionários (ou seja, que o Estatuto dos Funcionários lhe deve ser aplicável). Pelo contrário, sustentou que devia ter direito a um determinado benefício, isto é, o de se manter nas suas funções após o termo do período de transição, embora este benefício não estivesse previsto para os nacionais do Reino Unido abrangidos pelo Estatuto dos Funcionários.
64. Passo agora a apresentar as considerações teleológicas que reforçam a conclusão de que a exceção relativa aos «litígios entre a União e os seus agentes» prevista no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto e no artigo 270.° TFUE abrange a mesma categoria de processos.
2. Análise teleológica
65. No processo Conselho/Busacca e o. (23), o Conselho, apoiado pelo Reino de Espanha, alegou que a expressão «litígios entre a União e os seus agentes», constante do artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto (24) não diz respeito aos litígios que põem em causa a legalidade de um ato de alcance geral (como um regulamento), mas apenas aos que respeitam a questões de natureza individual, relativamente aos quais não parece justificado conceder um «direito de recurso especial» a instituições ou a Estados‑Membros que não intervieram no Tribunal Geral (25). Por conseguinte, para determinar se um litígio laboral está abrangido por esta exceção, há que apreciar o mérito dos pedidos ou dos argumentos apresentados (ou seja, se suscitam questões relativas à legalidade de um ato de alcance geral ou de um ato de natureza individual).
66. No entanto, o Tribunal de Justiça rejeitou este argumento. Declarou que as regras processuais aplicáveis aos litígios em matéria de função pública não podem estar dependentes de as partes suscitarem ou não questões quanto à interpretação ou à validade de disposições regulamentares ou gerais suscetíveis de ser aplicadas ao caso concreto (26). Pelo contrário, há que atentar no objeto do pedido. A este respeito, o Tribunal de Justiça observou que o recurso só se podia traduzir (se lhe fosse dado provimento) na anulação das decisões individuais que dissessem respeito aos recorrentes. Por conseguinte, o recurso do Conselho, que não interveio no processo no Tribunal Geral, e que dizia respeito a uma situação relativa a um «litígio entre a União e os seus agentes», na aceção da exceção prevista no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto, foi julgado inadmissível.
67. Face ao exposto, concluo, primeiro, que o mérito das questões de direito da União suscitadas pelas partes no Tribunal Geral é irrelevante para a questão de saber se um Estado‑Membro (ou uma instituição da União Europeia) que não interveio no âmbito do processo submetido a este órgão jurisdicional pode invocar o «direito especial de recurso» previsto no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto (27). A existência deste direito não depende do facto de o processo suscitar questões importantes ou de caráter transversal de direito da União. Em contrapartida, nem todos os processos em que os Estados‑Membros dispõem do direito especial de recurso são suscetíveis de levantar este tipo de questões.
68. No caso em apreço, isto significa que o facto de o Reino de Espanha invocar, em apoio do recurso principal, considerações mais amplas (28) relacionadas com a questão de saber se é necessário estabelecer uma distinção entre as decisões de «gestão» relativas ao pessoal que trabalha no âmbito da PESC e as decisões de natureza estratégica ou política adotadas nesse âmbito é irrelevante para a admissibilidade deste recurso.
69. Segundo, retiro do Acórdão Conselho/Busacca e o (29). que a razão pela qual os Estados‑Membros ou as instituições da União não têm, por força do artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto, um «direito especial de recurso» no que respeita aos «casos relativos a litígios entre a União e os seus agentes» está relacionada com o facto de, nesses casos, o objeto do recurso ser, normalmente, a anulação de uma decisão individual (30).
70. Uma vez que o litígio no presente processo também diz respeito a uma pessoa singular (R. Stockdale) que pede a anulação de uma decisão individual relativa às suas condições de trabalho (in casu, a decisão de resolução), é legítimo afirmar que, da mesma forma que o Reino de Espanha não teria um «direito especial de recurso» se o processo estivesse abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 270.° TFUE, também não deve ter esse direito se o processo não está abrangido pelo âmbito de aplicação desta disposição (no caso em apreço, porque a pessoa em causa trabalha para o REUE na Bósnia‑Herzegovina).
71. Em apoio deste entendimento, também é legítimo afirmar que o simples facto de a expressão «litígios entre a União e os seus agentes», que figura no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto, corresponder a uma exceção não significa que deva ser interpretada de forma estrita. Como o advogado‑geral S. Alber explicou nas suas Conclusões no processo Conselho/Busacca e o (31)., o próprio direito especial de recurso concedido por esta disposição já constitui por si uma exceção, uma vez que, nos termos do artigo 56.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, apenas as partes e os intervenientes diretamente afetados por um acórdão podem, em princípio, dele interpor recurso. Nestas condições, aquilo que até agora designei de «exceção» constitui, na verdade, uma exceção à exceção ou uma contraexceção. Não é claro se o princípio geral de que as exceções devem ser interpretadas de forma estrita pode ser aplicado a semelhante situação.
72. Não obstante, a meu ver, os litígios laborais apresentados ao abrigo do artigo 263.° TFUE e do artigo 270.° TFUE não devem ser tratados como uma única categoria de processos relativos a «litígios entre a União e os seus agentes» e, por conseguinte, como estando abrangidos pelo âmbito de aplicação da exceção prevista no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto.
73. A este respeito, gostaria de me pronunciar sobre o Acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo H/Conselho e o (32). Este processo não dizia respeito a um membro do pessoal contratual da PESC, como R. Stockdale, mas a uma magistrada italiana destacada para a Missão de Polícia da União Europeia (MPUE) em Saraievo (Bósnia‑Herzegovina) pelo ministro da Justiça Italiano e que tinha sido informada pelo chefe do pessoal da MPUE de que seria reafetada, por motivos operacionais, ao Serviço Regional de Banja Luka. O Tribunal de Justiça considerou que o pessoal da União e o pessoal nacional destacados estão, em alguns aspetos, sujeitos às mesmas regras no âmbito das missões da PCSD. Declarou ainda que as decisões em causa «constitu[íam] [...], pela sua própria essência, atos de gestão do pessoal, à semelhança de qualquer decisão análoga adotada pelas instituições da União no âmbito do exercício das suas competências» (33). Tendo em conta estes elementos, o Tribunal de Justiça considerou que, uma vez que os órgãos jurisdicionais da União são competentes, por força do artigo 270.° TFUE, para fiscalizar os atos de gestão do pessoal quando estes dizem respeito a agentes destacados pelas instituições da União, também devem ser competentes, por força do artigo 263.° TFUE, para fiscalizar esses atos quando forem relativos a agentes destacados pelos Estados‑Membros para responder às necessidades dessa missão.
74. Compreendo que se possa retirar daquele acórdão que os litígios laborais devem estar em pé de igualdade, independentemente de estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 270.° TFUE ou de só poderem ser submetidos aos órgãos jurisdicionais da União com fundamento no artigo 263.° TFUE, no sentido de que o alcance da fiscalização jurisdicional deve ser o mesmo ao abrigo das duas disposições. Todavia, parece‑me que o Acórdão H/Conselho e o. também demonstra que o Tribunal de Justiça não considerou estas duas categorias de processos como sendo idênticas, mas antes que continuou a considerar estas duas disposições (artigo 270.° TFUE e artigo 263.° TFUE) como vias processuais diferentes.
75. A este respeito, recordo igualmente que, por força do artigo 24.°, n.° 1, TUE e do artigo 275.° TFUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia não tem competência geral «no que diz respeito às disposições relativas à [PESC], nem no que diz respeito aos atos adotados com base nessas disposições». Existem apenas duas exceções, relativas, respetivamente, à observância da cláusula de não ingerência prevista no artigo 40.° TUE e à legalidade das decisões que estabeleçam medidas restritivas contra pessoas singulares ou coletivas, adotadas pelo Conselho com base no capítulo 2 do título V do Tratado UE. A extensão da competência dos órgãos jurisdicionais da União para conhecer dos litígios laborais no âmbito da PESC é uma questão delicada que, seja como for, não está totalmente resolvida, mesmo após o Acórdão H/Conselho e o (34)., uma vez que, como resulta da descrição acima exposta, este acórdão não dizia respeito a membros do pessoal contratual internacional ou local da PESC.
76. Nestas condições, tenho dificuldade em defender a posição segundo a qual o legislador da União pretendeu que a exceção relativa aos «litígios entre a União e os seus agentes» prevista no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto abrangesse os litígios que envolvem estes agentes — tanto mais que esta expressão é idêntica ou quase idêntica à utilizada no artigo 270.° TFUE e que os membros do pessoal contratual internacional ou local da PESC não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação desta disposição.
77. Em conclusão, considero que o recurso principal não está abrangido pelo âmbito de aplicação da exceção relativa aos «litígios entre a União e os seus agentes» prevista no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto, sendo, por conseguinte, admissível.
B. Post‑script
78. Como expliquei acima no n.° 44, no presente processo, o Reino de Espanha pediu para intervir no processo no Tribunal Geral. Com efeito, o pedido de intervenção deste Estado‑Membro data de 6 de maio de 2021, ou seja, mais de dois anos antes da prolação do acórdão recorrido. No entanto, o Tribunal Geral decidiu proferir este acórdão antes de deferir ou indeferir a intervenção do Reino de Espanha (e, como tal, antes de este Estado‑Membro ter apresentado as suas observações escritas) (35).
79. A razão pela qual o Tribunal Geral proferiu o acórdão recorrido sem decidir previamente esta questão é, como expliquei acima no n.° 27, porque este órgão jurisdicional pode, ao abrigo do artigo 130.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo, se o demandado o pedir, pronunciar‑se sobre a incompetência ou a admissibilidade sem dar início à discussão do mérito da causa.
80. A meu ver, esta particularidade constitui uma razão adicional para considerar o recurso principal admissível — mesmo que se considere que o processo está abrangido pela exceção relativa aos «litígios entre a União e os seus agentes» prevista no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto.
81. Com efeito, nestas condições, considero que o Estado‑Membro em causa se encontra numa posição diferente da de um Estado‑Membro que não pediu de todo para intervir no processo no Tribunal Geral. Procurou garantir o seu direito de recurso intervindo no processo em primeira instância e demonstrou que tinha conhecimento de que o processo estava pendente no Tribunal Geral e que estava disposto a tomar posição sobre as questões jurídicas suscitadas pelo mesmo (36). Além disso, não creio que o artigo 130.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral possa ser utilizado para «contornar» o direito especial de recurso de que, de outro modo, os Estados‑Membros e as instituições da União beneficiariam (ou seja, se o Tribunal Geral não decidisse pronunciar‑se sobre a incompetência ou a admissibilidade sem dar início à discussão mérito da causa).
VII. Conclusão
82. Tendo em conta o que precede, proponho que o Tribunal de Justiça declare admissível o recurso interposto pelo Reino de Espanha.
1 Língua original: inglês.
2 Acórdão de 26 de julho de 2023 (T‑776/20, EU:T:2023:422).
3 V., em particular, n.os 2 a 18 do referido acórdão.
4 Ação Comum do Conselho relativa à nomeação do [REUE] na Bósnia‑Herzegovina (2002/211/PESC) (JO 2002, L 70, p. 7).
5 Pela Decisão (PESC) 2019/1340 do Conselho, de 8 de agosto de 2019, que nomeia o [REUE] na Bósnia‑Herzegovina (JO 2019, L 209, p. 10).
6 Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 7), que foi adotado em 17 de outubro de 2019 e entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2020, tendo sido aprovado em nome da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA) pela Decisão (UE) 2020/135 do Conselho, de 30 de janeiro de 2020 (JO 2020, L 29, p. 1).
7 As instituições da União também dispõem do mesmo direito especial de recurso.
8 V. Conclusões do advogado‑geral S. Alber no processo Conselho/Busacca e o. (C‑434/98 P, EU:C:2000:298, n.os 24 e 25).
9 É também o caso dos recursos interpostos pelas instituições da União.
10 Regulamento n.° 31 (CEE), n.° 11 (CEEA) que fixa o Estatuto dos Funcionários e o Regime aplicável aos outros agentes da Comunidade Económica Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 1962, P 045, p. 1385).
11 V. Acórdão de 5 de outubro de 2004, Sanders e o./Comissão (T‑45/01, EU:T:2004:289, n.° 45 e jurisprudência referida). Observo ainda que o artigo 270.° TFUE foi alargado no sentido de abranger as pessoas que trabalham para instituições ou órgãos que não aplicam o Estatuto dos Funcionários, nomeadamente o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco Europeu de Investimento (BEI), uma vez que esta disposição foi alinhada com o artigo 50.°‑A do Estatuto.
12 V. Acórdão de 6 de dezembro de 1989, Mulfinger e o./Comissão (C‑249/87, EU:C:1989:614, n.° 10).
13 Por uma questão de clareza, ao utilizar a expressão «membros do pessoal contratual da PESC a respeito dos quais não foi adotado um estatuto do pessoal», não me refiro a funcionários públicos ou outros agentes da União destacados abrangidos pelo âmbito de aplicação do Estatuto dos Funcionários. Com efeito, essas pessoas podem, mesmo quando trabalham no âmbito da PESC, invocar o artigo 270.° TFUE, uma vez que as suas condições de trabalho continuam a estar vinculadas às regras do seu local de trabalho habitual.
14 A PCSD é parte integrante da PESC e é o principal quadro político através do qual os Estados‑Membros podem desenvolver uma cultura estratégica europeia de segurança e defesa, resolver conflitos e crises, proteger a União e os seus cidadãos e reforçar a paz e a segurança internacionais (v. https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/159/common‑security‑and‑defence‑policy).
15 Para uma visão geral das diferentes categorias de pessoal que trabalha nas missões da PCSD, v. Moser, C., «Administrative accountability: Separate but complementary fora» (capítulo 7) em Accountability in EU Security and Defence: The Law and Practice of Peacebuilding, Oxford University Press, 2020, pp. 240 a 245.
16 V., por exemplo, Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Eulex Kosovo (C‑283/20, EU:C:2022:126), no qual o Tribunal de Justiça considerou que a «Eulex Kosovo» é demandada em qualquer ação perante os órgãos jurisdicionais da União relativa às consequências da execução da missão que lhe foi confiada.
17 Para uma explicação mais pormenorizada, v. Butler, G., «Contracted EU civil servants in EU common security and defence policy missions: Procedural routes to judicial remedies», em European Labour Law Journal, vol. 14, 3.ª ed., 2023, p. 355.
18 V. Acórdãos de 13 de julho de 2022, JF/EUCAP Somália (T‑194/20, EU:T:2022:454) e JC/EUCAP Somália (T‑165/20, EU:T:2022:453).
19 Por exemplo, na versão do Estatuto em língua francesa, a expressão «litiges opposant l’Union à ses agents» é utilizada no artigo 56.°, terceiro parágrafo. O artigo 270.° TFUE utiliza a mesma expressão («litige entre l’Union et ses agents»).
20 A expressão «[L] itigios entre la Unión y sus agentes» é utilizada tanto no artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto como no artigo 270.° TFUE.
21 Por exemplo, na versão em língua italiana do artigo 270.° TFUE é utilizada a expressão «qualsiasi controversia tra l’Unione e gli agenti di questa», ao passo que a versão em língua italiana do artigo 56.°, terceiro parágrafo, do Estatuto faz referência a «controversie tra l’Unione e i loro agenti». Na versão em língua alemã destas disposições também há uma pequena nuance («Streitsachen zwischen der Union und ihren Bediensteten» e «Streitsachen zwischen der Union und deren Bediensteten»). Na versão em língua grega, a redação do artigo 270.° TFUE e do artigo 56.° do Estatuto também são praticamente idênticas.
22 C‑766/21 P, EU:C:2024:63, n.° 1.
23 V. Acórdão de 5 de outubro de 2000 (C‑434/98 P, EU:C:2000:546).
24 À data da prolação deste acórdão, a disposição correspondente era o artigo 49.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça.
25 V. Acórdão de 5 de outubro de 2000, Conselho/Busacca e o. (C‑434/98 P, EU:C:2000:546, n.° 19).
26 Ibid., n.os 22 a 25.
27 V. também Conclusões do advogado‑geral S. Alber no processo Conselho/Busacca e o. (C‑434/98 P, EU:C:2000:298).
28 Segundo este Estado‑Membro, o acórdão recorrido estabelece uma distinção entre os atos do REUE na Bósnia‑Herzegovina que são praticados sob a autoridade do Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (no exercício do mandato que lhe foi confiado) e os atos que executa em nome próprio e sob a sua responsabilidade exclusiva, quando se encarrega da gestão administrativa relacionada com o mandato (como as questões relativas ao pessoal). O Reino de Espanha considera que esta distinção é errada. Alega que o Tratado FUE não estabelece nenhuma distinção baseada na natureza dos atos que o REUE na Bósnia‑Herzegovina pode ser chamado a praticar, quer sejam de natureza estratégica ou política ou quer estejam relacionados com a gestão do pessoal.
29 V. acima nota de pé de página 23.
30 Observo que os litígios que dizem respeito a atos de alcance geral podem ser submetidos aos órgãos jurisdicionais da União com fundamento no artigo 270.° TFUE. No entanto, a jurisprudência refere que, nessas situações, o ato de alcance geral deve provir da autoridade investida do poder de nomeação e deve, no mínimo, conter uma posição definitiva da administração relativamente à situação individual do recorrente (v. Acórdão de 12 de setembro de 2018, De Geoffroy e o./Parlamento, T‑788/16, EU:T:2018:534, n.os 24 e 25).
31 V. acima nota de pé de página 27 (n.° 23 das referidas conclusões).
32 Acórdão de 19 de julho de 2016 (C‑455/14 P, EU:C:2016:569). Para um comentário a este processo, v. Prete, L., «The scope of the Court’s Jurisdiction in the CFSP: H v Council and Others» em Butler, G., e Wessel, R. A. (ed.), EU External Relations Law, Hart Publishing, 2022, pp. 831 a 840.
33 V. n.° 54 deste acórdão.
34 Para uma análise crítica deste acórdão, v. Prete, L., «The scope of the Court of the Jurisdiction in the CFSP: H v Council and Others» em Butler, G., e Wessel, R. A. (ed.), EU External Relations Law, Hart Publishing, 2022, pp. 831 a 840.
35 No seu pedido de intervenção no Tribunal Geral, o Reino de Espanha limitou‑se a indicar que pretendia intervir em apoio do pedido de R. Stockdale.
36 V., em contrapartida, Conclusões do advogado‑geral S. Alber no processo Conselho/Busacca e o., n.° 27 (nota de rodapé 27), em que explica que, nesse processo, o Conselho não pediu para intervir no processo no Tribunal Geral.