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Document 62022CJ0073

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 13 de julho de 2023.
    Grupa Azoty S.A. e o. contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Orientações relativas a determinadas medidas de auxílio estatal no âmbito do sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa — Setores económicos elegíveis — Exclusão do setor do fabrico de produtos azotados e de adubos — Recurso de anulação — Admissibilidade — Direito de recurso das pessoas singulares ou coletivas — Artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE — Requisito segundo o qual o recorrente deve ser diretamente afetado.
    Processos apensos C-73/22 P e C-77/22 P.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:570

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    13 de julho de 2023 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Orientações relativas a determinadas medidas de auxílio estatal no âmbito do sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa — Setores económicos elegíveis — Exclusão do setor do fabrico de produtos azotados e de adubos — Recurso de anulação — Admissibilidade — Direito de recurso das pessoas singulares ou coletivas — Artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE — Requisito segundo o qual o recorrente deve ser diretamente afetado»

    Nos processos apensos C‑73/22 P e C‑77/22 P,

    que têm por objeto dois recursos de despachos do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos em 3 e 4 de fevereiro de 2022 respetivamente,

    Grupa Azoty S.A., com sede em Tarnów (Polónia),

    Azomureș SA, com sede em Târgu Mureş (Roménia),

    Lipasmata Kavalas LTD Ypokatastima Allodapis, com sede em Palaio Fáliro (Grécia),

    representadas por D. Haverbeke, L. Ruessmann e P. Sellar, advogados,

    recorrentes no processo C‑73/22 P,

    sendo a outra parte no processo:

    Comissão Europeia, representada inicialmente por A. Bouchagiar, G. Braga da Cruz e J. Ringborg e, em seguida, por A. Bouchagiar e J. Ringborg, na qualidade de agentes,

    recorrida em primeira instância,

    e

    Advansa Manufacturing GmbH, com sede em Hamm (Alemanha),

    Beaulieu International Group NV, com sede em Waregem (Bélgica),

    Brilen SA, com sede em Saragoça (Espanha),

    Cordenka GmbH & Co. KG, com sede em Erlenbach am Main (Alemanha),

    Dolan GmbH, com sede em Kelheim (Alemanha),

    Enka International GmbH & Co. KG, com sede em Wuppertal (Alemanha),

    Glanzstoff Longlaville SAS, com sede em Longlaville (França),

    Infinited Fiber Company Oy, com sede em Espoo (Finlândia),

    Kelheim Fibres GmbH, com sede em Kelheim,

    Nurel SA, com sede em Saragoça,

    PHP Fibers GmbH, com sede em Erlenbach am Main,

    Teijin Aramid BV, com sede em Arnhem (Países Baixos),

    Thrace Nonwovens & Geosynthetics monoprosopi AVEE mi yfanton yfasmaton kai geosynthetikon proïonton S.A., com sede em Magikó (Grécia),

    Trevira GmbH, com sede em Bobingen (Alemanha),

    representadas por D. Haverbeke, L. Ruessmann e P. Sellar, advogados,

    recorrentes no processo C‑77/22 P,

    sendo as outras partes no processo:

    Dralon GmbH, com sede em Dormagen (Alemanha),

    recorrente em primeira instância,

    Comissão Europeia, representada inicialmente por A. Bouchagiar, G. Braga da Cruz e J. Ringborg e, em seguida, por A. Bouchagiar e J. Ringborg, na qualidade de agentes,

    recorrida em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, L. S. Rossi, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e O. Spineanu‑Matei, juízes,

    advogado‑geral: P. Pikamäe,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de março de 2023,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com os seus recursos, a Grupa Azoty S.A., a Azomureș SA e a Lipasmata Kavalas LTD Ypokatastima Allodapis (C‑73/22 P), bem como a Advansa Manufacturing GmbH, a Beaulieu International Group NV, a Brilen SA, a Cordenka GmbH & Co. KG, a Dolan GmbH, a Enka International GmbH & Co. KG, a Glanzstoff Longlaville SAS, a Infinited Fiber Company Oy, a Kelheim Fibres GmbH, a Nurel SA, a PHP Fibers GmbH, a Teijin Aramid BV, a Thrace Nonwovens & Geosynthetics monoprosopi a AVEE mi yfanton yfasmaton kai geosynthetikon proïonton S.A. e a Trevira GmbH (C‑77/22 P), pedem a anulação, as primeiras, do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 29 de novembro de 2021, Grupa Azoty e o./Comissão (T‑726/20), e, as segundas, do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 29 de novembro de 2021, Advansa Manufacturing e o./Comissão (T‑741/20) (a seguir, em conjunto, «despachos recorridos»), pelos quais o Tribunal Geral declarou inadmissíveis os respetivos recursos destinados a obter a anulação parcial da Comunicação da Comissão intitulada «Orientações relativas a determinadas medidas de auxílio estatal no âmbito do sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa após 2021», publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 25 de setembro de 2020 (JO 2020, C 317, p. 5, a seguir «Orientações controvertidas»).

    Quadro jurídico

    Diretiva 2003/87

    2

    A Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho (JO 2003, L 275, p. 32), conforme alterada pela Diretiva (UE) 2018/410 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2018 (JO 2009, L 76, p. 3) (a seguir «Diretiva 2003/87»), estabeleceu um sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na União (a seguir «CELE»).

    3

    O artigo 10.o‑A, n.o 6, da Diretiva 2003/87 enuncia:

    «Os Estados‑Membros deverão adotar medidas financeiras […] a favor de setores ou subsetores expostos a um risco real de fuga de carbono, devido aos significativos custos indiretos efetivamente incorridos pelo facto de os custos das emissões de gases com efeito de estufa se repercutirem nos preços da eletricidade, desde que essas medidas financeiras estejam em conformidade com as regras relativas aos auxílios estatais e, em especial, desde que não causem distorções indevidas da concorrência no mercado interno. […]»

    4

    O artigo 10.o‑B, n.o 1, desta diretiva dispõe:

    «São considerados expostos ao risco de fuga de carbono os setores e os subsetores em que o produto resultante da multiplicação da respetiva intensidade das trocas comerciais com países terceiros, definida como o rácio entre o valor total das exportações para esses países adicionado do valor das importações provenientes desses países e a dimensão total do mercado para o Espaço Económico Europeu (volume de negócios anual adicionado do total das importações provenientes de países terceiros), pela intensidade das suas emissões, medida em kgCO2, a dividir pelo seu valor acrescentado bruto (em euros), seja superior a 0,2 […]»

    5

    O artigo 10.o‑B, n.os 2 e 3, da referida diretiva estabelece as condições em que os setores e subsetores que não excedam o referido limiar podem igualmente ser considerados como expostos a um risco de fuga de carbono e incluídos no grupo referido no n.o 1 desta disposição.

    Orientações controvertidas

    6

    No ponto 7 das Orientações controvertidas, a Comissão Europeia indica que, nas mesmas, «estabelece as condições nos termos das quais as medidas de auxílio no contexto do CELE podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), [TFUE]».

    7

    O ponto 9 destas Orientações tem a seguinte redação:

    «Os princípios estabelecidos nas presentes Orientações aplicam‑se apenas às medidas de auxílio específicas previstas nos artigos 10.o‑A, n.o 6[,] e no artigo 10.o‑B da Diretiva [2003/87].»

    8

    Nos termos dos pontos 19 a 21 das referidas Orientações:

    «19. Os auxílios aos custos indiretos das emissões são considerados compatíveis com o mercado interno, na aceção do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), [TFUE], desde que estejam cumpridas as seguintes condições:

    20. O objetivo deste tipo de auxílio consiste em prevenir um risco significativo de fuga de carbono, especialmente devido aos custos decorrentes das [Licenças de emissão da União Europeia] repercutidos nos preços da eletricidade suportados pelo beneficiário, se os seus concorrentes de países terceiros não tiverem de suportar custos semelhantes nos respetivos preços da eletricidade e se o beneficiário não puder repercutir esses custos nos preços dos produtos sem perder quotas de mercado significativas. A minimização do risco de fuga de carbono, através da assistência aos beneficiários para que reduzam a sua exposição a este risco, constitui um objetivo ambiental, uma vez que o auxílio se destina a evitar um aumento das emissões globais de gases com efeito de estufa devido a transferências da produção para fora da União, na ausência de um acordo internacional vinculativo sobre a redução das emissões de gases com efeito de estufa.

    21. Para limitar o risco de distorção da concorrência no mercado interno, o auxílio deve limitar‑se aos setores expostos a um risco real de fuga de carbono devido aos significativos custos indiretos efetivamente incorridos em consequência da repercussão efetiva dos custos das emissões de gases com efeito de estufa no preço da eletricidade. Para efeito das presentes Orientações, só se considera que existe um risco real de fuga de carbono quando o beneficiário exerce as suas atividades num setor constante do anexo I.»

    9

    Este anexo I é composto por uma lista de catorze setores considerados como expostos a um risco significativo de fuga de carbono devido aos custos indiretos das emissões.

    10

    O ponto 64 das Orientações controvertidas dispõe que estas substituem, a partir de 1 de janeiro de 2021, as Orientações relativas a determinadas medidas de auxílio estatal no âmbito do regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa após 2012, publicadas em 5 de junho de 2012 (JO 2012, C 158, p. 4). Nos pontos 65 e 66 das Orientações controvertidas, a Comissão indica que aplicará os princípios nelas estabelecidos entre 1 de janeiro de 2021 e 31 de dezembro de 2030 a todas as medidas de auxílio notificadas relativamente às quais deva tomar uma decisão, a partir de 1 de janeiro de 2021, mesmo que os projetos tenham sido notificados antes da sua publicação.

    Antecedentes do litígio

    11

    As recorrentes são empresas que exercem atividade no setor do fabrico de produtos azotados e de fertilizantes.

    12

    Este setor não consta da lista que figura no anexo I das Orientações controvertidas, intitulada «Setores considerados como expostos a um risco significativo de fuga de carbono devido aos custos indiretos das emissões», embora constasse da lista que figura no anexo II das Orientações publicadas em 5 de junho de 2012, intitulada «Setores e subsetores considerados, ex ante, como expostos a um risco significativo de fuga de carbono devido aos custos das emissões indiretas», que era aplicável até 31 de dezembro de 2020.

    Tramitação processual no Tribunal Geral e despachos recorridos

    13

    Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 15 e 16 de dezembro de 2020, as recorrentes interpuseram, ao abrigo do artigo 263.o TFUE, recursos de anulação do anexo I das Orientações controvertidas.

    14

    Por requerimentos separados apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de março de 2021, a Comissão suscitou exceções de inadmissibilidade nos termos do artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

    15

    Através dos despachos recorridos, o Tribunal Geral declarou os recursos inadmissíveis com o fundamento de que as recorrentes, que não são destinatárias das Orientações controvertidas, não são diretamente afetadas por estas, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, uma vez que as referidas orientações não produzem diretamente efeitos na situação jurídica das recorrentes.

    16

    Em apoio desta apreciação, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 40 a 43 dos despachos recorridos, que, embora se tenha considerado, nas Orientações controvertidas, que existe um risco significativo de fuga de carbono unicamente quando o beneficiário do auxílio exerce a sua atividade num dos setores enumerados no anexo I das referidas Orientações, tal não exclui que os Estados‑Membros possam notificar à Comissão medidas de auxílio a favor de empresas que exerçam atividade em setores distintos dos enumerados no referido anexo e possam procurar demonstrar que, apesar de não satisfazerem um dos critérios estabelecidos nas referidas Orientações, um auxílio a essas empresas respeita o disposto no artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE. Embora reconhecendo que, em tal caso, é muito provável que a Comissão adote, ao abrigo do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), uma decisão que declare que o auxílio proposto é incompatível com o mercado interno, o Tribunal Geral indicou que só essa decisão seria suscetível de produzir efeitos jurídicos diretos relativamente às empresas que poderiam ter beneficiado do auxílio.

    17

    O Tribunal Geral declarou ainda, no n.o 38 dos despachos recorridos, que, no caso de um Estado‑Membro não adotar nenhuma medida de auxílio abrangida pelo âmbito das Orientações controvertidas, a Comissão não adota nenhuma decisão ao abrigo do Regulamento n.o 2015/1589. Por conseguinte, também neste caso, essas Orientações não produzem diretamente efeitos sobre a situação jurídica das recorrentes.

    Pedidos das partes e tramitação no Tribunal de Justiça

    18

    Com os seus recursos, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular os despachos recorridos;

    declarar os recursos admissíveis;

    a título subsidiário, anular os despachos recorridos com o fundamento de que o Tribunal Geral deveria ter reservado a decisão sobre a admissibilidade até à apreciação do mérito dos recursos;

    remeter os processos ao Tribunal Geral para que este se pronuncie quanto ao mérito;

    condenar a Comissão nas despesas do presente processo;

    reservar a questão das despesas do processo perante o Tribunal Geral para depois de este ter concluído a sua apreciação quanto ao mérito.

    19

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento aos recursos, e

    condenar as recorrentes nas despesas;

    a título subsidiário, se o Tribunal de Justiça anular os despachos recorridos, pronunciar‑se sobre os recursos julgando‑os inadmissíveis, e condenar as recorrentes nas despesas.

    20

    Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça, de 16 de setembro de 2022, os processos C‑73/22 P e C‑77/22 P foram apensados para efeitos da fase oral do processo e do acórdão.

    Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

    21

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de abril de 2023, as recorrentes no processo principal pediram a reabertura da fase oral do processo.

    22

    Em apoio desse pedido, as referidas recorrentes alegam que a questão de saber se as Orientações controvertidas lhes dizem diretamente respeito, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, não foi devidamente examinada nas Conclusões do advogado‑geral e não foi completamente debatida no Tribunal de Justiça.

    23

    Segundo as referidas recorrentes, o debate sobre esta questão deve prosseguir no âmbito de uma audiência de alegações e incidir sobre o conteúdo, a natureza, os objetivos e os efeitos jurídicos do ato impugnado, bem como sobre o direito a uma proteção jurisdicional efetiva. A análise constante das Conclusões não tem devidamente em conta estes elementos.

    24

    A este respeito, importa salientar que, em conformidade com o disposto no artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que ainda não foi debatido entre as partes.

    25

    No presente processo, no que respeita, por um lado, às observações formuladas pelas recorrentes quanto às Conclusões do advogado‑geral, deve recordar‑se que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça não preveem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral. De acordo com o artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, o advogado‑geral apresenta publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado por essas conclusões nem pela fundamentação em que o advogado‑geral as baseia. Por conseguinte, o desacordo de uma parte com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões que este examina nas mesmas, não pode constituir, em si, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.os 37 e 38 e jurisprudência referida).

    26

    No que respeita, por outro lado, ao debate que teve lugar entre as partes, o Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que dispõe, no termo da fase escrita do processo que teve lugar perante si, de todos os elementos necessários para se pronunciar, tendo, de resto, os argumentos constantes do pedido de reabertura da fase oral do processo sido amplamente debatidos durante essa fase escrita.

    27

    Importa recordar, a este respeito, que o direito de ser ouvido não estabelece uma obrigação absoluta de realização de uma audiência de alegações em todos os processos. É o que acontece, nomeadamente, quando o processo não suscita questões de facto ou de direito que possam ser adequadamente resolvidas com base no procedimento administrativo e nas observações escritas das partes (Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o., C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, n.o 123 e jurisprudência referida). O artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça prevê precisamente que este pode decidir não realizar audiência de alegações se, lidos os articulados ou observações apresentados durante a fase escrita do processo, considerar que dispõe das informações suficientes para se pronunciar.

    28

    Tendo em conta o que precede, não há que deferir o pedido de reabertura da fase oral do processo.

    Quanto aos presentes recursos

    29

    Em apoio dos respetivos recursos, as recorrentes invocam, a título principal, dois fundamentos idênticos, relativos, o primeiro, a uma fundamentação insuficiente e, o segundo, a um erro de direito na aplicação do requisito segundo o qual a pessoa singular ou coletiva que interpõe um recurso de anulação de um ato de que não é destinatária deve ser diretamente afetada por esse ato. Através de um fundamento subsidiário, igualmente idêntico nos dois processos, alegam que o Tribunal Geral deveria ter apensado o exame das exceções de inadmissibilidade suscitadas pela Comissão à apreciação do mérito dos recursos.

    Quanto ao primeiro fundamento

    Argumentos das partes

    30

    Com a primeira parte do seu primeiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral não provou os factos e não respondeu aos argumentos invocados perante si.

    31

    A este respeito, as recorrentes sublinham que tinham exposto no Tribunal Geral que, diferentemente de outras orientações, as Orientações controvertidas não são apenas indicativas, mas criam obrigações jurídicas para os Estados‑Membros. Ao estabelecer, no anexo I das Orientações controvertidas, uma lista exaustiva dos setores aos quais devem ser concedidos os auxílios referidos no artigo 10.o‑A, n.o 6, da Diretiva 2003/87, a Comissão privou os Estados‑Membros da possibilidade de conceder, ao abrigo desta disposição, um auxílio de Estado compatível com o mercado interno a um setor não mencionado nesse anexo. Daqui resulta que o referido anexo é vinculativo para os Estados‑Membros.

    32

    Ora, apesar da apresentação desta argumentação, o Tribunal Geral não tirou nenhuma conclusão de facto sobre o conteúdo, a natureza ou o contexto das Orientações controvertidas. Esta omissão conduziu a uma fundamentação insuficiente, que contrasta, nomeadamente, com a do Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de julho de 2016, Kotnik e o. (C‑526/14, EU:C:2016:570), e do Despacho do Tribunal Geral de 23 de novembro de 2015, EREF/Comissão (T‑694/14, EU:T:2015:915). Nestas duas decisões judiciais, relativas, respetivamente, a uma comunicação sobre o setor bancário e a orientações no domínio da proteção do ambiente, o juiz da União baseou a sua apreciação numa análise detalhada dos atos em causa.

    33

    Com a segunda parte do primeiro fundamento, as recorrentes afirmam que o Tribunal Geral não fundamentou suficientemente a sua apreciação, que figura no n.o 38 dos despachos recorridos, segundo a qual, mesmo que um Estado‑Membro não adote nenhuma medida de auxílio abrangida pelas Orientações controvertidas, não está preenchido o requisito segundo o qual a pessoa singular ou coletiva que interpõe recurso de um ato de que não é destinatária deve ser diretamente afetada por esse ato.

    34

    Observam que esta situação pode ocorrer, uma vez que o artigo 10.o‑A, n.o 6, da Diretiva 2003/87 não obriga os Estados‑Membros a adotar medidas de auxílio. Importa, portanto, compreender as razões pelas quais o Tribunal Geral considera que, na falta de medidas de auxílio adotadas pelos Estados‑Membros, as Orientações controvertidas não podem dizer diretamente respeito às recorrentes. Ora, a apreciação do Tribunal Geral, que se traduz em constatar que só uma decisão da Comissão nos termos do Regulamento 2015/1589 pode dizer diretamente respeito às recorrentes, está insuficientemente fundamentada.

    35

    Segundo a Comissão, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    36

    No que respeita ao dever de fundamentação que incumbe ao Tribunal Geral por força do artigo 36.o e do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, é jurisprudência constante que a decisão do Tribunal Geral deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio deste, de modo a permitir aos interessados conhecer as justificações da decisão tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional (v., nomeadamente, Acórdãos de 13 de janeiro de 2022, Alemanha e o./Comissão, C‑177/19 P a C‑179/19 P, EU:C:2022:10, n.o 37, e de 9 de março de 2023, Les Mousquetaires e ITM Entreprises/Comissão, C‑682/20 P, EU:C:2023:170, n.o 40).

    37

    Nos despachos recorridos, o Tribunal Geral começou por descrever, numa secção dedicada aos antecedentes do litígio, o conteúdo e o contexto das Orientações controvertidas, e em seguida recordou, numa primeira parte da sua apreciação, a jurisprudência relativa aos requisitos que regem a admissibilidade dos recursos interpostos por pessoas singulares ou coletivas de atos dos quais não são destinatárias.

    38

    Em seguida, no n.o 34 dos referidos despachos, indicou que a lista dos setores económicos constante do anexo I das Orientações controvertidas tem por efeito obrigar, em princípio, a Comissão a só considerar, no âmbito de aplicação destas orientações, compatíveis com o mercado interno os auxílios estatais concedidos a favor de setores mencionados na referida lista.

    39

    À luz desses elementos, o Tribunal Geral analisou, nos n.os 36 a 43 dos despachos recorridos, as diferentes situações que podem ocorrer relativamente aos auxílios previstos pelas Orientações controvertidas, cuja concessão é incentivada no artigo 10.o‑A, n.o 6, da Diretiva 2003/87. Os n.os 36 e 37 destes despachos têm por objeto situações em que um Estado‑Membro decide conceder esses auxílios, enquanto o seu n.o 38 é consagrado à situação em que um Estado‑Membro decide não os conceder. Os n.os 39 a 43 dos referidos despachos dizem respeito à hipótese de um Estado‑Membro pretender conceder esses auxílios a um setor não mencionado no anexo I das Orientações controvertidas e notificar esses auxílios à Comissão, com base no direito primário da União, a saber, o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE.

    40

    Com esta análise, o Tribunal Geral expôs um raciocínio detalhado que explica inequivocamente a rejeição da argumentação das recorrentes. Com efeito, estas tinham alegado que as Orientações controvertidas vinculam os Estados‑Membros, impedindo‑os de conceder auxílios a favor dos setores não mencionados no anexo I dessas orientações, e, deste modo, produzem diretamente efeitos na situação jurídica das empresas que operam nesses setores.

    41

    No que respeita, em particular, à situação, salientada pelas recorrentes, em que um Estado‑Membro decide não adotar nenhuma medida de auxílio abrangida pelas Orientações controvertidas, o Tribunal Geral formulou claramente, no n.o 38 dos referidos despachos, a sua apreciação segundo a qual, em tal situação, estas Orientações não podem afetar a situação jurídica das recorrentes, uma vez que, não existindo auxílio, a Comissão não será levada a aplicar as referidas Orientações.

    42

    Por outro lado, o Tribunal Geral expôs de forma circunstanciada, nos n.os 39 a 43 dos despachos recorridos, cujo conteúdo está resumido no n.o 16 do presente acórdão, que os Estados‑Membros continuam a poder notificar à Comissão medidas de auxílio a favor de um setor económico que, embora não sendo mencionado nesse anexo, possa, devido a circunstâncias excecionais, estar exposto a um risco real de fuga de carbono e ser elegível para a concessão de um auxílio ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE.

    43

    Por conseguinte, contrariamente ao sustentado na primeira parte do primeiro fundamento, o Tribunal Geral analisou as exceções de inadmissibilidade à luz do conteúdo e do contexto das Orientações controvertidas e, nos n.os 36 a 43 dos despachos recorridos, respondeu à argumentação das recorrentes e expôs assim claramente os fundamentos da sua decisão. O n.o 38 destes despachos, que é especificamente criticado pela segunda parte do primeiro fundamento, integra‑se no raciocínio do Tribunal Geral e permite compreender sem dificuldade as razões pelas quais este considerou que o anexo I das Orientações controvertidas não produz diretamente efeitos na situação jurídica das recorrentes quando não é concedido nenhum auxílio previsto por essas Orientações.

    44

    Daqui resulta que nenhuma das duas partes do primeiro fundamento pode ser acolhida, pelo que o referido fundamento não é procedente.

    Quanto ao segundo fundamento

    Argumentos das partes

    45

    Com o seu segundo fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que as Orientações controvertidas não lhes dizem diretamente respeito.

    46

    Observam que, para determinar os efeitos jurídicos produzidos por um ato da União, há que atender, nomeadamente, ao objeto e ao conteúdo desse ato, bem como ao contexto em que o mesmo foi adotado. Ora, os despachos recorridos não se baseiam nesse exame concreto mas num raciocínio mais geral, que enferma de vários erros.

    47

    Assim, o Tribunal Geral partiu do pressuposto errado de que, na perspetiva do artigo 263.o TFUE, todas as orientações da Comissão devem ser qualificadas da mesma maneira, o que reflete uma abordagem incorreta. A este respeito, as recorrentes observam que os despachos recorridos estão em sintonia com o Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de julho de 2016, Kotnik e o. (C‑526/14, EU:C:2016:570), e com o Despacho do Tribunal Geral de 23 de novembro de 2015, EREF/Comissão (T‑694/14, EU:T:2015:915), apesar de estas decisões jurisdicionais dizerem respeito a atos que, contrariamente às Orientações controvertidas, deixam uma margem de apreciação aos Estados‑Membros.

    48

    Ao seguir esta abordagem, o Tribunal Geral ignorou o facto de as Orientações controvertidas se dirigirem aos Estados‑Membros e não lhes deixarem nenhuma margem de apreciação no que respeita aos setores económicos elegíveis para os auxílios que podem ser concedidos ao abrigo do artigo 10.o‑A, n.o 6, da Diretiva 2003/87.

    49

    Tendo em conta essa falta de margem de apreciação para os Estados‑Membros, o Tribunal Geral devia, segundo as recorrentes, ter seguido o raciocínio exposto no Acórdão de 5 de maio de 1998, Dreyfus/Comissão (C‑386/96 P, EU:C:1998:193), cujo n.o 44 indica que se pode considerar que um ato da União diz diretamente respeito a um particular, que não é destinatário esse ato, quando a possibilidade de os destinatários do referido ato não lhe darem seguimento é puramente teórica.

    50

    O Tribunal Geral teve erradamente em conta a possibilidade de um Estado‑Membro notificar à Comissão medidas de auxílio a favor de empresas que operam em setores diferentes dos enumerados no anexo I das Orientações controvertidas e de esse Estado procurar demonstrar que as referidas medidas são compatíveis com o mercado interno ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE.

    51

    A este respeito, as recorrentes alegam que, embora seja certo que, juridicamente, existe tal possibilidade, essa circunstância não altera o facto de as Orientações controvertidas excluírem a concessão dos auxílios previstos no artigo 10.o‑A, n.o 6, da Diretiva 2003/87 aos operadores económicos que exercem atividades nos setores não mencionados no anexo I da mesma. Esta exclusão não é compensada pela possibilidade de conceder auxílios de Estado ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE. Na realidade, qualquer previsão sobre a concessão de tais auxílios seria puramente especulativa, enquanto os auxílios previstos no referido artigo 10.o‑A, n.o 6, estão formalmente previstos e são encorajados por esta disposição.

    52

    O Tribunal Geral baseou‑se, além disso, no pressuposto errado de que um operador económico só pode ser diretamente afetado se a Comissão adotar uma decisão ao abrigo do Regulamento 2015/1589. O Tribunal de Justiça já declarou, no domínio dos auxílios de Estado, que uma tomada de posição da Comissão pode dizer diretamente respeito a um operador económico sem que esta tenha formalmente adotado uma decisão relativamente a ele (Acórdão de 17 de setembro de 2009, Comissão/Koninklijke FrieslandCampina, C‑519/07 P, EU:C:2009:556, n.os 48 a 50).

    53

    Em razão da apreciação errada do Tribunal Geral, as recorrentes ficam privadas de qualquer via de recurso, apesar de o seu caso se enquadrar na situação, referida nomeadamente no n.o 33 do Acórdão de 25 de julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, EU:C:2002:462), em que deve poder ser interposto um recurso de anulação para que seja assegurada uma proteção jurisdicional.

    54

    A este último respeito, as recorrentes salientam que os Estados‑Membros não estão obrigados a adotar medidas de auxílio nos termos do artigo 10.o‑A, n.o 6, da Diretiva 2003/87. Em seu entender, é provável que não seja concedido nenhum auxílio, previsto nesta disposição, e que não seja adotada nenhuma decisão da Comissão relativamente a esse auxílio. Financeiramente, tal situação seria comparável àquela em que a Comissão declara um auxílio notificado incompatível com o mercado interno. Todavia, na primeira situação, as recorrentes, segundo o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral, não dispõem de nenhuma via de recurso, ao passo que, na segunda, dispõem. Esta diferença é inadmissível, uma vez que as recorrentes são afetadas da mesma maneira nas duas situações.

    55

    Por outro lado, o Tribunal de Justiça reconheceu que não é legítimo esperar que os operadores económicos afetados por um ato da União provoquem uma decisão negativa de um Estado‑Membro para poderem impugnar esse ato da União (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 66). Também não é plausível esperar que os Estados‑Membros violem o seu dever de cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE ao notificarem auxílios ao setor do fabrico de produtos azotados e fertilizantes, apesar de o anexo I das Orientações controvertidas não mencionar este setor.

    56

    Segundo a Comissão, este segundo fundamento dos recursos deve igualmente ser julgado improcedente.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    57

    Como resulta dos pontos 7 e 9 das Orientações controvertidas, estas enunciam os requisitos que devem ser cumpridos para que as medidas de auxílio abrangidas pelo CELE, em particular as previstas no artigo 10.o‑A, n.o 6, da Diretiva 2003/87, possam ser consideradas compatíveis com o mercado interno com base no artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE.

    58

    A adoção de tais Orientações inscreve‑se no exercício, pela Comissão, da sua competência exclusiva para apreciar a compatibilidade de medidas de auxílio com o mercado interno, nos termos do artigo 107.o, n.o 3, TFUE. A Comissão dispõe, a este respeito, de um amplo poder de apreciação (v., neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.os 37 a 39, e de 15 de dezembro de 2022, Veejaam e Espo, C‑470/20, EU:C:2022:981, n.o 29).

    59

    Ao estabelecer, através de Orientações, as condições em que as medidas de auxílio podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno, e ao anunciar, através da publicação dessas orientações, que aplicará as normas delas constantes, a Comissão autolimita‑se no exercício desse poder de apreciação, no sentido de que, se um Estado‑Membro notificar um projeto de auxílio de Estado que esteja em conformidade com essas regras, a Comissão deve, em princípio, autorizar esse projeto. Não pode, em princípio, desrespeitar essas regras, sob pena de poder ser sancionada, sendo caso disso, por violação de princípios gerais de direito, como a igualdade de tratamento ou a proteção da confiança legítima (Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 40, e de 31 de janeiro de 2023, Comissão/Braesch e o., C‑284/21 P, EU:C:2023:58, n.o 90).

    60

    O artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE dispõe que qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.

    61

    As recorrentes não podem ser qualificadas de destinatárias das Orientações controvertidas. Por conseguinte, à luz da própria redação do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, a legitimidade ativa das recorrentes pressupunha, pelo menos, como o Tribunal Geral salientou no n.o 27 dos despachos recorridos, que essas orientações lhes dissessem diretamente respeito.

    62

    O requisito segundo o qual o ato impugnado deve dizer diretamente respeito ao recorrente, que figura, em termos idênticos, tanto na segunda parte do quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE como na terceira parte da mesma disposição, deve revestir o mesmo significado em cada uma dessas partes da referida disposição (Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.o 73). Segundo jurisprudência constante, este requisito exige que estejam reunidos dois critérios cumulativos, a saber, que esse ato, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica dessa pessoa e, por outro, não deixe nenhum poder de apreciação aos destinatários responsáveis pela sua execução, uma vez que tem uma natureza puramente automática e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (Acórdão de 16 de março de 2023, Comissão/Jiangsu Seraphim Solar System e Conselho/Jiangsu Seraphim Solar System e Comissão, C‑439/20 P e C‑441/20 P, EU:C:2023:211, n.o 55 e jurisprudência referida).

    63

    As Orientações controvertidas, que dizem nomeadamente respeito às medidas de auxílio que, segundo o artigo 10.o‑A, n.o 6, da Diretiva 2003/87, os Estados‑Membros devem adotar, têm, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 59 do presente acórdão, por efeito que, em caso de notificação de um projeto de auxílio de Estado que siga os critérios estabelecidos nessas Orientações, entre os quais a lista dos setores elegíveis contida no anexo I das mesmas, a Comissão deve, em princípio, autorizar esse projeto.

    64

    Uma vez que as recorrentes exercem atividade num setor que não está abrangido por esse anexo, está excluído que possam beneficiar de tal obrigação da Comissão.

    65

    Assim sendo, como o Tribunal Geral expôs, em substância, nos n.os 39 a 41 dos despachos recorridos, essas Orientações não têm, juridicamente, por efeito privar as recorrentes da possibilidade de serem elegíveis para a concessão dos auxílios de Estado referidos no artigo 10.o‑A, n.o 6, da Diretiva 2003/87.

    66

    A este respeito, há que recordar que a adoção de orientações não dispensa a Comissão da sua obrigação de examinar as circunstâncias específicas excecionais que um Estado‑Membro pode invocar, num caso particular, para solicitar a aplicação direta do artigo 107.o, n.o 3, TFUE. Os Estados‑Membros mantêm a faculdade de notificar a Comissão dos projetos de auxílios estatais que não satisfazem os critérios previstos nessa comunicação e a Comissão pode autorizar esses projetos em circunstâncias excecionais (v., designadamente, Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.os 40 e 43, e de 31 de janeiro de 2023, Comissão/Braesch e o., C‑284/21 P, EU:C:2023:58, n.os 92 e 93).

    67

    Assim, no âmbito do CELE, nada impede um Estado‑Membro de notificar à Comissão, a favor das empresas de um setor económico não mencionado no anexo I das Orientações controvertidas, um projeto de auxílio que, nos termos do artigo 10.o‑A, n.o 6, da Diretiva 2003/87, vise reduzir um risco substancial de fuga de carbono a que esse setor está, na sua opinião, sujeito e de apresentar as circunstâncias suscetíveis de justificar a aprovação desse projeto nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, não obstante o facto de a Comissão não ter identificado, nessas Orientações, o referido setor como estando exposto a tal risco.

    68

    Daqui resulta, como o Tribunal Geral, com justeza, considerou, que as Orientações controvertidas, embora reduzindo as possibilidades de as recorrentes obterem um auxílio ao abrigo do artigo 10.o‑A, n.o 6, da Diretiva 2003/87, não determinam, por si só, se estas são elegíveis para esse auxílio e, consequentemente, não produzem diretamente efeitos na sua situação jurídica.

    69

    Contrariamente ao que alegam as recorrentes, o facto de não poderem exercer uma via de recurso direta contra as Orientações controvertidas não as priva de uma proteção jurisdicional efetiva. Com efeito, o direito processual da União permite a uma pessoa singular ou coletiva invocar a ilegalidade de orientações em apoio de um recurso dirigido contra um ato, adotado à luz dessas orientações, que afeta essa pessoa de uma maneira que preenche os requisitos enunciados no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE (v., por analogia, Acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.os 209 a 212).

    70

    Por outro lado, na medida em que as recorrentes invocam a hipótese de os Estados‑Membros não decidirem conceder nenhum auxílio previsto no artigo 10.o‑A, n.o 6, da Diretiva 2003/87, de modo que nenhuma decisão de autorização ou de recusa de autorização de um projeto de auxílio seja adotada pela Comissão à luz das Orientações controvertidas, há que considerar que, em tal caso, as recorrentes não se podem encontrar, devido a esse facto, numa situação concorrencial desvantajosa em relação a outras empresas cuja atividade económica se situa no mesmo setor que a sua. Nessas circunstâncias, o direito a um recurso efetivo, consagrado no artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não exige que as recorrentes possam contestar a legalidade dessas Orientações.

    71

    A este respeito, segundo jurisprudência constante, os particulares devem poder beneficiar de uma proteção jurisdicional efetiva dos direitos que a ordem jurídica da União lhes confere (Acórdão de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o., C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923, n.o 54 e jurisprudência referida). Ora, o direito que os particulares retiram das regras do direito da União em matéria de auxílios de Estado é o de não sofrer uma concorrência falseada (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 43 e jurisprudência referida).

    72

    Resulta do que precede que o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral não enferma de erro de direito e que o segundo fundamento é improcedente.

    Quanto ao fundamento subsidiário

    Argumentos das partes

    73

    Segundo as recorrentes, o Tribunal Geral deveria ter apreciado os recursos quanto ao mérito antes de decidir sobre a sua admissibilidade. Recordam que, nos termos do artigo 130.o, n.o 7, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, este reserva para final a apreciação das exceções ou outros incidentes processuais «se circunstâncias especiais o justificarem». Para efeitos de uma boa administração da justiça, o Tribunal Geral deveria ter considerado que essas circunstâncias existem no caso em apreço. Com efeito, para apreciar os efeitos jurídicos das Orientações controvertidas, teria sido necessário ouvir os argumentos quanto ao mérito.

    74

    A Comissão sustenta que este fundamento subsidiário é inoperante e, em qualquer caso, improcedente.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    75

    Como o Tribunal de Justiça já declarou, compete ao Tribunal Geral apreciar se uma correta administração da justiça justifica ou não que uma exceção de inadmissibilidade seja decidida imediatamente ou que a sua apreciação seja reservada para final. Não é necessário reservar para final a decisão sobre a exceção quando a sua apreciação não depende da apreciação dos fundamentos atinentes ao mérito da causa aduzidos pelo recorrente (Acórdão de 25 de outubro de 2017, Roménia/Comissão, C‑599/15 P, EU:C:2017:801, n.o 46 e jurisprudência referida).

    76

    No caso em apreço, resulta do exame do segundo dos dois fundamentos invocados a título principal em apoio dos recursos que o Tribunal Geral pôde, com razão, concluir, sem exame dos recursos quanto ao mérito, que as recorrentes não tinham legitimidade para agir.

    77

    Por conseguinte, este fundamento subsidiário não pode ser acolhido.

    78

    Uma vez que todos os fundamentos são julgados improcedentes, deve ser negado provimento aos recursos na totalidade.

    Quanto às despesas

    79

    Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso de uma decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas. O artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

    80

    Tendo a Comissão pedido a condenação das recorrentes nas despesas e tendo estas sido vencidas, há que condená‑las a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão com os recursos.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

     

    1)

    É negado provimento aos recursos C‑73/22 P e C‑77/22 P.

     

    2)

    A Grupa Azoty S.A., a Azomureș SA e a Lipasmata Kavalas LTD Ypokatastima Allodapis suportarão as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela Comissão Europeia, respeitantes ao recurso no processo C‑73/22 P.

     

    3)

    A Advansa Manufacturing GmbH, a Beaulieu International Group NV, a Brilen SA, a Cordenka GmbH & Co. KG, a Dolan GmbH, a Enka International GmbH & Co. KG, a Glanzstoff Longlaville SAS, a Infinited Fiber Company Oy, a Kelheim Fibres GmbH, a Nurel SA, a PHP Fibers GmbH, a Teijin Aramid BV, a Thrace Nonwovens & Geosynthetics monoprosopi AVEE mi yfanton yfasmaton kai geosynthetikon proïonton S.A. e a Trevira GmbH suportarão as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela Comissão, respeitantes ao recurso no processo C‑77/22 P.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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