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Document 62022CJ0407

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 11 de maio de 2023.
    Ministre de l’Économie, des Finances et de la Relance contra Manitou BF SA e Bricolage Investissement France SA.
    Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Conseil d'État (França).
    Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Artigo 49.o TFUE — Liberdade de estabelecimento — Impostos sobre os rendimentos das pessoas coletivas — Tributação de grupos (“integração fiscal” francesa) — Isenção dos dividendos pagos por filiais pertencentes ao grupo fiscalmente integrado — Sociedade‑mãe residente — Ligações de capital com as sociedades residentes e não residentes sem constituição de um grupo fiscalmente integrado — Isenção dos dividendos pagos por filiais não residentes — Despesas e custos não dedutíveis, conexos com a participação — Inexistência de neutralização da reintegração dessas despesas e custos.
    Processos apensos C-407/22 e C-408/22.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:392

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    11 de maio de 2023 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Artigo 49.o TFUE — Liberdade de estabelecimento — Impostos sobre os rendimentos das pessoas coletivas — Tributação de grupos (“integração fiscal” francesa) — Isenção dos dividendos pagos por filiais pertencentes ao grupo fiscalmente integrado — Sociedade‑mãe residente — Ligações de capital com as sociedades residentes e não residentes sem constituição de um grupo fiscalmente integrado — Isenção dos dividendos pagos por filiais não residentes — Despesas e custos não dedutíveis, conexos com a participação — Inexistência de neutralização da reintegração dessas despesas e custos»

    Nos processos apensos C‑407/22 e C‑408/22,

    que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), por Decisões de 14 de junho de 2022, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 20 de junho de 2022, nos processos

    Ministre de l’Économie, des Finances et de la Relance

    contra

    Manitou BF SA (C‑407/22),

    Bricolage Investissement France SA (C‑408/22),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, P G. Xuereb, T. von Danwitz (relator), A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

    advogado‑geral: P. Pikamäe,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Manitou BF SA, por S. Joalland, S. Laisney, F. Locatelli, e G. Menu‑Lejeune, avocats,

    em representação da Bricolage Investissement France SA, por M. Dervieux e F. Donnedieu de Vabres, avocats,

    em representação do Governo Francês, por R. Bénard e T. Stéhelin, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e W. Roels, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 49.o TFUE.

    2

    Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem o ministre de l’Économie, des Finances et de la Relance (Ministro da Economia, das Finanças e da Recuperação, França), por um lado, à Manitou BF SA (processo C‑407/22) e, por outro, à Bricolage Investissement France SA (processo C‑408/22) a propósito da restituição a estas sociedades de uma parte do imposto sobre os rendimentos das pessoas coletivas e dos tributos adicionais a esse imposto, pagos a título, respetivamente, dos exercícios fiscais de 2011 e 2012, fração essa correspondente à quota‑parte das despesas e custos reintegrada nos seus resultados na proporção dos dividendos recebidos das suas filiais estabelecidas em Estados‑Membros diferentes da França.

    Direito francês

    3

    O artigo 216.o, I, do Código Geral dos Impostos, na versão aplicável aos factos em causa no processo principal (a seguir «CGI»), dispõe:

    «Os rendimentos líquidos das participações, que confiram direito à aplicação do regime das sociedades‑mãe, e referidos no artigo 145.o, auferidos no decurso de um exercício por uma sociedade‑mãe, podem ser deduzidos do lucro líquido total desta, após abatimento de uma quota‑parte das despesas e custos.

    A quota‑parte das despesas e custos a que se refere o primeiro parágrafo é fixada uniformemente em 5 % do rendimento total das participações, incluindo o crédito do imposto.»

    4

    Nos termos do artigo 223.o‑A do CGI:

    «Uma sociedade pode constituir‑se única devedora do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas devido sobre os resultados globais do grupo constituído pela própria sociedade e pelas filiais de que detenha pelo menos 95 % do capital continuamente no decurso do exercício, direta ou indiretamente, através de sociedades ou estabelecimentos estáveis do grupo […].

    […]

    Só podem ser membros do grupo as sociedades ou estabelecimentos estáveis que tenham dado o seu acordo e cujos resultados estejam sujeitos a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas de acordo com as regras gerais ou de acordo com as modalidades previstas no artigo 214.o […]»

    5

    O artigo 223.o‑B do CGI prevê:

    «O resultado global é determinado pela sociedade‑mãe mediante a soma algébrica dos resultados de cada uma das sociedades do grupo, determinados nas condições estabelecidas nas regras gerais ou de acordo com as modalidades previstas no artigo 214.o

    Ao resultado global é deduzida a quota‑parte das despesas e custos relativos aos rendimentos de participações recebidos por uma sociedade do grupo de uma sociedade que seja membro do grupo há mais de um exercício e aos rendimentos de participações recebidos por uma sociedade do grupo de uma sociedade intermediária relativamente aos quais a sociedade‑mãe prove que resultam de rendimentos de participações pagas por uma sociedade que seja membro do grupo há mais do que um exercício e que não foram ainda objeto de retificações em aplicação do presente parágrafo ou do terceiro parágrafo.

    […]»

    Litígios nos processos principais e questão prejudicial

    Processo C‑407/22

    6

    A Manitou BF recebeu, no decurso de 2011, dividendos de filiais estabelecidas em Estados‑Membros diferentes da França, que colocou sob o regime de sociedades‑mãe previsto nos artigos 145.o e 216.o do CGI. Em conformidade com o artigo 216.o, I, a Manitou BF deduziu do seu lucro líquido esses dividendos, com exceção da quota‑parte das despesas e custos, fixada uniformemente em 5 % do montante dos dividendos recebidos.

    7

    Mediante reclamação de 24 de dezembro de 2014, a Manitou BF pediu a restituição da parte da liquidação inicial do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas a que estava sujeita no exercício fiscal encerrado em 2011, correspondente à reintegração dessa quota‑parte no seu resultado fiscal, com o fundamento de que essa reintegração tinha sido efetuada ao abrigo de disposições nacionais que violavam a liberdade de estabelecimento.

    8

    Uma vez que as autoridades fiscais indeferiram esta reclamação, a Manitou BF interpôs recurso dessa decisão. Por Sentença de 26 de setembro de 2017, o tribunal administratif de Montreuil (Tribunal Administrativo de Montreuil, França) negou provimento a esse recurso. Por Acórdão de 27 de maio de 2021, a cour administrative d’appel de Versailles (Tribunal Administrativo de Recurso de Versailles, França) anulou a sentença de primeira instância e concedeu à Manitou BF a restituição dos montantes reclamados, considerando que o artigo 223.o‑B do CGI violava a liberdade de estabelecimento, uma vez que não previa a possibilidade, para uma sociedade‑mãe, de neutralizar a quota‑parte das despesas e custos reintegrada em relação aos rendimentos provenientes de participações de filiais estabelecidas num Estado‑Membro diferente da França que satisfaçam os critérios de elegibilidade para o regime de integração fiscal definido neste artigo. A este respeito, este órgão jurisdicional considerou irrelevante a circunstância de esta sociedade‑mãe, embora detendo filiais elegíveis em França, não ter constituído um grupo fiscalmente integrado nesse Estado‑Membro.

    9

    Considerando que o referido órgão jurisdicional considerou erradamente que o artigo 223.o‑B do CGI violava esta liberdade, o Ministro da Economia, das Finanças e da Recuperação recorreu desta sentença no Conseil d'État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), o órgão jurisdicional de reenvio. Em particular, invoca um erro de direito e uma qualificação inexata dos factos pela cour administrative d’appel de Versailles (Tribunal Administrativo de Recurso de Versailles) ao considerar que a circunstância de uma sociedade‑mãe ter, ou não, optado por constituir um grupo fiscalmente integrado com as suas filiais francesas era irrelevante para o mérito do pedido de restituição da Manitou BF.

    Processo C‑408/22

    10

    A Bricolage Investissement France, integralmente detida pelo grupo Adeo, recebeu, no decurso de 2012, dividendos de uma filial polaca que aquela detém integralmente. A Bricolage Investissement France colocou estes dividendos, para efeitos de determinação do imposto sobre o rendimento das sociedades devido a título do exercício fiscal encerrado em 2012, sob o regime das sociedades‑mãe previsto nos artigos 145.o e 216.o do CGI. Em conformidade com o disposto no artigo 216.o, I, deste código, esta deduziu o montante desses dividendos do seu lucro líquido, com exceção da quota‑parte das despesas e custos, fixada uniformemente em 5 % do montante dos dividendos recebidos.

    11

    Por intermédio de uma reclamação posterior, a Bricolage Investissement France pediu às autoridades fiscais que lhe permitissem beneficiar da dedução da integralidade dos dividendos recebidos da sua filial polaca, sem reintegração dessa quota‑parte.

    12

    Na sequência do indeferimento deste pedido, a Bricolage Investissement France submeteu ao tribunal administratif de Montreuil (Tribunal Administrativo de Montreuil) um pedido de isenção do pagamento do montante de 633352 euros, a título de contribuições dos impostos sobre o rendimento das pessoas coletivas e contribuições adicionais a esse imposto que pagou a título do exercício fiscal de 2012. Por Sentença de 10 de outubro de 2019, esse tribunal indeferiu este pedido.

    13

    Por Acórdão de 19 de outubro de 2021, a cour administrative d’appel de Versailles (Tribunal Administrativo de Recurso de Versailles), chamada a pronunciar‑se quanto ao recurso interposto pela Bricolage Investissement France, anulou esse acórdão e concedeu a essa sociedade a isenção das referidas contribuições até ao limite da neutralização da quota‑parte de despesas e custos que aquela tinha reintegrado no seu lucro, com base nas considerações já evocadas no n.o 8 do presente acórdão.

    14

    O órgão jurisdicional de reenvio foi chamado a pronunciar‑se sobre o recurso interposto desse acórdão pelo Ministro da Economia, das Finanças e da Recuperação. Este último sustenta que a cour administrative d’appel de Versailles (Tribunal Administrativo de Recurso de Versailles) considerou erradamente que o artigo 223.o‑B do CGI não era conforme com a liberdade de estabelecimento, violou as disposições desse artigo e qualificou erradamente os factos ao declarar que uma sociedade‑mãe que não seja membro de um grupo de integração fiscal pode deduzir do seu lucro tributável, sem reintegração dessa quota‑parte, todos os dividendos recebidos das suas filiais, estabelecidas num Estado‑Membro diferente da França, abrangidos pelo âmbito de aplicação do referido artigo.

    Considerações comuns aos processos C‑407/22 e C‑408/22

    15

    Tendo em conta as observações das partes nos litígios nos processos principais, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o impacto, para os processos que lhe foram submetidos, do Acórdão de 2 de setembro de 2015, Groupe Steria (C‑386/14, a seguir «AcórdãoGroupe Steria, EU:C:2015:524). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 49.o TFUE se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro, relativa a um regime de integração fiscal, por força da qual uma sociedade‑mãe, que procede à integração fiscal, beneficia da neutralização da reintegração de uma quota‑parte das despesas e custos, fixada uniformemente em 5 % do montante líquido dos dividendos que essa sociedade‑mãe recebeu das sociedades residentes fiscalmente integradas, ao passo que essa neutralização lhe é recusada, por força daquela legislação, em relação aos dividendos que lhe são distribuídos pelas suas filiais situadas noutro Estado‑Membro, filiais estas que, se fossem residentes, poderiam objetivamente, por opção sua, ter beneficiado do regime da integração fiscal.

    16

    Tendo em conta as considerações do Tribunal no referido acórdão, o Conselho de Estado decidiu suspender a instância e submeter‑lhe a seguinte questão prejudicial, formulada em termos idênticos para os processos C‑407/22 e C‑408/22:

    «[O] artigo 49.o [TFUE] [opõe‑se] a uma legislação de um Estado‑Membro, relativa a um regime de integração fiscal, por força da qual uma sociedade‑mãe integrante beneficia da neutralização da quota parte das despesas e custos reintegrados, em razão dos dividendos que recebe de sociedades residentes fiscalmente integradas, bem como, para ter em conta o [Acórdão Groupe Steria], em razão dos dividendos recebidos de filiais estabelecidas noutro Estado‑Membro, as quais, se fossem residentes, seriam, por opção, objetivamente elegíveis para o regime de integração, mas que recusa o benefício desta neutralização a uma sociedade‑mãe residente que, apesar da existência de ligações de capital com outras entidades residentes que permitem a constituição de um grupo fiscalmente integrado, tenha optado por não o fazer, tanto no que respeita aos dividendos que lhe são distribuídos pelas suas filiais residentes como no que respeita aos dividendos provenientes de filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros que cumprem outros critérios de elegibilidade diferentes do critério da residência?»

    17

    Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de julho de 2022, os processos C‑407/22 e C‑408/22 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral da tramitação e do acórdão.

    Quanto à questão prejudicial

    18

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio nacional pergunta, em substância, se o artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro, relativa a um regime de integração fiscal, por força da qual

    uma sociedade‑mãe residente que tenha optado por uma integração fiscal com sociedades residentes pode beneficiar da neutralização da reintegração de uma quota‑parte das despesas e custos fixada uniformemente em 5 % do montante líquido dos dividendos que essa sociedade‑mãe recebeu das suas filiais situadas noutros Estados‑Membros, filiais estas que, se fossem residentes, teriam sido objetivamente elegíveis, por opção sua,

    ao passo que tal neutralização é recusada a uma sociedade‑mãe residente que não tenha optado por essa integração fiscal apesar da existência de ligações de capital com outras sociedades residentes que o permitiam.

    19

    O artigo 49.o, primeiro parágrafo, TFUE prevê que, no âmbito das disposições que figuram no capítulo 2 do título IV da parte III do Tratado FUE, são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado‑Membro no território de outro Estado‑Membro.

    20

    Segundo jurisprudência constante, devem ser consideradas restrições à liberdade de estabelecimento as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício da liberdade garantida pelo artigo 49.o TFUE (Acórdão de 7 de setembro de 2022, Cilevičs e o., C‑391/20, EU:C:2022:638, n.o 61 e jurisprudência referida).

    21

    O artigo 49.o TFUE impõe assim a supressão das restrições à liberdade de estabelecimento. Por isso, ainda que, de acordo com a sua redação, as disposições do Tratado FUE relativas à liberdade de estabelecimento visem assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, impedem igualmente que o Estado‑Membro de origem obste ao estabelecimento noutro Estado‑Membro de um dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação (Acórdão Groupe Steria, n.o 14 e jurisprudência referida).

    22

    Resulta também da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a liberdade de estabelecimento é obstruída se, por força de uma legislação de um Estado‑Membro, uma sociedade residente detentora de uma filial ou de um estabelecimento estável noutro Estado‑Membro sofrer uma diferença de tratamento fiscal desvantajosa em relação a uma sociedade residente detentora de um estabelecimento estável ou de uma filial no primeiro Estado‑Membro (v. Acórdão Groupe Steria, n.o 15 e jurisprudência referida).

    23

    Por força das disposições nacionais em causa nos litígios nos processos principais, os dividendos que uma sociedade‑mãe residente recebe de uma filial, quer esta seja residente ou não residente, são deduzidos ao lucro líquido da sociedade‑mãe, com exclusão da quota‑parte das despesas e custos fixada uniformemente em 5 % do montante líquido desses dividendos. Com efeito, considera‑se que as despesas e custos atinentes às participações de que derivam os dividendos isentos de imposto não são dedutíveis do lucro da sociedade‑mãe.

    24

    Porém, esta reintegração da quota‑parte das despesas e custos no lucro da sociedade‑mãe é neutralizada, a favor de uma sociedade‑mãe que faça parte de um grupo fiscalmente integrado, na aceção do artigo 223.o‑A do CGI, no tocante aos dividendos distribuídos pelas suas filiais que pertencem a esse grupo, em aplicação do artigo 223.o‑B deste código.

    25

    Resulta desta regulamentação que os dividendos recebidos por uma sociedade‑mãe residente que faça parte de um grupo fiscalmente integrado, e que foram distribuídos pelas suas filiais pertencentes ao mesmo grupo fiscal, são deduzidos na totalidade do lucro líquido dessa sociedade‑mãe e, logo, são totalmente isentos de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas nesse Estado‑Membro.

    26

    Estas disposições estavam em causa no Acórdão Groupe Steria, no qual o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que, por força dessa legislação, só as sociedades residentes podem fazer parte de um grupo fiscalmente integrado, o benefício fiscal em causa no processo principal estava reservado aos dividendos de origem nacional. O Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro, relativa a um regime de integração fiscal, por força da qual uma sociedade‑mãe, que procede à integração fiscal, beneficia da neutralização da reintegração de uma quota‑parte das despesas e custos, fixada uniformemente em 5 % do montante líquido dos dividendos que essa sociedade‑mãe recebeu das sociedades residentes fiscalmente integradas, ao passo que essa neutralização lhe é recusada, por força daquela legislação, em relação aos dividendos que lhe são distribuídos pelas suas filiais situadas noutro Estado‑Membro, filiais estas que, se fossem residentes, poderiam objetivamente, por opção sua, ter beneficiado do regime da integração fiscal.

    27

    Resulta dos pedidos de decisão prejudicial que, na sequência do Acórdão Groupe Steria, uma sociedade‑mãe, que procede à integração fiscal, pode beneficiar da neutralização da reintegração de uma quota‑parte das despesas e custos fixada uniformemente em 5 % do montante líquido dos dividendos recebidos por ela também de sociedades não residentes, que, se fossem residentes, teriam sido objetivamente elegíveis, por sua opção, para fazer parte de um grupo fiscalmente integrado.

    28

    Por conseguinte, decorre desta regulamentação, aplicada tendo em conta o Acórdão Groupe Steria, que os dividendos recebidos por uma sociedade‑mãe residente que faz parte de um grupo fiscalmente integrado, e que foram distribuídos pelas suas filiais residentes pertencentes ao mesmo grupo fiscal, bem como pelas filiais não residentes que, se fossem residentes, teriam sido objetivamente elegíveis, por sua opção, para fazer parte do referido grupo fiscal, são deduzidos na totalidade do lucro líquido dessa sociedade‑mãe e estão, logo, totalmente isentos de imposto sobre as sociedades nesse Estado‑Membro.

    29

    Em contrapartida, os dividendos recebidos por uma sociedade‑mãe residente que não faça parte de um grupo fiscalmente integrado, proveniente tanto de filiais residentes como não residentes, estão apenas parcialmente isentos desse imposto, devido à reintegração da quota‑parte das despesas e custos, fixada em 5 %, no lucro dessa sociedade‑mãe.

    30

    No caso em apreço, contrariamente à situação em questão no Acórdão Groupe Steria, a Manitou BF e a Bricolage Investissement France não fazem parte de um grupo fiscalmente integrado, na aceção do artigo 223.o‑A do CGI. No entanto, devido às ligações de capital entre elas e outras sociedades residentes em França, esta possibilidade foi‑lhes facultada, por opção sua, com estas últimas sociedades, ou seja, no caso da Manitou BF, devido às ligações de capital que a unem às suas filiais residentes e, no caso da Bricolage Investissement France, devido às ligações de capital que a unem à sua sociedade‑mãe residente.

    31

    Não é menos verdade que, em conformidade com a regulamentação nacional em causa nos litígios nos processos principais, só as sociedades residentes em França podem optar pelo regime de integração fiscal e fazer parte de um grupo fiscalmente integrado nesse Estado‑Membro. Assim, a Manitou BF e a Bricolage Investissement France não dispunham da possibilidade de criar um tal grupo com as suas filiais estabelecidas em Estados‑Membros diferentes da França.

    32

    Em particular, ao abrigo desta regulamentação, uma sociedade‑mãe residente pode optar, em qualquer altura, por este regime com as suas filiais situadas em França que preencham os critérios de elegibilidade. Além disso, segundo a referida regulamentação, a sociedade‑mãe residente pode escolher livremente o perímetro de integração sem ser obrigada a integrar todas as suas filiais residentes elegíveis.

    33

    Em contrapartida, uma sociedade‑mãe residente não tem a possibilidade de optar pelo regime de integração fiscal apenas com as suas filiais situadas noutros Estados‑Membros que satisfaçam os critérios de elegibilidade diferentes da residência, mas deve necessariamente constituir um grupo fiscalmente integrado com pelo menos uma das sociedades elegíveis residentes.

    34

    Daqui resulta que, enquanto uma sociedade‑mãe residente que detenha filiais situadas em França tem sempre a possibilidade de beneficiar da vantagem fiscal que constitui a neutralização da reintegração da quota‑parte das despesas e custos exercendo esta opção num perímetro por si livremente escolhido, uma sociedade‑mãe residente que detenha filiais situadas noutros Estados‑Membros não tem essa possibilidade, exceto se tiver feito anteriormente parte de um grupo fiscalmente integrado em França com sociedades residentes.

    35

    Semelhante diferença de tratamento conduz a excluir do direito a beneficiar de uma vantagem fiscal, como essa neutralização, uma sociedade‑mãe que detém uma filial estabelecida noutro Estado‑Membro e que não faz parte de um grupo fiscalmente integrado, e é suscetível de tornar menos atrativo o exercício por essa sociedade‑mãe da sua liberdade de estabelecimento, dissuadindo‑a de criar filiais noutros Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão Groupe Steria, n.o 20).

    36

    Para ser compatível com as disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento, tal diferença de tratamento tem de dizer respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou tem de ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral (Acórdão de 25 de fevereiro de 2010, X Holding, C‑337/08, EU:C:2010:89, n.o 20 e jurisprudência referida).

    37

    No que respeita à comparabilidade das situações, o Tribunal de Justiça já declarou, em relação às disposições em causa nos litígios nos processos principais, que a circunstância de os dividendos recebidos por uma sociedade‑mãe, que beneficiam da isenção total de imposto, provirem de filiais que fazem parte do grupo fiscalmente integrado a que também pertence a sociedade‑mãe em causa não correspondia a uma diferença de situação objetiva entre sociedades‑mãe que justifique a diferença de tratamento verificada (Acórdão Groupe Steria, n.o 22 e jurisprudência referida).

    38

    O Tribunal de Justiça declarou, com efeito, que, a respeito de uma regulamentação que prevê, por efeito da neutralização da reintegração da quota‑parte de despesas e custos no lucro da sociedade‑mãe, a isenção total de imposto dos dividendos recebidos, a situação das sociedades que pertencem a um grupo fiscalmente integrado é comparável à das sociedades que não pertencem a um tal grupo, quer se trate da sociedade‑mãe ou de uma filial da mesma. Nos dois casos, por um lado, a sociedade‑mãe suporta as despesas e custos conexos com a sua participação na sua filial e, por outro, os lucros obtidos pela filial e de que derivam os dividendos distribuídos podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão Groupe Steria, n.o 22 e jurisprudência referida).

    39

    O Governo Francês alega, todavia, com referência aos Acórdãos de 25 de fevereiro de 2010, X Holding (C‑337/08, EU:C:2010:89, n.o 24) e de 12 de junho de 2014, SCA Group Holding e o. (C‑39/13 a C‑41/13, EU:C:2014:1758, n.o 31), que a situação de um contribuinte que optou por um regime de integração fiscal não pode ser objetivamente comparável à de um contribuinte que não procurou beneficiar do mesmo, a fortiori quando preenchia as condições objetivas para o fazer.

    40

    A este respeito, é certo que o Tribunal de Justiça indicou, no Acórdão de 25 de fevereiro de 2010, X Holding (C‑337/08, EU:C:2010:89, n.o 24), que a situação de uma sociedade‑mãe residente que pretende constituir uma entidade fiscal única com uma filial residente e a de uma tal sociedade‑mãe residente que pretende constituir essa entidade com uma filial não residente são, à luz do objetivo de um regime de integração fiscal, objetivamente comparáveis, desde que ambas procurem beneficiar das vantagens desse regime, que permite, designadamente, consolidar, ao nível da sociedade‑mãe, os lucros e as perdas das sociedades integradas na entidade fiscal única e manter um caráter fiscalmente neutro para as transações efetuadas dentro do grupo.

    41

    Do mesmo modo, o Tribunal observou no Acórdão de 12 de junho de 2014, SCA Group Holding e o. (C‑39/13 a C‑41/13, EU:C:2014:1758, n.os 29 a 31), que as situações das sociedades‑mãe residentes que detêm subfiliais residentes eram objetivamente comparáveis em relação a tal objetivo, independentemente de deterem essas subfiliais por intermédio de filiais residentes ou não residentes, desde que o regime da entidade fiscal única seja procurado em ambos os casos para o conjunto constituído pela sociedade‑mãe e pelas subfiliais.

    42

    Todavia, uma vez que, por um lado, uma sociedade‑mãe residente francesa não dispõe de nenhuma possibilidade de constituir um grupo fiscalmente integrado com filiais estabelecidas noutro Estado‑Membro, o facto de não ter constituído tal grupo com pelo menos uma das suas possíveis filiais ou outras entidades residentes elegíveis não permite estabelecer que esta sociedade‑mãe não tenta criar tal grupo ou beneficiar de um regime de integração fiscal com uma ou mais das suas filiais não residentes.

    43

    Por outro lado, no caso em apreço, como resulta das considerações que figuram no n.o 38 do presente acórdão, a situação das sociedades pertencentes a um grupo fiscalmente integrado deve ser considerada comparável com a das sociedades não pertencentes a esse grupo no que respeita a uma regulamentação que prevê não a integração fiscal mas a isenção total de imposto dos dividendos recebidos, por efeito do benefício fiscal em causa nos litígios nos processos principais.

    44

    Tendo em conta estes elementos, a diferença de tratamento constatada nos processos principais diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

    45

    Quanto à questão de saber se esta diferença de tratamento pode ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral, basta salientar que nem o órgão jurisdicional de reenvio nem o Governo Francês invocaram a existência de tais razões imperiosas de interesse geral.

    46

    Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder à questão submetida que o artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro relativa a um regime de integração fiscal por força da qual

    uma sociedade‑mãe residente que tenha optado por uma integração fiscal com sociedades residentes pode beneficiar da neutralização da reintegração de uma quota‑parte das despesas e custos fixada uniformemente em 5 % do montante líquido dos dividendos que essa sociedade‑mãe recebeu das suas filiais situadas noutros Estados‑Membros, filiais estas que, se fossem residentes, teriam sido objetivamente elegíveis, por opção sua,

    ao passo que tal neutralização é recusada a uma sociedade‑mãe residente que não tenha optado por essa integração fiscal apesar da existência de ligações de capital com outras sociedades residentes que o permitiam.

    Quanto às despesas

    47

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    O artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro relativa a um regime de integração fiscal por força da qual

     

    uma sociedade‑mãe residente que tenha optado por uma integração fiscal com sociedades residentes pode beneficiar da neutralização da reintegração de uma quota‑parte das despesas e custos fixada uniformemente em 5 % do montante líquido dos dividendos que essa sociedade‑mãe recebeu das suas filiais situadas noutros Estados‑Membros, filiais estas que, se fossem residentes, teriam sido objetivamente elegíveis, por opção sua,

     

    ao passo que tal neutralização é recusada a uma sociedade‑mãe residente que não tenha optado por essa integração fiscal apesar da existência de ligações de capital com outras sociedades residentes que o permitiam.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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