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Document 62022CJ0713
Judgment of the Court (Grand Chamber) of 29 July 2024.#LivaNova plc v Ministero dell'Economia e delle Finanze and Others.#Request for a preliminary ruling from the Corte suprema di cassazione.#Reference for a preliminary ruling – Companies – Divisions of public limited liability companies – Directive 82/891/EEC – Article 3(3)(b) – Division by the formation of new companies – Concept of ‘liability … not allocated by the draft terms of division’ – Joint and several liability of those new companies for liabilities resulting from the conduct of the company being divided prior to that division.#Case C-713/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 29 de julho de 2024.
LivaNova plc contra Ministero dell'Economia e delle Finanze e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte suprema di cassazione.
Reenvio prejudicial – Sociedades – Cisões de sociedades anónimas – Sexta Diretiva 82/891/CEE – Artigo 3.°, n.° 3, alínea b) – Cisão mediante constituição de novas sociedades – Conceito de “elemento do património passivo [não] atribuído no projeto de cisão” – Responsabilidade solidária destas novas sociedades pelo passivo resultante de comportamentos da sociedade cindida anteriores a esta cisão.
Processo C-713/22.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 29 de julho de 2024.
LivaNova plc contra Ministero dell'Economia e delle Finanze e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte suprema di cassazione.
Reenvio prejudicial – Sociedades – Cisões de sociedades anónimas – Sexta Diretiva 82/891/CEE – Artigo 3.°, n.° 3, alínea b) – Cisão mediante constituição de novas sociedades – Conceito de “elemento do património passivo [não] atribuído no projeto de cisão” – Responsabilidade solidária destas novas sociedades pelo passivo resultante de comportamentos da sociedade cindida anteriores a esta cisão.
Processo C-713/22.
Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:642
*A9* Corte suprema di cassazione, prima sezione civile, Ordinanza del 03/11/2022 (25206/2019)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
29 de julho de 2024 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Sociedades — Cisões de sociedades anónimas —Sexta Diretiva 82/891/CEE — Artigo 3.o, n.o 3, alínea b) — Cisão mediante constituição de novas sociedades — Conceito de “elemento do património passivo [não] atribuído no projeto de cisão” — Responsabilidade solidária destas novas sociedades pelo passivo resultante de comportamentos da sociedade cindida anteriores a esta cisão»
No processo C‑713/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), por Decisão de 3 de novembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de novembro de 2022, no processo
LivaNova plc
contra
Ministero dell’Economia e delle Finanze,
Ministero dell’Ambiente e della Tutela del Territorio e del Mare,
Presidenza del Consiglio dei ministri,
sendo intervenientes:
SNIA SpA, colocada sob o regime de administração especial,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),
composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, E. Regan, T. von Danwitz, Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, presidentes de secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot, P. G. Xuereb (relator), I. Jarukaitis, A. Kumin, M. L. Arastey Sahún e M. Gavalec, juízes,
advogado‑geral: P. Pikamäe,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– |
em representação da LivaNova plc, por A. Auricchio, B. Nascimbene, G. C. Rizza, R. Sacchi, C. Santoro, M. Siragusa, D. Vecchi e R. Zaccà, avvocati, |
– |
em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Di Leo, P. Gentili e F. Vignoli, avvocati dello Stato, |
– |
em representação do Governo Helénico, por V. Baroutas e K. Boskovits, na qualidade de agentes, |
– |
em representação do Governo Austríaco, por A. Posch, J. Schmoll e E. Samoilova, na qualidade de agentes, |
– |
em representação da Comissão Europeia, por G. Braun, L. Malferrari e P. A. Messina, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva 82/891/CEE do Conselho, de 17 de dezembro de 1982, fundada no n.o 3, alínea g), do artigo 54.o do Tratado [CEE], relativa às cisões de sociedades anónimas (JO 1982, L 378, p. 47; EE 17, F 1, p. 111). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a LivaNova plc ao ministero dell’Economia e delle Finanze (Ministério da Economia e das Finanças, Itália), ao ministero dell’Ambiente e della Tutela del Territorio e del Mare (Ministério do Ambiente e da Tutela do Território e do Mar, Itália) (a seguir «Ministério do Ambiente») e à Presidenza del Consiglio dei ministri (Presidência do Conselho de Ministros, Itália), a respeito da declaração da responsabilidade solidária da LivaNova pelas dívidas decorrentes dos custos de saneamento e dos danos ambientais causados pela SNIA SpA, resultantes de comportamentos anteriores e posteriores à cisão desta última sociedade, da qual resultou a Sorin SpA, atual LivaNova. |
Quadro jurídico
Direito da União
Terceira Diretiva 78/855/CEE
3 |
A Terceira Diretiva 78/855/CEE do Conselho, de 9 de outubro de 1978, fundada na alínea g) do n.o 3 do artigo 54.o do Tratado [CEE] e relativa à fusão das sociedades anónimas (JO 1978, L 295, p. 36; EE 17, F 1, p. 76), foi revogada pela Diretiva 2011/35/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativa à fusão das sociedades anónimas (JO 2011, L 110, p. 1), a partir de 1 de julho de 2011. |
4 |
O artigo 1.o da Terceira Diretiva 78/855, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», previa, no seu n.o 1: «As medidas de coordenação prescritas pela presente diretiva aplicar‑se‑ão às disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas aos seguintes tipos de sociedades: […]
la società per azioni, […]» |
Sexta Diretiva 82/891/CEE
5 |
A Sexta Diretiva 82/891 foi revogada pela Diretiva (UE) 2017/1132 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, relativa a determinados aspetos do direito das sociedades (JO 2017, L 169, p. 46), a partir de 20 de julho de 2017. Os factos do litígio no processo principal são anteriores a esta última data. |
6 |
O quinto considerando da Sexta Diretiva 82/891 previa: «[…] a proteção dos interesses dos sócios e de terceiros requer uma coordenação das legislações dos Estados‑Membros no que respeita às cisões das sociedades anónimas, quando os Estados‑Membros permitam esta operação». |
7 |
Os oitavo a décimo primeiro considerandos desta Sexta Diretiva tinham a seguinte redação: «[…] os credores, obrigacionistas ou não, e os portadores de outros títulos das sociedades participantes na cisão devem ser protegidos de modo a evitar que a realização da cisão os prejudique; […] a publicidade prevista pela [Primeira Diretiva 68/151/CEE do Conselho, de 9 de março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 58.o do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1968, L 65, p. 8; EE 17, F 1, p. 3),] deve ser extensiva às operações relativas à cisão, a fim de que os terceiros dela sejam suficientemente informados; […] é necessário alargar as garantias previstas a favor dos sócios e de terceiros, no âmbito do processo de cisão, a certas operações jurídicas que têm, em certos pontos essenciais, características análogas às da cisão, a fim de que esta proteção não possa ser iludida; […] para assegurar a segurança jurídica nas relações tanto entre as sociedades participantes na cisão, como entre estas e terceiros, bem como entre os acionistas, há que limitar os casos de invalidade, estabelecendo, por um lado, que os vícios do ato sejam sanáveis, sempre que possível, e, por outro lado, um prazo breve para invocar a invalidade». |
8 |
O artigo 1.o da Sexta Diretiva 82/891 dispunha: «1. Se os Estados‑Membros permitirem a operação de cisão mediante incorporação, conforme adiante definida no artigo 2.o, de sociedades sujeitas à sua legislação e referidas no n.o 1 do artigo 1.o da [Terceira Diretiva 78/855], submeterão esta operação às disposições do capítulo I da presente diretiva. 2. Se os Estados‑Membros permitirem a operação de cisão das sociedades referidas no n.o 1 mediante constituição de novas sociedades, conforme definida no artigo 21.o, submeterão esta operação às disposições do capítulo II. […]» |
9 |
Os artigos 2.o a 20.o da Sexta Diretiva 82/891 figuram no seu capítulo I, sob a epígrafe «Cisão mediante incorporação». |
10 |
O artigo 2.o, n.o 1, desta Sexta Diretiva previa: «Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por cisão mediante incorporação a operação pela qual uma sociedade, por meio da sua dissolução sem liquidação, transfere para várias outras sociedades todo o seu património ativo e passivo, mediante a atribuição aos acionistas da sociedade cindida de ações das sociedades beneficiárias das transmissões resultantes da cisão, adiante chamadas “sociedades beneficiárias”, e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10 % do valor nominal das ações atribuídas ou, na falta de valor [n]ominal, do seu valor contabilístico.» |
11 |
O artigo 3.o da referida Sexta Diretiva enunciava: «1. Os órgãos de administração ou de direção das sociedades que participam na cisão elaborarão um projeto escrito de cisão. 2. O projeto de cisão indicará, pelo menos: […]
3.
|
12 |
O artigo 12.o da mesma Sexta Diretiva tem a seguinte redação: «1. As legislações dos Estados‑Membros devem prever um adequado sistema de proteção dos interesses dos credores das sociedades participantes na cisão, relativamente aos créditos anteriores à publicação do projeto de cisão e ainda não vencidos no momento desta publicação. 2. Para este efeito, as legislações dos Estados‑Membros devem estabelecer, pelo menos, que estes credores terão o direito de obter garantias adequadas sempre que a situação financeira da sociedade cindida, bem como a da sociedade para a qual a obrigação será transferida em conformidade com o projeto de cisão, torne essa proteção necessária e estes credores não disponham já de tais garantias. 3. Na medida em que o credor da sociedade para a qual a respetiva obrigação foi transferida, em conformidade com o projeto de cisão, não tenha obtido satisfação do seu crédito, as sociedades beneficiárias respondem solidariamente por esta obrigação. Os Estados‑Membros podem limitar esta responsabilidade ao ativo líquido atribuído a cada uma das outras sociedades, diversas daquela para a qual a obrigação foi transferida. Os Estados‑Membros podem não aplicar o disposto no presente n.o se a operação de cisão for submetida ao controlo de uma autoridade judicial, nos termos do artigo 23.o, e a maioria dos credores, representando três quartos do montante dos créditos, ou a maioria de uma categoria de credores da sociedade cindida, representando três quartos do montante dos créditos desta categoria, tiver renunciado a fazer valer esta responsabilidade solidária, em assembleia realizada nos termos do disposto no n.o 1, alínea a), do artigo 23.o […]» |
13 |
Nos termos do artigo 13.o da Sexta Diretiva 82/891: «Os portadores de títulos que não sejam ações, dotados de direitos especiais, devem beneficiar, nas sociedades beneficiárias contra as quais estes títulos podem ser invocados, nos termos do projeto de cisão, de direitos, pelo menos, equivalentes àqueles de que beneficiavam na sociedade cindida, salvo se a modificação destes direitos tiver sido aprovada por uma assembleia dos portadores desses títulos, no caso de a lei nacional prever uma tal assembleia, ou pelos portadores destes títulos individualmente, ou ainda se estes portadores tiverem o direito de obter da sociedade beneficiária o resgate dos seus títulos.» |
14 |
O artigo 17.o, n.o 1, desta Sexta Diretiva previa: «A cisão produz ipso jure e simultaneamente os seguintes efeitos:
|
15 |
No capítulo II da referida Sexta Diretiva, sob a epígrafe «Cisão mediante constituição de novas sociedades», o seu artigo 21.o, n.o 1, previa: «Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por cisão mediante constituição de novas sociedades a operação pela qual uma sociedade, por meio de uma dissolução sem liquidação, transfere para várias sociedades constituídas de novo todo o seu património ativo e passivo, mediante a atribuição aos acionistas da sociedade cindida de ações das sociedades beneficiárias e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10 % do valor nominal das ações assim atribuídas ou, na falta de valor nominal, do seu valor contabilístico.» |
16 |
Nos termos do artigo 22.o, n.o 1, da mesma Sexta Diretiva, que figura também no seu capítulo II: «Os artigos 3.o, 4.o, 5.o e 7.o os n.os 1 e 2, do artigo 8.o e os artigos 9.o a 19.o são aplicáveis, sem prejuízo dos artigos 11.o e 12.o da Diretiva n.o 68/151/CEE, à cisão mediante constituição de novas sociedades. Para efeitos desta aplicação, a expressão “sociedades participantes na cisão” designa a sociedade cindida, a expressão “sociedades participantes na cisão” designa a sociedade cindida, a expressão “sociedade beneficiária das entradas resultantes da cisão” designa cada uma das novas sociedades.» |
17 |
O artigo 25.o da Sexta Diretiva 82/891, que figura no seu capítulo IV, sob a epígrafe «Outras operações equiparadas à cisão», dispunha: «Sempre que a legislação de um Estado‑Membro permitir uma das operações referidas no artigo 1.o, sem que a sociedade cindida se extinga, são aplicáveis os capítulos I, II e III, com exceção do disposto no n.o 1, alínea c), do artigo 17.o» |
Direito italiano
18 |
O artigo 2506.o do Codice civile (Código Civil), sob a epígrafe «Formas de cisão», dispõe: «No âmbito da cisão, uma sociedade atribui a integralidade do seu património a várias sociedades, preexistentes ou constituídas de novo, ou parte do seu património, neste último caso eventualmente a uma só sociedade, e as respetivas ações ou participações aos seus acionistas ou sócios. […] A sociedade cindida pode, no âmbito da cisão, quer proceder à sua própria dissolução sem liquidação quer prosseguir a sua atividade. […]» |
19 |
O artigo 2506.o bis deste código, sob a epígrafe «Projeto de cisão», prevê: «O órgão de administração das sociedades envolvidas na cisão elabora um projeto que deve conter os dados indicados no artigo 2501.o ter, primeiro parágrafo, e a descrição exata dos elementos do património a repartir entre cada uma das sociedades beneficiárias e da eventual quantia em apreço. Se a atribuição de um elemento do ativo não puder ser deduzida do projeto, este elemento, no caso de a totalidade do património da sociedade cindida ser distribuído, é repartido entre as sociedades beneficiárias proporcionalmente à parte do património líquido atribuída a cada uma delas, avaliada para efeitos da determinação da relação de permuta; se a repartição do património da sociedade for apenas parcial, este elemento permanece no património da sociedade cindida. Relativamente aos elementos do passivo cuja atribuição não possa ser deduzida do projeto, as sociedades beneficiárias, no primeiro caso, e a sociedade cindida e as sociedades beneficiárias, no segundo caso, são solidariamente responsáveis. A responsabilidade solidária limita‑se ao valor real do património líquido atribuído a cada sociedade beneficiária. O projeto de cisão deve indicar os critérios de repartição das ações ou participações das sociedades beneficiárias. Sempre que o projeto de cisão preveja uma atribuição das participações aos sócios que não seja proporcional à sua parte de participação inicial, deve prever o direito de os sócios que não aprovam a cisão fazerem adquirir as suas participações com uma contrapartida determinada, de acordo com os critérios previstos para a retirada, e indicar aqueles a quem se impõe a obrigação de aquisição.» |
20 |
O artigo 2506.o quater do referido código, sob a epígrafe «Efeitos da cisão», dispõe, no seu último parágrafo: «Cada sociedade é solidariamente responsável, nos limites do valor real do ativo líquido que lhe foi atribuído ou que manteve, pelas dívidas da sociedade cindida que não tenham sido liquidadas pela sociedade devedora.» |
Litígio no processo principal e questão prejudicial
21 |
Em 13 de maio de 2003, a SNIA realizou uma operação de cisão, em conformidade com o direito italiano, com efeitos a partir de 2 de janeiro de 2004, através da qual transferiu uma parte do seu património, a saber, todas as participações que detinha no setor biomédico, para uma sociedade constituída de novo, a Sorin. |
22 |
O Ministério do Ambiente apresentou pedidos de indemnização contra a SNIA pelos danos ambientais alegadamente causados por esta última, no âmbito das suas atividades no setor dos produtos químicos, realizadas através das suas filiais, Caffaro e Caffaro Chimica, em três instalações industriais situadas, respetivamente, em Brescia (Itália), em Torviscosa (Itália) e em Colleferro (Itália). |
23 |
A SNIA, que foi colocada sob administração especial em 2010, intentou uma ação contra a Sorin, bem como contra o Ministério da Economia e das Finanças, o Ministério do Ambiente e a Presidência do Conselho de Ministros, no Tribunale di Milano (Tribunal de Primeira Instância de Milão, Itália), pedindo que a Sorin fosse declarada solidariamente responsável, incluindo perante essas entidades públicas, por todas as dívidas decorrentes dos custos de saneamento e dos danos ambientais, cuja responsabilidade seria imputável à SNIA antes da cisão. |
24 |
As entidades públicas recorridas pediram, por sua vez, a condenação da Sorin, solidariamente com a SNIA. |
25 |
Em 2015, a Sorin tornou‑se na LivaNova. |
26 |
Em 1 de abril de 2016, o Tribunale di Milano (Tribunal de Primeira Instância de Milão) julgou improcedentes todos os pedidos apresentados pelas entidades públicas recorridas. Estas entidades interpuseram recurso da sentença desse órgão jurisdicional. |
27 |
Por Acórdão não definitivo de 5 de março de 2019, a Corte d’appello di Milano (Tribunal de Recurso de Milão, Itália) reconheceu a existência de um nexo de causalidade entre as atividades exercidas pela SNIA e as suas filiais, por um lado, e a poluição dos terrenos em causa, por outro. Em seguida, constatou que, enquanto proprietária desses terrenos e das respetivas instalações, gestora direta e sociedade‑mãe das empresas que operavam nos referidos terrenos, a SNIA era responsável por uma intensa atividade de exploração do ambiente que prosseguiu, nas três instalações industriais em causa, durante quase um século, com consequências extremamente graves em matéria de poluição. Como resulta do acórdão desse órgão jurisdicional, a SNIA admitiu a sua responsabilidade por esses factos. |
28 |
Os factos que deram origem à responsabilidade da SNIA eram cronologicamente anteriores a 13 de maio de 2003, data em que foi realizada a operação de cisão em causa no processo principal. Por conseguinte, a Corte d’appello di Milano (Tribunal de Recurso de Milão) reconheceu a responsabilidade solidária da LivaNova, limitada aos ativos transferidos, em conformidade com o artigo 2506.o bis, terceiro parágrafo, do Código Civil, com o fundamento de que as dívidas decorrentes dos custos de saneamento e dos danos ambientais constituíam elementos do passivo da SNIA, conhecidos, mas cuja atribuição não podia ser deduzida do projeto de cisão em causa. |
29 |
Além disso, a Corte d’appello di Milano (Tribunal de Recurso de Milão) ordenou o prosseguimento do processo para determinar, através de perícia, a extensão exata da poluição nas três instalações industriais em causa, as medidas de reabilitação do ambiente necessárias e o montante exato dos custos de saneamento e dos danos ambientais correspondentes. |
30 |
Por Acórdão definitivo de 12 de novembro de 2021, a Corte d’appello di Milano (Tribunal de Recurso de Milão), em aplicação do artigo 2506.o bis, terceiro parágrafo, do Código Civil, condenou a LivaNova, até ao limite dos ativos transferidos, a reembolsar os custos de saneamento e os danos ambientais causados pelas atividades das filiais da SNIA nas três instalações industriais em causa, num total de 453587327,48 euros. |
31 |
A LivaNova interpôs recurso de cassação desse acórdão definitivo na Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), que é o órgão jurisdicional de reenvio. |
32 |
Com o seu segundo fundamento de cassação, cuja apreciação pelo órgão jurisdicional de reenvio deu origem à questão prejudicial submetida, a LivaNova acusa a Corte d’appello di Milano (Tribunal de Recurso de Milão) de não ter tido em conta a diferença entre o conceito de «elementos do passivo», na aceção do artigo 2506.o bis, terceiro parágrafo, do Código Civil, e o de«dívidas», na aceção do artigo 2506.o quater do Código Civil, que visa transpor o artigo 12.o, n.o 3, da Sexta Diretiva 82/891. Segundo a LivaNova, a distinção entre estes conceitos deveria ter levado esse órgão jurisdicional a incluir no conceito de «dívidas» apenas os passivos de natureza e de existência determinadas, com vencimento e montante fixos, e não as «provisões» para riscos e os «compromissos», dado que estes, constituindo «elementos do passivo», só eram pertinentes para efeitos da aplicação do artigo 2506.o bis do Código Civil. A LivaNova acrescenta que o referido órgão jurisdicional lhe imputou, erradamente, danos causados por comportamentos, por ação ou omissão, posteriores à cisão em causa no processo principal, em violação do limite temporal fixado pela legislação no que respeita aos «elementos do passivo» ou às «dívidas» que já existiam no momento da cisão em causa. |
33 |
Para decidir sobre este fundamento, o órgão jurisdicional de reenvio considera que há que verificar a compatibilidade, com o direito da União, da interpretação do conceito de «elementos do passivo cuja atribuição não possa ser deduzida do projeto [de cisão]», referido no artigo 2506.o bis, terceiro parágrafo, do Código Civil, efetuada pela Corte d’appello di Milano (Tribunal de Recurso de Milão). |
34 |
O órgão jurisdicional de reenvio refere que esta responsabilidade incide sobre as consequências danosas de um «ilícito continuado», suscetível de se agravar com o tempo e que, pela sua própria natureza, escapa «às linhas de demarcação estritas que seguiriam o resultado de uma operação de direito das sociedades». Especifica que, após a cisão em causa no processo principal, os níveis de poluição das instalações industriais de Torviscosa e de Colleferro não progrediram, mas que os da instalação industrial de Brescia aumentaram e que este aumento apresenta um nexo de causalidade com o comportamento da SNIA, anterior a esta cisão. |
35 |
Ao abrigo do direito nacional, o elemento determinante no presente caso é que o órgão jurisdicional que conhece do mérito, a Corte d’appello di Milano (Tribunal de Recurso de Milão), tenha considerado a SNIA responsável com base na anterioridade do facto gerador dos danos ambientais em causa. Esta anterioridade permitiria constatar a existência prévia de uma dívida para efeitos da responsabilidade solidária pelo «ilícito continuado» correspondente. |
36 |
O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, no seu entender, a expressão «elementos do passivo», referida no artigo 2506.o bis, terceiro parágrafo, do Código Civil, não implica nenhuma característica qualitativa predeterminada. Por conseguinte, estes elementos podem consistir em dívidas e mesmo em dívidas independentes dos ativos que são cindidos. Esta interpretação é apoiada pelo objetivo da Sexta Diretiva 82/891, que é a proteção dos credores, como resulta do Acórdão de 30 de janeiro de 2020, I.G.I. (C‑394/18, EU:C:2020:56, n.os 44 e 51). |
37 |
O órgão jurisdicional de reenvio considera, todavia, que é necessário submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, uma vez que a interpretação do conceito de «elementos do passivo cuja atribuição não possa ser deduzida do projeto [de cisão]», que figura no artigo 2506.o bis do Código Civil, deve ser compatível com a do conceito correspondente de «elemento do património passivo [não] atribuído no projeto de cisão», referido no artigo 3.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva 82/891. |
38 |
Nestas condições, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «Deve o artigo 3.o, [n.o 3, alínea b),] da [Sexta Diretiva 82/891], que (ao abrigo do seu artigo 22.o) também é aplicável à cisão mediante constituição de novas sociedades, na parte em que estabelece que a) “[q]uando um elemento do património passivo não for atribuído no projeto de cisão e a interpretação deste não permitir decidir a sua repartição, cada uma das sociedades beneficiárias será solidariamente responsável por ele” e que b) “[o]s Estados‑Membros podem determinar que esta responsabilidade solidária seja limitada ao ativo líquido atribuído a cada sociedade beneficiária”, ser interpretado no sentido de que se opõe à interpretação da norma de direito nacional constante do artigo 2506.o[bis], n.o 3, do Código Civil no sentido de que a responsabilidade solidária da sociedade beneficiária da cisão abrange, enquanto “elemento do passivo” não atribuído no projeto, não só os passivos de natureza já determinada, mas também i) os que são identificáveis através dos efeitos prejudiciais surgidos após a cisão e que decorrem de condutas (por ação ou omissão) anteriores à cisão propriamente dita ou ii) os que resultam de condutas sucessivas que constituam um desenvolvimento das anteriores, que tenham a natureza de ilícito continuado e que sejam geradoras de danos ambientais, cujos efeitos ainda não possam ser totalmente determinados no momento da cisão?» |
Quanto à competência do Tribunal de Justiça
39 |
Nos termos do artigo 21.o da Sexta Diretiva 82/891, entende‑se por cisão mediante constituição de novas sociedades a operação pela qual uma sociedade, por meio de uma dissolução sem liquidação, transfere para várias sociedades constituídas de novo todo o seu património. No entanto, a SNIA não transferiu todo o seu património para várias sociedades, mas apenas uma parte do seu património para uma nova sociedade, a Sorin, atual LivaNova. |
40 |
Por conseguinte, a operação de cisão em causa no processo principal não se enquadra diretamente no âmbito de aplicação da Sexta Diretiva 82/891. |
41 |
De acordo com o artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União Europeia. No âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, instituída por esse artigo, o juiz nacional tem competência exclusiva para apreciar, atendendo às particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Por conseguinte, quando as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais tenham por objeto a interpretação de uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 30 de janeiro de 2020, I.G.I., C‑394/18, EU:C:2020:56, n.o 44 e jurisprudência referida). |
42 |
Em aplicação desta jurisprudência, o Tribunal de Justiça declarou‑se, em diversas ocasiões, competente para se pronunciar sobre os pedidos de decisão prejudicial respeitantes a disposições do direito da União em situações nas quais os factos do processo principal se situavam fora do âmbito de aplicação direta do direito da União, mas nas quais essas disposições tinham sido declaradas aplicáveis pelo direito nacional em razão de um reenvio operado por este último para o conteúdo de tais disposições. Nestes casos, embora os factos do processo principal não estivessem diretamente abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito da União, as disposições tinham sido declaradas aplicáveis pela legislação nacional, a qual se conformou, relativamente às soluções dadas a situações puramente internas, às soluções preconizadas pelo direito da União (Acórdão de 30 de janeiro de 2020, I.G.I., C‑394/18, EU:C:2020:56, n.o 45 e jurisprudência referida). |
43 |
Com efeito, quando uma legislação nacional se adequa, relativamente às soluções que dá a situações puramente internas, às soluções preconizadas pelo direito da União, para, por exemplo, evitar discriminações contra cidadãos nacionais ou eventuais distorções de concorrência, ou ainda assegurar um procedimento único em situações comparáveis, existe um indiscutível interesse da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos retomados do direito da União sejam interpretados de modo uniforme, independentemente das condições em que os mesmos devem ser aplicados. Assim, uma interpretação, pelo Tribunal de Justiça, das disposições do direito da União em situações puramente internas justifica‑se pelo facto de essas disposições terem sido declaradas direta e incondicionalmente aplicáveis pelo direito nacional, para assegurar um tratamento idêntico das situações internas e das situações regidas pelo direito da União (Acórdão de 30 de janeiro de 2020, I.G.I., C‑394/18, EU:C:2020:56, n.o 46 e jurisprudência referida). |
44 |
Quando o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se por um órgão jurisdicional nacional no contexto de uma situação que não se enquadre diretamente no âmbito de aplicação do direito da União, não pode, se não houver outra indicação por parte desse órgão jurisdicional além do facto de a regulamentação nacional em causa no processo principal ser indistintamente aplicável às situações regidas pelas disposições do direito da União em causa e às situações puramente internas, considerar que o pedido de decisão prejudicial sobre as disposições desse direito lhe é necessário para a resolução do litígio nele pendente (Acórdão de 30 de janeiro de 2020, I.G.I., C‑394/18, EU:C:2020:56, n.o 47 e jurisprudência referida). |
45 |
Os elementos concretos que permitem estabelecer que as disposições do direito da União foram declaradas direta e incondicionalmente aplicáveis pelo direito nacional, para assegurar um tratamento idêntico das situações internas e das situações regidas pelo direito da União, devem resultar da decisão de reenvio (Acórdão de 30 de janeiro de 2020, I.G.I., C‑394/18, EU:C:2020:56, n.o 48 e jurisprudência referida). |
46 |
Para este efeito, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio indicar, em conformidade com o artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, em que medida, apesar do seu caráter puramente interno, o litígio nele pendente apresenta com as disposições do direito da União um elemento de conexão que torna a interpretação prejudicial solicitada necessária para a solução desse litígio. Essas exigências estão, aliás, refletidas nas Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1) (Acórdão de 30 de janeiro de 2020, I.G.I., C‑394/18, EU:C:2020:56, n.o 49 e jurisprudência referida). |
47 |
No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio, o único competente para interpretar o direito nacional no âmbito do sistema de cooperação judiciária estabelecido no artigo 267.o TFUE, especificou que o artigo 2506.o bis, terceiro parágrafo, do Código Civil, cuja aplicação constitui o objeto do litígio no processo principal, transpõe, para o direito nacional, o artigo 3.o da Sexta Diretiva 82/891. |
48 |
Na decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio destaca também a equivalência, em substância, da redação destas duas disposições. |
49 |
Ao transpor a Sexta Diretiva 82/891 desta maneira, o legislador italiano decidiu, por isso, aplicar o artigo 3.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva direta e incondicionalmente também às operações pelas quais uma sociedade anónima atribui apenas uma parte do seu património a outra sociedade. |
50 |
Nestas condições, há que considerar que o Tribunal de Justiça é competente para responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio. |
Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial
51 |
O Governo Austríaco tem dúvidas quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, uma vez que os elementos de facto e de direito necessários para que o Tribunal de Justiça responda de forma útil à questão que lhe foi submetida não resultam inequivocamente da decisão de reenvio. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio não expôs claramente os factos nem reproduziu o quadro jurídico nacional pertinente, nomeadamente o artigo 2506.o bis do Código Civil. Também não especifica as razões pelas quais considera que é necessária uma interpretação da Sexta Diretiva 82/891. |
52 |
Segundo jurisprudência constante, o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução do litígio que lhes cabe decidir (Acórdão de 27 de abril de 2023, Castorama Polska e Knor, C‑628/21, EU:C:2023:342, n.o 25 e jurisprudência referida). |
53 |
A este respeito, importa recordar que, no âmbito deste processo, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio no processo principal e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Por conseguinte, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode, assim, recusar um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 27 de abril de 2023, Castorama Polska e Knor, C‑628/21, EU:C:2023:342, n.o 26 e jurisprudência referida). |
54 |
Resulta também de jurisprudência constante, que se reflete atualmente no artigo 94.o do Regulamento de Processo, que a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam. Além disso, a decisão de reenvio deve indicar as razões precisas que levaram o juiz nacional a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 27 de abril de 2023, Castorama Polska e Knor, C‑628/21, EU:C:2023:342, n.o 27 e jurisprudência referida). |
55 |
No caso em apreço, contrariamente ao que sustenta o Governo Austríaco, o pedido de decisão prejudicial contém uma exposição do objeto do litígio no processo principal e dos factos pertinentes, bem como o teor das disposições nacionais relevantes, entre as quais a do artigo 2506.o bis do Código Civil. |
56 |
Além disso, a decisão de reenvio indica as razões específicas que levaram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação do artigo 3.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva 82/891 e a considerar necessário submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça a este respeito. Com efeito, resulta dessa decisão que o órgão jurisdicional de reenvio considera necessário submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça com o fundamento de que o conceito de «elementos do passivo cuja atribuição não possa ser deduzida do projeto», que figura no artigo 2506.o bis, terceiro parágrafo, do Código Civil e que deve ser interpretado para determinar se a LivaNova pode ser considerada solidariamente responsável pelos custos de saneamento e pelos danos ambientais causados pela SNIA, deve ser interpretado da mesma forma que o conceito correspondente de «elemento do património passivo [não] atribuído no projeto de cisão», referido no artigo 3.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva 82/891, que o artigo 2506.o bis, terceiro parágrafo, do Código Civil transpõe. |
57 |
Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível. |
Quanto à questão prejudicial
58 |
Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva 82/891 deve ser interpretado no sentido de que a regra da responsabilidade solidária das sociedades beneficiárias enunciada nesta disposição se aplica não apenas aos elementos de natureza determinada do património passivo não atribuídos num projeto de cisão, mas também aos de natureza indeterminada como os custos de saneamento e dos danos ambientais que forem constatados, avaliados ou consolidados após a cisão em causa, que resultam de comportamentos da sociedade cindida anteriores à operação de cisão ou de comportamentos posteriores a esta operação que são, eles próprios, o desenvolvimento de comportamentos anteriores dessa sociedade cindida. |
59 |
Resulta do artigo 3.o, n.o 3, alínea b), primeiro período, desta Sexta Diretiva, que é aplicável a uma cisão mediante constituição de novas sociedades nos termos do artigo 22.o, n.o 1, da referida Sexta Diretiva, que, quando um elemento do património passivo não é atribuído no projeto de cisão em causa e a sua interpretação não permite decidir da sua repartição, cada uma das sociedades beneficiárias é solidariamente responsável. Decorre do segundo período do artigo 3.o, n.o 3, alínea b), da mesma Sexta Diretiva que os Estados‑Membros podem prever que essa responsabilidade solidária seja limitada ao ativo líquido atribuído a cada sociedade beneficiária. |
60 |
O conceito de «elemento do património passivo», referido no artigo 3.o, n.o 3, alínea b), primeiro período, da Sexta Diretiva 82/891, não é definido por esta Sexta Diretiva. Além disso, esta disposição não contém uma remissão para o direito dos Estados‑Membros no que respeita a esta definição. |
61 |
Segundo jurisprudência constante, os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto de uma interpretação autónoma e uniforme em toda a União, que deve ser efetuada em conformidade com o sentido habitual desses termos na linguagem corrente, tendo em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdão de 7 de setembro de 2023, KRI, C‑323/22, EU:C:2023:641, n.o 46 e jurisprudência referida). |
62 |
Em primeiro lugar, no seu sentido habitual, o termo «passivo» designa o conjunto das dívidas que recaem sobre uma pessoa coletiva ou singular. Assim, o conceito de «elemento do património passivo», que figura no artigo 3.o, n.o 3, alínea b), primeiro período, da Sexta Diretiva 82/891, visa, em sentido amplo, abranger qualquer dívida da sociedade cindida, certa ou incerta, determinada ou indeterminada, seja qual for a sua origem e natureza. |
63 |
Em segundo lugar, no que respeita ao contexto do artigo 3.o, n.o 3, alínea b), primeiro período, da Sexta Diretiva 82/891, há que salientar que, por força do artigo 3.o, n.o 2, alínea h), desta Sexta Diretiva, um projeto de cisão deve mencionar, nomeadamente, a descrição e a repartição precisas dos elementos do património ativo e passivo a transferir para cada uma das sociedades beneficiárias. |
64 |
Daqui decorre que o conceito de «elementos do património passivo», na aceção do artigo 3.o, n.o 3, alínea b), primeiro período, da Sexta Diretiva 82/891, exige que as dívidas em causa sejam, em princípio, adquiridas. Com efeito, uma vez que um projeto de cisão deve mencionar a descrição e a repartição precisas dos elementos do património passivo a transferir, estes elementos devem ser anteriores à cisão em causa. Por conseguinte, no caso de custos de saneamento e de danos ambientais, esta exigência implica que a infração ou o facto gerador destes danos tenham ocorrido antes da cisão, mas não que, nessa data, os referidos danos tenham sido constatados, avaliados ou mesmo consolidados. |
65 |
Em terceiro lugar, no que respeita aos objetivos da Sexta Diretiva 82/891, importa recordar que o quinto considerando desta Sexta Diretiva menciona, entre esses objetivos, a proteção dos interesses dos sócios e de terceiros. Além disso, resulta do oitavo considerando da referida Sexta Diretiva que esta visa também a proteção dos credores e dos portadores de outros títulos e especifica que estes devem ser protegidos para evitar que a realização da cisão os prejudique. Por último, decorre do décimo primeiro considerando da mesma Sexta Diretiva que esta visa assegurar a segurança jurídica nas relações tanto entre as sociedades participantes nessa cisão como entre estas e terceiros, bem como entre os acionistas destas sociedades. |
66 |
Ora, o conceito de «terceiros» empregado, nomeadamente, nos considerandos quinto e décimo primeiro da Sexta Diretiva 82/891, é mais amplo do que o conceito, utilizado no oitavo considerando desta diretiva, de «credores, obrigacionistas ou não, e os portadores de outros títulos das sociedades participantes na cisão», sendo estes credores e portadores de outros títulos objeto de certas medidas de proteção específicas previstas, nomeadamente, nos artigos 12.o e 13.o da referida Sexta Diretiva (v., por analogia, Acórdão de 5 de março de 2015, Modelo Continente Hipermercados, C‑343/13, EU:C:2015:146, n.o 31). |
67 |
Importa, pois, considerar que entre os terceiros cujos interesses a Sexta Diretiva 82/891 visa proteger figuram pessoas que, à data da cisão em causa, ainda não são suscetíveis de ser qualificadas de credores ou de portadores de outros títulos, mas que podem ser assim qualificadas depois dessa cisão, devido a situações que nasceram antes da mesma, como a prática de infrações ao direito do ambiente, mas que só são constatadas por decisão depois da referida cisão (v., por analogia, Acórdão de 5 de março de 2015, Modelo Continente Hipermercados, C‑343/13, EU:C:2015:146, n.o 32). |
68 |
Esta interpretação do conceito de «terceiros», na aceção da Sexta Diretiva 82/891, corrobora a interpretação do conceito de «elementos do património passivo», referido no artigo 3.o, n.o 3, alínea b), primeiro período, desta Sexta Diretiva, no sentido de que abrange também os passivos de natureza indeterminada, como os custos de saneamento e os danos ambientais que foram constatados, avaliados ou consolidados após a cisão em causa, mas que resultam de comportamentos anteriores a esta cisão. |
69 |
Se tal interpretação do conceito de «elementos do património passivo», referido no artigo 3.o, n.o 3, alínea b), primeiro período, da Sexta Diretiva 82/891, não fosse acolhida, uma cisão poderia constituir um meio para uma empresa escapar às consequências das infrações que tivesse cometido, em prejuízo do Estado‑Membro em causa ou de outros eventuais interessados (v., por analogia, Acórdão de 5 de março de 2015, Modelo Continente Hipermercados, C‑343/13, EU:C:2015:146, n.o 33). Com efeito, para esse fim, basta que esta empresa proceda a uma operação de cisão antes de terem sido avaliados os custos de saneamento e os danos ambientais resultantes de comportamentos anteriores a essa cisão. Ora, resulta também dos considerandos mencionados no n.o 65 do presente acórdão que a Sexta Diretiva 82/891 se destina precisamente a evitar que uma empresa escape às suas obrigações para com as suas partes interessadas, tais como os seus sócios, os seus acionistas, os seus credores ou ainda os terceiros em causa devido à cisão de uma sociedade anónima sujeita ao seu controlo. |
70 |
Por outro lado, há que salientar que esta interpretação não confere a terceiros uma proteção excessiva em detrimento das sociedades constituídas de novo, uma vez que o segundo período do artigo 3.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva 82/891 permite aos Estados‑Membros limitar a responsabilidade solidária destas últimas ao montante do ativo que lhes foi atribuído no projeto de cisão em causa. |
71 |
De resto, há que observar que esta interpretação do conceito de «elementos do património passivo», referido no artigo 3.o, n.o 3, alínea b), primeiro período, da Sexta Diretiva 82/891, é conforme com o artigo 11.o TFUE, uma vez que visa evitar que a empresa, que está na origem da atividade poluente, possa eximir‑se às suas obrigações para com as suas partes interessadas devido à cisão de uma sociedade anónima abrangida pelo seu controlo. |
72 |
Resulta do que precede que o conceito de «elementos do património passivo», referido no artigo 3.o, n.o 3, alínea b), primeiro período, da Sexta Diretiva 82/891, abrange não só os passivos de natureza determinada mas também os passivos de natureza indeterminada, tais como os custos de saneamento e os danos ambientais verificados, avaliados ou consolidados após a cisão em causa, que resultem de comportamentos anteriores a esta cisão. |
73 |
Em contrapartida, no que respeita aos comportamentos posteriores à operação de cisão que são o desenvolvimento de comportamentos da sociedade cindida anteriores a esta operação, resulta do n.o 64 do presente acórdão que o conceito de «elemento do património passivo», na aceção do artigo 3.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva 82/891, só abrange os custos de saneamento e os danos ambientais resultantes de comportamentos da sociedade cindida já ocorridos na data dessa cisão. |
74 |
A Sexta Diretiva 82/891 prevê apenas um sistema mínimo de proteção dos interesses de terceiros, mencionados no n.o 67 do presente acórdão, para os elementos do património passivo que resultam de comportamentos anteriores à cisão em causa (v., por analogia, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, I.G.I., C‑394/18, EU:C:2020:56, n.os 67 e 74). A questão de saber se comportamentos posteriores a esta cisão, mas que são o desenvolvimento de comportamentos anteriores da sociedade cindida, podem ser imputados a esta sociedade, com a consequência de a obrigação de reparar os danos assim causados, enquanto elementos do património passivo, ser transferida para as sociedades beneficiárias segundo as modalidades definidas pela Sexta Diretiva 82/891, deve, por isso, ser determinada com base no direito nacional (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2017, Túrkevei Tejtermelő Kft., C‑129/16, EU:C:2017:547, n.o 45 e jurisprudência referida). |
75 |
Resulta de tudo o que precede que há que responder à questão submetida que o artigo 3.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva 82/891 deve ser interpretado no sentido de que a regra da responsabilidade solidária das sociedades beneficiárias enunciada nesta disposição se aplica não apenas aos elementos de natureza determinada do património passivo não atribuídos num projeto de cisão, mas também aos de natureza indeterminada, tais como os custos de saneamento e os danos ambientais que forem constatados, avaliados ou consolidados após a cisão em causa, desde que resultem de comportamentos da sociedade cindida anteriores à operação de cisão. |
Quanto às despesas
76 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara: |
O artigo 3.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva 82/891/CEE do Conselho, de 17 de dezembro de 1982, fundada no n.o 3, alínea g), do artigo 54.o do Tratado [CEE], relativa às cisões de sociedades anónimas, |
deve ser interpretado no sentido de que: |
a regra da responsabilidade solidária das sociedades beneficiárias enunciada nesta disposição se aplica não apenas aos elementos de natureza determinada do património passivo não atribuídos num projeto de cisão, mas também aos de natureza indeterminada, tais como os custos de saneamento e os danos ambientais que forem constatados, avaliados ou consolidados após a cisão em causa, desde que resultem de comportamentos da sociedade cindida anteriores à operação de cisão. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: italiano.