Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62023CC0063

Conclusões do advogado-geral Richard de la Tour apresentadas em 7 de março de 2024.


ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:221

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 7 de março de 2024 ( 1 )

Processo C‑63/23

Sagrario,

Joaquín,

Prudencio

contra

Subdelegación del Gobierno en Barcelona

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 5 de Barcelona (Tribunal do Contencioso Administrativo n.o 5 de Barcelona, Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Política relativa à imigração — Direito ao reagrupamento familiar — Diretiva 2003/86/CE — Artigo 15.o, n.o 3 — Concessão de uma autorização de residência autónoma em caso de “circunstâncias particularmente difíceis” — Condições — Artigo 17.o — Exame individualizado — Direito de os familiares do requerente do reagrupamento serem ouvidos antes da adoção de uma decisão que recusa a renovação da respetiva autorização de residência — Audição de menores»

I. Introdução

1.

No presente processo, o Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 5 de Barcelona (Tribunal do Contencioso Administrativo n.o 5 de Barcelona, Espanha) submete ao Tribunal de Justiça várias questões prejudiciais a respeito da interpretação do artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar ( 2 ).

2.

Em conformidade com esta disposição, um Estado‑Membro está obrigado a conceder aos nacionais de países terceiros, familiares de um requerente do reagrupamento ( 3 ), uma autorização de residência autónoma quando estes se encontrem em «circunstâncias particularmente difíceis». O órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a natureza das circunstâncias que caracterizam essa situação e pede‑lhe, além disso, que especifique as modalidades processuais através das quais esses nacionais podem demonstrar que se encontram nessas circunstâncias.

3.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe uma mãe e os seus dois filhos menores, beneficiários de uma autorização de residência para efeitos do reagrupamento familiar, e a Subdelegación del Gobierno en Barcelona (Subdelegação do Governo em Barcelona, Espanha). Esta última recusou conceder‑lhes uma «autorização de residência de longa duração ao abrigo do reagrupamento familiar» e, por conseguinte, renovar a sua autorização de residência, em consequência da recusa de conceder uma autorização de residência de longa duração ao pai, o requerente do agrupamento ( 4 ). Foi no âmbito do recurso jurisdicional que interpuseram dessa decisão que os recorrentes no processo principal solicitaram então uma autorização de residência autónoma, na aceção do artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86.

4.

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se as circunstâncias em que se encontram os recorrentes no processo principal podem ser qualificadas de «particularmente difíceis», na aceção do referido artigo, pelo facto de dizerem respeito a filhos menores ou pelo facto de os familiares perderem a autorização de residência por razões alheias à sua vontade.

5.

Nas presentes conclusões, indicarei as razões pelas quais considero que nenhuma destas situações é suficiente, por si só, para demonstrar a existência de «circunstâncias particularmente difíceis». Com efeito, entendo que tal condição exige que se demonstre que os nacionais de países terceiros em causa têm de fazer face, devido a fatores familiares, a circunstâncias que, pela sua natureza, apresentam um elevado grau de gravidade ou de penosidade ou que os expõem a um elevado grau de precariedade ou de vulnerabilidade, criando para eles uma necessidade real da proteção proporcionada pela concessão de uma autorização de residência autónoma. No caso vertente, as circunstâncias evocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não me parecem ter essas características.

6.

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que especifique as garantias processuais de que dispõem os familiares, em especial os filhos menores, antes da adoção de uma decisão que recusa a renovação da sua autorização de residência, bem como os meios de que dispõem para demonstrar a existência de «circunstâncias particularmente difíceis» para efeitos de obtenção de uma autorização de residência autónoma.

7.

A este respeito, explicarei as razões pelas quais a autoridade nacional competente deve, antes de adotar essa decisão, proceder a um exame individualizado do pedido de renovação da autorização de residência, na aceção do artigo 17.o da Diretiva 2003/86, no decurso do qual os familiares em causa tenham tido a possibilidade de dar a conhecer, de forma útil e efetiva, todas as informações que consideram pertinentes para a sua situação. Acrescentarei ainda que, em conformidade com jurisprudência constante, quando o pedido é apresentado por um filho menor, cabe aos Estados‑Membros tomar todas as medidas adequadas para dar a essa criança uma oportunidade real e efetiva de ser ouvida, em função da sua idade ou do seu grau de maturidade.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Diretiva 2003/86

8.

A Diretiva 2003/86 estabelece as condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar de que beneficiam os nacionais de países terceiros que residem legalmente no território dos Estados‑Membros.

9.

Os considerandos 2, 4, 6, 11 e 15 desta diretiva enunciam:

«(2)

As medidas relativas ao agrupamento familiar devem ser adotadas em conformidade com a obrigação de proteção da família e do respeito da vida familiar consagrada em numerosos instrumentos de direito internacional. A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, designadamente, no artigo 8.o da Convenção […] para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais [ ( 5 )] e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [ ( 6 )].

[…]

(4)

O reagrupamento familiar é um meio necessário para permitir a vida em família. Contribui para a criação de uma estabilidade sociocultural favorável à integração dos nacionais de países terceiros nos Estados‑Membros, o que permite, por outro lado, promover a coesão económica e social, que é um dos objetivos fundamentais da [União Europeia] consagrado no Tratado.

[…]

(6)

A fim de assegurar a proteção da família e a manutenção ou a criação da vida familiar, é importante fixar, segundo critérios comuns, as condições materiais necessárias ao exercício do direito ao reagrupamento familiar.

[…]

(11)

O direito ao reagrupamento familiar deverá ser exercido na necessária observância dos valores e princípios reconhecidos pelos Estados‑Membros, designadamente dos direitos das mulheres e das crianças […]

[…]

(15)

Deve ser promovida a integração dos membros da família. Para o efeito, estes últimos devem ter acesso a um estatuto independente do requerente do reagrupamento, em particular em caso de rutura de laços familiares, e à educação, ao emprego e à formação profissional nas mesmas condições que o requerente, nos termos relevantes.»

10.

Integrado no capítulo VI da referida diretiva, intitulado «Entrada e residência dos familiares», o artigo 13.o, n.o 3, prevê:

«O prazo de validade das autorizações de residência concedidas aos familiares não excede, em princípio, a data de validade da autorização de residência de que é titular o requerente do reagrupamento.»

11.

Neste capítulo, o artigo 15.o da Diretiva 2003/86 tem a seguinte redação:

«1.   O mais tardar após cinco anos de residência, e desde que não tenha sido concedida ao familiar autorização de residência por motivo distinto do reagrupamento, o cônjuge do requerente do reagrupamento, ou a pessoa que com ele mantém uma união de facto, e os filhos que tiverem atingido a maioridade terão direito, mediante pedido se exigido, a uma autorização de residência autónoma, independente da autorização de residência do requerente do reagrupamento.

Os Estados‑Membros podem restringir a concessão da autorização de residência, a que se refere o primeiro parágrafo, ao cônjuge ou à pessoa que com ele mantém uma união de facto, em caso de rutura dos laços familiares.

2.   Os Estados‑Membros podem conceder uma autorização de residência autónoma aos filhos maiores e aos ascendentes diretos a quem se aplica o n.o 2 do artigo 4.o

3.   Em caso de viuvez, divórcio, separação ou óbito de ascendentes ou descendentes diretos em primeiro grau, poderá ser concedida, mediante pedido se exigido, uma autorização de residência autónoma a pessoas admitidas ao abrigo do reagrupamento familiar. Os Estados‑Membros devem aprovar disposições que garantam a concessão de uma autorização de residência autónoma sempre que se verifiquem circunstâncias particularmente difíceis.

4.   As condições relativas à concessão e ao prazo de validade da autorização de residência autónoma são estabelecidas pela legislação nacional.»

12.

No capítulo VII desta diretiva, intitulado «Sanções e recursos», o artigo 16.o, n.o 3, enuncia:

«Os Estados‑Membros podem retirar ou não renovar autorização de residência de um familiar quando tiver expirado o direito de residência do requerente do reagrupamento e o familiar não beneficiar ainda do direito a uma autorização de residência autónoma, nos termos do artigo 15.o»

13.

Constante do mesmo capítulo, o artigo 17.o da referida diretiva dispõe:

«Em caso de indeferimento de um pedido, de retirada ou não renovação de uma autorização de residência, bem como de decisão de afastamento do requerente do reagrupamento ou de familiares seus, os Estados‑Membros devem tomar em devida consideração a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa e o seu tempo de residência no Estado‑Membro, bem como a existência de laços familiares, culturais e sociais com o país de origem.»

2. Orientações

14.

A Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de 3 de abril de 2014, sobre as orientações para a aplicação da Diretiva 2003/86/CE, relativa ao direito ao reagrupamento familiar ( 7 ), inclui um ponto 5.3, intitulado «Acesso a uma autorização de residência autónoma», cujo terceiro parágrafo tem a seguinte redação:

«O artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, estabelece que os [Estados‑Membros] devem conceder uma autorização de residência autónoma a pessoas admitidas ao abrigo do reagrupamento familiar sempre que se verifiquem circunstâncias particularmente difíceis. Os [Estados‑Membros] devem aprovar disposições no direito nacional para este efeito. As circunstâncias particularmente difíceis têm de ser sido provocadas pela situação ou pela rutura familiar e não por problemas de outra ordem. Entre os exemplos de circunstâncias particularmente difíceis contam‑se, a violência doméstica contra mulheres e crianças, certas situações de casamentos forçados, riscos de mutilação genital feminina ou casos em que a pessoa em questão se encontraria numa situação familiar particularmente difícil se fosse obrigada a regressar ao país de origem.»

B.   Direito espanhol

15.

O artigo 19.o da Ley Orgánica 4/2000 sobre derechos y libertades de los extranjeros en España y su integración social (Lei Orgânica 4/2000, relativa a Direitos e Liberdades dos Estrangeiros em Espanha e à Sua Integração Social) ( 8 ), de 11 de janeiro de 2000, na versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:

«1.   A autorização de residência para reagrupamento familiar de que beneficiam o cônjuge e os filhos reagrupados quando atingem a idade ativa confere‑lhes o direito de trabalhar sem que seja necessário proceder a outras diligências administrativas.

2.   O cônjuge que beneficia do reagrupamento pode obter uma autorização de residência independente quando disponha de recursos financeiros suficientes para prover ao seu próprio sustento.

No caso de o cônjuge beneficiário do reagrupamento ser vítima de violência de género, pode obter uma autorização de residência e de trabalho independente sem ter de preencher a condição anterior, desde que tenha sido emitida uma ordem de proteção a seu favor ou, na sua falta, um relatório do Ministerio Fiscal [Ministério Público, Espanha] que indique a existência de indícios de violência de género.

3.   Os filhos beneficiários do reagrupamento familiar podem obter uma autorização de residência independente quando atinjam a maioridade e disponham de recursos financeiros suficientes para prover ao seu próprio sustento.

4.   A forma e o montante dos recursos financeiros considerados suficientes para permitir aos familiares reagrupados obter uma autorização independente são determinados por regulamento.

5.   Em caso de morte do requerente do reagrupamento, os familiares reagrupados podem obter uma autorização de residência independente em condições a determinar.»

16.

O artigo 59.o do Real Decreto 557/2011 por el que se aprueba el Reglamento de la Ley Orgánica 4/2000, sobre derechos y libertades de los extranjeros en España y su integración social, tras su reforma por Ley Orgánica 2/2009 (Decreto Real 557/2011, que aprova o Regulamento da Lei Orgânica 4/2000, relativa a Direitos e Liberdades dos Estrangeiros em Espanha e à sua Integração Social, após a sua reforma pela Lei Orgânica 2/2009) ( 9 ), de 20 de abril de 2011, com a epígrafe «Residência dos familiares reagrupados independentemente da residência do requerente do reagrupamento», prevê:

«1.   O cônjuge ou parceiro beneficiário do reagrupamento familiar pode obter uma autorização de residência e de trabalho independente se preencher uma das seguintes condições e não tiver dívidas ao fisco ou à segurança social:

a)

dispor de recursos financeiros suficientes para que lhe seja concedida uma autorização de residência temporária sem exercer uma atividade económica.

b)

ter um ou mais contratos de trabalho, a partir do momento do pedido, que prevejam uma remuneração não inferior ao salário mínimo interprofissional mensal reportado ao dia útil de trabalho ou ao que resultar da convenção coletiva aplicável.

c)

preencher as condições para a concessão de uma autorização de residência temporária e de trabalho independente.

[…]

2.   Além disso, o cônjuge ou o parceiro pode obter uma autorização de residência e de trabalho independente nos seguintes casos:

a)

Quando se verifique rutura da relação conjugal estava na origem da residência, devido a separação judicial, divórcio ou anulação do registo, ou a cessação da vida de casal, desde que demonstre a vida comum em Espanha com o cônjuge ou o parceiro requerente do reagrupamento durante, pelo menos, dois anos.

b)

Quando a mulher for vítima de violência de género, a partir do momento em que tenha sido emitida uma ordem judicial de proteção a seu favor ou, na sua falta, quando exista um relatório do Ministério Público que indique a existência de indícios de violência de género. O mesmo se aplica no caso de o cônjuge ou o companheiro ter sido vítima de um crime devido a um comportamento violento no seio da família, desde que exista uma ordem judicial de proteção a favor da vítima ou, na sua falta, um relatório do Ministério Público que indique a existência de um comportamento violento no seio da família.

O tratamento dos pedidos apresentados ao abrigo do presente número tem caráter prioritário e a duração da autorização de residência e de trabalho independente é de cinco anos.

c)

Em caso de morte do requerente do reagrupamento.

3.   Nos casos previstos no número anterior, quando, para além do cônjuge ou do parceiro, outros familiares tiverem beneficiado do reagrupamento familiar, estes últimos conservam a autorização de residência concedida e dependem, para efeitos de renovação da autorização de residência para reagrupamento familiar, do familiar com quem vivem.

4.   Os filhos e os menores cujo representante legal seja o requerente do agrupamento obtêm uma autorização de residência independente quando atinjam a maioridade e possam provar que se encontram numa das situações descritas no n.o 1 do presente artigo, ou quando atinjam a maioridade e tenham residido em Espanha durante cinco anos.

[…]»

17.

O artigo 61.o do Decreto Real 557/2011, com a epígrafe «Renovação das autorizações de residência para reagrupamento familiar», enuncia no seu n.o 3:

«Para a renovação de uma autorização de residência para reagrupamento familiar devem estar preenchidas as seguintes condições:

a)

Quanto ao beneficiário do reagrupamento familiar:

1)

deve ser titular de uma autorização de residência para reagrupamento familiar em vigor ou estar dentro no prazo de noventa dias de calendário após o termo dessa autorização.

2)

a relação familiar ou de parentesco ou a existência da união de facto com base nas quais a autorização de renovação foi concedida devem manter‑se.

[…]

b)

Quanto ao requerente do agrupamento:

1)

deve ser titular de uma autorização de residência em vigor ou estar dentro do prazo de noventa dias de calendário após o termo dessa autorização.

[…]»

18.

Nos termos do n.o 4 da primeira disposição adicional do Decreto Real 557/2011:

«Por proposta do chefe da Secretaría de Estado de Inmigración y Emigración [Secretaria de Estado da Imigração e Emigração, Espanha], visto o relatório do chefe da Secretaría de Estado de Seguridad [Secretaria de Estado da Segurança, Espanha] e, se for caso disso, dos chefes das Subsecretarías de Asuntos Exteriores y de Cooperación y de Política Territorial y Administración Pública [Subsecretarias dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação e da Política Territorial e Administração Pública, Espanha], o Consejo de Ministros [Conselho de Ministros, Espanha] pode, quando circunstâncias de ordem económica, social ou profissional o justifiquem e em casos não regulamentados de especial interesse, após informação e consulta da Comisión Laboral Tripartita de Inmigración [Comissão do Trabalho Tripartida da Imigração, Espanha], emitir instruções para efeitos de concessão de títulos de residência temporária e/ou de trabalho, que poderão estar associadas a um período, a um posto de trabalho ou a um local, consoante os termos [destas] instruções, ou de autorizações de residência […] De igual modo, o chefe da Secretaria de Estado da Imigração e Emigração, com base num relatório do Chefe da Secretaria de Estado da Segurança, pode conceder autorizações individuais de residência temporária em caso de circunstâncias excecionais não previstas no presente regulamento.»

III. Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

19.

Os três recorrentes no processo principal, uma mãe e os seus dois filhos menores, eram titulares de uma autorização de residência para reagrupamento familiar, sendo o requerente do reagrupamento o seu marido e pai dos dois filhos.

20.

Resulta da decisão de reenvio que, em 22 de abril de 2021, os quatro familiares apresentaram um pedido de «autorização de residência de longa duração para reagrupamento familiar».

21.

Por Decisão de 27 de maio de 2021, a autoridade nacional competente indeferiu o pedido do requerente do agrupamento devido à existência de antecedentes criminais.

22.

Seguidamente, por Decisão de 22 de junho de 2021, esta autoridade indeferiu os pedidos apresentados pelos recorrentes no processo principal com base no artigo 61.o do Decreto Real 557/2011. Como a sua epígrafe indica, este artigo enuncia as condições relativas à renovação das autorizações de residência para reagrupamento familiar. Na medida em que o requerente do reagrupamento já não era titular de uma autorização de trabalho e/ou de residência, o seu pedido não preenchia a condição enunciada no artigo 61.o, n.o 3, alínea b), ponto 1, desse decreto real.

23.

Chamado a pronunciar‑se num recurso, interposto pelos recorrentes no processo principal, destinado à anulação dessa decisão, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a referida decisão foi adotada sem que a autoridade nacional competente tenha procedido, em conformidade com o artigo 17.o da Diretiva 2003/86, a uma apreciação da natureza e da solidez dos laços familiares das pessoas em causa, do seu tempo de residência e da existência de laços familiares, culturais e sociais com o país onde residem e com o seu país de origem.

24.

Ora, segundo esse órgão jurisdicional, dado que o artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86 não especifica os casos de «circunstâncias particularmente difíceis» que justificam a concessão de uma autorização de residência autónoma aos familiares de um requerente do reagrupamento, não se pode excluir que esse conceito abranja a situação resultante da perda da autorização de residência dos familiares que beneficiam do reagrupamento por razões alheias à sua vontade, especialmente no caso de filhos menores e de pessoas que se encontram numa situação de discriminação estrutural no seu país de origem, como é o caso das mulheres originárias de certos países terceiros, nos quais as pessoas de sexo feminino estão privadas de qualquer proteção.

25.

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio observa, por um lado, que, apesar do caráter imperativo da letra do artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, o artigo 59.o do Decreto Real 557/2011 não menciona os casos de «circunstâncias particularmente difíceis» evocados na primeira disposição. Por outro lado, embora preveja a concessão de uma autorização de residência em casos excecionais não previstos na regulamentação, o n.o 4 da primeira disposição adicional do referido decreto real não parece conforme com a Diretiva 2003/86. Com efeito, a concessão de uma autorização de residência dessa natureza decorre de um poder de apreciação segundo uma interpretação ampla da referida disposição, o que não impede que as decisões relativas às autorizações de residência sejam tomadas de forma automática, e a competência a este respeito não está atribuída à administração periférica do Estado, mas à administração pública central.

26.

Por outro lado, a legislação espanhola não prevê um procedimento que permita aos interessados invocar circunstâncias individuais nem uma audição prévia dos menores, de modo que as autoridades nacionais competentes se pronunciam sem ter em conta a situação pessoal dos familiares que beneficiam do reagrupamento familiar. Por conseguinte, estes últimos encontram‑se de imediato numa situação irregular. Ora, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que estas autoridades devem, antes de adotar uma decisão em matéria de reagrupamento familiar, apreciar todas as circunstâncias particulares do caso em apreço, estando excluída qualquer decisão automática.

27.

Nestas condições, o Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 5 de Barcelona (Tribunal do Contencioso Administrativo n.o 5 de Barcelona) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Os artigos 15.o, n.o 3, in fine, e 17.o da [Diretiva 2003/86], quando fazem referência a “circunstâncias particularmente difíceis”, incluem automaticamente todas as circunstâncias nas quais seja afetado um menor e/ou as que sejam similares às previstas no mesmo artigo 15.o?

2)

Uma legislação estatal que não prevê a concessão de uma autorização de residência autónoma quando se verifiquem essas circunstâncias particularmente difíceis, que garanta que os familiares que beneficiaram de um reagrupamento familiar não fiquem em situação de irregularidade administrativa, é conforme com os artigos 15.o, n.o 3, in fine, e 17.o da [Diretiva 2003/86]?

3)

Os artigos 15.o, n.o 3, in fine, e 17.o da [Diretiva 2003/86] permitem uma interpretação no sentido de que existe esse direito a uma autorização autónoma quando os familiares que beneficiaram de um reagrupamento ficam sem autorização de residência por causas alheias à sua vontade?

4)

Uma legislação estatal que não prevê, antes da recusa de renovação da autorização de residência concedida a familiares ao abrigo do reagrupamento familiar, uma apreciação necessária e obrigatória das circunstâncias previstas no artigo 17.o da [Diretiva 2003/86] é conforme com os artigos 15.o, n.o 3, e 17.o [desta diretiva]?

5)

Uma legislação nacional que não prevê, como ato prévio à recusa ou à não renovação da autorização de residência ao abrigo do reagrupamento familiar, um ato específico de audição dos menores, nos casos em que ao requerente do reagrupamento tenha sido recusada ou não tenha sido renovada a autorização de residência, é conforme com os artigos 15.o, n.o 3, e 17.o da [Diretiva 2003/86], bem como com os artigos 6.o, n.o 1, e 8.o, n.os 1 e 2, da [CEDH] e 47.o, 24.o, 7.o e 33.o, n.o 1, da [Carta]?

6)

Uma legislação nacional que não prevê, como ato prévio à recusa ou à não renovação da autorização de residência ao cônjuge [beneficiário] do reagrupamento familiar, no âmbito do qual o mesmo possa invocar as circunstâncias previstas no artigo 17.o da [Diretiva 2003/86], a fim de solicitar que lhe seja concedida uma alternativa para manter o estatuto de residente de modo ininterrupto em relação à sua situação de residência anterior, nos casos em que ao requerente do reagrupamento tenha sido recusada ou não tenha sido renovada a autorização de residência, é conforme com os artigos 15.o, n.o 3, e 17.o da [Diretiva 2003/86], bem como com os artigos 6.o, n.o 1, e 8.o, n.os 1 e 2, da [CEDH] e 47.o, 24.o, 7.o e 33.o, n.o 1, da [Carta]?»

28.

Apresentaram observações escritas os recorrentes no processo principal, o Governo Espanhol e a Comissão Europeia. Estas partes participaram na audiência realizada em 17 de janeiro de 2024, durante a qual estas responderam igualmente às questões para resposta oral colocadas pelo Tribunal de Justiça.

IV. Análise

29.

As questões prejudiciais primeira a terceira referem‑se às condições de aplicação do artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, nos termos do qual os Estados‑Membros estão obrigados a conceder aos nacionais de países terceiros que tenham entrado num Estado‑Membro ao abrigo do reagrupamento familiar, uma autorização de residência autónoma em caso de «circunstâncias particularmente difíceis» e, em especial, ao alcance deste conceito.

30.

Em contrapartida, as questões prejudiciais quarta a sexta referem‑se às garantias processuais aplicáveis quando da adoção de uma decisão que recusa a renovação da autorização de residência dos familiares do requerente do reagrupamento. Embora o órgão jurisdicional de reenvio remeta, a este respeito, para o artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, esta disposição não se refere às condições em que um Estado‑Membro pode recusar a renovação da autorização de residência desses familiares, que é regulada pelo artigo 16.o, n.o 3, esta diretiva. Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que examine estas questões à luz deste último artigo.

A.   Condições para a concessão de uma autorização de residência autónoma com base no artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86 (questões prejudiciais primeira a terceira)

31.

Com a primeira e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio convida, em substância, o Tribunal de Justiça a esclarecer se o artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86 deve ser interpretado no sentido de que a existência de «circunstâncias particularmente difíceis» pode ser automaticamente estabelecida quando a situação diz respeito a um filho menor ou quando o familiar perde a sua autorização de residência por razões alheias à sua vontade.

32.

Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, além disso, se aquela disposição se opõe à legislação de um Estado‑Membro que não prevê a concessão de uma autorização de residência autónoma aos familiares do requerente do reagrupamento quando as circunstancias em que estes últimos se encontram não só são particularmente difíceis devido à presença de filhos menores, como dão igualmente origem a uma situação irregular, devido à recusa de renovação da sua autorização de residência.

33.

Na medida em que os argumentos expostos na audiência pelos recorrentes no processo principal demonstraram a necessidade de esclarecimentos a este respeito, formularei uma observação preliminar relativa à natureza do direito de residência conferido aos nacionais de países terceiros que entram num Estado‑Membro ao abrigo do reagrupamento familiar, com base na Diretiva 2003/86, antes de proceder à interpretação dos termos do artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, desta diretiva.

1. Observação preliminar

34.

Resulta dos considerandos 4 e 6 da Diretiva 2003/86 que esta tem por objetivo geral facilitar a integração dos nacionais de países terceiros nos Estados‑Membros, assegurando a proteção da família e, em especial, garantindo a manutenção da vida familiar através do reagrupamento familiar ( 10 ). O Tribunal de Justiça considerou que resulta deste objetivo bem como de uma leitura de conjunto dessa diretiva, nomeadamente do seu artigo 13.o, n.o 3, e do seu artigo 16.o, n.o 3, que, enquanto os familiares em causa não tiverem adquirido um direito de residência autónomo com base no artigo 15.o da referida diretiva, o seu direito de residência é um direito derivado do direito do requerente do reagrupamento em causa, que se destina a promover a sua integração ( 11 ).

35.

Ora, uma situação como a que está em causa, em que uma mãe de família e os seus filhos, que entraram num Estado‑Membro ao abrigo do reagrupamento familiar, não podem renovar a sua autorização de residência devido à caducidade da autorização de residência do pai, é uma situação normal no contexto do reagrupamento familiar, por oposição às «circunstâncias particularmente difíceis» visadas pelo legislador da União no artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86.

36.

Como o Governo Espanhol acertadamente salientou na audiência, a presença de filhos menores é uma circunstância comum e normal no contexto do reagrupamento familiar de nacionais de países terceiros. Admitir que a sua situação possa, em si mesma, inscrever‑se nas «circunstâncias particularmente difíceis», na aceção do referido artigo, violaria as finalidades da diretiva tal como expressas, uma vez que os filhos menores gozariam de um direito de residência autónomo e seriam, portanto, autorizados a permanecer no território do Estado‑Membro de acolhimento, ao passo que o seu progenitor poderia ser obrigado a abandoná‑lo.

37.

Além disso, o facto de os familiares do requerente do reagrupamento perderem a sua autorização de residência por razões alheias à sua vontade é inerente ao caráter derivado do seu direito de residência. Assim, no contexto do processo que deu origem ao Acórdão Y. Z. e o. (Fraude no reagrupamento familiar), em que os familiares de um requerente do reagrupamento perderam a sua autorização de residência na sequência de uma fraude cometida por este último de que não tinham conhecimento, o Tribunal de Justiça declarou que, tendo em conta «importância central do requerente no sistema instituído pela Diretiva 2003/86», é conforme com os objetivos prosseguidos por esta diretiva e com a lógica que lhe é subjacente que essa fraude tenha repercussões no processo de reagrupamento familiar e, em especial, afete as autorizações de residência concedidas aos familiares do requerente, mesmo que estes desconhecessem a fraude cometida ( 12 ). Estes princípios são aplicáveis por analogia a uma situação como a que está em causa, em que os familiares que entraram num Estado‑Membro ao abrigo do reagrupamento familiar não podem renovar a sua autorização de residência pelo facto de o requerente do reagrupamento ter perdido o seu direito de residência devido à prática de uma infração penal.

38.

Importa, agora, examinar em que medida a condição relativa à existência de «circunstâncias particularmente difíceis», prevista no artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da referida diretiva, pode estar preenchida.

2. Alcance do conceito de «circunstâncias particularmente difíceis», na aceção do artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86

39.

O artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86 foi concebido pelo legislador da União como uma disposição imperativa. No âmbito desta disposição, a existência de «circunstâncias particularmente difíceis» relativamente às pessoas que entraram num Estado‑Membro ao abrigo do reagrupamento familiar é a única condição material exigida para efeitos da concessão de uma autorização de residência autónoma. Ora, nem este artigo nem qualquer outra disposição desta diretiva contém uma definição do conceito de «circunstâncias particularmente difíceis» ou ilustra essas circunstâncias, ao contrário do artigo 13.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2004/38/CE ( 13 ), que se refere explicitamente aos familiares de um cidadão da União vítimas de violência doméstica. Por conseguinte, na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça remeteu para a interpretação adotada pela Comissão no ponto 5.3 das suas Orientações, que cita como exemplo de «circunstâncias particularmente difíceis» os casos de violência doméstica ( 14 ).

40.

Na audiência, o Governo Espanhol sustentou que o alcance do conceito de «circunstâncias particularmente difíceis» pode ser determinado unilateralmente pelos Estados‑Membros. Não partilho este ponto de vista. Considero, com efeito, que o conceito utilizado no artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86 deve ser considerado um conceito autónomo do direito da União. Caso contrário, se os Estados‑Membros dispusessem de uma margem de apreciação para definir essas circunstâncias, as disparidades nas regulamentações nacionais correriam o risco de comprometer o alcance e o efeito útil da obrigação que lhes é assim imposta. Além disso, impõe‑se constatar que o artigo 15.o, n.o 3, dessa diretiva não remete para o direito dos Estados‑Membros para definir o referido conceito, e isso ao contrário do artigo15.°, n.o 4, da referida diretiva. É indispensável distinguir entre estas duas disposições. O artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86 reconhece um direito a favor do familiar em causa ao exigir aos Estados‑Membros que adotem disposições que garantam a concessão de uma autorização de residência autónoma no caso de se verificarem «circunstâncias particularmente difíceis». O legislador da União enuncia assim uma condição material essencial para a concessão dessa autorização de residência. Em contrapartida, o artigo 15.o, n.o 4, dessa diretiva tem um objeto diferente, ao conferir aos Estados‑Membros a responsabilidade de definirem, no seu direito nacional, as condições em que é possível fazer valer esse direito bem como as modalidades do seu exercício, desde que respeitem o princípio da proporcionalidade bem como o objetivo e o efeito útil da referida diretiva ( 15 ).

41.

À luz destes elementos, parece‑me, portanto, necessário aplicar a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual resulta das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que uma disposição deste direito que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance deve normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme ( 16 ). Para este efeito, uma vez que a Diretiva 2003/86 não define o conceito de«circunstâncias particularmente difíceis», os termos desta diretiva devem, em conformidade com jurisprudência constante, ser interpretados de acordo com o seu sentido habitual na linguagem corrente, tendo em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte ( 17 ).

42.

Começarei a minha análise por um exame da finalidade do artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86. Com efeito, a condição relativa à existência de «circunstâncias particularmente difíceis» deve começar por ser interpretada à luz da finalidade prosseguida por esta disposição, a saber, a proteção dos familiares do requerente do reagrupamento.

43.

Recordo que, em conformidade com os considerandos 4 e 6 desta diretiva, o direito ao reagrupamento familiar visa, nomeadamente, assegurar a proteção da família garantindo a manutenção ou a criação da vida familiar no Estado‑Membro de acolhimento ( 18 ). Este direito permite, assim, garantir a cada um o direito de viver com a sua família nesse Estado‑Membro.

44.

No entanto, o referido direito não é absoluto e o legislador da União prevê restrições legítimas ao seu exercício. Assim, no considerando 2 da Diretiva 2003/86, o legislador sublinha que as medidas relativas ao reagrupamento familiar devem ser exercidas no respeito pelos direitos fundamentais consagrados, em particular, pela Carta. Por conseguinte, esses direitos devem ser exercidos no respeito pelo direito à dignidade humana, consagrado no artigo 1.o da Carta, do direito à integridade da pessoa, visado no artigo 2.o da Carta, da proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanas ou degradantes, enunciada no artigo 4.o da Carta, e dos direitos da criança, consagrados no artigo 24.o Além disso, no considerando 11 da diretiva, o legislador da União reconhece expressamente o direito de os Estados‑Membros adotarem «medidas restritivas» ao direito ao reagrupamento familiar, quando o respeito pelos valores e princípios que preconizam, nomeadamente em matéria de direitos das mulheres e das crianças, o justifique. Assim, uma autoridade nacional competente pode, com base no artigo 4.o, n.os 4 e 5, da referida diretiva, opor‑se aos pedidos de reagrupamento familiar de um cônjuge, quando este último seja obrigado a coabitar com os outros cônjuges do requerente (agregados familiares poligâmicos) ou não tenha atingido a idade mínima exigida para o efeito pelo Estado‑Membro, a fim de evitar os casamentos forçados.

45.

Considero que a medida instituída pelo legislador da União no artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86 prossegue uma finalidade idêntica, a saber, a proteção dos familiares, mas numa fase posterior do processo, quando estes últimos já entraram no território do Estado‑Membro de acolhimento ao abrigo do reagrupamento familiar. A concessão de uma autorização de residência autónoma constitui então uma medida de proteção do membro da família exposto a «circunstâncias particularmente difíceis» devido a fatores familiares ( 19 ).

46.

Daqui decorre que a concessão de uma autorização de residência autónoma com base no artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86 exige que seja demonstrada a existência de uma necessidade real de proteção dos membros da família.

47.

Uma análise dos próprios termos e do contexto em que são utilizados pelo legislador da União nesse artigo permite determinar com maior precisão o alcance da condição relativa à existência de «circunstâncias particularmente difíceis»

48.

Em primeiro lugar, na sua aceção habitual, o termo «circunstâncias» refere‑se a todos os acontecimentos, circunstâncias e relações concretas em que a pessoa ou o grupo de pessoas em causa se encontram ( 20 ). Na audiência, foi alegado que o termo «circunstâncias» deve, antes de mais, referir‑se à «situação familiar», tendo em conta o objeto e as finalidades da Diretiva 2003/86. Partilho este ponto de vista, na medida em que me parece essencial distinguir as situações abrangidas pelo âmbito de aplicação desta diretiva daquela com que se depara um nacional de um país terceiro por razões diferentes, por exemplo devido à existência de um risco de perseguição ou de ofensa grave em caso de regresso ao seu país de origem, situação esta regulada pela Diretiva 2011/95/EU ( 21 ), ou por ter sido vítima de tráfico de seres humanos, situação regulada pela Diretiva 2004/81/CE ( 22 ). Assim, nas suas Orientações, a Comissão sublinha que estas «circunstâncias particularmente difíceis»«têm de ser sido provocadas pela situação ou pela rutura familiar, e não por problemas de outra ordem» ( 23 ). No entanto, penso que seria mais correto considerar que o termo «circunstâncias» visado no artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86 se refere aos «fatores familiares». Com efeito, penso que em muitas legislações nacionais, nomeadamente fiscais e sociais, mas também na linguagem corrente, o conceito de «fatores familiares» permite ter em conta outros elementos, como a experiência familiar, a existência de conflitos nas famílias ou os comportamentos adotados por cada familiar.

49.

Em segundo lugar, o legislador da União visa circunstâncias que qualifica de «particularmente difíceis», referindo‑se a Comissão, nos seus trabalhos preparatórios, a «situações especialmente dolorosas» ( 24 ) ou a «circunstâncias difíceis» ( 25 ). Parece‑me, pois, que «circunstâncias particularmente difíceis» devem caracterizar‑se pela existência de contextos que, pela sua natureza, apresentam um elevado grau de gravidade ou de penosidade para o membro da família em causa ou que o expõem a um elevado nível de precariedade ou de vulnerabilidade e que, por isso, revestem caráter excecional.

50.

No âmbito do artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, essas circunstâncias podem ser demonstradas quando o familiar se encontra privado, de facto ou de jure, da proteção da sua família.

51.

O primeiro caso verifica‑se quando as «circunstâncias particularmente difíceis» resultam da rutura da relação familiar com o requerente do reagrupamento e da consequente perda do direito de residência do familiar. A ocorrência desse tipo de situação constitui então uma circunstância agravante, que justifica que a faculdade dos Estados‑Membros de concederem uma autorização de residência autónoma em caso de viuvez, divórcio, separação ou morte do requerente do reagrupamento, reconhecida no artigo 15.o, n.o 3, primeira frase, da diretiva, passe a ser uma obrigação na segunda frase desta disposição ( 26 ).

52.

Pode ser esse o caso quando o divórcio ou a separação expõe a pessoa em causa ao risco de deixar de poder prover à sua subsistência ou à dos seus filhos se regressar ao seu país de origem, devido ao seu estatuto social ou à situação nesse país, ou ao risco de deixar de ver os seus filhos. Tal pode igualmente acontecer, como salienta a Comissão nos seus trabalhos preparatórios ( 27 ), no caso de uma mulher viúva, divorciada ou repudiada ser sujeita a «circunstâncias difíceis» ou a «situações particularmente dolorosas» se fosse obrigada a regressar ao seu país de origem.

53.

A segunda situação verifica‑se quando as «circunstâncias particularmente difíceis» em que se encontra o familiar em causa resulta, pelo contrário, da (continuação da) sua vida familiar com o requerente do reagrupamento, o que torna inaceitável que o seu direito de residência decorra do direito de residência do requerente. Esta situação exige que o Estado‑Membro de acolhimento conceda ao nacional de um país terceiro, que reside no seu território ao abrigo do reagrupamento familiar, o direito de aí residir sem o requerente do reagrupamento, durante um período e nas condições previstas pelo seu direito nacional.

54.

Assim, é dado assente, à luz dos trabalhos preparatórios da Diretiva 2003/86 e da jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 28 ), que as mulheres vítimas de violência doméstica se encontram em «circunstâncias particularmente difíceis» na aceção do artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, desta diretiva ( 29 ). Para além dos atos de violência de que são vítimas, a gravidade da sua situação é acentuada pelo facto de estarem dependentes do autor desses atos no que diz respeito ao seu direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento. A concessão de uma autorização de residência autónoma constitui, portanto, uma medida de proteção que permite evitar que um membro da família ( 30 ) seja dissuadido de abandonar o domicílio conjugal e de apresentar uma queixa por receio de perder o seu estatuto jurídico ( 31 ). Recordo que o artigo 59.o, n.o 1, da Convenção para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e à Violência Doméstica é igualmente favorável a esta medida ( 32 ).

55.

Outras formas de violência doméstica são suscetíveis de expor o familiar, cujo estatuto de residência depende do estatuto do requerente do reagrupamento, a uma situação igualmente difícil. A violência doméstica pode ser física, sexual ou psicológica e pode assumir a forma de exploração financeira. Pode também visar a situação em que o familiar é vítima de maus‑tratos ou de negligência, de violência baseada na honra e de casamento forçado, é separado à força do seu filho, exposto ao risco de mutilação genital feminina ( 33 ) ou de aborto forçado, ou foi expulso, privando essa pessoa da possibilidade de se prover ao seu sustento e de viver no país de origem sem a ajuda de terceiros. Situações como estas tornam inaceitável a manutenção da relação de dependência que implica o direito de residência derivado e justificam a concessão de uma autorização de residência autónoma.

56.

Não é possível elaborar aqui uma lista exaustiva das «circunstâncias particularmente difíceis» a que o familiar do requerente do reagrupamento pode estar exposto. Como salientou o advogado‑geral M. Wathelet nas suas Conclusões no processo NA ( 34 ), deve tratar‑se de «circunstâncias particulares que merecem ser protegidas» ( 35 ). Estas circunstâncias podem variar de um Estado‑Membro para outro, de uma época para outra e de um caso para outro, devendo a autoridade nacional competente dispor da margem de apreciação necessária para avaliar, em cada caso individual, o grau de gravidade ou de dificuldade das circunstâncias com que a pessoa em causa se confronta ou o nível de precariedade ou de vulnerabilidade a que está exposta.

57.

À luz de todas estas considerações, entendo que o artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86 deve ser interpretado no sentido de que a condição relativa à existência de «circunstâncias particularmente difíceis» exige que se demonstre que o nacional de um país terceiro, que reside no território do Estado‑Membro de acolhimento ao abrigo do reagrupamento familiar, se confronta, devido a fatores familiares, com circunstâncias que, pela sua natureza, apresentam um grau elevado de gravidade ou de dificuldade ou que o expõem a um elevado grau de precariedade ou de vulnerabilidade, criando para ele uma necessidade real da proteção proporcionada pela concessão de uma autorização de residência autónoma.

58.

Sem prejuízo de um exame individualizado da situação, o simples facto de se tratar de filhos menores ou de os familiares do requerente do reagrupamento terem perdido a sua autorização de residência por razões alheias à sua vontade não é suficiente para estabelecer a existência de «circunstâncias particularmente difíceis», na aceção daquele artigo.

59.

Esta interpretação torna irrelevante o exame da segunda questão prejudicial.

60.

Recordo que, com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro que não prevê a concessão de uma autorização de residência autónoma aos familiares do requerente do reagrupamento, quando a situação destes últimos nesse Estado, particularmente difícil devido à presença de filhos menores, se torna igualmente irregular na sequência da recusa de renovação da sua autorização de residência.

61.

Esta questão assenta na premissa de que os recorrentes no processo principal se encontravam em «circunstâncias particularmente difíceis», na aceção do artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, daquela diretiva, por estarem em causa dois filhos menores. Ora, pelas razões que acabo de expor, esta simples circunstância não é, por si só, suficiente para dar origem ao direito a uma autorização de residência autónoma, na aceção do artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da referida diretiva. Nessa situação, os familiares do requerente do reagrupamento estão abrangidos pelas disposições da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular ( 36 ), e beneficiam dos direitos e garantias nelas contidas.

B.   Garantias processuais associadas à adoção de uma decisão de recusa de renovação da autorização de residência dos familiares do requerente do reagrupamento

62.

Com as questões prejudiciais quarta a sexta, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 17.o da Diretiva 2003/86, lido à luz dos artigos 7.o, 24.o, 33.o e 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que permite à autoridade nacional competente indeferir um pedido de renovação de uma autorização de residência, apresentado pelos familiares do requerente do reagrupamento, sem proceder previamente a um exame individualizado do seu pedido, durante o qual sejam ouvidos os familiares, em especial os filhos menores.

63.

Em conformidade com o 16.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, «[o]s Estados‑Membros podem […] não renovar autorização de residência de um familiar quando tiver expirado o direito de residência do requerente do reagrupamento e o familiar não beneficiar ainda do direito a uma autorização de residência autónoma, nos termos do artigo 15.o».

64.

No que diz respeito ao exame que cabe às autoridades nacionais competentes efetuar relativamente ao pedido de renovação da autorização de residência dos familiares, decorre do artigo 16.o, n.o 3, daquela diretiva e, em especial, da utilização dos termos «pode […] não renovar» que figuram nesta disposição, que os Estados‑Membros dispõem a este respeito de uma margem de apreciação ( 37 ). Recordo, porém, que os Estados‑Membros só podem exercer este poder discricionário em conformidade com o princípio da proporcionalidade e com o objetivo e o efeito útil da referida diretiva ( 38 ).

65.

Além disso, é dado assente que a Diretiva 2003/86, como qualquer ato de direito da União, deve ser aplicada no respeito pelos direitos fundamentais. Decorre do considerando 2 da diretiva que as medidas relativas ao agrupamento familiar devem ser adotadas em conformidade com os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos pela Carta ( 39 ) e devem, em particular, assegurar o direito ao respeito pela vida privada e familiar, garantido no artigo 7.o da Carta. De acordo com jurisprudência constante, este artigo deve igualmente ser lido em conjugação com os direitos fundamentais da criança consagrados no artigo 24.o da Carta ( 40 ).

66.

Por conseguinte, o exame do pedido de renovação da autorização de residência dos familiares do requerente do reagrupamento deve ser efetuado no respeito pelos direitos fundamentais e, em particular, pelos artigos 7.o e 24.o da Carta ( 41 ).

1. Quanto ao exame individualizado do pedido

67.

Tendo em conta as exigências acima referidas, o Tribunal de Justiça declara que as autoridades nacionais competentes devem efetuar uma apreciação equilibrada e razoável de todos os interesses em jogo ( 42 ).

68.

É neste contexto que o artigo 17.o da Diretiva 2003/86 exige claramente que a autoridade nacional competente proceda a um exame individualizado do pedido de renovação da autorização de residência apresentado por um familiar do requerente do reagrupamento ( 43 ). O objetivo deste exame é determinar se existem razões que impeçam essa autoridade de recusar a renovação da autorização de residência do familiar. Para além dos elementos expressamente referidos no artigo 17.o desta diretiva, o Tribunal de Justiça, tal como a Comissão nas suas Orientações, exige que a autoridade tenha em conta todos os elementos pertinentes do caso e que preste especial atenção aos interesses das crianças em causa e à preocupação de promover a vida familiar ( 44 ).

69.

Segundo o Tribunal de Justiça, esta apreciação deve permitir efetuar um «exame concreto da situação de cada requerente» ( 45 ). Quando o pedido de renovação da autorização de residência do familiar é indeferido devido à perda da autorização de residência do requerente do reagrupamento, entendo que esse exame deve permitir apreciar se existem motivos para que a autoridade nacional competente emita a esse familiar uma autorização de residência autónoma, nos termos do artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86. Com efeito, embora os Estados‑Membros disponham de uma margem de apreciação para recusar a renovação de uma autorização de residência ou para definir as condições aplicáveis à concessão de uma autorização de residência autónoma, esta liberdade é limitada pela obrigação de ter em conta a situação específica de um familiar que esteja exposto ou corra o risco de ser exposto a «circunstâncias particularmente difíceis» na aceção do artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, desta diretiva, e de emitir uma autorização de residência quando a situação o exigir.

70.

No caso em apreço, trata‑se de uma mãe de família acompanhada dos seus dois filhos menores, cuja «autorização de residência de longa duração ao abrigo do reagrupamento familiar» não foi concedida e cuja autorização de residência não foi, por conseguinte, renovada na sequência da recusa de concessão de uma autorização de residência de longa duração ao pai, requerente do reagrupamento. Nestas circunstâncias, a autoridade nacional competente deve ter em conta a situação familiar, em especial a solidez dos laços familiares. Deverá igualmente ter em conta o período da sua residência e a existência de laços familiares, económicos, culturais e sociais, tanto no Estado‑Membro de acolhimento como no país de origem ( 46 ), o local de nascimento destes filhos ( 47 ) e, se for caso disso, a idade com que chegaram ao Estado‑Membro de acolhimento e a circunstância de aí terem sido criados e educados. Importa igualmente ter em conta informações gerais e específicas pertinentes relativas à situação no seu país de origem, tais como as suas condições de vida, o seu estatuto social ou os aspetos culturais específicos desse país ( 48 ), uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio sublinhou o risco de discriminação estrutural a que a mãe pode estar sujeita no referido país. Por último, a referida autoridade deve ter em consideração as razões pelas quais a autorização de residência não é renovada, relacionadas com a existência de antecedentes criminais do pai de família ( 49 ).

71.

Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a decisão em causa no processo principal, por meio da qual a autoridade nacional competente recusou renovar a autorização de residência da mãe de família e dos seus dois filhos ao abrigo do reagrupamento familiar, na sequência da perda da autorização de residência do pai, é justificada à luz destas considerações ou se, à luz destas mesmas considerações, lhes deve ser emitida uma autorização de residência autónoma.

2. Quanto ao respeito pelo direito de ser ouvido

72.

A Diretiva 2003/86 não especifica se, e, em caso afirmativo, em que condições, os familiares do requerente do reagrupamento podem ser ouvidos antes da adoção de uma decisão de recusa de renovação da sua autorização de residência e, em especial, como podem invocar as circunstâncias referidas no artigo 17.o desta diretiva.

73.

No entanto, é jurisprudência constante que o direito de ser ouvido deve ser respeitado, mesmo quando a regulamentação aplicável não preveja expressamente essa formalidade, desde que essa regulamentação esteja abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União ( 50 ).

74.

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou repetidas vezes que o direito de ser ouvido em qualquer processo faz parte integrante do respeito pelos direitos de defesa, que constitui um princípio fundamental do direito da União consagrado no artigo 47.o da Carta ( 51 ). Este direito garante a todas as pessoas a possibilidade de darem a conhecer, de forma útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses ( 52 ). Ora, uma decisão de indeferimento de um pedido de renovação de uma autorização de residência é uma decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os interesses dos familiares do requerente do reagrupamento.

75.

Por conseguinte, os Estados‑Membros são obrigados a ouvir os familiares do requerente do reagrupamento antes da adoção da decisão de não renovar a sua autorização de residência ( 53 ).

76.

Embora, em conformidade com a jurisprudência constante, o direito de ser ouvido não implique necessariamente a obrigação de permitir que a pessoa em causa se exprima oralmente ( 54 ), deve, no entanto, ser‑lhe dada a possibilidade de apresentar o seu ponto de vista de forma útil e eficaz no decurso do procedimento administrativo. Assim, no âmbito de um pedido de renovação de uma autorização de residência, essa pessoa deve, antes de mais, poder apresentar todas as informações que considere pertinentes sobre a sua situação pessoal e familiar. Alguns elementos exigidos no âmbito exame individualizado previsto no artigo 17.o da Diretiva 2003/86 podem ser comprovados por documentos, como a idade dos filhos ou a duração da residência dos familiares no Estado‑Membro de acolhimento. Em contrapartida, outros elementos, como a solidez dos laços familiares, a natureza ou a importância dos laços no Estado‑Membro de acolhimento ou as condições de vida no país de origem, exigem o testemunho escrito ou oral da referida pessoa. Outras situações ainda, como as que são suscetíveis de refletir a existência de «circunstâncias particularmente difíceis», na aceção do artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, desta diretiva, podem igualmente exigir a aplicação de um procedimento específico.

77.

O direito de ser ouvido implica, em segundo lugar, que a autoridade nacional competente preste toda a atenção necessária às observações assim submetidas pelo interessado, examinando, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto e fundamentando a sua decisão de forma circunstanciada, uma vez que o dever de fundamentar uma decisão de forma suficientemente específica e concreta constitui assim o corolário do princípio do respeito pelos direitos de defesa, podendo o interessado compreender dessa forma as razões da recusa do seu pedido ( 55 ).

78.

Por último, no que se refere às modalidades de intervenção de um menor, o artigo 24.o, n.o 1, da Carta exige que as crianças possam exprimir livremente a sua opinião e que essa opinião seja tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade ( 56 ). O Tribunal de Justiça esclareceu que esta disposição não se refere à audição da criança enquanto tal, mas à possibilidade de a criança ser ouvida ( 57 ). O direito de a criança ser ouvida não exige, por conseguinte, que seja necessariamente realizada uma audição, mas sim que sejam disponibilizados a essa criança os procedimentos e as condições legais que lhe permitam exprimir livremente a sua opinião e que esta seja recolhida.

79.

O artigo 24.o, n.o 2, da Carta impõe, além disso, que a autoridade nacional competente tenha em conta o interesse superior da criança. Segundo o Tribunal de Justiça, esta disposição exige que todos os atos relativos às crianças, nomeadamente os praticados pelos Estados‑Membros ao aplicarem a referida diretiva, tenham primordialmente em conta o interesse superior da criança ( 58 ). No Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Aguirre Zarraga ( 59 ), relativo a um processo de guarda de uma criança, o Tribunal de Justiça considerou que esse interesse pode justificar que não se proceda à sua audição da criança ( 60 ). Assim, embora não deixe de constituir um direito da criança, a audição não pode constituir uma obrigação absoluta, mas deve ser objeto de uma apreciação em função das exigências ligadas ao interesse superior da criança em cada situação, em conformidade com o artigo 24.o, n.o 2, da Carta ( 61 ).

80.

Por outras palavras, quando o pedido é apresentado por uma criança menor, cabe aos Estados‑Membros tomar todas as medidas adequadas para dar a essa criança uma oportunidade real e efetiva de ser ouvida, em função da sua idade ou do seu grau de maturidade ( 62 ).

81.

Tendo em conta estes elementos, o artigo 17.o da Diretiva 2003/86 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que permite à autoridade nacional competente indeferir um pedido de renovação de uma autorização de residência, apresentado pelos familiares do requerente do reagrupamento, sem proceder previamente a um exame individualizado do seu pedido, durante o qual tenham tido a possibilidade de dar a conhecer, de forma útil e efetiva, todas as informações que consideram pertinentes para a sua situação.

82.

Quando o pedido for apresentado por uma criança menor, cabe aos Estados‑Membros tomar todas as medidas adequadas para dar a essa criança uma oportunidade real e efetiva de ser ouvida, em função da sua idade ou do seu grau de maturidade.

V. Conclusão

83.

Atendendo a todas as considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 5 de Barcelona (Tribunal do Contencioso Administrativo n.o 5 de Barcelona, Espanha) da seguinte forma:

1)

O 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar,

deve ser interpretado no sentido de que:

a condição relativa à existência de «circunstâncias particularmente difíceis» exige que se demonstre que o nacional de um país terceiro, que reside no território do Estado‑Membro de acolhimento ao abrigo do reagrupamento familiar, se confronta, devido a fatores familiares, com circunstâncias que, pela sua natureza, apresentam um grau elevado de gravidade ou de dificuldade ou que o expõem a um elevado grau de precariedade ou de vulnerabilidade, criando para ele uma necessidade real da proteção proporcionada pela concessão de uma autorização de residência autónoma;

sem prejuízo de um exame individualizado da situação, o simples facto de se tratar de filhos menores ou de os familiares do requerente do reagrupamento terem perdido a sua autorização de residência por razões alheias à sua vontade não é suficiente para estabelecer a existência de «circunstâncias particularmente difíceis», na aceção daquele artigo.

2)

O artigo 17.o da Diretiva 2003/86 deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional que permite à autoridade nacional competente indeferir um pedido de renovação de uma autorização de residência, apresentado pelos familiares do requerente do reagrupamento, sem proceder previamente a um exame individualizado do seu pedido, durante o qual tenham tido a possibilidade de dar a conhecer, de forma útil e efetiva, todas as informações que consideram pertinentes para a sua situação;

quando o pedido for apresentado por uma criança menor, cabe aos Estados‑Membros tomar todas as medidas adequadas para dar a essa criança uma oportunidade real e efetiva de ser ouvida, em função da sua idade ou do seu grau de maturidade.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2003, L 251, p. 12.

( 3 ) O artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2003/86 define o «requerente do reagrupamento» como «o nacional de um país terceiro com residência legal num Estado‑Membro e que requer, ou cujos familiares requerem, o reagrupamento familiar para se reunificarem».

( 4 ) Em resposta a um pedido de esclarecimento apresentado na audiência, os recorrentes no processo principal precisaram que a «autorização de residência de longa duração» que tinham solicitado ao abrigo do reagrupamento familiar era uma especificidade do direito espanhol que não estava prevista na Diretiva 2003/86 nem na Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44).

( 5 ) Assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950; a seguir «CEDH».

( 6 ) A seguir «Carta».

( 7 ) COM (2014) 210 final; a seguir «Orientações».

( 8 ) BOE n.o 10, 12 de janeiro de 2000, p. 1139.

( 9 ) BOE n.o 103, de 30 de abril de 2011, p. 43821; a seguir «Decreto Real 557/2011».

( 10 ) V., a este respeito, Acórdãos de 14 de março de 2019, Y. Z. e o. (Fraude no reagrupamento familiar) [C‑557/17, a seguir «Acórdão Y. Z. e o. (Fraude no reagrupamento familiar), EU:C:2019:203, n.o 47], e de 2 de setembro de 2021, État Belge (Direito de residência em caso de violência doméstica) (C‑930/19, EU:C:2021:657, n.o 83 e jurisprudência referida).

( 11 ) V. Acórdão Y. Z. e o. (Fraude no reagrupamento familiar) (n.o 47).

( 12 ) V. Acórdão Y. Z. e o. (Fraude no reagrupamento familiar) (n.o 46).

( 13 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77, e retificações nos JO 2004, L 229, p. 35, JO 2005, L 197, p. 34, e JO 2007, L 204, p. 28).

( 14 ) V. Acórdão de 2 de setembro de 2021, État belge (Direito de residência em caso de violência doméstica) (C‑930/19, EU:C:2021:657, n.o 64).

( 15 ) V. Acórdão de 2 de setembro de 2021, État belge (Direito de residência em caso de violência doméstica) (C‑930/19, EU:C:2021:657, n.os 85 a 88 e jurisprudência referida).

( 16 ) V., nomeadamente, Acórdão de 1 de agosto de 2022, Bundesrepublik Deutschland (Reagrupamento familiar com um refugiado menor) (C‑273/20 e C‑355/20, EU:C:2022:617, n.o 34 e a jurisprudência referida).

( 17 ) V. Acórdão de 30 de março de 2023, Hauptpersonalrat der Lehrerinnen und Lehrer (C‑34/21, EU:C:2023:270, n.o 41 e jurisprudência referida).

( 18 ) V. artigo 7.o e artigo 33.o, n.o 1, da Carta.

( 19 ) V., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, État belge (Direito de residência em caso de violência doméstica) (C‑930/19, EU:C:2021:657, n.os 69 e 70).

( 20 ) V. Dicionário Larousse. N. do T: na versão portuguesa, o artigo 15.o, n.o 3, segunda frase, da Diretiva 2003/86 utiliza o termo «circunstâncias», e não «situações», como acontece na versão francesa. Assim sendo, este parágrafo das Conclusões, nomeadamente a definição do termo «situações» dada pelo Dicionário Larousse, só faz sentido na respetiva versão francesa.

( 21 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO L 337, p. 9).

( 22 ) Diretiva do Conselho de 29 de abril de 2004, relativa ao título de residência concedido aos nacionais de países terceiros que sejam vítimas do tráfico de seres humanos ou objeto de uma ação de auxílio à imigração ilegal, e que cooperem com as autoridades competentes (JO L 261, p. 19).

( 23 ) V. ponto 5.3, terceiro parágrafo, das Orientações (o sublinhado é meu).

( 24 ) V. Proposta de diretiva do Conselho, relativa ao direito ao reagrupamento familiar, apresentada em 1 de dezembro de 1999 [COM(1999) 638 final], comentário ao artigo 13.o, n.o 3.

( 25 ) V. proposta alterada de diretiva do Conselho relativa ao direito ao reagrupamento familiar, apresentada em 2 de maio de 2002 [COM(2002) 225 final], comentário ao artigo 15.o

( 26 ) V. Hailbronner, K., e Klarmann, T., «Article 15», em Hailbronner, K., e Thym, D., EU Immigration and Asylum Law: A Commentary, 2 a ed, C. H. Beck, Munique, 2016, pp. 405 a 410, em especial pp. 409 e 410.

( 27 ) V. notas de rodapé 24 e 25 das presentes conclusões.

( 28 ) O Tribunal de Justiça também declarou, no âmbito do processo que deu origem ao Acórdão de 2 de setembro de 2021, État belge (Direito de residência em caso de violência doméstica) (C‑930/19, EU:C:2021:657), que o artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86 tem por objetivo proteger os membros da família vítimas de violência doméstica (n.os 69 e 70).

( 29 ) V. nota de rodapé 24 destas conclusões.

( 30 ) Tal como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou no seu histórico Acórdão de 9 de junho de 2009, Opuz v. Turquia (EC:ECHR:2009:0609JUD003340102, § 132), a violência doméstica «não diz respeito exclusivamente às mulheres. Os homens também podem ser vítimas de violência doméstica, assim como as crianças, que são frequentemente vítimas diretas ou indiretas».

( 31 ) V. Briddick, C., «Combatting or enabling domestic violence? Evaluating the residence rights of migrant victims of domestic violence in Europe», International & Comparative Law Quarterly, Cambridge University Press, Cambridge, vol. 69, no 4, 2020, pp. 1013‑1034, em especial p. 1015.

( 32 ) Convenção adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 7 de abril de 2011, e que entrou em vigor em 1er de agosto de 2014 (Série de Tratados do Conselho da Europa, n.o 210). O artigo 59.o, n.o 1, desta convenção prevê que «[a]s Partes deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para que, em caso de dissolução do casamento ou fim da relação, havendo circunstâncias particularmente difíceis, seja concedido às vítimas, cujo estatuto de residente dependa, nos termos do direito interno, do estatuto do cônjuge ou do companheiro, e o solicitem, uma autorização de residência autónoma, independentemente da duração do casamento ou da relação.» (o sublinhado é meu).

( 33 ) V. ponto 5.3, terceiro parágrafo, das Orientações.

( 34 ) C‑115/15, EU:C:2016:259.

( 35 ) V. n.o 75 das presentes conclusões.

( 36 ) JO 2008, L 348, p. 98.

( 37 ) V., por analogia, Acórdão Y. Z. e o. (Fraude no reagrupamento familiar) (n.o 51).

( 38 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 7 de novembro de 2018, C e A (C‑257/17, EU:C:2018:876, n.o 51), e de 13 de março de 2019, E. (C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 53 e jurisprudência referida).

( 39 ) V. Acórdão de 13 de março de 2019, E. (C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 53 e jurisprudência referida).

( 40 ) V. Acórdãos de 13 de março de 2019, E. (C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 55), e de 1 de agosto de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Recusa de tomada a cargo de um menor egípcio não acompanhado) (C‑19/21, EU:C:2022:605, n.o 47).

( 41 ) V. Acórdão de 13 de março de 2019, E. (C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 56 e jurisprudência referida).

( 42 ) V. Acórdãos de 13 de março de 2019, E. (C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 57), e de 14 de março de 2019, Y. Z. e o. (Fraude no reagrupamento familiar) (n.o 51 e jurisprudência referida).

( 43 ) V., por analogia, Acórdãos de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, EU:C:2006:429, n.o 64), e de 13 de março de 2019, E. (C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 58 e jurisprudência referida).

( 44 ) V., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2019, E. (C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 45).

( 45 ) V., a este respeito, Acórdão de 4 de março de 2010, Chakroun (C‑578/08, EU:C:2010:117, n.o 48), no qual o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 17.o da Diretiva 2003/86 se opõe, assim, a uma legislação nacional que permite à autoridade nacional competente indeferir um pedido de reagrupamento familiar sem proceder a um exame concreto da situação do requerente.

( 46 ) V. Acórdão Y. Z. e o. (Fraude no reagrupamento familiar) (n.o 54).

( 47 ) Resulta das observações por eles apresentadas que os recorrentes no processo principal chegaram em 2018 e que um dos filhos nasceu no Estado‑Membro de acolhimento.

( 48 ) V., neste sentido, Orientações, ponto 7, «Princípios gerais», p. 26, e, em especial, ponto 7.4, «Avaliação individual», p. 29.

( 49 ) A este respeito, remeto para o Acórdão Y. Z. e o. (Fraude no reagrupamento familiar), no qual o Tribunal considerou que as autoridades nacionais competentes podiam, no âmbito do processo que deu origem a esse acórdão, ter em conta o facto de, nas circunstâncias do caso em apreço, mãe e filho não serem, eles próprios, responsáveis pela fraude cometida pelo pai e de a desconhecerem (n.o 55).

( 50 ) V. Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Boudjlida (C‑249/13, EU:C:2014:2431, n.os 39 e 40 e jurisprudência referida).

( 51 ) V. Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Boudjlida (C‑249/13, EU:C:2014:2431, n.os 30 e 34, e jurisprudência referida).

( 52 ) V. Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Boudjlida (C‑249/13, EU:C:2014:2431, n.o 36 e jurisprudência referida).

( 53 ) É interessante salientar que, de acordo com as Orientações, para cada pedido de reagrupamento familiar, os documentos comprovativos que o acompanham e o caráter «necessário» das entrevistas e outras investigações têm de ser avaliados caso a caso, no âmbito de uma análise individual do pedido (ponto 3.2, p. 10).

( 54 ) V. Despacho de 21 de maio de 2019, Le Pen/Parlamento (C‑525/18 P, não publicado, EU:C:2019:435, n.o 66 e jurisprudência referida).

( 55 ) V. Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Boudjlida (C‑249/13, EU:C:2014:2431, n.o 38 e jurisprudência referida).

( 56 ) Esta disposição inspira‑se, segundo as Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), nomeadamente, no artigo 12.o da Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, em 20 de novembro de 1989 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 1577, p. 3, n.o 27531 (1990)], e ratificada por todos os Estados‑Membros, cuja redação é quase idêntica à do direito previsto na legislação europeia. A principal diferença entre os dois artigos encontra‑se no artigo 12.o, n.o 2, desta convenção, que, depois de reconhecer o direito de a criança exprimir a sua opinião e ser ouvida, acrescenta que «é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja diretamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional».

( 57 ) V. Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Aguirre Zarraga (C‑491/10 PPU, EU:C:2010:828, n.o 62).

( 58 ) V. Acórdão de 1 de agosto de 2022, Bundesrepublik Deutschland (Reagrupamento familiar com um refugiado menor) (C‑273/20 e C‑355/20, EU:C:2022:617, n.o 42 e jurisprudência referida).

( 59 ) C‑491/10 PPU, EU:C:2010:828.

( 60 ) V. n.o 63 desse acórdão.

( 61 ) V. n.o 64 do referido acórdão.

( 62 ) De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, deve ser qualificado de «menor», na aceção do artigo 2.o, proémio e alínea f), o nacional de um país terceiro ou o apátrida com idade inferior a 18 anos no momento da sua entrada no território de um Estado‑Membro e da apresentação do seu pedido de asilo nesse Estado, mas que, no decurso do processo de asilo, atinge a maioridade e ao qual é, posteriormente, reconhecido o estatuto de refugiado [Acórdão de 1 de agosto de 2022, Bundesrepublik Deutschland (Reagrupamento familiar com um refugiado menor) (C‑273/20 e C‑355/20, EU:C:2022:617, n.o 41 e jurisprudência referida)].

Top