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Document 62023CC0187

Conclusões do advogado-geral Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 11 de abril de 2024.


ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:309

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 11 de abril de 2024 (1)

Processo C187/23 [Albausy] (i)

E. V. G.T.

sendo intervenientes:

P. T.,

F. T.,

G. T.

[pedido de decisão prejudicial submetido pelo Amtsgericht Lörrach (Tribunal de Primeira Instância de Lörrach, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.° 650/2012 — Emissão do Certificado Sucessório Europeu — Contestação apresentada no procedimento de emissão»






1.        O Regulamento (UE) n.° 650/2012 (2) tem como objetivo suprimir entraves à livre circulação de pessoas que pretendem exercer os seus direitos no âmbito de uma sucessão com incidência transfronteiriça.

2.        Para este efeito, o Regulamento n.° 650/2012 cria um certificado sucessório europeu para o mercado interno (3) e regulamenta detalhadamente o seu regime de emissão e os seus efeitos. Com esse certificado, pretende‑se que os herdeiros, os legatários, os executores testamentários ou os administradores da herança possam provar facilmente a sua qualidade e/ou os seus direitos ou poderes em qualquer Estado‑Membro.

3.        O presente pedido de decisão prejudicial surge na sequência de a cônjuge do defunto, que se considera beneficiária única de uma sucessão testamentária, ter requerido à autoridade nacional competente a emissão de um certificado sucessório europeu. Junto da mesma autoridade, e no mesmo procedimento, o filho e os netos do falecido contestam a validade do testamento apresentado. O que está em causa é a questão de saber quais os efeitos dessa contestação sobre a emissão do certificado.

4.        O Tribunal de Justiça já respondeu a outras questões prejudiciais relativas a este tipo de certificados (4), mas em nenhuma delas foram apresentadas as dúvidas suscitadas no presente pedido de decisão prejudicial, que só serão abordadas se este for considerado admissível.

I.      Quadro jurídico. Direito da União

A.      Regulamento n.° 650/2012

5.        O artigo 62.° («Criação de um certificado sucessório europeu»), n.° 1, dispõe:

«1.      O presente regulamento cria o certificado sucessório europeu (a seguir designado “certificado”) que deve ser emitido para fins de utilização noutro Estado‑Membro e produzir os efeitos enunciados no artigo 69.°».

6.        O artigo 63.° («Finalidade do certificado») dispõe:

«1.      O certificado destina‑se a ser utilizado pelos herdeiros, pelos legatários que tenham direitos na sucessão e pelos executores testamentários ou administradores de heranças que necessitem de invocar noutro Estado‑Membro a sua qualidade ou exercer os seus direitos de herdeiros ou legatários e/ou os seus poderes de executores testamentários ou administradores de uma herança.

2.      O certificado pode ser utilizado, nomeadamente, para comprovar um ou mais dos seguintes elementos específicos:

a)      A qualidade e/ou direitos de cada herdeiro ou legatário, consoante o caso, mencionado no certificado e as respetivas quotas‑partes da herança;

b)      A atribuição de um bem ou bens determinados específicos que façam parte da herança ao herdeiro ou herdeiros ou ao legatário ou legatários, consoante o caso, mencionados no certificado;

c)      Os poderes da pessoa mencionada no certificado para executar o testamento ou administrar a herança.»

7.        Em conformidade com o artigo 64.° («Competência para emitir o certificado»):

«O certificado é emitido no Estado‑Membro cujos órgãos jurisdicionais sejam competentes por força do artigo 4.°, do artigo 7.°, do artigo 10.° ou do artigo 11.° A autoridade emissora deve ser:

a)      Um órgão jurisdicional, tal como definido no artigo 3.°, n.° 2, ou

b)      Outra autoridade que, nos termos da legislação nacional, tenha competência para tratar matérias sucessórias.»

8.        Do artigo 65.° («Pedido de certificado»), n.° 3, alínea l), consta:

«O pedido deve incluir as informações abaixo enunciadas, na medida em que sejam do conhecimento do requerente e em que a autoridade emissora delas necessite para poder atestar os elementos que o requerente pretende sejam atestados, e ser acompanhado de todos os documentos pertinentes, quer no original quer em cópias, que preencham as condições necessárias para comprovar a sua autenticidade, sem prejuízo do artigo 66.°, n.° 2:

[...]

l)      Uma declaração afirmando que, tanto quanto é do conhecimento do requerente, não está pendente nenhum litígio quanto aos elementos a atestar.»

9.        O artigo 66.° («Apreciação do pedido») indica:

«1.      Ao receber o pedido, a autoridade emissora verifica as informações e declarações e os documentos e outros elementos de prova facultados pelo requerente. A autoridade emissora procede às investigações necessárias à verificação por iniciativa própria, se tal se encontrar previsto ou autorizado no seu direito interno, ou convida o requerente a apresentar quaisquer outras provas que considere necessárias.

[…]

4.      A autoridade emissora toma todas as medidas necessárias para informar os beneficiários sobre o pedido de certificado. Deve, se necessário para estabelecer os elementos a atestar, ouvir as pessoas interessadas e os eventuais executores ou administradores, bem como publicar anúncios destinados a dar a outros eventuais beneficiários a oportunidade de fazerem valer os seus direitos.

[…]»

10.      Nos termos do artigo 67.° («Emissão do certificado»):

«1.      A autoridade emissora deve emitir sem demora o certificado, segundo o procedimento previsto no presente capítulo, caso os elementos a atestar tenham sido estabelecidos nos termos da lei aplicável à sucessão ou de qualquer outra legislação aplicável a elementos específicos. Utilizará o formulário estabelecido de acordo com o procedimento consultivo a que se refere o artigo 81.°, n.° 2.

A autoridade emissora não pode emitir o certificado, nomeadamente:

a)      Se os elementos a certificar forem objeto de contestação; ou

b)      Se o certificado não estiver em conformidade com uma decisão relativa aos mesmos elementos.

[…]»

11.      O artigo 69.° («Efeitos do certificado») refere:

«1.      O certificado produz efeitos em todos os Estados‑Membros sem necessidade de recurso a qualquer procedimento.

2.      Presume‑se que o certificado comprova com exatidão os elementos estabelecidos nos termos da lei aplicável à sucessão ou de qualquer outra legislação aplicável a determinados elementos. Presume‑se que quem o certificado mencionar como herdeiro, legatário, executor testamentário ou administrador da herança tem a qualidade mencionada no certificado e/ou é titular dos direitos ou dos poderes indicados no certificado e que não estão associadas a esses direitos ou poderes outras condições e/ou restrições para além das referidas no certificado.

3.      Quem, agindo com base nas informações atestadas num certificado, efetuar pagamentos ou entregar bens a outra pessoa mencionada no certificado como estando habilitado a aceitar pagamentos ou bens, é considerada como tendo efetuado a transação com uma pessoa habilitada a aceitar pagamentos ou bens, a menos que tenha conhecimento de que o conteúdo do certificado não é exato ou ignore tal inexatidão devido a negligência grosseira.

4.      Caso uma pessoa mencionada no certificado como estando habilitada a dispor de bens da sucessão disponha desses bens a favor de outra pessoa, considera‑se que esta última, se agir com base nas informações atestadas no certificado, efetuou uma transação com a pessoa habilitada a dispor dos bens em causa, a menos que tenha conhecimento de que o conteúdo do certificado não é exato ou ignore tal inexatidão devido a negligência grosseira.

5.      O certificado constitui um documento válido para a inscrição de bens da sucessão no registo competente de um Estado‑Membro, sem prejuízo do disposto no artigo 1.°, n.° 2, alíneas k) e l).»

B.      Regulamento de Execução n.° 1329/2014 (5)

12.      O artigo 1.°, n.° 5, prevê:

«O formulário a utilizar para o certificado sucessório europeu referido no artigo 67.°, n.° 1, do Regulamento (UE) n.° 650/2012 é indicado no anexo 5 como formulário V.»

13.      Na parte final do formulário V do anexo 5 indica‑se que a autoridade deve certificar «que, no momento da emissão [do certificado], nenhuma das menções nele contidas foi contestada pelos beneficiários».

II.    Matéria de facto, processos e questões prejudiciais

14.      P. T., cidadão francês e com última residência na Alemanha, morreu em 15 de setembro de 2021.

15.      Em 23 de novembro de 2021, E.V.G.‑T., esposa de P. T. à data do óbito deste, pediu ao Amtsgericht Lörrach (Tribunal de Primeira Instância de Lörrach, Alemanha), um certificado sucessório europeu do qual em que constasse como única herdeira (6).

16.      Para este efeito, exibiu um testamento, assinado pelos dois cônjuges, com o seguinte teor:

«Testamento de mão comum

Nós, os cônjuges E. G.‑T., nascida em […] e P. T., nascido em […], ambos residentes em […], declaramos o seguinte:

1)      Não estamos vinculados por disposições anteriores em matéria sucessória e não adotámos quaisquer disposições em matéria sucessória. Como precaução, revogamos todas as disposições que até agora tomámos unilateralmente ou em conjunto.

2)      Nomeamo‑nos mutuamente como únicos herdeiros. Esta nomeação como herdeiros é feita de forma recíproca e vinculativa. Quanto ao resto, o cônjuge supérstite não é limitado por esta disposição. Poderá livremente regular a sua própria sucessão, mesmo antes da morte do cônjuge premoriente, mas só para o caso de se converter em cônjuge supérstite.

3)      Residimos ambos na Alemanha e pretendemos que seja aplicado o direito sucessório alemão, que escolhemos como direito aplicável na medida em que estejamos autorizados a fazê‑lo. Esta disposição aplica‑se reciprocamente.

R., 23 de julho de 2020. E. G.‑T. Esta é também a minha vontade. P. T.»

17.      Verifica‑se que existia um testamento mais antigo, manuscrito e assinado pelo testador, que dispunha:

«Eu, P. M. J. T., nascido em […] em A., residente em […] Espanha, revogo todas as disposições mortis causa anteriores. Deixo a quota disponível da minha herança aos meus dois netos, filhos de P., N. A. J. T., nascido em […], e J. N. J. T., nascido em […]. Deve ser partilhada em partes iguais. Nomeio o meu filho P., e só ele, para organizar o meu funeral com uma missa gregoriana e o meu enterro em […] Espanha. A., 31 de maio de 2001. Este é o meu testamento. P. T.»

18.      E.V.G.‑T. considera‑se única herdeira de P. T. por força do testamento de 23 de julho de 2020. Em contrapartida, o filho e os netos de P. T. consideram que este testamento não é válido, uma vez que, quando foi redigido, o testador já não estava na posse das necessárias faculdades para o outorgar e que a assinatura não é a dele.

19.      Segundo afirma o órgão jurisdicional de reenvio, o testador ainda era capaz para outorgar testamento (7) e no testamento apresentado consta a sua assinatura (8).

20.      Neste contexto, o Amtsgericht Lörrach (Tribunal de Primeira Instância de Lörrach, Alemanha) considera que a emissão do certificado depende da interpretação do Regulamento n.° 650/2012, pelo que decidiu suspender a instância (9) e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.° 650/2012 ser interpretado no sentido de que também se refere às contestações apresentadas no próprio procedimento de emissão do certificado sucessório europeu, que o órgão jurisdicional não está autorizado a examinar, e, assim, não apenas a contestações apresentadas noutros procedimentos?

2)      Em caso de resposta afirmativa [à primeira questão]: Deve o artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.° 650/2012 ser interpretado no sentido de que um certificado sucessório europeu não pode ser emitido mesmo que tenham sido apresentadas contestações no procedimento de emissão do certificado sucessório europeu, mas estas já tenham sido examinadas no procedimento de habilitação de herdeiros nos termos do direito alemão?

3)      Em caso de resposta afirmativa [à primeira questão]: Deve o artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.° 650/2012 ser interpretado no sentido de que abrange qualquer contestação, ainda que não tenha sido apresentada de forma suficientemente fundamentada e não devam ser recolhidas provas formais a este respeito?

4)      Em caso de resposta negativa [à primeira questão]: De que forma deve o órgão jurisdicional indicar as razões que o levaram a rejeitar as contestações e a emitir o certificado sucessório europeu?»

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

21.      O pedido de decisão prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 de março de 2023.

22.      Apresentaram observações escritas os Governos Alemão e Espanhol, bem como a Comissão Europeia. Todos compareceram na audiência realizada em 31 de janeiro de 2024, bem como E.V.G.‑T.

IV.    Análise

23.      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a função da autoridade que emite certificados sucessórios europeus e sobre o alcance das competências dessa autoridade, no âmbito do artigo 67.° do Regulamento n.° 650/2012.

A.      Admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

24.      O Governo Espanhol alega que o pedido de decisão prejudicial não é admissível, uma vez que a emissão de um certificado sucessório europeu não pressupõe o exercício de uma função jurisdicional, como é exigido pelo artigo 267.° TFUE (10).

25.      A admissibilidade de um pedido de decisão prejudicial depende do facto de ser proveniente de um «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.°° TFUE, que atue precisamente no exercício das suas funções jurisdicionais (11).

26.      Para verificar se um determinado órgão reúne essas duas condições, o Tribunal de Justiça analisa, entre outros fatores, «a natureza específica das funções que exerce no contexto normativo particular em que tem de recorrer ao Tribunal de Justiça, a fim de verificar se perante esse órgão se encontra pendente um litígio e se este foi chamado a pronunciar‑se no âmbito de um processo que deva conduzir a uma decisão de caráter jurisdicional» (12).

27.      Faltando estes requisitos, não se pode considerar que o órgão jurisdicional de reenvio, mesmo que cumpra os restantes requisitos estabelecidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça, exerça uma função jurisdicional (13).

28.      A exceção de inadmissibilidade poderia ser justificada à luz das indicações do Regulamento n.° 650/2012 sobre o certificado sucessório europeu e a atividade inerente à sua emissão. Dessas indicações se infere, pelas razões que passarei a expor, que a autoridade que emite um certificado em aplicação do artigo 67.° do Regulamento n.° 650/2012 não profere, mesmo que seja um tribunal, uma decisão no termo de um processo que deva conduzir a uma decisão judicial.

1.      Finalidade e efeitos do certificado sucessório europeu

29.      O Regulamento n.° 650/2012 cria um certificado sucessório europeu ao qual atribui um regime uniforme e autónomo em relação a certificados nacionais semelhantes. Esse regime também é diferente do previsto pelo próprio regulamento para o reconhecimento de decisões judiciais e atos autênticos (14).

30.      O certificado sucessório europeu destina‑se a ser utilizado pelas pessoas que, na qualidade de herdeiros, legatários, executores testamentários ou administradores da herança, necessitem de invocar, noutro Estado‑Membro, essa qualidade, ou exercer os direitos ou poderes dela decorrentes (15). O recurso ao certificado não é, no entanto, obrigatório (16).

31.      Para colmatar essa necessidade, o certificado produz os seguintes efeitos, idênticos em toda a União: (17)

—      É utilizado para comprovar (18) os elementos que dele constam (19). Com a exibição do certificado, o seu detentor pode invocar os seus direitos ou poderes em qualquer Estado‑Membro, sem que lhe possam ser exigidas provas adicionais. Presume‑se que a qualidade mencionada no certificado, bem como a titularidade dos direitos ou dos poderes indicados, são detidas tal como dele constam (20).

—      Protege terceiros que efetuem transações com as pessoas mencionadas no certificado e que, com base nas informações nele atestadas, efetuem pagamentos, entreguem bens, adquiram ou recebam bens da sucessão, «a menos que tenha[m] conhecimento de que o conteúdo do certificado não é exato, ou ignore[m] tal inexatidão devido a negligência grosseira» (21).

—      É válido para a inscrição registral de bens da sucessão, dentro dos limites indicados pelo próprio Regulamento n.° 650/2012 segundo a interpretação do Tribunal de Justiça (22).

32.      O certificado, por si só, não tem outras consequências: em especial, não tem efeitos jurídicos vinculativos próprios de uma decisão jurisdicional (23). O considerando 71 do Regulamento n.° 650/2012 precisa, além disso, que não tem valor de título executivo.

33.      A falta de efeitos jurídicos vinculativos manifesta‑se igualmente no regime de circulação do certificado em Estados‑Membros diferentes do de emissão. O capítulo VI do Regulamento n.° 650/2012 não estabelece que possa ou deva ser «reconhecido» (24). Em conformidade com o artigo 69.°, n.° 1, «produz efeitos» sem nenhum procedimento (25). Literalmente, não existe nenhum fundamento de oposição a essa circulação (26).

2.      Atividade da autoridade que emite o certificado no âmbito do artigo 67.° do Regulamento n.° 650/2012.

34.      Nos termos do artigo 67.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 650/2012, a autoridade deve emitir sem demora o certificado, «caso os elementos a atestar tenham sido estabelecidos […]». A emissão é efetuada após a apreciação (do pedido) prevista pelo próprio regulamento no seu artigo 66.°

35.      De acordo com esta última disposição, a autoridade deve verificar as informações e declarações e os documentos e outros elementos de prova facultados pelo requerente do certificado (27).

36.      Para este efeito, o mesmo artigo 66.°: i) remete para os poderes que aquela autoridade detenha, conferidos pelo seu próprio direito (28); ii) confere‑lhe outros (29); e iii) impõe‑lhe diretamente o dever de adotar medidas que darão publicidade (circunscrita a determinados destinatários) ao pedido do certificado (30).

37.      No âmbito deste dever, a autoridade deve «ouvir as pessoas interessadas e os eventuais executores ou administradores, bem como publicar anúncios destinados a dar a outros eventuais beneficiários a oportunidade de fazerem valer os seus direitos», se o considerar necessário para confirmar elementos cuja certificação é pedida (31).

38.      Se, após a análise de todos estes elementos, a autoridade considera estabelecidos os elementos a atestar, deve emitir o certificado «sem demora», em aplicação do artigo 67.°, n.° 1, do Regulamento n.° 650/2012.

39.      Pelo contrário, se a autoridade emissora tiver dúvidas acerca desses elementos, não pode emitir o certificado. O seu conteúdo não foi estabelecido, pelo que não está apto a produzir os efeitos previstos pelo artigo 69.° do Regulamento. Não haverá emissão, igualmente, de acordo com o artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.° 650/2012, se os elementos a certificar forem objeto de contestação (32).

40.      A função da autoridade emissora não é meramente passiva: não consiste em receber declarações de factos ou declarações de vontade que se limita a reproduzir mecanicamente num formulário ad hoc. É obrigada a confirmar a veracidade das declarações do requerente, à luz das provas que este apresentar e, eventualmente, de outros dados que a própria autoridade recolha ou lhe sejam comunicados por outras pessoas interessadas na sucessão (33).

41.      Em contrapartida, não compete à autoridade à qual é pedido o certificado adjudicar ou determinar direitos e poderes de aspirantes à sucessão ou nela interessados resolvendo os eventuais diferendos entre eles quanto a aspetos materiais.

42.      Isto resulta do facto de as disposições do capítulo VI («Certificado sucessório europeu») do Regulamento n.° 650/2012 não atribuírem essa competência (34) às autoridades nacionais emissoras do certificado. E não se pode entender que, no contexto do seu artigo 67.°, se tenha conferido aos ordenamentos jurídicos nacionais a possibilidade de, complementando esse regulamento, atribuírem a essas autoridades a função de decisão de litígios. Esta atribuição, sem se fazer acompanhar das normas processuais, seria incoerente com a vontade de criar um regime autónomo e uniforme para a emissão do certificado (35).

43.      Caso a autoridade emissora gozasse dessa competência (de decisão de litígios), a sua atividade daria origem a uma «decisão» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, alínea g), e do capítulo IV do Regulamento n.° 650/2012. No entanto, por decisão do legislador europeu, o certificado não tem os efeitos jurídicos vinculativos, que são típicos de uma decisão jurisdicional.

3.      Comparação com certificados previstos noutros instrumentos para a cooperação judiciária

44.      O certificado sucessório europeu não é comparável às certidões previstas noutros instrumentos para a cooperação judiciária em matéria civil ou mercantil, relativamente às quais foram submetidos e decididos outros pedidos de decisão prejudicial no Tribunal de Justiça, uma vez afastadas as dúvidas sobre a sua admissibilidade.

45.      A propósito do título executivo europeu (36), o Tribunal de Justiça declarou que «o processo de certificação de uma decisão judicial como título executivo europeu é, de um ponto de vista funcional, não um processo distinto do processo judicial anterior mas a última fase deste, necessária para assegurar a sua plena eficácia, uma vez que permite ao credor proceder à cobrança do seu crédito» (37).

46.      A certificação de uma decisão judicial como título executivo europeu constitui, assim, um ato de natureza jurisdicional, e o órgão nacional encarregado de a emitir «está habilitado a submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça» (38).

47.      O mesmo acontece com o certificado previsto pelo artigo 53.° do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 (39), que assegura a circulação da decisão judicial de um Estado‑Membro noutros Estados‑Membros. A incumbência do órgão que o emite «inscreve‑se na continuidade do processo judicial anterior, assegurando a sua plena eficácia, na medida em que, na falta de certificação, a decisão judicial não pode circular livremente no espaço judiciário europeu» (40).

48.      O processo destinado à emissão de uma certidão nos termos do artigo 53.° do Regulamento n.° 1215/2012 reveste natureza jurisdicional e um órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se no âmbito de tal processo pode submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça (41).

49.      Pelo contrário, a emissão do certificado sucessório europeu, como expliquei, não pressupõe o exercício de um poder jurisdicional nem se traduz numa decisão dessa natureza (jurisdicional) com efeitos jurídicos vinculativos.

50.      A situação não é diferente quando o certificado reproduz nas suas secções o teor de uma (prévia) decisão judicial sobre o mérito da sucessão. Mesmo nesta hipótese, o certificado não corresponde a mais uma fase do processo judicial em que tenha sido proferida a decisão de mérito.

51.      Por último, o certificado sucessório europeu não é o documento no qual é transmitida a decisão dos órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro, como se fosse um passaporte para a circulação noutros Estados‑Membros, para o seu reconhecimento e eventual execução. Para este efeito, o legislador europeu já previu a certidão do artigo 46.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 650/2012, com um formulário ad hoc (o formulário I, estabelecido no anexo 1 do Regulamento de Execução n.° 1329/2014) (42).

52.      Em suma, o certificado produz efeitos em Estados‑Membros diferentes do da emissão sem necessidade de procedimento e sem possibilidade de contestação ou de controlo. Se reproduzir a decisão proferida num litígio, essa decisão beneficiaria, através do certificado, de um regime de reconhecimento não só diferente do previsto no capítulo IV mas privilegiado, cuja existência paralela não se encontra prevista em parte alguma nem tem justificação (43).

4.      Incidência das características do certificado sucessório europeu na admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

53.      A autoridade que, em aplicação do artigo 67.° do Regulamento n.° 650/2012, emite um certificado faz constar do mesmo determinados elementos relativos à sucessão, uma vez efetuada a apreciação que lhe é exigida pelo artigo 66.° do mesmo instrumento.

54.      A convicção da autoridade emissora do certificado recai sobre a veracidade dos dados apresentados pelo requerente e sobre a sua correspondência com a legislação aplicável à sucessão. Porém, como já referi, a essa autoridade não é atribuído, neste contexto, o poder de resolver os diferendos suscitados quanto ao mérito da sucessão (44).

55.      Se a autoridade emissora do certificado não pode adjudicar direitos ou poderes num processo que conduza a uma decisão com efeitos jurídicos vinculativos, não exerce, nessa matéria, funções jurisdicionais (45).

56.      A isto não obsta que, como refere o artigo 64.° do Regulamento n.° 650/2012, o órgão emissor do certificado possa ser um «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 3.°, n.° 2, e também outra autoridade competente para tratar de matérias sucessórias em conformidade com o seu direito nacional (46).

57.      O facto de a autoridade emissora do certificado sucessório europeu ser, eventualmente, um órgão jurisdicional, não significa que exerça funções jurisdicionais quando o emite. Um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro pode exercer, além das suas funções estritamente jurisdicionais, outras de natureza não jurisdicional. No âmbito destas últimas não tem legitimidade para submeter pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça (47).

58.      A referência a essa «outra» autoridade parece‑me significar que emitir o certificado sucessório europeu (em aplicação do artigo 67.° do Regulamento n.° 650/2012) não pressupõe o exercício de poder jurisdicional. De outra forma, não seria necessária a menção separada a essa autoridade, dado que o artigo 3.°, n.° 2, do referido regulamento já qualifica como órgãos jurisdicionais autoridades que formalmente não fazem parte do poder judicial, quando desempenham as funções a este inerentes (48).

59.      Não deve ser suscetível de confusão o facto de o artigo 64.° («Competência para emitir o certificado») do Regulamento n.° 650/2012 fazer uma remissão para os artigos 4.°, 7.°, 10.° e 11.° do mesmo diploma legal. A referência à competência não define a natureza (jurisdicional ou não) da intervenção da autoridade emissora (49): apenas precisa onde e a quem deve ser pedido o certificado (50).

60.      Por último, encontro apoio para esta opinião no Acórdão de 16 de novembro de 2023 (51), no qual o Tribunal de Justiça julgou improcedente o argumento de que os notários espanhóis exercem prerrogativas de poder público na qualidade de órgãos jurisdicionais porque emitem certificados sucessórios europeus (52).

61.      Considero, à luz do exposto, que deve ser declarado inadmissível o pedido de decisão prejudicial. Não obstante, para o caso de Tribunal de Justiça não partilhar esta posição, proporei uma resposta às questões que lhe foram submetidas.

B.      Primeira questão prejudicial

62.      O órgão jurisdicional de reenvio pede a interpretação do artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.° 650/2012 para esclarecer, em síntese, se no mesmo são referidas as contestações apresentadas num processo diferente do da emissão do certificado, ou se abrange também as que, na sequência do próprio pedido de certificado, sejam apresentadas por pessoas interessadas na sucessão. Neste último caso, pretende saber se compete à autoridade emissora apreciar essas contestações.

63.      A questão prejudicial é submetida num processo em que, como já se referiu, o filho e os netos do testador contestam um elemento‑chave da sucessão (a validade do próprio testamento). Na minha opinião, essa contestação determina a aplicação do artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.° 650/2012 e que não seja possível emitir o certificado.

64.      Essa impossibilidade é corroborada pela circunstância de, no formulário a utilizar para o certificado sucessório europeu em cumprimento do Regulamento de Execução n.° 1329/2014, a autoridade emissora dever fazer constar, obrigatoriamente, que nenhum dos seus elementos foi impugnado.

65.      Admito que não é possível dar uma resposta inequívoca à primeira questão prejudicial atendendo apenas ao teor do texto, dado que não especifica a instância em que são contestados os aspetos a certificar (53) e as versões linguísticas permitem diferentes entendimentos:

—      umas sugerem que a contestação (impugnação) está pendente no momento em que é pedido o certificado, o que apontaria no sentido de que ocorre noutro processo (54);

—      outras permitem pensar que a contestação se verifica na sequência do pedido de certificado e na mesma sede (55).

66.      Uma análise sistemática é um pouco mais esclarecedora. Da leitura conjunta do artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), e do artigo 65.°, n.° 3, alínea l), do Regulamento n.° 650/2012 é possível deduzir que a primeira dessas disposições abrange, desde logo, os litígios a que alude o referido artigo 65.°, isto é, litígios pendentes em sede de outra instância (56).

67.      Aponta no mesmo sentido o artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea b), que refere decisões externas ao procedimento para emissão do certificado. É razoável entender que entre essas decisões podem contar‑se as que afetam os elementos próprios do certificado sucessório posterior.

68.      À luz do artigo 67.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 650/2012, tendo a considerar que a alínea a) do seu segundo parágrafo deve incluir, igualmente, as contestações apresentadas à autoridade emissora, uma vez que, se assim não fosse, esta poderia emitir o certificado incluindo elementos «que não tenham sido estabelecidos», contrariamente ao que é exigido por essa disposição (57).

69.      O confronto da redação do artigo 65.°, n.° 3, alínea l), do Regulamento n.° 650/2012 (que refere que «não está pendente nenhum litígio quanto aos elementos a atestar») com a do artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), que utiliza, geralmente, termos mais amplos, afigura‑se‑me um argumento adicional no mesmo sentido (58).

70.      Também o objetivo do Regulamento n.° 650/2012, de um modo geral, e a finalidade do certificado sucessório europeu, concretamente, apoiam uma interpretação do artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), que abranja as contestações apresentadas na pendência do procedimento tendente à emissão do certificado.

71.      O certificado é criado para que «as sucessões com incidência transfronteiriça [...] sejam decididas de uma forma célere, fácil e eficaz» (59) Contribui, assim, para suprimir «entraves à livre circulação de pessoas que atualmente se defrontam com dificuldades para exercerem os seus direitos no âmbito de uma sucessão com incidência transfronteiriça» (60).

72.      Para atingir estes fins, o legislador europeu atribui ao certificado os efeitos jurídicos anteriormente descritos, que se produzem em Estados‑Membros diferentes do de emissão sem necessidade de recurso a um procedimento ou controlo.

73.      Na minha opinião, a essência desses efeitos, destinados não só a facilitar às pessoas diretamente interessadas as diligências relativas a uma sucessão transfronteiriça, mas também à proteção de terceiros e à segurança do tráfego jurídico em toda a União, opõe‑se a uma interpretação do artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.° 650/2012 que o restrinja a litígios pendentes à margem do procedimento aberto para a emissão do certificado.

74.      Assente esta premissa, o problema não é já a possibilidade de a autoridade chamada a aplicar o artigo 67.° do Regulamento n.° 650/2012 poder apreciar as contestações apresentadas por outros eventuais beneficiários da sucessão (61), mas sobretudo o que deve fazer quando essas contestações sejam de tal natureza que, efetivamente, ponham em causa elementos essenciais da sucessão (como acontece no presente caso, em que outros eventuais herdeiros impugnam a validade do testamento hológrafo em que se baseia o pedido do certificado).

75.      Já referi que, nesta hipótese, a autoridade nacional, simplesmente, não pode emitir o certificado (62). Chega‑se à mesma solução, insisto, se se atender ao conteúdo do formulário V previsto no anexo 5 do Regulamento de Execução n.° 1329/2014, no qual a autoridade emissora deve declarar que nenhum dos elementos do certificado foi impugnado.

76.      O artigo 66.° do Regulamento n.° 650/2012 dispõe que, no âmbito das verificações prévias à emissão do certificado, a autoridade emissora deve informar determinadas pessoas sobre o pedido, e deve ouvi‑las se o considerar necessário para estabelecer o que lhe é pedido que ateste.

77.      Se da opção de ouvir esses interessados resultar que estes recusam aceitar (como acontece no presente processo) a validade de um elemento básico do certificado, a autoridade emissora não pode proceder à sua emissão. Logicamente, e irei expô‑lo ao analisar a terceira questão prejudicial, essa recusa tem de ter algum fundamento para produzir o efeito impeditivo previsto pelo artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.° 650/2012 (63).

C.      Segunda questão prejudicial

78.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a autoridade emissora pode emitir um certificado sucessório europeu «mesmo que tenham sido apresentadas contestações no procedimento de emissão do certificado sucessório europeu, mas estas já tenham sido examinadas no procedimento de habilitação de herdeiros nos termos do direito alemão».

79.      Na minha opinião, a resposta decorre do artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea b), do Regulamento n.° 650/2012, que proíbe emitir um certificado se «não estiver em conformidade com uma decisão relativa aos mesmos elementos [os que deve atestar]».

80.      Por força desta disposição, a autoridade competente deve indeferir o pedido de certificado se o mesmo tiver de incluir afirmações incompatíveis com o decidido ou declarado por uma decisão prévia. A contrario,  se essa incompatibilidade não se verificar, a decisão prévia não obstará à emissão do certificado (64).

81.      Atendendo ao teor inequívoco da regra, bem como à sua localização sistemática, a «decisão» referida no artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea b), do Regulamento n.° 650/2012 é um ato cujo conteúdo se impõe, necessariamente, a essa autoridade (65). Por outras palavras, a autoridade emissora não pode contrariar os elementos, relativos ao conteúdo do certificado, que já tenham sido decididos numa prévia decisão respeitante a esses mesmos elementos.

82.      A decisão a que se refere esta disposição prevalece, por conseguinte, sobre a apreciação da autoridade emissora quanto aos aspetos a incluir no certificado.

83.      Nas suas observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, o Governo Alemão e a Comissão sublinham que a decisão prevista no artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea b), do Regulamento n.° 650/2012 tem que ter transitado em julgado de acordo com o direito nacional (66).

84.      A necessidade de trânsito em julgado não consta expressamente na referida disposição. Não obstante, considero que pode ser deduzida de outros dados:

—      da alínea a) do mesmo artigo, que proíbe a emissão do certificado sobre elementos objeto de contestação; e

—      da exigência prevista no artigo 65.°, n.° 3, alínea l), de declarar, ao pedir o certificado, que não está pendente nenhum litígio quanto aos elementos a atestar.

85.      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se, neste processo, o procedimento para emitir a habilitação de herdeiros nacional é suscetível de terminar com uma «decisão» para efeitos do artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea b), do Regulamento n.° 650/2012 (67).

D.      Terceira questão prejudicial

86.      Na hipótese de a resposta à primeira questão prejudicial ser afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se qualquer contestação, mesmo que não fundamentada, justifica a recusa da emissão do certificado ao abrigo do artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.° 650/2012.

87.      Esta última disposição é omissa quanto à essência daquelas contestações. Assim, infere‑se que, em princípio, a autoridade emissora teria de avaliar qualquer contestação a elementos do certificado por parte de interessados ou beneficiários na sucessão.

88.      Ora, se a contestação não se baseia em nenhum fundamento sério e, por isso, não é convincente em conformidade com a legislação aplicável, dificilmente impedirá a autoridade emissora de considerar estabelecidos os elementos a atestar, na aceção do artigo 67.°, n.° 1, do Regulamento n.° 650/2012.

89.      A recusa de emitir o documento pelo facto de se contestar, sem uma argumentação mínima, um elemento essencial do certificado, poderia frustrar o procedimento sem um motivo verdadeiro, privando indevidamente os herdeiros, legatários, executores testamentários ou administradores da herança de um instrumento eficaz para a decisão de sucessões com incidência transfronteiriça.

90.      Em contrapartida, é possível que a contestação seja apta a sugerir a essa autoridade a pertinência de posteriores investigações, em conformidade com o artigo 66.°, n.° 1, do mesmo regulamento, a fim de ratificar as informações e declarações do requerente. Só à luz das circunstâncias de cada caso é que se pode responder se assim é ou não.

E.      Quarta questão prejudicial

91.      O órgão jurisdicional de reenvio formula a sua quarta questão prejudicial para o caso de a resposta à primeira ser negativa. Se o Tribunal de Justiça, à semelhança do que proponho, der uma resposta afirmativa à primeira, não terá de se pronunciar sobre a quarta. De qualquer modo, abordarei a análise desta última.

92.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber de que forma deve indicar as razões que o levaram a rejeitar as contestações e a emitir o certificado sucessório europeu.

93.      Recordo que a autoridade emissora deve utilizar obrigatoriamente o formulário V previsto no anexo 5 do Regulamento de Execução n.° 1329/2014 (68). A utilização desse formulário permite que o certificado sucessório europeu criado num Estado‑Membro seja identificado imediatamente enquanto tal em qualquer outro.

94.      O artigo 68.° do Regulamento n.° 650/2012 estabelece informações que, transpostas para as secções correspondentes do formulário, devem constar do próprio certificado. O seu conteúdo é suscetível de variar em função das finalidades para as quais é emitido (69).

95.      O formulário V não prevê a indicação dos fundamentos que levam a autoridade emissora a considerar demonstrado o que atesta. O legislador europeu não considerou imprescindível que, para cumprir o seu objetivo, essa fundamentação constasse do certificado (70).

96.      O herdeiro, legatário, administrador ou executor da herança que necessita de utilizar o certificado não deve (na realidade, não pode) (71) acompanhar o formulário de nenhum outro documento (72).

97.      Este regime é coerente com a atividade que precede o certificado e com os efeitos por este produzidos no âmbito da gestão de uma sucessão com incidência transfronteiriça. Em aplicação dos artigos 66.° e 67.° do Regulamento n.° 650/2012, a autoridade emissora não decide sobre o mérito da sucessão, adotando uma decisão fundamentada que incorpora o certificado sucessório europeu para o seu reconhecimento noutros Estados‑Membros (73).

V.      Conclusão

98.      Atendendo ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça declare inadmissível o pedido de decisão prejudicial submetido pelo Tribunal de Primeira Instância de Lörrach (Alemanha).

Subsidiariamente, proponho que responda a este tribunal nos seguintes termos:

«O artigo 67.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento (UE) n.° 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu,

deve ser interpretado no sentido de que:

A autoridade emissora de um certificado sucessório europeu deve apreciar as contestações apresentadas no procedimento de emissão pelas pessoas interessadas na sucessão, a fim de estabelecer os elementos a atestar.

O certificado sucessório europeu não pode ser emitido incluindo elementos que sejam incompatíveis com uma decisão prévia transitada em julgado.

O certificado sucessório europeu não pode ser emitido se, no procedimento destinado à sua emissão, tiver sido contestado um elemento‑chave da própria sucessão, como a validade de um testamento, se essa contestação se considerar minimamente fundamentada ao abrigo da lei aplicável.

A autoridade emissora não é obrigada a reproduzir no certificado sucessório europeu os fundamentos em que se baseou para o emitir.»


1      Língua original: espanhol.


i      O nome do presente processo é um nome fictício. Não corresponde ao nome verdadeiro de nenhuma das partes no processo.


2      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu (JO 2012, L 201, p. 107). O Regulamento n.º 650/2012 não é aplicável à Irlanda nem à Dinamarca; a alusão feita nas presentes conclusões a «Estados‑Membros» deve ser entendida com exclusão destes dois países.


3      A seguir, referi‑lo‑ei como o «certificado» quando não for necessário distingui‑lo de outros documentos destinados à certificação.


4      Acórdãos de 1 de março de 2018, Mahnkopf (C‑558/16, EU:C:2018:138), de 21 de junho de 2018, Oberle (C‑20/17, EU:C:2018:485), de 17 de janeiro de 2019, Brisch (C‑102/18, EU:C:2019:34), de 1 de julho de 2021, Vorarlberger Landes‑ und Hypothekenbank (C‑301/20, EU:C:2021:528), de 9 de março de 2023, Registrų centras (C‑354/21, EU:C:2023:184; a seguir, Acórdão «Registrų centras»).


5      Regulamento de Execução (UE) da Comissão, de 9 de dezembro de 2014, que estabelece os formulários referidos no Regulamento n.º 650/2012 (JO 2014, L 359, p. 30).


6      Na audiência, o representante de E.V.G.‑T. explicou que a sucessão inclui bens imóveis e contas bancárias na Alemanha e noutros Estados‑Membros.


7      O órgão jurisdicional de reenvio considera que o filho e os netos de P. T. apenas alegaram que o testador se confundia de vez em quando, o que não é suficiente para pressupor a incapacidade de outorgar testamento, ou para comprovar esta objeção através de uma investigação mais pormenorizada. Para isso, seria necessário apresentar dados concretos que permitissem concluir pela existência de vícios da vontade do testador que o afetassem para que ele já não compreendesse o significado e as consequências de um testamento.


8      Foram apresentadas ao órgão jurisdicional de reenvio várias assinaturas do testador: só uma, de 1956, é diferente. Todas as posteriores são condizentes com a aposta no testamento.


9      O mandatário de E.V.G.‑T. declarara que, se se a instância fosse suspensa, apresentaria um pedido de certificado sucessório nacional. As contestações dos outros eventuais beneficiários da sucessão seriam, assim, apreciadas ao abrigo do direito nacional. Este facto explica a segunda questão do pedido de decisão prejudicial que, à data da sua apresentação ao Tribunal de Justiça, ainda era hipotética. Na audiência, confirmou‑se que o pedido fora feito, que no procedimento ninguém apresentou contestação e que o certificado nacional foi emitido em 24 de julho de 2023.


10      N.os 10 e segs. das suas observações escritas. Na audiência, o Governo alemão alegou que a questão é admissível, sublinhando a tendência do Tribunal de Justiça para uma interpretação lata do artigo 267.º TFUE. Em apoio da sua tese invocou, ainda, o Acórdão de 9 de setembro de 2021, RK (Declaração de incompetência) (C‑422/20, EU:C:2021:718). A Comissão, por sua vez, referiu que a resposta depende da questão de saber quais as competências conferidas pelas ordens jurídicas nacionais às autoridades responsáveis pela emissão do certificado sucessório europeu. Exponho a minha opinião sobre estas posições nos números seguintes; v., especialmente, as notas de pé de página 17, 23 e 49.


11      V. n.º 57 e a nota de rodapé 47 das presentes conclusões. Em matéria de sucessões, especificamente, o Despacho de 1 de setembro de 2021, OKR (Pedido de decisão prejudicial submetido por um adjunto de notário) (C‑387/20, EU:C:2021:751, n.º 21).


12      Despacho de 1 de setembro de 2021, OKR (Pedido de decisão prejudicial submetido por um adjunto de notário) (C‑387/20, EU:C:2021:751, n.º 23).


13      Loc. ult. cit., n.º 24, com outras referências.


14      Acórdãos de 21 de junho de 2018, Oberle (C‑20/17, EU:C:2018:485, n.º 46), e Registrų centras, n.º 40. O certificado sucessório europeu também não é equiparável às certidões que, noutros regulamentos para a cooperação em matéria civil e comercial, acompanham as decisões judiciais de um Estado‑Membro para efeitos do seu reconhecimento e execução noutro: infra, n.os 44 e segs.


15      Artigo 63.°, n.º 1, do Regulamento n.º 650/2012.


16      Artigo 62.°, n.º 2, do Regulamento n.º 650/2012.


17      Tanto a natureza destes efeitos como o facto de serem idênticos em qualquer Estado‑Membro obrigam a recusar a interpretação da Comissão na audiência a propósito da admissibilidade da questão prejudicial, acima reproduzida na nota de rodapé 10. Aceitá‑la significaria que o certificado sucessório europeu teria efeitos diferentes consoante o Estado‑Membro de emissão, e que, eventualmente, esses efeitos seriam os efeitos próprios de uma decisão judicial. Nada disto encontra apoio no Regulamento n.º 650/2012, bem pelo contrário, contradiz a vontade do legislador europeu de criar um regime uniforme para o certificado.


18      Artigos 63.° e 69.°, n.º 2, do Regulamento n.º 650/2012. O seu considerando 71 qualifica essa prova como «precisa»; outras versões linguísticas incluem o adjetivo correspondente também no artigo 69.°, n.º 2. O regulamento inclui regras sobre retificação, suspensão ou anulação do certificado, bem como para contestar a decisão de o emitir (ou, se for o caso, de não o fazer). Não indica, todavia, quais os meios adequados para ilidir a presunção de exatidão associada ao documento. V., infra, nota de rodapé 20.


19      Com o alcance material referido no considerando 71.


20      Artigo 69.°, n.º 1, do Regulamento n.º 650/2012. É possível proceder à impugnação de um certificado que contenha erros materiais ou que comprove elementos inexatos, a apresentar no Estado de origem do documento às autoridades mencionadas pelo próprio regulamento nos artigos 71.° e 72. Esta centralização assegura a unidade no tratamento de cada certificado sucessório europeu. Recordo que o mesmo, enquanto tal, não circula: é conservado pela autoridade emissora, que emite cópias autenticadas e se encarrega, se necessário, de informar da falta de conformidade com o original as pessoas a quem foram entregues essas cópias (artigos 70.°, n.º 1, e 71.°, n.º 3, do Regulamento n.º 650/2012).


21      Artigo 69.°, n.os 3 e 4, do Regulamento n.º 650/2012.


22      Artigo 69.°, n.º 5 e Acórdão Registrų centras.


23      A falta desta característica deveria ser argumento suficiente para contestar a posição defendida pelo Governo Alemão na audiência, em que o mesmo admitiu a necessidade, para efeitos do artigo 267.º TFUE, de a atuação do órgão jurisdicional de reenvio resultar numa decisão de natureza jurisdicional.


24      V. capítulo IV, relativo às «decisões» na aceção do artigo 3.°, n.º 1, alínea g), do Regulamento n.º 650/2012. Nos instrumentos europeus para a cooperação judiciária, o termo «reconhecimento» é reservado aos efeitos jurídicos vinculativos que são característicos das decisões de caráter jurisdicional [e, no âmbito específico das crises conjugais, de certos atos autênticos e acordos: v. capítulo IV do Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, e ao rapto internacional de crianças (reformulação) (JO 2019, L 178, p. 1); Acórdão de 15 de novembro de 2022, Senatsverwaltung für Inneres und Sport (C‑646/20, EU:C:2022:879)].


25      Também não é «aceite», como acontece, nos termos do artigo 59.° do Regulamento n.º 650/2012, com os atos autênticos de um Estado‑Membro cuja força probatória é invocada noutro. A unidade de regime e de efeitos do certificado sucessório europeu torna desnecessária essa «aceitação», que, no entanto, é aplicável a outros instrumentos.


26      Nem sequer o facto de ser manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro onde é exibido o certificado.


27      Artigo 66.°, n.º 1, do Regulamento n.º 650/2012. Atendendo aos artigos 65.° e 68.° deste regulamento, a verificação incide, em parte, sobre simples dados ou factos relativos ao falecido, ao requerente ou a outros beneficiários: v., no artigo 68.° do mesmo regulamento, as alíneas e), f), g) e h). Outras menções do certificado exigem o recurso a um silogismo, para demonstrar, por exemplo, que o direito ou o poder alegado pelo requerente é, efetivamente, a consequência prevista pela lei aplicável.


28      Artigo 66.°, n.os 1 e 3, do Regulamento n.º 650/2012.


29      Artigo 66.°, n.º 2, do Regulamento n.º 650/2012.


30      Artigo 66.°, n.º 4, do Regulamento n.º 650/2012.


31      Loc. ult. cit. A razão e a finalidade dessa «audiência» são, claramente, limitadas.


32      Quanto ao significado do termo «contestação» no artigo 67.°, n.º 1, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.º 650/2012, que varia nas diversas versões linguísticas, v. n.os 62 e segs. das presentes conclusões.


33      Quanto ao âmbito desta atividade, v. nota de rodapé 27 das presentes conclusões.


34      Nem do dispositivo processual necessário. Comparem‑se as normas «processuais» e as garantias «processuais» para a emissão do certificado (em especial, o artigo 66.°, n.º 4, do Regulamento n.º 650/2012) com as de outros regulamentos, como o Regulamento (CE) n.º 861/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, que estabelece um processo europeu para ações de pequeno montante (JO 2007, L 199, p. 1), ou o Regulamento (CE) n.º 1896/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento (JO 2006, L 399, p. 1).


35      O que justifica o seu célere regime de circulação entre Estados‑Membros.


36      Regulamento (CE) n.º 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados (JO 2004, L 143, p. 15).


37      Acórdão de 16 de junho de 2016, Pebros Servizi (C‑511/14, EU:C:2016:448, n.º 29).


38      Loc. ult. cit., n.º 30.


39      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).


40      Acórdãos de 28 de fevereiro de 2019, Gradbeništvo Korana (C‑579/17, EU:C:2019:162, n.º 39) e de 4 de setembro de 2019, Salvoni (C‑347/18, EU:C:2019:661, n.º 30).


41      Acórdãos de 28 de fevereiro de 2019, Gradbeništvo Korana (C‑579/17, EU:C:2019:162, n.º 41) e de 4 de setembro de 2019, Salvoni (C‑347/18, EU:C:2019:661, n.º 31).


42      Segundo o artigo 47.°, n.º 1, do Regulamento n.º 650/2012, não é imperativo que a decisão estrangeira seja acompanhada da certidão do artigo 46.°, n.º 3: a autoridade à qual é pedida a execução dessa decisão pode aceitar outros documentos ou mesmo dispensá‑los. Tendo em conta as menções que, em conformidade com o formulário de utilização obrigatória, constam de um certificado sucessório europeu, é improvável que seja apto para substituir aquela outra certidão.


43      Regulamentos que preveem um regime de reconhecimento e execução de decisões sem procedimento intermédio e sem que seja possível opor‑se à circulação da decisão, asseguram o direito de defesa estabelecendo eles próprios garantias processuais mínimas, que não existem no Regulamento n.º 650/2012 para a emissão do certificado sucessório europeu: v., por exemplo, as dos regulamentos referidos na nota de rodapé 34 das presentes conclusões.


44      Ou seja, quanto aos elementos a atestar ou a outros estreitamente relacionados, como, no caso dos autos, a alegada invalidade do testamento por falta de capacidade do testador ou pela falsidade da sua assinatura.


45      V. Acórdão de 23 de maio de 2019, WB (C‑658/17, EU:C:2019:444, n.º 55): «[…] Para que se considere que uma autoridade, à luz da natureza específica da sua atividade, exerce uma função de natureza jurisdicional, deve ter sido chamada a decidir um eventual litigio […]».


46      Os Estados‑Membros podem confiar, em termos gerais, a emissão de certificados sucessórios europeus a órgãos jurisdicionais e em conformidade com o disposto no artigo 72.°, n.º 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 650/2012, ou seja, na sequência de um recurso da decisão da autoridade emissora que recusa a emissão de um certificado em aplicação do artigo 67.°, que conclua que essa recusa não era justificada. O certificado emitido por um órgão jurisdicional na sequência da decisão do recurso não se confunde com essa decisão.


47      Assim foi confirmado pelo Tribunal de Justiça a propósito de reenvios prejudiciais submetidos por órgãos jurisdicionais austríacos que analisavam um pedido de inscrição no registo predial do contrato de compra e venda de um bem imóvel, [Acórdão de 14 de junho de 2001, Salzmann (C‑178/99, EU:C:2001:331)] ou decidiam relativamente às obrigações de publicidade das contas anuais e do relatório de gestão [Acórdão de 15 de janeiro de 2002, Lutz e o. (C‑182/00, EU:C:2002:19)]. No mesmo sentido, a respeito da atividade de órgãos jurisdicionais italianos relativa à homologação dos estatutos de uma sociedade [Acórdão de 19 de outubro de 1995, Job Centre (C‑111/94, EU:C:1995:340)] ou ao pedido de integração de um crédito na massa insolvente [Acórdão de 19 de abril de 2012, Grillo Star Fallimento (C‑443/09, EU:C:2012:213)]. Quanto aos órgãos jurisdicionais alemães, também não exercem funções jurisdicionais quando decidem sobre a nomeação de um liquidatário adicional para o património [Despacho de 12 de janeiro de 2010, Amiraike Berlin (C‑497/08, EU:C:2010:5)] ou sobre a inscrição no registo comercial da transferência da sede social [Despacho de 10 de julho de 2001, HSB‑Wohnbau (C‑86/00, EU:C:2001:394)].


48      V. considerando 20 do Regulamento n.º 650/2012 e Acórdão de 23 de maio de 2019, WB (C‑658/17, EU:C:2019:444, n.º 53).


49      No Acórdão de 9 de setembro de 2021, RK (Declaração de incompetência) (C‑422/20, EU:C:2021:718), o Tribunal de Justiça interpretou os artigos 6.° e 7.° do Regulamento n.º 650/2012 num processo relativo à (in)competência dos órgãos jurisdicionais alemães para emitirem um certificado de herança nacional e, eventualmente, também um certificado sucessório europeu. Na audiência, o Governo Alemão invocou o n.º 37 desse acórdão para defender que a autoridade alemã que emite um certificado sucessório europeu é um órgão jurisdicional na aceção do artigo 267.º TFUE. Na minha opinião, o acórdão limita‑se a precisar o funcionamento de uma regra prevista para decidir sobre a sucessão, que o artigo 64.° do Regulamento n.º 650/2012 alarga à emissão do certificado sucessório europeu pelos motivos que explico na nota de rodapé seguinte. Não encontro apoio nesse acórdão para deduções de outro tipo.


50      A utilização, para a emissão do certificado, dos mesmos critérios geográficos que subjazem à competência judiciária internacional assegura que a autoridade emissora, na maioria das vezes, só deve consultar a sua própria lei para verificar a correção (jurídica) dos elementos a atestar. Além disso, a regra tende a assegurar que, de um modo geral, só existirá uma autoridade emissora e, portanto, um certificado sucessório europeu; se existirem vários que, por se destinarem a diferentes fins, incluam diferentes anexos, permite a coerência entre eles. Permite também a coincidência no mesmo Estado‑Membro do órgão jurisdicional para decidir questões materiais da sucessão, e para recorrer, à luz das decisões adotadas nesse sentido, da decisão de emitir ou não um certificado sucessório europeu.


51      Processo NC (Transferência de um cartório notarial espanhol) (C‑583/21 a C‑586/21, EU:C:2023:872).


52      Indicou no n.º 50 desse acórdão que «a competência dos notários espanhóis para emitir […] os certificados sucessórios europeus também não equivale a um exercício dessas prerrogativas. Resulta […] do artigo 67.°, n.º 1, alínea a), do referido regulamento, que os referidos certificados não podem ser emitidos se os elementos a certificar forem objeto de contestação».


53      Tal também não é feito pelo formulário de utilização obrigatória, publicado como anexo 5 ao Regulamento de Execução n.º 1329/2014 nos 24 idiomas oficiais da União.


54      Assim, em espanhol, alemão e inglês: «son objeto de un recurso», «anhängig sind» e «are being challenged», respetivamente.


55      Na versão francesa, «si les éléments à certifier sont contestés», na portuguesa, «forem objeto de contestação» e na italiana, «sono oggetto di contestazione».


56      No momento em que é pedido o certificado. Por analogia de razão, o artigo 67.°, n.º 1, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.º 650/2012 deve incluir também os litígios que tenham início durante o procedimento de emissão do certificado.


57      O certificado assim emitido seria precário logo a partir da sua emissão, uma vez que, de acordo com o artigo 71.°, n.º 2, do Regulamento n.º 650/2012, deve ser suspenso ou anulado, mesmo por iniciativa da própria autoridade emissora se a legislação nacional o permitir, «caso se verifique a sua inexatidão, no todo ou em parte».


58      No artigo 65.°, n.º 3, alínea l), lê‑se «no dispute is pending», «aucun litige [… ] n’est pendant», «kein Rechtsstreit in Bezug auf den zu bescheinigenden Sachverhalt anhängig ist», «non vi sono controversie pendenti», «nu există cauze pendinte referitoare la elementele care urmează să fie atestate»; no artigo 67.°, n.º 1, segundo parágrafo, alínea a), «the elements to be certified are being challenged», «si les éléments à certifier sont contestés», «wenn Einwände gegen den zu bescheinigenden Sachverhalt anhängig sind», «gli elementi da certificare sono oggetto di contestazione», «elementele care trebuie certificate fac obiectul unei contestații».


59      Considerando 67 do Regulamento n.º 650/2012.


60      Considerando 7 do Regulamento n.º 650/2012 e Acórdão Registrų centras, n.os 41 e 42.


61      Com a finalidade limitada de formar a sua convicção sobre a veracidade do que vai atestar.


62      Neste sentido, v. Acórdão de 16 de novembro de 2023, NC (Transferência de um cartório notarial espanhol) (C‑583/21 a C‑586/21, EU:C:2023:872), cujo n.º 50 reproduzo na nota de rodapé 52 das presentes conclusões.


63      Infra, n.os 86 e segs.


64      Reitero que a emissão de um certificado sucessório europeu que reproduza o teor de uma prévia decisão judicial sobre o mérito da sucessão não deve ser suscetível de confusão sobre a natureza do documento: supra, n.os 50 a 52.


65      Não existe uma definição de «decisão» para efeitos do artigo 67.°; deduzo, por conseguinte, que retoma a do artigo 3.°, n.º 1, alínea g), do Regulamento n.º 650/2012.


66      N.os 20 e 22 das observações da Comissão («endgültige», «bestandsbeziehungsweise rechtskräftige[n]) e n.º 33 das do Governo Alemão [(«gegen die kein ordentlicher Rechtsbehelf (Artikel 42 EuErbVO) mehr eingelegt werden kann]». Na audiência, o Governo Espanhol aderiu a esta posição.


67      Segundo declarou o mandatário de E.V.G.‑T. na audiência, a certidão de habilitação de herdeiros nacional, como a emitida na Alemanha em 24 de julho de 2023, não é uma decisão transitada em julgado.


68      Artigo 67.°, n.º 1, do Regulamento n.º 650/2012 e Acórdão Registrų centras, n.º 46, que refere o de 17 de janeiro de 2019, Brisch (C‑102/18, EU:C:2019:34, n.º 30).


69      Acórdão Registrų centras, n.º 45. O formulário consiste numa capa e anexos, que são ou não obrigatórios consoante as circunstâncias do caso e a finalidade para a qual é pedido o certificado. Prevê‑se a utilização de folhas adicionais quando os dados a atestar são duplicados ou multiplicados por existir mais do que um requerente do certificado, mais do que um representante do requerente, mais do que uma disposição sucessória, mais do que um regime matrimonial, ou equivalente, do falecido, ou mais do que um herdeiro, legatário, executor testamentário ou administrador da herança.


70      Não nego que conhecer as reflexões da autoridade emissora sobre os elementos de prova apresentados pelo requerente e as contestações de outras pessoas possa ter interesse para interpor o recurso do artigo 72.°, n.º 1, do Regulamento n.º 650/2012: ao impugnar a decisão da autoridade emissora (de emitir ou não emitir o certificado) refuta‑se, indiretamente, a sua apreciação sobre a questão de saber se o seu conteúdo foi demonstrado.


71      Qualquer aditamento ao certificado faz com que deixe de existir a configuração comum, que é, precisamente, o que facilita a sua circulação em diferentes Estados‑Membros.


72      Compare‑se com o artigo 46.°, n.º 3, do Regulamento n.º 650/2012. Quem pretenda o reconhecimento num Estado‑Membro da decisão judicial de outro tem de apresentar obrigatoriamente uma cópia autêntica da decisão. Só dessa forma é possível proceder ao (limitado) controlo que, eventualmente, justificaria a recusa do reconhecimento ao abrigo do artigo 40.º


73      A certidão de decisões está prevista, como referi, no artigo 46.°, n.º 3, do Regulamento n.º 650/2012. O anexo I do Regulamento de Execução n.º 1329/2014 contem o formulário para o efeito.

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