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Document 62022CC0611

    Conclusões do advogado-geral Emiliou apresentadas em 21 de março de 2024.


    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:264

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    NICHOLAS EMILIOU

    apresentadas em 21 de março de 2024 ( 1 )

    Processos apensos C‑611/22 P e C‑625/22 P

    Illumina, Inc.

    contra

    Comissão Europeia (C‑611/22 P)

    e

    Grail LLC

    contra

    Illumina, Inc.,

    Comissão Europeia (C‑625/22 P)

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Concentrações de empresas — Artigo 22.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004 — Concentrações que não têm dimensão comunitária — Pedido de remessa proveniente de uma autoridade da concorrência não competente nos termos do direito nacional — Decisão da Comissão de examinar a concentração — Competência da Comissão — Prazo de apresentação do pedido de remessa — Obrigação de atuar dentro de um prazo razoável — Princípio da boa administração — Direito de defesa — Confiança legítima»

    I. Introdução

    1.

    A maior parte das leis modernas em matéria de defesa da concorrência, tanto na União Europeia como fora desta, assentam em três tipos de disposições: regras sobre acordos e práticas concertadas, regras sobre comportamentos unilaterais (ou abusos de posição dominante) e regras sobre o controlo das concentrações.

    2.

    A peculiaridade das regras de controlo das concentrações reside no facto de, contrariamente aos outros dois conjuntos de regras, exigirem geralmente que as autoridades competentes (administrativas e/ou judiciais) procedam a um controlo ex ante, por oposição a um controlo ex post, para determinar se um projeto de concentração pode, caso seja realizado, prejudicar significativamente a concorrência efetiva. É uma avaliação técnica particularmente complexa e trabalhosa, «que não se funda na aplicação de regras científicas exatas, mas sim em critérios e princípios subjetivos» e se destina a fazer um prognóstico «sobre os efeitos da concentração ao nível da estrutura e das dinâmicas concorrenciais dos mercados em questão, tendo em atenção inúmeros fatores, em contínua evolução, que podem afetar a futura evolução da procura e da oferta nesses mercados» ( 2 ).

    3.

    No entanto, essa avaliação deve ser efetuada no mais curto espaço de tempo possível. Com efeito, para preservar a eficácia do sistema, a maioria dos regimes jurídicos — incluindo o da União Europeia — exige que as empresas em causa notifiquem a operação às autoridades competentes e suspendam a sua realização até obterem autorização dessas autoridades. A notificação e a suspensão implicam custos significativos e comportam alguns riscos para as empresas em causa.

    4.

    Neste contexto, a escolha pelo legislador do tipo de limiares e a fixação dos respetivos montantes que, quando atingidos, desencadeiam para as partes objeto da concentração as obrigações de notificação e de suspensão revestem‑se de uma importância crucial para o bom funcionamento do sistema. Estes limiares prosseguem uma dupla função: assegurar um «nexo local» que justifique a intervenção das autoridades em questão e filtrar as operações potencialmente relevantes. Idealmente, os limiares devem ser fáceis de calcular (para evitar incertezas quanto à necessidade de notificar uma determinada operação) e fixados a um nível que, em simultâneo, minimize o número de operações não suscetíveis de colocar problemas em matéria de concorrência e que são abrangidas pelo sistema, bem como o número de operações que podem suscitar tais problemas e que não são abrangidas ( 3 ).

    5.

    O sistema de controlo das concentrações da União — regido pelo Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações [da União Europeia]») (a seguir «RCUE») ( 4 ) — baseia‑se essencialmente no volume de negócios das empresas objeto da concentração. No entanto, algumas disposições do referido regulamento conferem à Comissão Europeia, a título excecional, o poder de apreciar operações de concentração que não atingem os limiares de volume de negócios aplicáveis, quando os casos são remetidos a essa instituição pelas autoridades dos Estados‑Membros e, sendo caso disso, após serem convidadas pela Comissão a fazê‑lo. O presente processo centra‑se principalmente na definição do significado e do âmbito de aplicação de uma dessas disposições: o artigo 22.o do RCUE. Em resumo, a questão essencial no presente processo é a seguinte: esta disposição permite que a Comissão aprecie uma operação de concentração que lhe foi remetida pelas autoridades de um Estado‑Membro nos casos em que estas não têm competência para a apreciar, uma vez que a concentração em causa não atinge os limiares previstos na sua legislação nacional em matéria de controlo das concentrações?

    6.

    Apesar da aparente simplicidade da questão, encontrar a resposta correta não é de forma alguma um exercício simples. Exige que o intérprete efetue uma análise hermenêutica meticulosa para determinar a interpretação correta do artigo 22.o do RCUE. Para isso, é necessário não só examinar a redação, a origem, o contexto e a finalidade desta disposição, mas também ter em conta a lógica do sistema de controlo das concentrações da União, bem como alguns princípios fundamentais do direito da União (como o equilíbrio institucional, a subsidiariedade, a segurança jurídica, a territorialidade, etc.). Por último, mas não menos importante, nunca é demais sublinhar a importância que a resposta a esta questão pode ter para o funcionamento correto e eficaz do sistema de controlo das concentrações da União.

    II. Direito da União Europeia

    7.

    O artigo 22.o do RCUE, com a epígrafe «Remessa à Comissão», dispõe:

    «1.   Um ou mais Estados‑Membros podem solicitar à Comissão que examine qualquer concentração, tal como definida no artigo 3.o, que não tenha dimensão comunitária na aceção do artigo 1.o, mas que afete o comércio entre Estados‑Membros e ameace afetar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentam o pedido.

    Esse pedido deve ser apresentado no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da data de notificação da concentração ou, caso não seja necessária notificação, da data em que foi dado conhecimento da concentração ao Estado‑Membro em causa.

    2.   A Comissão deve informar sem demora as autoridades competentes dos Estados‑Membros e as empresas em causa dos pedidos que recebeu nos termos do n.o 1.

    Qualquer outro Estado‑Membro tem de se associar ao pedido inicial num prazo de 15 dias úteis após ter sido informado pela Comissão do pedido inicial.

    [...]

    3.   A Comissão pode, no prazo máximo de 10 dias úteis após o termo do prazo fixado no n.o 2, decidir examinar a concentração sempre que considere que afeta o comércio entre Estados‑Membros e ameaça afetar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentam o pedido. Se a Comissão não tomar uma decisão dentro deste prazo, presumir‑se‑á que decidiu examinar a concentração em conformidade com o pedido

    A Comissão deve informar todos os Estados‑Membros e as empresas em causa da sua decisão. Pode exigir a apresentação de uma notificação nos termos do artigo 4.o

    O Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentaram o pedido deixam de aplicar à concentração a sua legislação nacional de concorrência.

    4.   Quando a Comissão examina uma concentração nos termos do n.o 3, será aplicável o disposto no artigo 2.o, nos n.os 2 e 3 do artigo 4.o e nos artigos 5.°, 6.° e 8.° a 21.° O artigo 7.o é aplicável na medida em que a concentração não tenha sido realizada na data em que a Comissão informar as empresas em causa de que foi apresentado um pedido.

    Nos casos em que não é exigida uma notificação nos termos do artigo 4.o, o prazo fixado no n.o 1 do artigo 10.o para dar início ao processo começa a correr no dia útil seguinte àquele em que a Comissão informar as empresas em causa de que decidiu examinar a concentração nos termos do n.o 3.

    5.   A Comissão pode informar um ou mais Estados‑Membros de que considera que uma concentração preenche os critérios referidos no n.o 1. Nesses casos, a Comissão pode convidar esse Estado‑Membro ou esses Estados‑Membros a apresentarem um pedido nos termos do n.o 1.»

    8.

    O mecanismo de remessa atualmente previsto no artigo 22.o do RCUE foi inicialmente estabelecido no artigo 22.o, n.os 3 a 6 («Âmbito de aplicação do presente regulamento»), do Regulamento das concentrações comunitárias de 1989 ( 5 ) (a seguir «RCC»;), que foi posteriormente alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1310/97 do Conselho ( 6 ). O RCC foi depois revogado pelo RCUE, com efeitos a partir de 1 de maio de 2004.

    III. Enquadramento factual

    9.

    Os factos mais pertinentes expostos no Acórdão proferido no processo T‑227/21, Illumina/Commission (a seguir «acórdão recorrido») ( 7 ), podem ser resumidos do modo a seguir exposto.

    10.

    Em 20 de setembro de 2020, a Illumina Inc. — uma sociedade com sede nos Estados Unidos que comercializa soluções baseadas em sequenciação e em microarray para análises genéticas e genómicas — celebrou um acordo e um plano de concentração com vista à aquisição do controlo exclusivo da Grail LLC (anteriormente Grail, Inc.), que desenvolve testes sanguíneos para a despistagem precoce do cancro, de cujo capital já detinha 14,5 % (a seguir «concentração em causa»). Em 21 de setembro de 2020, a Illumina e a Grail (a seguir «recorrentes») emitiram um comunicado de imprensa anunciando esta concentração.

    11.

    Uma vez que o volume de negócios das recorrentes não excedia os limiares pertinentes, especialmente tendo em conta o facto de a Grail não gerar receitas em nenhum Estado‑Membro da União nem em nenhum outro lugar do mundo, a concentração em causa não tinha dimensão europeia na aceção do artigo 1.o do RCUE e, portanto, não foi notificada à Comissão. A concentração em causa tão‑pouco foi notificada nos Estados‑Membros da União ou nos Estados partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ( 8 ), uma vez que não estava abrangida pelo âmbito de aplicação das suas legislações nacionais sobre o controlo das concentrações.

    12.

    Após ter recebido uma denúncia relativa à concentração em causa, em dezembro de 2020, a Comissão manteve alguns contactos com o autor da denúncia, com várias autoridades nacionais da concorrência (a seguir «ANC») dos Estados‑Membros e com a Competition and Markets Authority (Autoridade da Concorrência e dos Mercados do Reino Unido).

    13.

    Em 19 de fevereiro de 2021, a Comissão informou os Estados‑Membros da concentração em causa enviando‑lhes uma carta em conformidade com o artigo 22.o, n.o 5, do RCUE (a seguir «convite»). Nesse convite, a Comissão explicou as razões pelas quais considerava, à primeira vista, que a concentração parecia preencher os requisitos previstos no artigo 22.o, n.o 1, do RCUE, e convidou os Estados‑Membros a apresentarem um pedido de remessa.

    14.

    No decurso de uma conversa telefónica, em 4 de março de 2021, a Comissão informou o representante legal de cada uma das recorrentes acerca do convite e da possibilidade de um pedido de remessa nos termos do artigo 22.o, n.o 1, do RCUE.

    15.

    Em 9 de março de 2021, a Autorité de la concurrence française (Autoridade da Concorrência Francesa, a seguir «ACF») pediu à Comissão, ao abrigo do artigo 22.o, n.o 1, do RCUE, para examinar a concentração em causa (a seguir «pedido de remessa»). Em 10 de março de 2021, a Comissão, em conformidade com o artigo 22.o, n.o 2, do RCUE, informou as ANC e o Órgão de Fiscalização da EFTA acerca do pedido de remessa. Em 11 de março de 2021, a Comissão informou igualmente as recorrentes do pedido de remessa, declarando que a operação de concentração em causa não podia ser realizada se, e na medida em que, a obrigação de suspensão prevista no artigo 7.o do RCUE, lido em conjugação com o artigo 22.o, n.o 4, primeiro parágrafo, segundo período, deste regulamento fosse aplicável (a seguir «ofício de informação»).

    16.

    Em 16 e 29 de março de 2021, as recorrentes apresentaram à Comissão observações de oposição ao pedido de remessa. Em 2, 7 e 12 de abril de 2021, a Illumina respondeu aos pedidos de informação que a Comissão lhe tinha enviado em 26 de março e em 8 de abril de 2021.

    17.

    Por cartas de 24, 26 e 31 de março de 2021, as autoridades da concorrência belga, grega, islandesa, neerlandesa e norueguesa pediram para se associar ao pedido de remessa, nos termos do artigo 22.o, n.o 2, do RCUE (a seguir «pedidos de associação»).

    18.

    Em 31 de março de 2021, a Comissão publicou uma comunicação intitulada «Orientações sobre a aplicação do mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o do [RCUE] para determinadas categorias de casos» ( 9 ).

    19.

    Por Decisões de 19 de abril de 2021, a Comissão aceitou o pedido de remessa, bem como os pedidos de associação. Através dessas decisões, a Comissão i) concluiu que o pedido de remessa tinha sido apresentado dentro do prazo de quinze dias úteis previsto no artigo 22.o, n.o 1, do RCUE; ii) concluiu que os pedidos de associação respeitavam o prazo estabelecido no artigo 22.o, n.o 2, do RCUE; iii) concluiu que a concentração em causa cumpria os critérios da remessa ao abrigo do artigo 22.o, n.o 1, do RCUE; e iv) julgou improcedentes os argumentos das recorrentes sobre uma alegada violação dos seus direitos de defesa e de outros princípios gerais do direito da União.

    IV. Tramitação processual no Tribunal Geral, acórdão recorrido e tramitação processual no Tribunal de Justiça

    20.

    Por petição apresentada em 28 de abril de 2021, a Illumina pediu ao Tribunal Geral, nos termos do artigo 263.o TFUE, que anulasse o ofício de informação, a decisão de aceitar a remessa da ACF e as decisões de aceitação dos pedidos de associação (a seguir «decisões impugnadas»).

    21.

    Por Despachos e Decisões do presidente da Terceira Secção Alargada do Tribunal Geral, i) a Grail foi autorizada a intervir em apoio dos pedidos da Illumina; ii) a República Helénica, a República Francesa, o Reino dos Países Baixos e o Órgão de Fiscalização da EFTA foram autorizados a intervir em apoio dos pedidos da Comissão; e iii) o pedido apresentado pela Computer & Communications Industry Association para intervir em apoio dos pedidos da Illumina foi indeferido.

    22.

    A Illumina, apoiada pela Grail, pediu ao Tribunal Geral que anulasse as decisões impugnadas e o ofício de informação e condenasse a Comissão nas despesas. Por seu turno, a Comissão, apoiada pela República Helénica, pela República Francesa, pelo Reino dos Países Baixos e pelo Órgão de Fiscalização da EFTA, pediu ao Tribunal Geral que julgasse o recurso inadmissível ou, a título subsidiário, parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente, e condenasse a Illumina nas despesas.

    23.

    Em 13 de julho de 2022, através do acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso, condenou a Illumina a suportar as suas próprias despesas e as despesas da Comissão, e condenou a República Helénica, a República Francesa, o Reino dos Países Baixos, o Órgão de Fiscalização da EFTA e a Grail a suportarem as suas próprias despesas.

    24.

    Nos seus recursos no Tribunal de Justiça, interpostos em 22 e em 30 de setembro de 2022, respetivamente, a Illumina (processo C‑611/22 P) e a Grail (processo C‑625/22 P) pediram ao Tribunal de Justiça que anulasse o acórdão recorrido e as decisões impugnadas e condenasse a Comissão no pagamento das despesas do processo. A Grail pediu ainda ao Tribunal de Justiça que anulasse o pedido da ACF e o ofício de informação da Comissão.

    25.

    Em 21 de dezembro de 2022, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvido o juiz‑relator, o advogado‑geral e as partes, apensar os dois processos para efeitos da fase oral do processo e do acórdão, em conformidade com o artigo 54.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça (a seguir «RdP»). Por Decisão de 10 de janeiro de 2023, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu igualmente, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, indeferir o pedido da Comissão de que o processo C‑625/22 P fosse tratado no âmbito da tramitação acelerada prevista nos artigos 133.° a 136.° do RdP, e que o processo fosse tratado com caráter prioritário, nos termos do artigo 53.o, n.o 3, do RdP.

    26.

    Através de dois Despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de março de 2023, a Biocom California foi autorizada a intervir em apoio dos pedidos da Illumina no processo C‑611/22 P, e os pedidos apresentados pela Association Française des Juristes d’Entreprise (AFJE) e pela European Company Lawyers Association (ECLA) para intervirem em apoio dos pedidos da Grail no processo C‑625/22 P foram indeferidos

    27.

    Nas suas respostas, a Comissão, a República Francesa, o Reino dos Países Baixos e o Órgão de Fiscalização da EFTA pediram ao Tribunal de Justiça que negasse provimento aos recursos e que condenasse as recorrentes nas despesas. Por seu turno, a Grail apresentou resposta no processo C‑611/22 P e a Illumina apresentou resposta no processo C‑625/22 P, cada uma pedindo ao Tribunal de Justiça que anulasse o acórdão recorrido e as decisões impugnadas e condenasse a Comissão nas despesas.

    28.

    As recorrentes apresentaram réplica e os recorridos tréplica. As recorrentes, os recorridos e os intervenientes foram ouvidos na audiência que teve lugar no Tribunal de Justiça em 12 de dezembro de 2023.

    V. Apreciação

    29.

    Em apoio dos seus recursos, cada uma das recorrentes invoca três fundamentos, que se sobrepõem em grande medida. Assim, examinarei estes fundamentos conjuntamente.

    30.

    Consequentemente, começarei por analisar se o Tribunal Geral cometeu um erro na sua interpretação do sentido e do âmbito de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE (A). Em segundo lugar, debruçar‑me‑ei sobre as alegações das recorrentes de que o pedido de remessa foi apresentado fora de prazo e de que a Comissão violou a sua obrigação de atuar num prazo razoável (B). Em terceiro e último lugar, abordarei as alegadas violações dos princípios da confiança legítima e da segurança jurídica (C).

    A. Primeiro fundamento: sentido e âmbito de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, do RCUE

    31.

    O primeiro fundamento de recurso da Illumina e da Grail diz respeito aos n.os 85 a 185 do acórdão recorrido. Nestas passagens, o Tribunal Geral julgou improcedente o primeiro fundamento da Illumina em primeira instância, relativo à incompetência da Comissão para apreciar a concentração em causa. Em especial, depois de analisar os argumentos das partes, o Tribunal Geral chegou à seguinte conclusão:

    «183.

    [...] tendo [...] em atenção as interpretações literal, histórica, contextual e teleológica do artigo 22.o do [RCUE], há que concluir que os Estados‑Membros podem, nas condições ali referidas, apresentar um pedido de remessa ao abrigo dessa disposição independentemente do âmbito de aplicação da respetiva legislação nacional relativa ao controlo das concentrações.

    184. Por conseguinte, foi corretamente que a Comissão, por meio das decisões impugnadas, aceitou o pedido de remessa e os pedidos de associação ao abrigo do artigo 22.o do [RCUE]. [...]»

    1.   Argumentos das partes

    32.

    A Illumina alega que, ao aprovar a aplicação do artigo 22.o, n.o 1, do RCUE feita pela Comissão, o Tribunal Geral interpretou erradamente esta disposição. A Illumina alega, nomeadamente, que o Tribunal Geral i) não aplicou determinados princípios fundamentais de direito da União (como a segurança jurídica, a proporcionalidade e a subsidiariedade); ii) não identificou nem considerou devidamente o objeto do RCUE; iii) não interpretou estritamente uma disposição que constitui uma derrogação a uma regra geral; e iv) não reconheceu a importância do contexto e do objeto da disposição controvertida. Do mesmo modo, a Grail entende que a interpretação textual, histórica, contextual e teleológica do artigo 22.o, n.o 1, do RCUE não apoiava a leitura que o Tribunal Geral fez dessa disposição.

    33.

    No essencial, a Biocom apoia os argumentos apresentados pelas recorrentes, sublinhando a insegurança jurídica e o ónus desproporcionado para as partes na concentração que resultam do acórdão recorrido.

    34.

    A Comissão alega que os primeiros fundamentos de recurso das recorrentes são inoperantes, inadmissíveis na medida em que se baseiam em determinados documentos preparatórios e, a título subsidiário, improcedentes. A Comissão considera que o Tribunal Geral interpretou corretamente o artigo 22.o, n.o 1, do RCUE. A Comissão alega, nomeadamente, que as recorrentes i) não têm devidamente em conta a redação inequívoca desta disposição e ii) consideram erradamente que a interpretação adotada pelo Tribunal Geral implicaria que o sistema do RCUE não proporcionasse uma segurança jurídica adequada às partes na concentração.

    35.

    Os Governos Francês e Neerlandês e o Órgão de Fiscalização da EFTA partilham o ponto de vista da Comissão. Em particular, o Governo Francês alega que o Tribunal Geral aplicou corretamente os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade e da subsidiariedade. O Governo Neerlandês sustenta que, ao abrigo do artigo 22.o, n.o 1, do RCUE, lhe assistia o direito de solicitar à Comissão que examinasse uma concentração como a que estava em causa ou de se associar a um pedido apresentado por outra ANC. Por sua vez, o Órgão de Fiscalização da EFTA afirma que as recorrentes cometeram um erro ao se basearem no sistema de «balcão único» instituído pelo RCUE: este mecanismo respeita apenas às concentrações de dimensão comunitária, não sendo aplicável às concentrações que não tenham essa dimensão.

    2.   Análise

    36.

    Nas páginas seguintes, começarei por analisar algumas objeções preliminares de natureza processual suscitadas pela Comissão, antes de abordar o mérito dos primeiros fundamentos de recurso das recorrentes.

    a)   Questões preliminares

    37.

    Antes de mais, importa analisar os argumentos da Comissão no sentido de que i) os primeiros fundamentos de recurso das recorrentes são inoperantes, e ii) a Grail invoca determinados documentos que são inadmissíveis.

    38.

    Estes argumentos não me convencem.

    39.

    Em primeiro lugar, um fundamento de recurso é inoperante quando, mesmo que fosse julgado procedente, não seria suscetível de conduzir à anulação do acórdão recorrido ( 10 ). É evidente que não é este o caso dos fundamentos de recurso examinados nas presentes conclusões. É pacífico que, se o Tribunal Geral tivesse — como alegam as recorrentes — interpretado erradamente a natureza e o âmbito de aplicação do artigo 22.o do RCUE, com a consequência de a Comissão não ter podido examinar a concentração em causa, o acórdão recorrido estaria viciado por um erro de direito que conduziria à anulação desse acórdão e à anulação das decisões impugnadas.

    40.

    A afirmação da Comissão de que as recorrentes não contestaram as conclusões do Tribunal Geral em certas passagens do acórdão recorrido (n.os 90 a 94, no que respeita à Illumina, e n.os 183 e 184, no que respeita à Grail) é contrariada pelo texto dos recursos. Com efeito, a crítica da Comissão parece incidir antes sobre a força dos argumentos apresentados pelas recorrentes para contestar as conclusões do Tribunal Geral nestas passagens. No entanto, esta é uma questão que diz respeito ao mérito do fundamento do recurso e não ao seu caráter alegadamente inoperante.

    41.

    Em segundo lugar, é igualmente infundado o argumento da Comissão sobre a alegada inadmissibilidade de determinados documentos invocados pela Grail a propósito da interpretação histórica do artigo 22.o do RCUE (a seguir «documentos controvertidos»). A Comissão alega, no essencial, que esses documentos deveriam ter sido apresentados primeiro no Tribunal Geral para depois serem admissíveis em sede de recurso no Tribunal de Justiça. Para o efeito, a Comissão invoca o Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de outubro de 2023, Deutsche Lufthansa/ Ryanair e o ( 11 ).

    42.

    No entanto, o requisito geral de que os documentos devem ser apresentados primeiro no Tribunal Geral para depois serem admissíveis em sede recurso no Tribunal de Justiça não está previsto no RdP, nem decorre da jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União. Nem poderia ser de outra maneira: tal regra seria totalmente insensata e contraproducente. A este respeito, não é necessário recordar que o recurso de anulação e o recurso de apelação têm um objeto diferente (no primeiro, uma decisão, no segundo, um acórdão) e que as questões jurídicas sobre as quais os dois órgãos jurisdicionais são chamados a pronunciar‑se podem, portanto, não coincidir totalmente.

    43.

    Mais fundamentalmente, tal regra estaria em contradição com os princípios que regem a produção da prova nos órgãos jurisdicionais da União. O Tribunal de Justiça tem afirmado reiteradamente que «o princípio da igualdade de armas, que é um corolário do próprio conceito de processo equitativo, garantido designadamente pelo artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [(a seguir «Carta»)], implica a obrigação de oferecer a cada parte uma possibilidade razoável de apresentar a sua causa, incluindo os seus elementos de prova, em condições que não a coloquem numa situação de clara desvantagem relativamente ao seu adversário» ( 12 ). No que respeita à produção de provas, a regra básica é que qualquer elemento de prova pode ser apresentado nos órgãos jurisdicionais da União. Todavia, os estes órgãos jurisdicionais podem ter em conta a existência de qualquer interesse (intra ou extrajudicial) que, a título excecional, justifique eventualmente a recusa de admissão das provas, e ponderar esses interesses em face dos invocados com vista à sua aceitação ( 13 ). Pode ser esse o caso, por exemplo, quando um documento tenha sido obtido ilegalmente ou contenha informações confidenciais que não devam ser divulgadas publicamente para proteger determinados interesses públicos ou privados.

    44.

    No caso vertente, os documentos controvertidos foram legalmente obtidos pela Grail na sequência de pedidos de acesso a documentos efetuados ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 ( 14 ), e criticam algumas passagens específicas do acórdão recorrido. Tendo em conta que estas passagens respeitam a uma das questões essenciais do presente processo (saber se a leitura do artigo 22.o do RCUE feita pelo Tribunal Geral é ou não corroborada por uma interpretação histórica dessa disposição), não vejo nenhuma razão plausível para que as recorrentes não possam invocar os documentos controvertidos. Com efeito, se estes documentos fossem julgados inadmissíveis, as recorrentes ficariam de facto privadas da possibilidade de contestar as conclusões do Tribunal Geral constantes dos n.os 69 a 117 do acórdão recorrido. Isso seria contrário ao direito a um recurso efetivo e a um processo equitativo, consagrado no artigo 47.o da Carta.

    45.

    Do mesmo modo, a sugestão da Comissão de que o Tribunal de Justiça seria impedido de examinar documentos legalmente apresentados por uma parte é claramente insustentável. Como o Tribunal de Justiça afirmou, a este respeito, «o princípio aplicável no direito da União é o da livre apreciação da prova» ( 15 ) e «o único critério para apreciar o valor das provas apresentadas reside na sua credibilidade» ( 16 ).

    46.

    O despacho do presidente invocado pela Comissão não é pertinente neste contexto. Esse processo dizia respeito a um pedido, apresentado por uma sociedade ao Tribunal de Justiça, de tratamento confidencial, em relação às outras partes no processo, de certos elementos de informação incluídos no corpo e num anexo do seu recurso. É importante notar que as informações para as quais foi solicitado o tratamento confidencial tinham sido apresentadas em primeira instância, mas posteriormente foram retiradas dos autos por terem sido consideradas irrelevantes pelo Tribunal Geral. Consequentemente, tais informações não beneficiaram de tratamento confidencial em primeira instância, uma vez que o Tribunal Geral as retirou dos autos sem proceder a uma ponderação entre o seu caráter confidencial e as exigências relacionadas com o direito a uma proteção jurisdicional efetiva, conforme previsto no artigo 103.o, n.o 2, do seu Regulamento de Processo. Com este fundamento, o presidente indeferiu o pedido de tratamento confidencial apresentado por essa sociedade, sublinhando que, uma vez que as informações em causa não constavam do processo que serviu de base ao acórdão do Tribunal Geral, não podiam, em princípio, ser pertinentes para a fiscalização pelo Tribunal de Justiça da legalidade desse acórdão na fase de recurso. Não havia, portanto, razão para conceder o tratamento confidencial, em sede de recurso, a informações que a recorrente tinha voluntariamente revelado nas suas alegações.

    47.

    Este despacho constitui uma simples aplicação dos princípios básicos segundo os quais o recurso no Tribunal de Justiça só pode versar sobre questões de direito e o objeto do processo é limitado ao da primeira instância e não pode ser alterado no âmbito do recurso ( 17 ). No entanto, contrariamente a esse caso, o presente processo diz efetivamente respeito: i) a uma questão de direito (a interpretação do artigo 22.o do RCUE) e não ao apuramento de factos controvertidos; e ii) a uma questão que foi suscitada e discutida em primeira instância e sobre a qual o Tribunal Geral se pronunciou.

    48.

    Não decorre certamente desse despacho que, para impugnar uma passagem essencial de um acórdão recorrido, o recorrente deva ter apresentado as provas pertinentes logo em primeira instância. O referido despacho também não pode ser entendido no sentido de que impende sobre o recorrente o ónus de fazer prova bastante, e muito menos de o fazer em primeira instância. Isso estaria em contradição evidente com o princípio bem estabelecido iura novit curia ( 18 ) e com numerosas decisões do Tribunal de Justiça ( 19 ).

    49.

    Dito isto, a Comissão tem razão quando afirma que, em princípio, os argumentos de direito essenciais das recorrentes devem figurar na própria petição e que os documentos anexos têm meramente um papel de apoio. Deste modo, embora o Tribunal de Justiça não esteja vinculado pela interpretação do direito proposta pelas partes e, para esse efeito, seja livre de se inspirar em qualquer documento que lhe tenha sido legitimamente apresentado, não se pode esperar que procure e identifique nos anexos dos recursos os fundamentos e os argumentos em que tais recursos se podem basear ( 20 ). Por conseguinte, ignorarei todos os argumentos que não estão explicitados nos recursos e que não podem ser corretamente compreendidos sem a análise dos anexos.

    b)   Quanto ao mérito

    50.

    Passarei agora a analisar o mérito dos primeiros fundamentos de recurso das recorrentes. No essencial, estes fundamentos suscitam a questão de saber se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na sua interpretação do artigo 22.o, n.o 1, do RCUE. Como já referido, este órgão jurisdicional concluiu que uma interpretação «literal, histórica, contextual e teleológica» da referida disposição apoiava o entendimento de que os Estados‑Membros podem solicitar à Comissão que examine uma concentração que não tenha dimensão comunitária, mesmo que não tenham competência para a examinar nos termos do direito nacional. Com efeito, o Tribunal Geral considerou que o artigo 22.o do RCUE prossegue objetivos diferentes, um dos quais é «permitir, enquanto “mecanismo de correção”, um controlo efetivo de todas as concentrações passíveis de dificultar significativamente a existência de uma concorrência efetiva no mercado interno e que, por não excederem os limiares de volume de negócios, escapam às legislações em matéria de controlo das concentrações da União e dos Estados‑Membros» ( 21 ).

    51.

    Nas páginas seguintes, explicarei por que razão considero que o Tribunal Geral cometeu um erro de interpretação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE. Embora os argumentos baseados na letra da disposição apresentados pela Comissão e acolhidos pelo Tribunal Geral, tenham alguma força, vários outros elementos interpretativos — que se prendem com a história, o contexto e o objetivo da disposição, e que revestem uma importância sistémica mais ampla — deixam bastante claro que o sentido e o âmbito do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE não são os consubstanciados no acórdão recorrido.

    1) Interpretação textual do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE

    52.

    A análise deve começar pela redação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE, que vale a pena recordar: «[u]m ou mais Estados‑Membros podem solicitar à Comissão que examine qualquer concentração [...] que não tenha dimensão comunitária [...], mas que afete o comércio entre Estados‑Membros e ameace afetar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentam o pedido».

    53.

    Como o Tribunal Geral declarou, esta disposição i) estabelece determinados requisitos que devem estar preenchidos para ser aplicável, entre os quais não consta a exigência de que a concentração integre o âmbito de aplicação de uma legislação nacional relativa ao controlo das concentrações ( 22 ); ii) emprega a expressão ampla «qualquer concentração» ( 23 ); e iii) não distingue entre os Estados‑Membros que adotaram um sistema nacional de controlo das concentrações e os que não o fizeram ( 24 ). À luz do exposto, o Tribunal Geral concluiu que, em princípio, a interpretação literal do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE apoiava a interpretação propugnada pela Comissão. Todavia, na medida em que a redação da disposição não permite uma conclusão definitiva sobre este ponto, o Tribunal Geral considerou oportuno completar a análise através do recurso a outros métodos interpretativos ( 25 ).

    54.

    Concordo com estes dois postos.

    55.

    Numa leitura prima facie do texto da disposição, a interpretação extensiva que o Tribunal Geral faz do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE é defensável. Os elementos acima enumerados podem efetivamente ser entendidos como indicadores de que todos os Estados‑Membros podem remeter qualquer concentração à Comissão, independentemente de terem ou não um sistema nacional de controlo das concentrações e, em caso afirmativo, independentemente de essa concentração estar abrangida por esse sistema.

    56.

    Ao mesmo tempo, também é verdade que — como o Tribunal Geral constatou — a formulação concisa e geral desta disposição não oferece uma resposta clara para a questão interpretativa aqui em causa.

    57.

    A Comissão discorda deste ponto de vista. Sublinha, nomeadamente, o âmbito de aplicação amplo da referida disposição que, no seu entender, implica claramente (ou não exclui expressamente) que os Estados‑Membros com um sistema nacional de controlo das concentrações podem também remeter casos que não estão abrangidos pelos seus sistemas. No entanto, implicar (ou não excluir) uma coisa não pode ser equiparado, para efeitos de uma interpretação textual de uma disposição, a declará‑la expressamente. A questão de saber se a premissa menor do raciocínio da Comissão (segundo a qual o âmbito de aplicação da disposição abrange também remessas como a que está em causa) é a continuação lógica da premissa maior da Comissão (segundo a qual a redação da disposição é ampla) não pode ser resolvida — como a Comissão pretenderia que o Tribunal de Justiça o fizesse — através da análise de um único parágrafo do RCUE, em «isolamento clínico» do resto da disposição e, mais genericamente, do resto do regulamento.

    58.

    Por uma questão de princípio, o argumento da Comissão de que, quando a redação de uma disposição parece suficientemente clara, o Tribunal de Justiça não deve utilizar quaisquer outros meios de interpretação é desconcertante. O Tribunal de Justiça é obviamente livre de recorrer a todos os métodos de interpretação que considere adequados em cada situação concreta. Creio que importa insistir neste ponto, que reveste importância constitucional: quando as questões em litígio têm por objeto a interpretação da lei, não são aplicáveis princípios como o princípio do dispositivo, do ónus da prova ou do nível da prova. Mais uma vez, o princípio fundamental neste contexto é o iura novit curia.

    59.

    O argumento da Comissão também não tem em conta a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça. Como o Tribunal de Justiça afirmou muito claramente no Acórdão Cilfit, «qualquer disposição do direito [da União] deve ser colocada no seu contexto e interpretada à luz do conjunto das disposições deste direito ( 26 ). Com efeito, é jurisprudência constante que «para interpretar uma disposição do direito da União, há que tomar em consideração não apenas os termos desta mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte» ( 27 ). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça nunca hesitou em proceder a uma interpretação contextual e/ou teleológica de uma disposição, mesmo quando a sua redação era alegadamente clara, a fim de confirmar a interpretação literal ( 28 ) ou, se for caso disso, de se afastar dela ( 29 ).

    60.

    Afinal, não há nada de invulgar na importância que o Tribunal de Justiça tem sistematicamente atribuído, em especial, à interpretação contextual e teleológica. Com efeito, até a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que notoriamente distingue entre a «regra geral de interpretação» e os «meios complementares de interpretação» ( 30 ), inclui todos estes elementos no primeiro grupo e estabelece uma ligação indissolúvel entre eles. O seu artigo 31.o, n.o 1, dispõe: «Um tratado deve ser interpretado de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim» ( 31 ).

    61.

    É também por esse motivo que a ênfase dada pela Comissão à expressão «qualquer concentração», empregada no artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE, é despropositada. É necessário analisar o tipo de concentrações a que respeita o artigo 22.o do RCUE para determinar a que se refere precisamente o termo «qualquer». Correndo o risco de dizer o óbvio, a expressão «qualquer concentração» não pode deixar de se referir a qualquer concentração que não só esteja abrangida pelo artigo 22.o do RCUE, mas também, e a fortiori, que esteja abrangida pelo âmbito de aplicação do RCUE. É, pois, inevitável uma análise contextual desta disposição.

    62.

    Do mesmo modo, seria absurdo sugerir que o Tribunal de Justiça se deveria limitar à análise do texto de uma disposição quando lhe são apresentados elementos concretos que põem em causa a redação pretensamente clara dessa disposição ( 32 ). É precisamente o que acontece no presente processo: como se demonstrará mais adiante, numerosos elementos apontam para uma leitura diferente da disposição em causa.

    63.

    Do mesmo modo, considero irrelevante o argumento do Órgão de Fiscalização da EFTA, que sublinha a inexistência, no artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE de qualquer termo que indique que o mecanismo de remessa só seria aplicável às concentrações que podem ser apreciadas no âmbito da legislação nacional de concorrência dos Estados‑Membros. O Órgão de Fiscalização da EFTA salienta, a este propósito, a diferença entre o texto do artigo 4.o, n.o 5, do RCUE (que também respeita a um mecanismo de remessa e contém esses termos) e o texto do artigo 22.o, n.o 1, do RCUE. No entanto, este argumento não tem em conta o facto de que, ao contrário da primeira disposição, a segunda foi inicialmente introduzida para abranger as concentrações que poderiam ser problemáticas a nível nacional, nos casos em que o(s) Estado(s)‑Membro(s) em causa não dispunham de um sistema nacional de controlo das concentrações. Consequentemente, o artigo 22.o, n.o 1, do RCUE não podia conter nenhuma expressão como a que figura no artigo 4.o, n.o 5, do RCUE, uma vez, nesse caso, que excluiria os próprios Estados‑Membros para os quais essa disposição foi estabelecida. De facto, o próprio Tribunal Geral, no n.o 126 do acórdão recorrido, recusou estabelecer qualquer paralelo entre as duas disposições.

    64.

    Em todo o caso, as objeções de princípio da Comissão não só são infundadas como também destituídas de objeto no presente caso, uma vez que existem pelo menos dois elementos textuais que são suficientes para suscitar dúvidas sobre a interpretação literal que, segundo a Comissão, é tão clara que qualquer outro método de interpretação do artigo 22.o do RCUE deveria ser liminarmente excluído.

    65.

    Em primeiro lugar, o título da disposição é um desses elementos. O artigo 22.o do RCUE intitula‑se «Remessa à Comissão». O termo correspondente a «remessa», na grande maioria das versões linguísticas ( 33 ), tem uma conotação específica. De facto, este termo sugere que a disposição diz respeito, em princípio, aos casos que são efetiva ou potencialmente apresentados às autoridades nacionais e que são depois remetidos (ou seja, transmitidos, transferidos, reenviados, atribuídos, etc.) à Comissão. Esta interpretação está em conformidade com a máxima jurídica nemo dat quod non habet (ninguém pode dar o que não tem).

    66.

    Em segundo lugar, nos termos do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE, um dos requisitos que deve estar preenchido para que a Comissão possa examinar as concentrações que não atingem os limiares estabelecidos no seu artigo 1.o é que a concentração em questão «ameace afetar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentam o pedido» ( 34 ). Esta formulação é inteiramente razoável se pensarmos que a disposição em causa se destina, desde a sua introdução no RCC original, a permitir o exame das concentrações suscetíveis de distorcer a concorrência num Estado‑Membro que não disponha de um sistema nacional de controlo das concentrações. Além disso, esta formulação é coerente com o objetivo de uma disposição que, após as suas alterações em 1997 e em 2004, se destina também — como se verá mais adiante — a reforçar a natureza de «balcão único» do sistema de controlo das concentrações da União, evitando, na medida do possível, as notificações nacionais múltiplas.

    67.

    Em contrapartida, a redação torna‑se menos evidente se a disposição for interpretada, como afirmou o Tribunal Geral, no sentido de constituir um «“mecanismo de correção” [...] que consiste em permitir um controlo das concentrações suscetíveis de dificultar significativamente a existência de uma concorrência efetiva no mercado interno» ( 35 ). Se assim é, por que razão o legislador da União se referiu apenas às restrições da concorrência que ocorrem a nível dos Estados‑Membros? Não deveria a disposição referir‑se, de forma mais geral ou complementar, às restrições da concorrência no mercado interno? Mais fundamentalmente, por que razão precisaria a Comissão de uma remessa da autoridade de um Estado‑Membro, se o problema de concorrência se coloca ao nível da União?

    68.

    Os elementos textuais acima referidos parecem suscetíveis de lançar algumas dúvidas sobre a interpretação alegadamente simples para esta disposição, proposta pela Comissão.

    69.

    Assim, como acontece habitualmente com as disposições legais que, em certa medida, são pouco claras ou, pelo menos, não são autossuficientes (o que creio ser também o caso da disposição em causa: um único parágrafo de um artigo de um regulamento), o velho adágio inglês «bare reading is bare feeding» [numa tradução livre: uma leitura superficial é como comida escassa] parece bastante pertinente. Consequentemente, para determinar o significado e âmbito de aplicação exatos do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE, é efetivamente necessário, conforme o Tribunal Geral corretamente defendeu, recorrer também a outros métodos interpretativos utilizados pelo Tribunal de Justiça.

    2) Interpretação histórica do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE

    70.

    Nos n.os 96 a 117 do acórdão recorrido, após ter analisado um conjunto de documentos relativos à história do RCUE, o Tribunal Geral chegou à conclusão de que «a interpretação histórica tende a confirmar que o artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do [RCUE] permite aos Estados‑Membros, independentemente do âmbito da sua legislação nacional relativa ao controlo das concentrações, remeter à Comissão concentrações que não atingem os limiares de volume de negócios do artigo 1.o desse regulamento, mas que podem ter efeitos transfronteiriços significativos».

    71.

    Não concordo com essa apreciação. Em concreto, tenho quatro grandes reservas a este respeito: i) os documentos referidos no acórdão recorrido têm certas limitações inerentes quanto à clarificação da intenção do legislador da União; ii) as passagens citadas dos referidos documentos não corroboram as conclusões do Tribunal Geral; iii) na verdade, a leitura integral desses documentos contradiz essas conclusões; e iv) o Tribunal Geral não teve em conta muitos outros documentos, incluindo os trabalhos preparatórios pertinentes, que corroboram a interpretação defendida pelas recorrentes.

    i) Limites da apreciação histórica do Tribunal Geral (I)

    72.

    Em primeiro lugar, como a Grail acertadamente salienta, existem duas limitações importantes que são inerentes ao tipo de documentos referidos no acórdão recorrido para corroborar a conclusão que deles se retira. Todos estes documentos (o Livro Verde de 1996 ( 36 ), o Livro Verde de 2001 ( 37 ), a Proposta da Comissão de 2003 ( 38 ) e o Documento de trabalho dos serviços da Comissão de 2009 ( 39 )) são da autoria da Comissão e são posteriores à adoção do RCC. A meu ver, a abordagem do Tribunal Geral suscita uma particular perplexidade no caso vertente.

    73.

    Na audiência de alegações, foi perguntado à Comissão se o alegado âmbito de aplicação amplo do (atual) artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE i) já existia no RCC original adotado em 1989; ii) foi aditado aquando da alteração dessa disposição em 1997; ou iii) foi introduzido aquando da adoção do novo RCUE em 2004. A Comissão respondeu, sem hesitação, que o âmbito de aplicação amplo existia desde o início: ou seja, no artigo 22.o, n.o 4, do RCC, conforme adotado em 1989. O Órgão de Fiscalização da EFTA preconizou o mesmo entendimento ( 40 ).

    74.

    Se assim for, afigura‑se‑me que, para efetuar uma avaliação histórica do sentido e do âmbito de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE, os documentos posteriores à adoção do RCC em 1989 revestem menos relevância do que os que são anteriores à adoção deste regulamento. Penso que não é necessário explicar por que razão os documentos preparatórios (entendidos como documentos utilizados durante a elaboração de uma determinada disposição) são geralmente mais significativos do que os documentos ex post facto para provar a intenção do legislador.

    75.

    A este respeito, considero igualmente que o acórdão recorrido é contraditório. No n.o 115 do referido acórdão, o Tribunal Geral recusou, por princípio, examinar cinco documentos, da autoria da Comissão e referidos nos articulados das recorrentes, que alegadamente demonstravam que, até recentemente, a própria Comissão não tinha interpretado o artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE da forma proposta no presente processo.

    76.

    Se o âmbito de aplicação desta disposição era amplo desde a adoção do RCC em 1989, por que razão o Tribunal Geral teve em conta vários documentos posteriores a 1989, mas não os indicados pelas recorrentes? Se, por outro lado, o âmbito de aplicação da disposição foi alargado com a adoção do RCUE em 2004, por que razão o Tribunal Geral não citou nenhum documento do processo legislativo que conduziu à adoção deste regulamento, nomeadamente os documentos da instituição que atuou como legislador único, ou seja, o Conselho? Isto conduz‑me ao ponto seguinte.

    77.

    De facto, é algo surpreendente que, para confirmar a interpretação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE, o Tribunal Geral apenas se tenha baseado em documentos da autoria da própria Comissão, não citando nenhum do Conselho.

    78.

    Posso certamente concordar que um documento oficial que apresenta o entendimento da Comissão relativamente ao sentido e ao âmbito de aplicação de uma determinada disposição de um regulamento ou de uma diretiva tem um certo peso, especialmente quando essa disposição foi incluída na proposta original e não foi objeto de discussões ou alterações significativas durante o processo legislativo. No entanto, a posição da Comissão não pode ser considerada um fator decisivo para a interpretação da disposição pelo Tribunal de Justiça. Isto é verdade, por maioria de razão, quando a disposição foi aditada pelo Conselho numa fase relativamente tardia do processo legislativo, após longos debates, como é o caso do (atual) artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE.

    79.

    Neste contexto, considero problemático o facto de nenhum dos documentos referidos nos n.os 96 a 117 do acórdão recorrido ser da autoria do Conselho e/ou anterior à adoção do RCC em 1989.

    ii) Limites da apreciação histórica do Tribunal Geral (II)

    80.

    Em segundo lugar, os documentos históricos em que o Tribunal Geral se baseou não permitem realmente sustentar a conclusão que deles se retira, por duas razões: i) as passagens referidas no acórdão recorrido não são pertinentes para a questão controvertida, e ii) as outras passagens mais pertinentes dos mesmos documentos não foram tidas em conta ou a sua importância foi indevidamente desvalorizada.

    81.

    O Tribunal Geral iniciou a sua apreciação histórica da disposição afirmando que «o referido mecanismo de remessa decorre do desejo do Reino dos Países Baixos, que então não dispunha de um [sistema de controlo das concentrações], de sujeitar as concentrações com impacto negativo no seu território a um exame pela Comissão, desde que essas concentrações também afetassem o comércio entre Estados‑Membros, razão pela qual o referido mecanismo se denominou de “cláusula neerlandesa”» ( 41 ). Seguidamente, remeteu para vários documentos pertinentes, dos quais resulta que i) o mecanismo de remessa é geralmente considerado um instrumento útil, em especial para os Estados‑Membros que não dispunham no momento de um sistema de controlo das concentrações, mas a sua utilização não lhes estava em caso algum reservada ( 42 ); ii) este mecanismo se destina a permitir que os Estados‑Membros solicitem à Comissão que examine uma concentração com efeitos transfronteiriços numa situação em que os limiares previstos no artigo 1.o do regulamento não sejam atingidos ( 43 ); iii) os objetivos desse mecanismo foram alargados ao longo do tempo para permitir remessas conjuntas que evitariam múltiplas comunicações nacionais, sem pôr em causa o seu objetivo inicial ( 44 ); e iv) as alterações à disposição revelaram que a Comissão privilegiou um recurso acrescido ao mecanismo de remessa ( 45 ).

    82.

    Todas estas afirmações do Tribunal Geral estão, na minha opinião, factualmente corretas. É uma «verdade de La Palisse» que o artigo 22.o, n.o 1, do RCUE se aplica às concentrações com efeitos transfronteiriços que não atingem os limiares estabelecidos no artigo 1.o do mesmo regulamento. Além disso, não é sequer contestado que o mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o, n.o 1, do RCUE pode ser utilizado tanto pelos Estados‑Membros que não dispõem de um sistema de controlo das concentrações como pelos Estados‑Membros que dispõem de um sistema de controlo. Por último, também não há dúvida de que o mecanismo de remessa foi alterado ao longo do tempo com vista a alargar os seus objetivos e a tornar possível a sua utilização mais frequente.

    83.

    No entanto, nada nestas constatações esclarece, direta ou indiretamente, a questão central do presente fundamento de recurso de saber se o artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE permite ou não que os Estados‑Membros que dispõem de um sistema nacional de controlo das concentrações remetam os casos que não estão abrangidos por esse sistema.

    84.

    Por conseguinte, não só os documentos referidos no acórdão recorrido têm um valor persuasivo relativo, como também, após uma análise mais aprofundada, as partes desses documentos que são citadas não corroboram de nenhum modo a conclusão final que deles se retira no n.o 116 do referido acórdão. As conclusões do Tribunal Geral são, portanto, claramente irrelevantes.

    iii) Limites da apreciação histórica do Tribunal Geral (III)

    85.

    Em terceiro lugar, quando lidos na sua totalidade, os próprios documentos referidos no acórdão recorrido parecem contradizer as conclusões do Tribunal Geral e, por conseguinte, corroborar a interpretação avançada pelas recorrentes. A importância deste ponto deve ser sublinhada. O Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que, para avaliar corretamente o valor probatório dos documentos invocados pelo Tribunal Geral, estes devem ser lidos na sua totalidade. Extrapolar uma ou mais passagens específicas de um documento e daí retirar ilações que não são consentâneas com o verdadeiro conteúdo do documento lido no seu conjunto constitui um erro de direito ( 46 ).

    86.

    Estes princípios são, no meu entender, pertinentes neste contexto.

    87.

    Desde logo, parece‑me surpreendente que o n.o 99 do acórdão recorrido minimize a importância da passagem do Livro Verde de 2001, ao afirmar que — tendo em conta que, à data da adoção desse livro, apenas o Grão‑Ducado do Luxemburgo não dispunha de um sistema de controlo das concentrações — «[n]a prática, […] o âmbito potencial para a utilização do n.o 3 do artigo 22.o na sua forma inicial [era] muito limitado» ( 47 ). É verdade que esta passagem implica, como o Tribunal Geral corretamente afirmou, que nada impedia os outros Estados‑Membros que não o Luxemburgo de recorrer ao artigo 22.o, n.o 3, do RCC ( 48 ). Porém, mais uma vez, não é esta a questão em causa. De facto, esta passagem sugere que, devido aos limites à utilização do mecanismo de remessa pelos Estados‑Membros com um sistema de controlo das concentrações, a utilização prática deste mecanismo foi reduzida ao longo do tempo. A maioria dos Estados‑Membros tinha, entretanto, adotado um sistema nacional de controlo das concentrações e, por conseguinte, tinha um interesse mais limitado e menos oportunidades de remeter um caso à Comissão.

    88.

    Lida desta forma, a passagem em causa enquadra‑se perfeitamente nos excertos dos documentos citados nos números anteriores do acórdão recorrido e apoia a posição das recorrentes: o mecanismo de remessa foi concebido e considerado útil, «em especial», para os Estados‑Membros que não dispunham de um sistema de controlo das concentrações. Se os Estados‑Membros que dispunham de um sistema de controlo das concentrações pudessem remeter qualquer concentração, independentemente de estar ou não abrangida pelos seus sistemas, a utilização e a oportunidade do mecanismo em relação a esses Estados‑Membros não teriam sido muito afetadas pela adoção de um regime nacional e o mecanismo não seria certamente «limitado».

    89.

    Além disso, outras passagens muito claras e significativas dos documentos referidos pelo Tribunal Geral não foram mencionadas no acórdão recorrido.

    90.

    Por exemplo, ao apreciar os limites do quadro regulamentar então em vigor e as opções disponíveis para o alterar com vista a captar mais concentrações com efeitos transfronteiriços, o Livro Verde de 1996 não faz nenhuma menção a uma alegada possibilidade de remeter para a Comissão a análise das concentrações que escapam aos sistemas nacionais de controlo das concentrações nos termos do artigo 22.o do RCC. Com efeito, esta disposição é citada apenas no contexto da «repartição de competências entre a Comissão e os Estados‑Membros». O Livro Verde de 1996 chega ao ponto de afirmar que, «[a]baixo dos limiares [do RCC], as operações encontram‑se sujeitas ao controlo nacional das concentrações, caso este exista» ( 49 ).

    91.

    Em seguida, o Livro Verde de 2001 é ainda mais claro a contradizer a interpretação do Tribunal Geral do primeiro parágrafo do artigo 22.o do RCUE. Em primeiro lugar, o documento declara que os seus objetivos («de reforçar a aplicação da legislação comunitária em matéria de concorrência em casos com efeitos transfronteiras, reforçar o princípio do balcão único e atenuar o problema de notificações múltiplas») deveriam ser alcançados através da garantia de que os casos que conduzem a notificações múltiplas a nível nacional pudessem ser tratados pela Comissão ( 50 ). É evidente que os casos que dão origem a notificações múltiplas não são os que se situam abaixo dos limiares nacionais. Na realidade, este documento referiu amplamente as remessas em casos que são objeto de notificações obrigatórias e/ou voluntárias a nível nacional ( 51 ), mas não há nenhum indício de que o mecanismo de remessa possa também ser utilizado para concentrações que não são notificáveis a nível nacional ( 52 ).

    92.

    Em segundo lugar, o Livro Verde de 2001 referia que uma das razões pelas quais o mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o do RCC era subutilizado se prendia com as «diferenças técnicas [...] a nível dos procedimentos nacionais de controlo das concentrações, nomeadamente no que diz respeito ao ato gerador da notificação e às regras relativas aos prazos de notificação» ( 53 ). É óbvio que tal consideração não teria sido pertinente se o artigo 22.o do RCC permitisse que os Estados‑Membros procedessem à remessa das concentrações à Comissão independentemente de ter ou não existido uma notificação a nível nacional ( 54 ). Do mesmo modo, se o Tribunal Geral estivesse correto, as afirmações do Livro Verde de 2001, segundo as quais a possibilidade de tornar mais operacionais as remessas conjuntas nos termos do artigo 22.o, n.o 3, do RCC seria difícil de executar, uma vez que dependeria da realização de «um grau suficiente de harmonização das legislações nacionais», seriam inexplicáveis ( 55 ).

    93.

    No que se refere à Proposta da Comissão de 2003, o seu n.o 21 tem a seguinte redação: «Uma das funções iniciais do artigo 22.o [do RCC] consistia em permitir que os Estados‑Membros que não dispõem de legislação nacional de controlo das concentrações remetessem à Comissão os casos com efeitos no comércio entre Estados‑Membros; atualmente, apenas o Luxemburgo se encontra nesta situação. Contudo, não deverá ser completamente excluída a possibilidade de um único Estado‑Membro remeter casos para a Comissão» ( 56 ). Isto sugere que a utilização unilateral do mecanismo de remessa pelos Estados‑Membros, embora possível, foi considerada improvável. Pode alegar‑se que, se o artigo 22.o do RCC tivesse permitido que os Estados‑Membros que dispõem de um sistema de controlo das concentrações também remetessem os casos que não podiam apreciar, o recurso ao mecanismo de remessa não poderia ter sido considerado improvável.

    94.

    Acresce que os n.os 22 a 25 dessa proposta referem igualmente que a principal deficiência das disposições relativas à remessa (artigos 9.° e 22.° do RCC) é o facto de estas apenas poderem ser aplicadas após a concentração ter sido notificada quer à Comissão quer às ANC, consoante o caso. Além disso, o n.o 28 deste documento deixa muito claro que a possibilidade de a Comissão convidar os Estados‑Membros a apresentarem um pedido de remessa se limita aos casos que já foram notificados.

    95.

    Por último, o n.o 133 do Documento de trabalho dos serviços da Comissão de 2009 esclarece que i) longe de ser uma problemática tão clara como a Comissão alega, a questão de saber se os Estados‑Membros que dispõem de um sistema de controlo das concentrações deveriam ser autorizados a recorrer ao artigo 22.o do RCUE relativamente às concentrações não abrangidas por esses sistemas era, embora a linguagem não parecesse excluí‑la, controversa, e a maioria dos Estados‑Membros que tomaram posição sobre esta questão inclinou‑se para uma resposta negativa ( 57 ); ii) algumas das partes interessadas consultadas (entre as quais figuravam as ANC) questionaram mesmo se uma disposição como o artigo 22.o do RCUE deveria continuar a existir, uma vez que permitir que um Estado‑Membro não competente remetesse ou se associasse a uma remessa nos termos do artigo 22.o» criava problemas de previsibilidade, insegurança jurídica e duração excessiva dos procedimentos; e iii) tendo a razão de ser inicial da existência do artigo 22.o ficado quase obsoleta, esta disposição prosseguia ainda uma finalidade «quando um Estado‑Membro, após um período de avaliação de uma operação, considera que um caso seria mais bem avaliado pela Comissão» ( 58 ).

    96.

    Concluo, portanto, que os documentos invocados nos n.os 96 a 117 do acórdão recorrido não só não apoiam a conclusão deles retirada pelo Tribunal Geral, como, quando lidos na sua totalidade, contradizem efetivamente essa conclusão.

    iv) Limites da apreciação histórica do Tribunal Geral (IV)

    97.

    Em quarto lugar, o erro cometido pelo Tribunal Geral ao considerar que a interpretação histórica do artigo 22.o do RCUE corroborava um âmbito de aplicação amplo torna‑se ainda mais evidente se forem examinados outros documentos pertinentes, entre os quais, nomeadamente, alguns trabalhos preparatórios, incluindo os da autoria do Conselho.

    98.

    Os trabalhos preparatórios demonstram claramente que, durante as conversações e negociações que conduziram à adoção do RCC pelo Conselho em 1989, alguns dos temas mais controversos incidiram sobre a definição do âmbito de aplicação material do regulamento e a sua articulação com outras regras (da União e nacionais) que poderiam ser igualmente aplicáveis às operações notificadas nos termos deste regulamento. Colocaram‑se em particular duas questões: a aplicação do RCC era exclusiva ou os Estados‑Membros também podiam analisar paralelamente as concentrações notificadas? A aplicação do RCC excluía a priori a aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CEE, então em vigor, à mesma transação ( 59 )?

    99.

    A este respeito, chegou‑se finalmente a um acordo no Conselho no sentido de que a competência da Comissão ao abrigo do RCC devia ser exclusiva e, em contrapartida, as concentrações que não atingissem os limiares estabelecidos no RCC deviam ser analisadas apenas pelas autoridades nacionais ( 60 ). Além disso, embora não fosse possível excluir a aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CEE (direito primário) às operações abrangidas pelo regulamento, era possível, em contrapartida, limitar a aplicação da legislação de execução das referidas disposições a essas operações ( 61 ). Isto levou ao aditamento de dois números ao artigo 22.o da Proposta da Comissão ( 62 ).

    100.

    Este acordo no âmbito do Conselho suscitou o problema dos vários Estados‑Membros que, na altura, não dispunham de um sistema nacional de controlo das concentrações (entre os quais a Bélgica, a Itália, o Luxemburgo e os Países Baixos): quem examinaria as concentrações que não atingiam os limiares do RCC mas que têm um impacto no seu mercado nacional? Daí a introdução da «cláusula neerlandesa», que permitia à Comissão «substituir‑se» às autoridades nacionais e atuar em seu nome, a título excecional, quando não existisse legislação em matéria de controlo das concentrações ou quando essas autoridades, devido à sua relativa inexperiência ou recursos limitados, considerassem que a Comissão era uma autoridade «mais bem colocada» para controlar uma concentração que lhes tinha sido notificada.

    101.

    De facto, tanto o Conselho como a Comissão consideraram que se podia «razoavelmente presumir» que as concentrações que se situavam abaixo dos limiares do RCC tinham, em geral, um impacto insuficiente no comércio para justificar um controlo a nível da União ( 63 ). O Conselho e a Comissão estavam cientes de que os limiares do RCC podiam basear‑se em diversos valores e de que estes valores se cifravam em montantes distintos (qualquer montante seria necessariamente um indicador) ( 64 ). Por conseguinte, era perfeitamente claro para todas as partes intervenientes no processo legislativo, incluindo o então Comissário responsável pela concorrência ( 65 ), que, independentemente do tipo e do montante dos limiares escolhidos, certas concentrações suscetíveis de afetar o mercado comum escapariam, em qualquer caso, a um controlo ex ante da Comissão nos termos do RCC ( 66 ). No entanto, isso foi considerado inevitável, por várias razões, nomeadamente, para manter o volume de trabalho da Comissão em níveis razoáveis ( 67 ), proporcionar segurança jurídica às partes na concentração ( 68 ) e estabelecer uma repartição equilibrada e clara das competências entre a Comissão e as autoridades nacionais ( 69 ). De todo o modo, era evidente que os artigos 85.° e 86.° do Tratado CEE permitiam uma intervenção ex post em relação a todas as concentrações que não atingissem os limiares ( 70 ).

    102.

    Com efeito, nem um único documento, de entre a vasta quantidade de trabalhos preparatórios relativos à versão original do RCC apresentados pelas partes, alude ao mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o, n.os 3 a 5, do RCC no sentido de ter o objetivo de «correção» referido pelo Tribunal Geral. Para confirmar este facto, a Comissão foi convidada, na audiência, a identificar tal documento, e não o conseguiu fazer. A meu ver, isso não é surpreendente, uma vez que muitas das discussões que tiveram lugar no Conselho relativamente à redação exata desta disposição, conforme demonstram os trabalhos preparatórios, tornar‑se‑iam incompreensíveis se as concentrações que não atingem os limiares nacionais pudessem ainda ser examinadas através do mecanismo de remessa.

    103.

    O mesmo se aplica, mutatis mutandis, às alterações introduzidas no RCC em 1997. Como referido no n.o 82, supra, é um facto que o legislador da União pretendeu alargar o âmbito de aplicação do mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o do RCC. No entanto, não existe, nos trabalhos preparatórios relativos à revisão do regulamento, nenhum indício de que as alterações prosseguiram o objetivo de sanação de lacunas sugerido pelo Tribunal Geral. Pelo contrário, o próprio objetivo de reforçar o sistema de «balcão único», evitando a apresentação de notificações múltiplas, está em contradição com a interpretação do artigo 22.o do RCUE preconizada pelo Tribunal Geral.

    104.

    Com efeito, considero intrinsecamente paradoxal o facto de o Tribunal Geral se referir a um documento que explica que a razão de ser da alteração de 1997 ao artigo 22.o do RCC era evitar as notificações múltiplas para defender uma interpretação dessa disposição que — como será explicado mais adiante ( 71 ) — encorajará de facto as empresas que, nos termos da legislação da União e nacional em matéria de controlo das concentrações, não são obrigadas a efetuar nenhuma notificação, a procederem a notificações (potencialmente, até 30 ( 72 )) apenas por precaução.

    105.

    Além disso, os documentos históricos relativos à adoção em 2004 do RCUE não corroboram as conclusões do Tribunal Geral quanto à intenção do legislador da União de utilizar o mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o para corrigir as alegadas deficiências decorrentes da rigidez dos limiares previstos no artigo 1.o deste regulamento ( 73 ). A ideia subjacente às alterações introduzidas nas disposições do artigo 22.o do RCUE prosseguiu o objetivo de reforçar a função de «balcão único» do mecanismo de remessa, que evita a necessidade de as partes na concentração apresentarem múltiplas notificações. A própria redação das alterações demonstra‑o muito claramente ( 74 ).

    106.

    Por último, alguns documentos elaborados pela Comissão após a adoção do RCUE também fornecem algumas indicações úteis. Como referido, o seu valor interpretativo só pode ser relativo. No entanto, na medida em que o próprio Tribunal Geral se baseou apenas em documentos da Comissão que são posteriores à adoção do RCC, esses documentos adicionais permitem obter uma imagem mais completa, fornecendo perspetivas interessantes sobre a leitura histórica que a Comissão faz do artigo 22.o do RCUE.

    107.

    Em especial, na Comunicação da Comissão relativa à remessa de casos de concentrações ( 75 ) de 2005, publicada na sequência da adoção do RCUE, as remessas ao abrigo do artigo 22.o do RCUE são sistematicamente designadas por remessas «posteriores à notificação» ( 76 ). A utilização desta expressão é dificilmente conciliável com a afirmação, reiteradamente feita pela Comissão, de que sempre interpretou esta disposição no sentido de que permite aos Estados‑Membros remeter os casos que não atinjam os limiares fixados no direito nacional. Caso defendêssemos a argumentação da Comissão, seria também estranho que o mesmo documento não faça qualquer referência, ao enumerar «as categorias de casos que são normalmente mais apropriadas para remessa à Comissão nos termos do artigo 22.o», aos casos que suscitam graves problemas em matéria de concorrência, mas que não estão abrangidas por nenhum sistema de controlo das concentrações na União ( 77 ). Diria que esta situação deveria estar no topo da lista.

    108.

    Do mesmo modo, no seu Livro Branco intitulado «Rumo a um controlo mais eficaz das concentrações da UE», de 2014, a Comissão propôs, entre outras coisas, «torn[ar] mais eficiente e eficaz o sistema de remessa de processos, mediante [...] a alteração do artigo 22.o, de modo a reforçar a adesão ao princípio do “balcão único”» ( 78 ). Curiosamente, as alterações propostas ao artigo 22.o do RCUE indicaram expressamente que apenas os Estados‑Membros que são «competentes para analisar uma operação ao abrigo da sua legislação nacional» poderiam solicitar uma remessa à Comissão ou opor‑se a ela ( 79 ). É legítimo duvidar que, com estas propostas, a Comissão pretendesse restringir o âmbito de aplicação do artigo 22.o do RCUE, uma vez que isso iria contra o objetivo global de tornar o sistema de controlo das concentrações mais eficaz e eficiente, e contra o objetivo mais específico de melhorar os mecanismos de remessa, «tanto antes como depois da notificação» ( 80 ). De passagem, observo que, também nesse documento, a Comissão voltou a referir‑se ao mecanismo do artigo 22.o do RCUE como uma remessa «pós‑notificação» ( 81 ).

    109.

    Por último, o Guia de 2016 da Comissão de avaliação dos aspetos processuais e jurisdicionais do controlo das concentrações também parece revestir interesse. Neste documento, a Comissão discute a possibilidade de complementar os atuais limiares de competência baseados no volume de negócios com outros limiares baseados em critérios alternativos, bem como a necessidade de racionalizar o sistema de remessa. No meu entender, dificilmente haverá dois temas que estejam mais estreitamente relacionados com a questão aqui em litígio. Portanto, é no mínimo surpreendente o facto de nesse documento não ser feita nenhuma menção ao alegado âmbito alargado do artigo 22.o do RCUE. A propósito, o documento também refere que o sistema de remessa se prende com a «correta repartição dos processos» e que a remessa dos Estados‑Membros para a Comissão é um mecanismo «pós‑notificação» ( 82 ).

    110.

    A minha conclusão provisória é que uma interpretação histórica do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE apoia inequivocamente a conclusão de que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quanto ao sentido e ao alcance do mecanismo de remessa em causa.

    3) Interpretação contextual do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE

    111.

    Debruçar‑me‑ei de seguida sobre os n.os 118 a 139 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral procedeu a uma interpretação contextual do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE. Para o efeito, o Tribunal Geral considerou 12 elementos de contexto, incluídos em 5 disposições (ou conjuntos de disposições) do RCUE. Depois de analisar estes elementos, o Tribunal Geral chegou à conclusão de que «resulta[va] da interpretação contextual que um pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.o do [RCUE] pode ser apresentado independentemente do âmbito de aplicação da legislação nacional relativa ao controlo das concentrações» ( 83 ).

    112.

    Não subscrevo esta conclusão, por quatro razões distintas: i) as outras disposições do RCUE (que não o artigo 22.o) não confirmam a interpretação defendida pelo Tribunal Geral; ii) os outros números e parágrafos do artigo 22.o também não confirmam essa interpretação; iii) o Tribunal Geral minimizou erradamente a importância de certos elementos do contexto que — embora não sejam de modo algum determinantes — parecem ter um certo peso quando devidamente considerados; e iv) o Tribunal Geral negligenciou igualmente outros elementos contextuais que parecem contradizer as suas próprias conclusões.

    i) Limites da apreciação contextual do Tribunal Geral (I)

    113.

    O Tribunal Geral iniciou a sua apreciação contextual examinando se a redação de outras disposições do RCUE diferentes do seu artigo 22.o poderia esclarecer o sentido e o âmbito de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE. Para esse fim, começou por examinar quatro disposições (ou conjuntos de disposições) do regulamento.

    114.

    Em primeiro lugar, o Tribunal Geral considerou que as bases jurídicas escolhidas pelo legislador da União (os atuais artigos 103.° e 352.° TFUE ( 84 )) para a adoção, primeiro, do RCC e, depois, do RCUE não ofereciam nenhuma indicação sobre o sentido e âmbito de aplicação corretos do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE. Consequentemente, rejeitou a alegação da Illumina de que as bases jurídicas apoiavam a sua proposta de interpretação desta disposição ( 85 ).

    115.

    Esta constatação está, na minha opinião, correta. Resulta dos preâmbulos do RCC e do RCUE ( 86 ), bem como dos trabalhos preparatórios ( 87 ) que o legislador da União considerou que o artigo 103.o TFUE — que permite a adoção de regulamentação com vista à «aplicação dos princípios constantes dos artigos 101.° e 102.° [TFUE]» — era, considerado isoladamente, insuficiente para instituir um sistema de controlo das concentrações destinado a impedir a simples criação de posições dominantes (por oposição ao abuso da posição dominante, que é proibido pelo artigo 102.o TFUE), bem como evitar as concentrações no mercado dos produtos agrícolas que, nos termos do artigo 38.o, n.o 3, TFUE e do anexo I do Tratado FUE ( 88 ), poderiam ser objeto de um regime jurídico específico que incluísse exceções à aplicação integral das regras de concorrência da União. Por conseguinte, o legislador da União considerou necessário basear o regulamento também no artigo 352.o TFUE ( 89 ).

    116.

    A questão de saber se as bases jurídicas do RCUE podem ser pertinentes para a questão em apreço foi também amplamente debatida na audiência. A Comissão, por seu lado, alegou que a escolha do legislador confirmava indiretamente a sua posição, uma vez que o artigo 352.o TFUE é uma disposição suscetível de criar uma nova competência dos Estados‑Membros para solicitar à Comissão o controlo de uma determinada concentração, mesmo na falta de competência para o fazer nos termos do direito nacional. No entanto, independentemente do facto de o artigo 352.o TFUE poder ser lido dessa forma, não encontrei nenhum indício de tal consideração por parte do legislador em nenhum documento histórico. Como já foi dito, tanto o preâmbulo como os trabalhos preparatórios deixam bem claro que a escolha da base jurídica pelo legislador não foi influenciada pelo âmbito de aplicação do artigo 22.o do RCUE ( 90 ).

    117.

    Em segundo lugar, o Tribunal Geral remeteu para o artigo 1.o, n.os 1 e 2, do RCUE, que estabelece os limiares acima dos quais se considera que uma concentração tem «dimensão comunitária» (e, por conseguinte, fica sujeita ao regime de notificação obrigatória) e que esclarece que esses limiares são «[s]em prejuízo do n.o 5 do artigo 4.o e do artigo 22.o». O Tribunal Geral deduziu do artigo 1.o, n.os 1 e 2, do RCUE, que «o âmbito de aplicação do [RCUE] e, por conseguinte, a competência de análise da Comissão no que toca às concentrações dependem, a título principal, do facto de serem excedidos os limiares de volume de negócios que definem a dimensão europeia e, a título subsidiário, dos mecanismos de remessa previstos no artigo 4.o, n.o 5, e no artigo 22.o deste regulamento, que completam os referidos limiares ao autorizarem o exame, pela Comissão, de determinadas concentrações que não possuem dimensão europeia» ( 91 ).

    118.

    Mais uma vez, a conclusão do Tribunal Geral a este respeito é inteiramente correta e nenhuma das partes contesta que o artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE permite à Comissão apreciar certas concentrações que não atingem os limiares estabelecidos no artigo 1.o do RCUE. No entanto, a conclusão do Tribunal Geral não permite esclarecer a verdadeira questão controvertida: quais as concentrações abaixo dos limiares do RCUE que podem ser examinadas pela Comissão nos termos do artigo 22.o deste regulamento?

    119.

    Em terceiro lugar, o Tribunal Geral tomou em consideração o texto do artigo 4.o, n.o 5, do RCUE. Esta disposição inclui outro mecanismo de remessa, que permite às partes numa concentração que não tenha dimensão comunitária e que pode ser apreciada no âmbito da legislação da concorrência de, pelo menos, três Estados‑Membros, solicitar que essa concentração seja apreciada pela Comissão. Como observou o Tribunal Geral, estas duas disposições diferem significativamente no que respeita às suas condições de aplicação e ao seu objetivo. O Tribunal Geral recusou, assim, interpretar o artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE à luz do artigo 4.o, n.o 5, do mesmo regulamento ( 92 ).

    120.

    Pelas razões expostas no n.o 63, supra, considero que esta abordagem é justificada. Na minha opinião, o texto do artigo 4.o, n.o 5, do RCUE é simplesmente inconclusivo no que respeita à interpretação do artigo 22.o, n.o 1, do RCUE.

    121.

    Em quarto lugar, o Tribunal Geral considerou que o artigo 22.o do RCUE «não pode ser interpretado à luz dos mecanismos de remessa previstos no artigo 4.o, n.o 4, e no artigo 9.o do referido regulamento» ( 93 ). Para o Tribunal Geral, as diferenças de redação destas disposições demonstram que estes mecanismos «não est[ão] alinhados» e, por conseguinte, não é possível tirar nenhuma ilação quanto ao sentido e ao âmbito de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE ( 94 ).

    122.

    Mais uma vez, a conclusão do Tribunal Geral está correta: os argumentos das recorrentes a este respeito não foram convincentes. Ao mesmo tempo, pode valer a pena acrescentar que estas disposições também não apoiam os argumentos da Comissão: na verdade, nada dizem quanto à questão controvertida no caso em apreço.

    ii) Limites da apreciação contextual do Tribunal Geral (II)

    123.

    Por último, nos n.os 130 a 138 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou o sentido e o âmbito de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE à luz dos outros números e parágrafos desta disposição. Para o efeito, o Tribunal Geral considerou oito elementos do artigo 22.o do RCUE.

    124.

    Primeiro, contrariamente ao que o Tribunal Geral afirmou ( 95 ), a redação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE — que prevê que o pedido de remessa deve ser apresentado «no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da data de notificação da concentração ou, caso não seja necessária notificação, da data em que foi dado conhecimento da concentração ao Estado‑Membro em causa» ( 96 ) — não significa que o seu primeiro parágrafo «regula […] situações em que as concentrações não são notificadas, mas apenas dadas a conhecer ao Estado‑Membro em causa, ou porque não integram o âmbito de aplicação do referido sistema, ou porque esse sistema não existe» ( 97 ).

    125.

    O Tribunal Geral não teve em conta o facto evidente de que a expressão «dado conhecimento» é necessária para que a disposição cumpra a sua função essencial de «cláusula neerlandesa»: permitir que os Estados‑Membros que não dispõem de um sistema nacional de controlo das concentrações solicitem à Comissão que controle as concentrações suscetíveis de serem problemáticas a nível nacional.

    126.

    Além disso, o Tribunal Geral ignorou as alterações introduzidas ao longo do tempo no artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do RCUE. No RCC original, esta disposição limitava‑se a referir que o pedido devia ser apresentado «no prazo de dois meses a contar da data em que a operação de concentração tiver sido comunicada ao Estado‑Membro ou realizada». Quando o RCC foi alterado em 1997, esta disposição passou a ter a seguinte redação: «[o] pedido deve ser feito [...] no prazo de um mês a contar da data em que a operação de concentração tiver sido comunicada ao Estado‑Membro ou Estados‑Membros em causa, ou realizada.» Por último, só com a adoção do RCUE é que esta disposição foi alterada de modo a incluir também uma referência à «notificação» da concentração ( 98 ).

    127.

    O que nos dizem estas alterações? Na minha perspetiva, confirmam claramente o que foi evidenciado pela análise dos trabalhos preparatórios: i) o artigo 22.o do RCC original foi concebido para regular as remessas dos Estados‑Membros que não dispõem de um sistema de controlo das concentrações (daí a ausência de referência a qualquer notificação); ii) o artigo 22.o do RCC foi alterado em 1997 para permitir a remessa por vários Estados‑Membros, a fim de evitar a apresentação de notificações múltiplas quando a Comissão fosse considerada a autoridade mais bem colocada (daí a introdução da referência a pedidos conjuntos); e iii) o artigo 22.o do RCUE consolidou o acervo do artigo 22.o e reforçou a função de «balcão único» dessa disposição (daí a introdução da referência às notificações) ( 99 ). Por conseguinte, a conclusão do Tribunal Geral baseada no texto do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do RCUE está, a meu ver, incorreta.

    128.

    Segundo, o Tribunal Geral considerou que as recorrentes não podiam invocar a redação do artigo 22.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do RCUE, que exige que a Comissão informe «as autoridades competentes dos Estados‑Membros» de qualquer pedido de remessa. Esta referência é genérica e não implica que tenha sido efetuada uma notificação a nível nacional ou que tal notificação seja, de todo, possível ( 100 ).

    129.

    Concordo, em parte, com o Tribunal Geral. Esse elemento, se considerado isoladamente, não é suficiente para determinar o sentido e o âmbito de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE. No entanto, como explicarei nos n.os 152 a 162 das presentes conclusões, a disposição em causa não é desprovida de significado quando apreciada em conjugação com outras disposições pertinentes.

    130.

    Terceiro, o Tribunal Geral considerou que o artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do RCUE — que estabelece que «[q]ualquer outro Estado‑Membro tem de se associar ao pedido [de remessa] inicial» — é «coerente com o [artigo 22.o, n.o 1, do RCUE] e confirma que qualquer Estado‑Membro pode apresentar um pedido de remessa ou de associação ao abrigo desse artigo, independentemente do âmbito da sua legislação nacional relativa ao controlo das concentrações» ( 101 ).

    131.

    Esse é, reconhecidamente, um elemento que, como o Tribunal Geral afirmou, parece corroborar a posição da Comissão. No entanto, o valor persuasivo de tal elemento é bastante limitado, pelas quatro razões seguintes:

    desde logo, como o próprio Tribunal Geral salientou, a redação do artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do RCUE é semelhante à redação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE. Tendo em conta a ligação estrita e intrínseca entre as duas disposições (que definem, respetivamente, quem pode apresentar um pedido e quem pode apresentar um pedido conjunto), isso é perfeitamente lógico. Não surpreende, pois, que ambas as disposições contenham termos que são igualmente irrestritos. No entanto, na medida em que a primeira disposição é alegadamente pouco clara, a correspondente redação da segunda dificilmente pode ser considerada uma orientação fiável sobre o significado da primeira;

    a redação do artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do RCUE é ainda pouco clara por outra razão. Com efeito, o considerando 15 do RCUE — que respeita ao artigo 22.o do RCUE — dispõe que «[o]utros Estados‑Membros que sejam também competentes para apreciar a concentração deverão poder associar‑se ao pedido [de remessa]» ( 102 ). Este considerando lança, no mínimo, algumas dúvidas sobre a interpretação dada pelo Tribunal Geral ao artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do RCUE, uma vez que indicia que o Estado‑Membro que procede à remessa deve ser competente;

    além disso, mesmo que se concordasse com a interpretação do artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do RCUE adotada pelo Tribunal Geral, isso não criaria nenhuma incongruência com a interpretação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE proposta pelas recorrentes. A Comissão adquire uma competência potencial para analisar uma concentração que não atinge os limiares estabelecidos no artigo 1.o do RCUE quando um Estado‑Membro competente nos termos do artigo 22.o deste regulamento apresenta um pedido de remessa. Assim, quando um ou mais Estados‑Membros se associam a um pedido de remessa (validamente efetuado) de outro Estado‑Membro, a concentração já entrou no âmbito de aplicação do RCUE. Portanto, não é problemático nem anómalo que qualquer Estado‑Membro possa aderir a tal pedido;

    Por último, o facto de um ou mais Estados‑Membros se associarem (ab initio ou subsequentemente) a um pedido de remessa (validamente) apresentado ou em curso de apresentação por outro Estado‑Membro não tem nenhuma consequência negativa para as empresas em causa em termos de segurança jurídica e de previsibilidade dos procedimentos ( 103 ). Isto contrasta fortemente com as consequências que resultariam, a este respeito, de interpretar o artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE da forma sugerida pela Comissão ( 104 ).

    132.

    Quarto, o Tribunal Geral considerou que o facto de, nos termos do artigo 22.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do RCUE, «[t]odos os prazos nacionais relativos à concentração [serem] suspensos» não corrobora a interpretação que a recorrente faz do artigo 22.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do RCUE ( 105 ).

    133.

    Também partilho da conclusão imediata do Tribunal Geral sobre este ponto: o artigo 22.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do RCUE, considerado isoladamente, não esclarece o âmbito de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE ( 106 ).

    134.

    Quinto, o Tribunal Geral debruçou‑se sobre a redação do artigo 22.o, n.o 3, terceiro parágrafo do RCUE, que prevê que «o Estado‑Membro ou os Estados‑Membros que apresentaram o pedido deixam de aplicar à concentração a sua legislação nacional de concorrência». A este respeito, o Tribunal Geral considerou que esta disposição não apoiava os argumentos das recorrentes: a legislação nacional em causa remete igualmente para as disposições nacionais relativas aos acordos anticoncorrenciais e aos abusos de posição dominante ( 107 ).

    135.

    A este respeito, partilho inteiramente da apreciação do Tribunal Geral. Com efeito, o artigo 22.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do RCUE não apoia a interpretação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE defendida pelas recorrentes (nem, de igual modo, a proposta pela Comissão).

    136.

    Sexto, o Tribunal Geral examinou o artigo 22.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do RCUE, segundo o qual o artigo 2.o, o artigo 4.o, n.os 2 e 3, e os artigos 5.°, 6.° e 8.° a 21.° do mesmo regulamento se aplicam quando a Comissão aceita examinar uma concentração remetida, e o artigo 7.o do RCUE se aplica «na medida em que a concentração não tenha sido realizada na data em que a Comissão informar as empresas em causa de que foi apresentado um pedido». A Comissão deduz da redação desta disposição que a obrigação de suspensão contida no artigo 7.o do RCUE abrange «tanto as situações em que a concentração objeto do pedido de remessa não se inclui [...] no âmbito de aplicação de nenhuma legislação nacional, como aquelas em que essa legislação é aplicável mas não prevê a sua suspensão» ( 108 ).

    137.

    A ilação do Tribunal Geral é intrigante. Tomada à letra, está correta ( 109 ). No entanto, também não é pertinente para a questão aqui em litígio. Por conseguinte, entendo a ilação do Tribunal Geral no sentido de que significa que a obrigação de suspensão estabelecida no artigo 7.o do RCUE também é aplicável às concentrações que não se enquadram no âmbito do sistema nacional de controlo das concentrações do Estado‑Membro que apresenta o pedido.

    138.

    No entanto, parece existir uma lacuna no raciocínio do Tribunal Geral: com efeito, não é imediatamente percetível de que forma essa ilação decorre da redação do artigo 22.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do RCUE. Em todo o caso, considero que tal ilação é errónea.

    139.

    O artigo 22.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do RCUE estabelece a obrigação de suspensão aplicável a todas as operações de concentração relativamente às quais tenha sido apresentado um pedido de remessa para garantir a eficácia do sistema de controlo e evitar distorções da concorrência antes de se decidir se a Comissão irá proceder ao controlo do processo.

    140.

    O facto de a obrigação de suspensão só se aplicar na medida em que «a concentração não tenha sido realizada na data em que a Comissão informar as empresas em causa de que foi apresentado um pedido» é o resultado inevitável do facto de uma concentração relativamente à qual foi apresentado um pedido de remessa poder ter sido (legalmente) realizada antes dessa apresentação. Isso é possível por várias razões. Em especial, um pedido de remessa pode provir de um Estado‑Membro (ou de um Estado EEE/EFTA ( 110 )): i) que não dispõe de um sistema de controlo das concentrações; ii) que dispõe de um sistema de controlo das concentrações que não prevê uma obrigação de suspensão ( 111 ); e iii) em que uma obrigação de suspensão, embora existente, não era aplicável no caso concreto. No que respeita a este último ponto, é efetivamente importante referir que o âmbito de aplicação das obrigações de suspensão, incluindo as isenções e as eventuais derrogações a estas, bem como a duração dos períodos de espera aplicáveis, variam de Estado‑Membro para Estado‑Membro ( 112 ).

    141.

    A conclusão do Tribunal Geral relativamente ao artigo 7.o do RCUE constitui, por conseguinte, um non sequitur. Na minha opinião, o artigo 22.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do RCUE não esclarece sobre a interpretação correta do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo.

    142.

    Sétimo, o Tribunal Geral recordou que, em conformidade com o artigo 22.o, n.o 5, do RCUE, «[a] Comissão pode informar um ou mais Estados‑Membros de que considera que uma concentração preenche os critérios referidos no n.o 1 [deste artigo]». Uma vez que esta formulação se refere apenas a estes critérios, que parecem ser exaustivos, o Tribunal Geral considerou que esta disposição não exige que a concentração esteja abrangida pelo âmbito de aplicação das regras nacionais de controlo das concentrações ( 113 ).

    143.

    No meu entender, o Tribunal Geral faz uma interpretação demasiado extensiva desta disposição. O artigo 22.o, n.o 5, do RCUE complementa o artigo 22.o, n.o 1, do RCUE: o mecanismo de remessa em questão pode ser iniciado por um ou mais Estados‑Membros, mas também pela Comissão — em ambos os casos, os dois requisitos substantivos exigidos pelo artigo 22.o do RCUE têm de estar preenchidos, o que explica a linguagem muito semelhante utilizada em ambos. De facto, seria estranho que o artigo 22.o, n.o 5, do RCUE fosse mais pormenorizado do que o artigo 22.o, n.o 1, do RCUE ou incluísse qualquer diferença substancial em relação a este. Assim, como referi no n.o 131, supra, tal disposição dificilmente pode ser utilizada como fonte fiável de interpretação contextual da disposição cuja redação reflete.

    144.

    Além disso, mesmo que se considerasse que a redação do artigo 22.o, n.o 5, do RCUE é pertinente, vejo pelo menos duas outras explicações para tal redação: estas não só não apoiam a posição da Comissão, como podem mesmo ser consideradas favoráveis à posição das recorrentes.

    145.

    Uma dessas explicações torna‑se evidente se atentarmos no n.o 110 do acórdão recorrido. Nesta passagem, o Tribunal Geral observou que, num processo anterior (Kesko), já tinha declarado que «não competia à Comissão decidir sobre a competência de uma autoridade nacional da concorrência para introduzir um pedido de remessa baseado no artigo 22.o [do RCUE], cabendo‑lhe apenas verificar se esse pedido era, à primeira vista, proveniente de um Estado‑Membro» ( 114 ). Este acórdão está correto na medida em que o facto de uma determinada concentração ser ou não notificável nos termos do direito nacional não é uma questão de direito da União, mas sim de direito nacional. Por conseguinte, não pode caber à Comissão informar um Estado‑Membro nos termos do artigo 22.o, n.o 5, do RCUE de que, no seu entender, estão satisfeitos não só os requisitos substantivos da remessa, mas também os limiares nacionais.

    146.

    Outra explicação decorre da falta de qualquer indicação, no artigo 22.o, n.o 5, do RCUE, acerca dos critérios que a Comissão deve utilizar para identificar os referidos «um ou mais Estados‑Membros» que, ao abrigo desta disposição, pode primeiro contactar e posteriormente convidar a apresentar um pedido. São os Estados‑Membros em cujo território a concorrência pode ser afetada? Em caso afirmativo, a Comissão pode escolher livremente apenas alguns deles (e com base em que critérios?) ou é obrigada a tratá‑los de forma igual? A redação da disposição pode, à primeira vista, parecer um pouco ambíguo a este respeito. Ou talvez não. Poder‑se‑ia argumentar que a Comissão dispõe de um amplo poder discricionário nesta matéria, uma vez que, nomeadamente, poderá ter de considerar, em cada caso específico, quais os Estados‑Membros que são prima facie competentes para remeter uma concentração e quais não são.

    147.

    Por conseguinte, entendo que o artigo 22.o, n.o 5, do RCUE não é útil para determinar a natureza e o âmbito de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, deste regulamento.

    148.

    Por último, o Tribunal Geral considerou que as outras disposições do artigo 22.o do RCUE «não contêm qualquer elemento pertinente que possa contribuir para melhor esclarecer o conteúdo do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do referido regulamento» ( 115 ). Conforme explicarei nas próximas secções das presentes conclusões, discordo deste último entendimento.

    149.

    Com base nos diferentes elementos de contexto acima ilustrados, o Tribunal Geral chegou à conclusão de que uma interpretação contextual do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE confirmava que um pedido de remessa nos termos do artigo 22.o deste regulamento podia ser apresentado independentemente do âmbito da legislação nacional relativa ao controlo das concentrações. Todavia, como já expliquei, esta conclusão não decorre da análise contextual efetuada pelo Tribunal Geral. Nessa análise, o Tribunal Geral baseou‑se, em geral, em 12 elementos de contexto. Dos doze elementos examinados:

    7 são, segundo o próprio Tribunal Geral, irrelevantes para a interpretação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE; na verdade, foram analisados principalmente para rejeitar alguns argumentos das recorrentes. O Tribunal Geral não afirmou (nem sequer sugeriu) que estes elementos podem apoiar a posição da Comissão; e

    1 foi referido pelo Tribunal Geral para corroborar um ponto que, no entanto, não está em causa e, além disso, não oferece nenhuma orientação relativamente à interpretação contestada.

    150.

    Portanto, mesmo que se seguisse inteiramente o raciocínio do Tribunal Geral, quod non, a sua conclusão basear‑se‑ia apenas em quatro elementos contextuais. No entanto, três destes elementos foram, como se explicou, erroneamente apreciados e um, embora reconhecidamente favorável à posição da Comissão, não parece ser particularmente persuasivo.

    151.

    Além disso, considero problemática a análise contextual efetuada no acórdão recorrido por duas razões adicionais: i) o Tribunal Geral excluiu erradamente a importância de alguns elementos de contexto que — embora não sendo, de modo algum, determinantes — têm um valor indicativo quando devidamente considerados; e ii) o Tribunal Geral ignorou outros elementos de contexto que parecem contradizer as suas conclusões.

    iii) Limites da avaliação contextual do Tribunal Geral (III)

    152.

    Para começar, alguns elementos do contexto cuja importância foi excluída pelo Tribunal Geral ( 116 ) adquirem, a meu ver, um certo valor hermenêutico se forem tidos em devida conta dois aspetos que esse Tribunal negligenciou: a sua conexão e o fator tempo.

    153.

    Permitam‑me explicar. Os elementos a que me refiro são disposições e considerandos do RCUE que, examinados isoladamente, podem parecer não revestir especial relevância para a interpretação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE. No entanto, na realidade, quando se dá um passo atrás e se analisam estas disposições e considerandos em conjunto, tendo em conta quando e porquê foram introduzidos no regulamento, é efetivamente possível retirar algumas indicações úteis.

    154.

    Em primeira instância, as recorrentes invocaram uma série de disposições e considerandos do RCUE que parecem basear‑se na premissa de que i) a concentração objeto de remessa nos termos do artigo 22.o do RCUE é notificada ou notificável a nível nacional ( 117 ); ii) essa concentração deve, em todo o caso, ser apreciada em algum lugar, mesmo que a Comissão decida não o fazer ( 118 ); ou iii) as autoridades nacionais que procedem à remessa devem ser competentes para apreciar a concentração. Este último ponto merece uma breve explicação.

    155.

    Como já referido, o artigo 22.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do RCUE exige que a Comissão «inform[e] sem demora as autoridades competentes dos Estados‑Membros e as empresas em causa dos pedidos [de remessa] que recebeu». Tal como o Tribunal Geral, também eu tenderia a ler a expressão «autoridades competentes» no sentido de que designa as autoridades nacionais que são geralmente responsáveis pelas concentrações — por oposição às autoridades competentes para analisar a concentração específica em conformidade com a legislação nacional.

    156.

    Ora, esta leitura é posta em causa, como referido no n.o 131, supra, pelo considerando 15 do RCUE, que trata precisamente do mecanismo de remessa em questão e, mais especificamente, dos requisitos que devem ser satisfeitos para a sua utilização nos termos do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE. Este considerando tem a seguinte redação: «[u]m Estado‑Membro deverá poder remeter para a Comissão uma concentração que não tenha dimensão comunitária mas que afete o comércio entre os Estados‑Membros e que ameace afetar de forma significativa a concorrência dentro do seu território. Outros Estados‑Membros que sejam também competentes para apreciar a concentração deverão poder associar‑se ao pedido» ( 119 ). Não sugere a redação deste considerando — como alegam as recorrentes — que o Estado‑Membro que procede a uma remessa deve ser competente, nos termos do direito nacional, para apreciar a concentração em causa?

    157.

    O Tribunal Geral rejeitou os argumentos das recorrentes: estas disposições e considerandos não podem ser interpretados no sentido de que implicam que, para ser remetida, uma determinada concentração deve ser notificada ou notificável no Estado‑Membro que desencadeia o mecanismo ( 120 ). Isto está claramente correto. Não é necessário recordar que o mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o do RCUE pode ser utilizado pelos Estados‑Membros que não dispõem de um sistema nacional de controlo das concentrações — e efetivamente foi concebido principalmente para eles.

    158.

    No entanto, parar a análise jurídica neste ponto, como fez o Tribunal Geral, é demasiado simplista. Do mesmo modo, considero surpreendente que a Comissão também não se tenha debruçado mais nas suas observações sobre a redação destas disposições, tendo em conta a importância primordial que atribui à interpretação textual no contexto do presente processo.

    159.

    Não podemos deixar de nos interrogar, neste contexto, se não haverá uma certa incoerência nos argumentos apresentados pela Comissão, bem como na fundamentação do acórdão recorrido. Ambos se baseiam fortemente na redação (alegadamente clara) de certas disposições para depois rejeitarem o que parece resultar da redação (alegadamente clara) de outras disposições pelo simples facto de estas últimas não serem compatíveis com a interpretação dada às primeiras. A meu ver, a rejeição das indicações dadas por certas disposições em virtude de essas indicações não se harmonizarem com a conclusão provisória a que se chegou anteriormente não constitui uma interpretação contextual exaustiva. É quase um raciocínio circular.

    160.

    Creio que um intérprete mais prudente deveria ter‑se interrogado sobre a razão pela qual algumas disposições e considerandos do RCUE podem não ter o significado que a sua redação sugere. Na minha opinião, a razão subjacente à singularidade destes considerandos e disposições reside no facto de nenhum deles ter sido incluído no RCC original em 1989. Foram todos introduzidos mais tarde, quando o RCC, depois de ter sido alterado nesta matéria em 1997, acabou por ser revogado pelo RCUE.

    161.

    Uma vez que este ponto já foi amplamente abordado, não preciso de me debruçar sobre ele novamente. O RCUE pretendeu desenvolver o objetivo de «balcão único» do mecanismo de remessa. Por conseguinte, uma vez que este objetivo apenas diz respeito às operações de concentração notificadas ou notificáveis, é evidente que o texto destas disposições e dos considerandos foi redigido tendo em conta estas operações.

    162.

    Lido a essa luz, a redação dessas disposições e dos considerandos faz todo o sentido e é coerente com o resto do RCUE. Por conseguinte, também estes elementos de contexto sugerem que o artigo 22.o do RCUE nunca teve por objetivo permitir que os Estados‑Membros remetessem à Comissão as concentrações que não atinjam os limiares nacionais. Caso contrário, provavelmente teriam sido redigidas de forma diferente. Utilizando uma outra expressão inglesa, diria, portanto, que, no que respeita a estas disposições e considerandos, o Tribunal Geral «tomou a árvore pela floresta».

    iv) Limites da apreciação contextual do Tribunal Geral (IV)

    163.

    Além disso, o Tribunal Geral não teve em conta outros aspetos do contexto jurídico que, na minha opinião, também parecem apoiar a interpretação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE avançada pelas recorrentes.

    164.

    Sobre este ponto, posso igualmente ser breve. Com efeito, já me referi a alguns desses elementos em passagens anteriores das presentes conclusões.

    165.

    Para começar, o considerando 15 refere, in fine, que, nos termos do artigo 22.o do RCUE, a Comissão adquire a «competência para analisar e tratar de uma concentração em nome de um Estado‑Membro requerente ou dos Estados‑Membros requerentes» ( 121 ). A linguagem deste considerando é difícil de conciliar com uma disposição que — segundo a Comissão e o Tribunal Geral — atribui competência à Comissão para analisar determinadas concentrações que afetam a concorrência no mercado interno. Se o problema reside no mercado interno, por que razão deveria a Comissão atuar no interesse, em representação ou em nome de ( 122 ) uma autoridade nacional, a fortiori de uma que não é competente para apreciar a concentração em causa?

    166.

    As minhas dúvidas sobre este ponto são agravadas pela redação do artigo 22.o, n.o 5, do RCC original, que dispunha: «[e]m aplicação do n.o 3, a Comissão limitar‑se‑á a tomar as medidas necessárias para preservar ou restabelecer uma concorrência efetiva no território do Estado‑Membro a pedido do qual a Comissão interveio» ( 123 ). A limitação expressa dos poderes conferidos à Comissão nestas circunstâncias ( 124 ) demonstra, a meu ver de forma inequívoca, que o artigo 22.o do RCUE não foi concebido para ter a ampla função corretiva que lhe foi atribuída pelo Tribunal Geral.

    167.

    É também interessante observar que, no acórdão recorrido, não seja feita nenhuma menção ao artigo 1.o, n.os 4 e 5, do RCUE, que prevê um procedimento simplificado ( 125 ) que permite ao Conselho, sob proposta da Comissão, «rever os limiares e os critérios» que, nos termos desta disposição, definem o âmbito de aplicação do RCUE ( 126 ). É importante notar que esta disposição não se refere apenas aos «limiares» (entendidos como os limiares de volume de negócios), mas também aos «critérios». Isto significa que o legislador da União pode, se o considerar necessário, decidir substituir ou integrar os limiares do volume de negócios com critérios baseados noutros tipos de valores (por exemplo, o preço pago pelo adquirente, o valor da operação, as quotas de mercado, a quota de oferta, o valor dos ativos locais a transferir, o impacto potencial nos mercados relevantes, etc.). Por conseguinte, existe um mecanismo de correção sistémico no RCUE que permite um rápido ajustamento do âmbito de aplicação deste regulamento se, devido à evolução do mercado, os critérios de competência utilizados deixarem de ser aptos para abranger concentrações potencialmente prejudiciais.

    168.

    Concordo com a Comissão quando refere que, por si só, o valor hermenêutico deste elemento não deve ser sobrestimado. No entanto, suscita questões sobre a necessidade de dispor, no regulamento, de um mecanismo de correção ad hoc como o que preconizado Tribunal Geral. Além disso, este elemento de contexto torna‑se muito mais pertinente para o intérprete quando é analisado de uma perspetiva diferente.

    169.

    Há que ter presente que já existia uma disposição análoga à do artigo 1.o, n.os 4 e 5, do RCUE no RCC original e, neste último regulamento, a ligação entre o mecanismo de ajustamento dos limiares e o mecanismo de remessa era direta e explícita. Curiosamente, o mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o, n.os 3 a 5, do RCC foi inicialmente concebido como um mecanismo temporário. De facto, o artigo 22.o, n.o 6, do RCC dispunha que «[o]s n.os 3, 4 e 5 continuarão a ser aplicáveis até que sejam revistos os limiares referidos no [artigo 1.o, n.o 2]». Isto significa que o legislador da União considerou, em 1989, que o mecanismo de remessa estava destinado a tornar‑se obsoleto, assim que a experiência «no terreno» permitisse fazer os ajustamentos adequados aos limiares do volume de negócios ( 127 ). É evidente que tal consideração não teria qualquer sentido se o mecanismo de remessa tivesse por objetivo, como alega a Comissão, abranger também as concentrações que não atingem os limiares nacionais: a sua utilidade em nada seria afetada por uma alteração dos limiares do RCC. A fortiori, se o mecanismo de remessa se destinasse a abranger concentrações que não atingem os limiares nacionais, porquê torná‑lo temporário?

    170.

    A minha conclusão provisória é que, no cômputo geral, uma interpretação contextual do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE também apoia a conclusão de que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quanto ao sentido e ao alcance do mecanismo de remessa em causa. Com efeito, embora existam elementos em ambos os sentidos, os que apontam para um âmbito de aplicação mais restrito desta disposição são muito mais numerosos e mais pertinentes do que os que apontam para um âmbito de aplicação mais amplo.

    4) Interpretação teleológica do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE

    171.

    Em seguida, nos n.os 140 a 151 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral efetuou uma interpretação teleológica do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE, centrando‑se principalmente no texto do preâmbulo. Em especial, sublinhou que, como decorre dos considerandos 5, 6, 8, 24 e 25 do referido regulamento, o seu objetivo é «permitir um controlo efetivo de todas as concentrações com impacto significativo na estrutura da concorrência na União». O Tribunal Geral sublinhou igualmente que, no considerando 11, os mecanismos de remessa são designados por «mecanismo[s] de correção», o que revela que criam «uma competência subsidiária da Comissão que lhe confere a flexibilidade necessária para alcançar o objetivo deste regulamento». Nesta base, concluiu que «a interpretação teleológica confirma que um pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.o do [RCUE] pode ser apresentado independentemente do âmbito de aplicação da legislação nacional em matéria de controlo das concentrações».

    172.

    Mais uma vez, tenho de discordar do Tribunal Geral. Para explicar porquê, tentarei abordar duas questões que, neste contexto, esclarecem o sentido e o âmbito de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE. Em primeiro lugar, quais são os objetivos específicos desta disposição? Em segundo lugar, é o alegado objetivo de sanação de lacunas prosseguido por esta disposição coerente com os objetivos gerais do RCUE?

    i) Limites da apreciação teleológica do Tribunal Geral (I)

    173.

    A resposta à primeira questão é, neste ponto da minha análise, parcialmente clara. Com efeito, tanto a apreciação histórica como a apreciação contextual do RCUE revelam dois objetivos que são indubitavelmente prosseguidos pelo mecanismo de remessa previsto no seu artigo 22.o O primeiro objetivo, que levou à inclusão do mecanismo de remessa no RCC original (a «cláusula neerlandesa») foi permitir a análise das concentrações suscetíveis de distorcer a concorrência a nível local, quando o Estado‑Membro em questão não dispõe de nenhum sistema nacional de controlo das concentrações. O segundo objetivo, introduzido com a reforma do RCC em 1997 e posteriormente reforçado com a adoção do RCUE, é o objetivo do «balcão único»: permitir o controlo pela Comissão de uma concentração notificada ou notificável em vários Estados‑Membros, a fim de evitar notificações nacionais múltiplas.

    174.

    O primeiro objetivo não resulta evidente do texto do preâmbulo do RCC original. No entanto, o facto de o mecanismo de remessa ter sido inicialmente introduzido para prosseguir esse objetivo foi declarado pelo Tribunal Geral e é ponto assente entre as partes. De qualquer modo, a inexistência de qualquer referência a este objetivo no preâmbulo do RCC não é surpreendente, uma vez que, como acima explicado, o seu âmbito e significado foram inicialmente concebidos para serem muito limitados. Com efeito, estava inicialmente destinado a ser aplicado apenas temporariamente, a saber, até que os limiares do volume de negócios fossem ajustados, e excecionalmente, dado o seu âmbito de aplicação restrito, conforme o então Comissário responsável pela concorrência expressamente referiu ( 128 ).

    175.

    Em contrapartida, o segundo objetivo é expressamente (e enfaticamente) referido no preâmbulo tanto do Regulamento de 1997 como do RCUE ( 129 ). O que tão‑pouco é surpreendente, dada a importância das alterações introduzidas no mecanismo de remessa em causa.

    176.

    Devo agora abordar a questão de saber se é possível identificar um terceiro objetivo alegadamente prosseguido pelo artigo 22.o do RCUE — o de sanação de lacunas, permitindo o controlo das concentrações que não atingem os limiares da União nem os nacionais. O Tribunal Geral encontrou a confirmação desse objetivo no considerando 11 do RCUE, segundo o qual «[a]s regras em matéria de remessa das concentrações da Comissão para os Estados‑Membros e dos Estados‑Membros para a Comissão deverão funcionar como um mecanismo de correção eficaz».

    177.

    A este respeito, considero que o Tribunal Geral interpretou mal este considerando. A expressão «mecanismo de correção» não deve ser lida isoladamente, mas considerada no seu contexto próprio.

    178.

    Em primeiro lugar, qual é o objeto do considerando 11? O seu contexto é importante. O considerando 8 clarifica os princípios básicos relativos à repartição das competências entre a Comissão e as ANC. Os considerandos 9 e 10 respeitam aos limiares de volume de negócios estabelecidos no RCUE para que as concentrações sejam de «dimensão comunitária». Por sua vez, o considerando 12 diz respeito às concentrações que não atingem os limiares de volume de negócios do RCUE, mas que «poderão preencher as condições que determinem o seu exame no âmbito de vários regimes nacionais de controlo das concentrações». Em relação a este último aspeto, o considerando 12 observa que «[a] notificação múltipla de uma mesma operação aumenta a insegurança jurídica, os esforços e os custos para as empresas e pode conduzir a apreciações contraditórias», concluindo, por isso, que «[c]onsequentemente, deverá ser melhor desenvolvido um sistema que permita que os Estados‑Membros remetam as concentrações para a Comissão». Os considerandos 13 a 16 referem, em seguida, a cooperação a estabelecer entre a Comissão e as ANC para esse efeito, e ilustram o funcionamento dos diferentes mecanismos de remessa.

    179.

    Na minha opinião, o contexto acima referido sugere que o considerando 11 alude a um mecanismo com uma função corretiva em termos de repartição de competências entre a Comissão e as ANC. Este considerando não se prende com a criação, como afirmou o Tribunal Geral, de «uma competência subsidiária da Comissão que lhe confere a flexibilidade necessária para alcançar o objetivo deste regulamento» ( 130 ).

    180.

    A consideração anterior encontra apoio adicional, em primeiro lugar, no facto de este considerando não constar do RCC original, mas ter sido introduzido apenas no RCUE. Com efeito, a utilidade do mecanismo de remessa no que respeita à repartição dos processos entre diferentes autoridades, todas competentes para apreciar uma determinada concentração, só surgiu em 1997, antes de adquirir maior importância em 2004.

    181.

    Com efeito, o n.o 94 do Livro Verde de 2001 assim o confirma, declarando que «a fim de tornar o n.o 3 do artigo 22.o operacional enquanto mecanismo corretor geralmente aplicável ao problema da notificação múltipla, as alterações exigidas pelo sistema vão muito provavelmente além do Regulamento das concentrações» ( 131 ). Esse número permite tirar duas conclusões. Em primeiro lugar, a conclusão de que o termo «mecanismo de correção» que figura no considerando 11 do RCUE se refere ao problema singular das notificações múltiplas, e não à questão mais ampla relativa a todas as deficiências inerentes a um sistema de controlo das concentrações baseado em limiares. Além disso, a questão das notificações múltiplas só se coloca porque as concentrações podem estar sujeitas a vários sistemas nacionais de controlo das concentrações e não porque escapam a tais sistemas. Em segundo lugar, recorrer ao artigo 22.o como meio de reparação do problema da notificação múltipla exigiu debate e uma alteração legislativa e, portanto, não era o objetivo inicial deste artigo. Pode decorrer daqui que recorrer ao artigo 22.o para resolver outros problemas mais amplos exigiria igualmente debate e alterações.

    182.

    A leitura integral do considerando 11 corrobora as considerações anteriores. Este considerando precisa que «[a]s regras em matéria de remessa das concentrações [...] deverão funcionar como um mecanismo de correção eficaz à luz do princípio da subsidiariedade. Essas regras protegem de forma adequada os interesses dos Estados‑Membros quanto à concorrência e tomam em devida consideração a necessidade de segurança jurídica e o princípio do “balcão único”». Retiro duas ilações deste texto. Em primeiro lugar, a referência ao princípio da subsidiariedade e à proteção adequada da concorrência dos Estados‑Membros confirma um âmbito de aplicação estrito do mecanismo de remessa: visa apenas sanar situações em que a concorrência é afetada localmente. Em segundo lugar, a referência à segurança jurídica e ao princípio do «balcão único» sugere igualmente que os mecanismos de remessa têm por objetivo substituir vários procedimentos nacionais por um procedimento centralizado, o que pressupõe que as concentrações em causa satisfazem os limiares nacionais.

    183.

    Por conseguinte, a leitura que o Tribunal Geral faz do considerando 11 do RCUE não me convence. Também não me convence a interpretação do Tribunal Geral dos considerandos 6 e 24 do RCUE, na medida em que se referem ao controlo efetivo de todas as concentrações.

    184.

    Mais uma vez, quando estes considerandos são lidos na íntegra e no seu devido contexto, parece bastante claro que o termo «todas» não significa que cada uma das concentrações que ocorre no mundo, desde que possa suscitar problemas em matéria de concorrência em algum Estado‑Membro, deva ser sujeita a um controlo «efetivo» nos termos do RCUE. O considerando 6 dispõe: «Impõe‑se, por conseguinte, a criação de um instrumento jurídico específico que permita um controlo eficaz de todas as concentrações em função do seu efeito sobre e estrutura da concorrência na Comunidade e que seja o único aplicável às referidas concentrações.» Do mesmo modo, o considerando 24 declara que: «o presente regulamento deverá permitir o controlo efetivo de todas as concentrações em função dos seus efeitos na concorrência na Comunidade.»

    185.

    Vários elementos textuais destes considerandos contradizem claramente as alegações de que respeitam ao mecanismo de remessa em causa. Em primeiro lugar, nem «todas as concentrações» podem ser objeto de controlo ao abrigo do RCUE: a menos que os limiares previstos neste regulamento sejam atingidos, a concentração deve normalmente ser analisada por outras autoridades da concorrência (dos Estados‑Membros da União e/ou de países terceiros). Em segundo lugar, no que diz respeito às concentrações que — se se seguisse a teoria da Comissão — entrariam no âmbito de aplicação do RCUE «pela porta das traseiras» (ou seja, aquelas em relação às quais, em princípio, nem a Comissão nem as ANC pertinentes são competentes), não se pode afirmar que o RCUE seja «o único [instrumento] aplicável às referidas concentrações»; com efeito, o artigo 22.o do RCUE permite procedimentos paralelos perante a Comissão (quando solicitado por uma ou mais ANC) e perante uma ou mais ANC (as que não se associam ao pedido de remessa). Em terceiro lugar, nos termos do artigo 22.o do RCUE, a Comissão não examina as concentrações «em função dos seus efeitos na concorrência na Comunidade», como afirmam os considerandos 6 e 24 ( 132 ), mas apenas nos territórios dos Estados‑Membros que efetuam a remessa (artigo 22.o, n.os 1 e 5, do RCUE). De facto, os órgãos jurisdicionais da União têm interpretado sistematicamente a expressão «todas as concentrações» que figura no preâmbulo do RCUE no sentido de que designam as concentrações «de dimensão comunitária» ( 133 ).

    186.

    Porém, se assim for, coloca‑se uma questão: a que se refere o termo «todas» no contexto destes considerandos? A resposta encontra‑se novamente no texto destes considerandos e é confirmada pela sua história e objetivo. As expressões utilizadas nestes considerandos remontam ao considerando 7 do RCC original ( 134 ) e visam deixar absolutamente claro que, nos termos do regulamento das concentrações, que todas as concentrações serão apreciadas «em função dos seus efeitos na concorrência». Esta clarificação, que hoje pode efetivamente parecer óbvia e, por conseguinte, desnecessária, não era, de modo algum, anódina aquando da adoção do RCC. Com efeito, outro motivo que paralisou, durante vários anos, as negociações no Conselho foi a diferença muito acentuada de pontos de vista entre vários Estados‑Membros relativamente aos critérios que a Comissão deveria utilizar para decidir se autorizava ou não uma concentração. Enquanto a Comissão e muitos Estados‑Membros eram a favor de uma análise puramente antitrust, alguns Estados‑Membros opuseram‑se a esta ideia, considerando que as concentrações deviam também ser apreciadas à luz de outras considerações e, nomeadamente, atendendo a razões de política industrial. Por fim, prevaleceu a primeira opinião e o compromisso consistiu em incluir no regulamento a chamada «cláusula alemã» (o então artigo 21.o, n.o 3, do RCC, atual artigo 21.o, n.o 4, do RCUE), que atribuía algum poder interventivo residual aos Estados‑Membros ( 135 ). A jurisprudência dos tribunais da União parece confirmar a minha interpretação deste considerando ( 136 ).

    187.

    Por conseguinte, o facto de o Tribunal Geral invocar os considerandos 6, 11 e 24 neste contexto é, a meu ver, inoportuno. Numa análise mais aprofundada, não existe, no preâmbulo de nenhum dos três regulamentos relativos às concentrações, nenhuma referência a uma função de sanação de lacunas atribuída ao artigo 22.o do RCUE, nem é possível retirar desses preâmbulos qualquer ilação a este respeito. O silêncio sobre este ponto é bastante significativo, dado o impacto potencialmente extraordinário que tal disposição teria no funcionamento de um sistema de controlo das concentrações que: i) «assenta no princípio da repartição precisa de competências entre [a Comissão] e as autoridades nacionais» ( 137 ); e ii) cujo âmbito de aplicação é «circunscr[ito] mediante limiares de natureza quantitativa» ( 138 ).

    188.

    Dito isto, outra questão que se coloca neste contexto é se o objetivo de sanação de lacunas que lhe é atribuído pelo Tribunal Geral é compatível com os objetivos gerais do RCUE.

    ii) Limites da apreciação teleológica do Tribunal Geral (II)

    189.

    No n.o 140 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral analisou o preâmbulo do RCUE e chegou à conclusão de que o objetivo de sanação de lacunas atribuído ao mecanismo de remessa em causa era coerente com «o objetivo deste regulamento[, que] é permitir um controlo efetivo de todas as concentrações com impacto significativo na estrutura da concorrência na União» ( 139 ).

    190.

    Encontro dois problemas principais nesta análise: o Tribunal Geral ignorou alguns elementos essenciais do preâmbulo e interpretou erradamente alguns considerandos.

    191.

    Em primeiro lugar, o Tribunal Geral sublinhou reiteradamente o objetivo do RCUE de assegurar um controlo efetivo das concentrações, chegando mesmo a referir‑se‑lhe como «o objetivo», ou seja, o único.

    192.

    Não pode haver dúvida, a meu ver, de que o objetivo de assegurar um controlo efetivo das concentrações é a própria razão de ser do regulamento e, consequentemente, a sua importância é sublinhada no preâmbulo do RCUE. No entanto, esse não pode ser o único objetivo ou, dito de outro modo, esse objetivo não existe no vazio. Na verdade, o artigo 2.o do RCUE refere‑se às «concentrações abrangidas pelo presente regulamento [que] devem ser apreciadas de acordo com os objetivos do presente regulamento» ( 140 ).

    193.

    Com efeito, a prossecução do objetivo de permitir um controlo efetivo das concentrações é indissociável da prossecução de outros objetivos, alguns dos quais são particularmente pertinentes no caso vertente. O primeiro desses objetivos, que resulta das longas e (atrevo‑me a dizer) acaloradas discussões que acabaram por conduzir à adoção do RCC, após quase 20 anos de negociações no seio do Conselho, é o estabelecimento de um sistema em que a competência é partilhada entre a Comissão e as ANC ( 141 ). O segundo objetivo consiste em alcançar, a nível da União, um sistema eficaz baseado no princípio do «balcão único»: a Comissão tem competência exclusiva para apreciar as operações de concentração notificadas nos termos do RCUE, que não necessitam de qualquer notificação adicional a nível dos Estados‑Membros, e as autoridades nacionais deixam de poder aplicar o seu direito nacional da concorrência a essas operações ( 142 ). O terceiro objetivo consiste em estabelecer um sistema eficaz e previsível, capaz de oferecer segurança jurídica às empresas em causa ( 143 ). O próprio Tribunal Geral refere, no n.o 226 do acórdão recorrido, os «objetivos fundamentais de eficácia e de celeridade subjacentes ao [RCUE]», bem como a intenção do legislador da União de «definir uma repartição clara das intervenções das autoridades nacionais e da União».

    194.

    Enquanto os dois primeiros objetivos referidos no número anterior são, por razões óbvias, características específicas do sistema de controlo das concentrações da União, o terceiro não o é. Com efeito, todos os sistemas de controlo das concentrações existentes a nível mundial procuram alcançar um equilíbrio entre o controlo efetivo da concorrência e a prevenção de custos e atrasos desnecessários, tanto para as partes na concentração como para a própria administração pública ( 144 ). Para assegurar este equilíbrio, as regras em matéria de concentrações baseiam‑se geralmente em limiares que filtram as operações a analisar e impõem às autoridades prazos específicos para concluir a sua apreciação. Por conseguinte, nunca pode ser demais sublinhar a importância da previsibilidade e da segurança jurídica, especialmente para as partes na concentração. As empresas potencialmente sujeitas a obrigações de notificação e de suspensão precisam de saber, com um nível de confiança relativamente elevado, se o seu projeto de concentração será objeto de um controlo antitrust, bem como por parte de que autoridades e quando poderão esperar uma resposta definitiva dessas autoridades ( 145 ).

    195.

    Conforme referido, isto é verdade a nível global. No entanto, é ainda mais verdade no caso de concentrações suscetíveis de ser objeto de controlo na União. Não só porque, na União, coexistem várias autoridades responsáveis pela aplicação da lei (a Comissão e as ANC) ‑ com tudo o que isso implica em termos de complexidade — mas também porque, ao contrário da grande maioria dos regimes de controlo das concentrações existentes no mundo, o RCUE impõe às partes na concentração uma proibição mundial de conclusão. Isto significa que a realização de uma concentração notificada deve, em princípio, ser integralmente suspensa até que a Comissão tome uma decisão final. As partes na concentração não podem, por conseguinte, acelerar essa realização, por exemplo, separando determinados ativos, unidades ou atividades locais até à obtenção da aprovação pendente. Os custos e os riscos impostos às partes na concentração são, por conseguinte, ainda mais importantes, pelo que estas empresas devem estar em condições de tomar as precauções adequadas nesta matéria.

    196.

    Para esse efeito, como o Tribunal de Justiça declarou, o RCUE «contém igualmente disposições cujo objetivo é o de limitar, por razões de segurança jurídica e no interesse das empresas em causa, a duração dos procedimentos de verificação das operações que incumbem à Comissão». Com efeito, o legislador da União «quis assegurar um controlo das operações de concentração em prazos compatíveis simultaneamente com as exigências de uma boa administração e da vida comercial» ( 146 ).

    197.

    À luz das considerações precedentes, concordo que garantir a eficácia do sistema (entendida como a capacidade de abranger as concentrações potencialmente prejudiciais) é o principal objetivo do RCUE. No entanto, essa eficácia não pode ser alcançada em detrimento de uma prossecução satisfatória dos outros objetivos do regulamento. Portanto, as referências no preâmbulo à «eficácia» não podem levar o intérprete a maximizar o âmbito de aplicação e a finalidade das disposições do RCUE a ponto de o seu alcance ultrapassar as intenções claras do legislador da União, perturbando o equilíbrio cuidadosamente concebido por este entre os vários objetivos.

    198.

    Neste contexto, é o objetivo de sanação das lacunas do artigo 22.o do RCUE, defendido pela Comissão e subscrito pelo Tribunal Geral, coerente com os outros objetivos acima descritos e com o equilíbrio entre eles? Na minha perspetiva, a resposta a esta questão é claramente negativa. Afigura‑se‑me que a interpretação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE adotada pelo Tribunal Geral está em contradição com os três objetivos referidos no n.o 193 supra e é suscetível de perturbar o equilíbrio entre esses objetivos, que o legislador da União procurou alcançar.

    199.

    Em primeiro lugar, a «combinação de competência» que resultaria da interpretação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo do RCUE — Comissão (grandes concentrações)/ANC (concentrações que não atingem os limiares do RCUE mas que ultrapassam os limiares nacionais)/Comissão (concentrações que não atingem os limiares nacionais) — parece pouco coerente com um sistema que, como salientou o Tribunal de Justiça, «assenta no princípio da repartição precisa de competências entre as autoridades nacionais e [da União] de controlo» ( 147 ).

    200.

    Esta interpretação também parece estranha quando observada à luz do princípio da subsidiariedade, um princípio referido em nada menos do que quatro considerandos do RCUE ( 148 ). Este é um regulamento que — nas palavras do então Comissário responsável pela concorrência — representava «um excelente exemplo de como [esse princípio] pode ser posto em prática» ( 149 ). O princípio da subsidiariedade é um princípio que, dito de forma simples, tem principalmente um efeito descendente: num domínio de competência partilhada, tende a empurrar a competência relativa a uma ação específica para o nível dos Estados‑Membros ( 150 ). Naturalmente, em determinadas circunstâncias, este princípio pode também ter um efeito ascendente: atirar a competência para a União Europeia sempre que uma determinada ação se afigure, devido à sua dimensão ou aos seus efeitos, mais eficaz se for empreendida a nível da União. No entanto, pergunto‑me se uma situação em que a competência para agir (neste caso, examinar uma concentração) é atribuída a uma instituição da União (neste caso, a Comissão), pelo simples facto de um Estado‑Membro ter considerado que a dimensão ou os efeitos de situações como a que está em causa não são suficientemente significativos para justificar uma ação a nível nacional, não seria contrária à lógica da subsidiariedade.

    201.

    Em segundo lugar, é consensual entre as partes que uma das consequências da interpretação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE adotada pelo Tribunal Geral é que as empresas que pretendam assegurar que a concentração proposta não possa ser contestada pela Comissão após a sua realização, não obstante o facto de essa concentração não ser notificável em nenhum país da União Europeia e não estar sujeita a nenhuma obrigação de suspensão, teriam de: i) suspender temporariamente a execução; e ii) trazer a concentração à atenção de (potencialmente) todos os Estados da União e do EEE/EFTA (num total de trinta autoridades nacionais diferentes), a fim de desencadear a contagem do prazo de 15 dias úteis previsto no artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do RCUE.

    202.

    Neste contexto, afigura‑se importante acrescentar que, segundo a Comissão, a comunicação das partes na concentração às autoridades nacionais em causa deve conter todos os dados e informações de que estas precisam para determinar se os dois requisitos substantivos enunciados no artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE — a concentração afete o comércio entre Estados‑Membros e ameace afetar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro em causa — estão preenchidos. No entanto, é para mim evidente que uma avaliação correta destes requisitos não é um exercício fácil, muito menos num prazo de apenas 15 dias úteis. Por conseguinte, é provável que as notificações informais dirigidas às autoridades nacionais possam, em muitos casos, ter de ser bastante elaboradas e pormenorizadas e, por conseguinte, não muito diferentes dos documentos normalmente exigidos para uma notificação formal.

    203.

    Isto significa, na prática, que as empresas que realizam uma operação que, em princípio, não se enquadra em nenhum sistema de controlo das concentrações na União Europeia, podem acabar por ser levadas a apresentar notificações informais a todas as autoridades nacionais, apenas para evitar uma futura utilização do mecanismo de remessa em questão, que poderia ter, na sua perspetiva, consequências dramáticas.

    204.

    Além disso, se uma ANC que não tem competência para apreciar uma concentração apresentar um pedido de remessa, acionando assim o mecanismo de remessa, e uma ou mais ANC que, pelo contrário, têm competência para a apreciar decidirem não se associar ao pedido, o mecanismo de remessa pode ter o efeito de multiplicar os procedimentos que decorrem em paralelo. De facto, os procedimentos nas ANC competentes coexistiriam com um procedimento adicional na Comissão, que não teria existido se não fosse o mecanismo de remessa.

    205.

    As considerações supra revelam que a interpretação do Tribunal Geral sobre o artigo 22.o do RCUE resultaria na introdução de uma exceção de grande alcance ao princípio do «balcão único», dificilmente consentânea com um dos principais objetivos do RCUE, e que também estaria em desacordo com o objetivo prosseguido pelo legislador da União quando alterou o artigo 22.o em 1997 e em 2004.

    206.

    Em terceiro lugar — e este é, a meu ver, o aspeto mais problemático — o(s) procedimento(s) que resultaria(m) de uma interpretação ampla do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE dificilmente seriam eficazes, previsíveis nem capazes de garantir a segurança jurídica às partes.

    207.

    Para começar, é claro e incontestado pela Comissão que, a menos que as partes na concentração não tomem medidas positivas para informar as 30 autoridades nacionais da existência de uma concentração não notificável, estas partes não podem ter nenhuma segurança jurídica quanto à questão de saber se a Comissão será convidada, no futuro, a examinar a concentração com base no artigo 22.o do RCUE e, em caso afirmativo, dentro de que prazo.

    208.

    A Comissão responde que as partes objeto da concentração podem, no entanto, obter segurança jurídica se, como já referido, levarem o projeto de concentração ao conhecimento dessas 30 autoridades através de notificações informais. Isso «acionaria o relógio» e, não sendo apresentado nenhum pedido de remessa no prazo de 15 dias úteis, essas partes podem ter a certeza de que a concentração escapará a qualquer controlo na União Europeia.

    209.

    No entanto, não tenho a certeza de que esta linha de ação proporcione a estas partes uma segurança jurídica muito maior ou, pelo menos, adequada. O principal problema reside no facto de se tratar de um procedimento informal que não está previsto em nenhuma parte do RCUE nem, tanto quanto sei, na legislação dos Estados‑Membros. Portanto, as concentrações não notificáveis não estão sujeitas às regras processuais nacionais nem às regras previstas no próprio RCUE. É verdade que o artigo 22.o, n.o 4, do RCUE torna certas disposições deste regulamento aplicáveis ao controlo dessas concentrações, mas apenas depois de a Comissão ter aceitado a remessa. O período precedente é uma espécie de «terra de ninguém» jurídica, em relação à qual existe muito pouca clareza e previsibilidade.

    210.

    Por exemplo, quem tem o direito de desencadear o procedimento informal? Devem ser apenas as partes na concentração ou terceiros também podem fazê‑lo (por exemplo, concorrentes das partes na concentração)? A redação do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do RCUE aponta para a última opção. Se assim for, poderia a ANC proceder a uma remessa ao abrigo do artigo 22.o do RCUE com base nas informações fornecidas por esses terceiros e, se for caso disso, sem ouvir as partes na concentração? Dado que a autoridade dispõe apenas de 15 dias úteis para tomar uma decisão, não se pode excluir um tratamento superficial da situação. E se essas informações forem inexatas ou incompletas? As consequências para as partes na concentração que decorrem de uma apreciação errada, por uma autoridade nacional, dos requisitos substantivos de uma remessa podem não ser negligenciáveis.

    211.

    A Comissão entende, porém, que o prazo só começa a correr quando as ANC dispõem de informações suficientes para efetuar a análise exigida pelo artigo 22.o do RCUE. Contudo, isto significa que o prazo de 15 dias úteis é suscetível de se tornar ilusório, uma vez que pode (e possivelmente irá) ser frequentemente prolongado por uma ou mais autoridades, através de um ou mais pedidos de informação, deixando assim as partes na concentração sem qualquer prazo previsível.

    212.

    Além disso, não se encontra no RCUE nenhuma indicação sobre o tipo e o nível de pormenor das informações que as partes na concentração devem incluir nas suas notificações informais. As partes poderiam certamente adotar como modelo os formulários oficiais da União (conforme recentemente alterados: formulário CO, formulário CO simplificado, formulário RS e formulário RM ( 151 )). No entanto, nem mesmo a Comissão chegou ao ponto de o sugerir. Isso teria implicado, evidentemente, que o procedimento de notificação previsto no RCUE pudesse, de facto, aplicar‑se a concentrações não notificáveis. Ao invés, a Comissão sugeriu, na audiência, que as partes poderiam inspirar‑se nas informações que, nos termos do artigo 14.o do Regulamento dos Mercados Digitais ( 152 ), as empresas definidas como controladores de acesso devem prestar à Comissão quando tencionam realizar determinadas concentrações. Todavia, para além da estranheza de sugerir às partes que se orientem por um instrumento regulamentar diferente, adotado depois do RCUE e aplicável apenas a alguns setores específicos da economia, não estou certo de que as informações enumeradas nesse instrumento sejam suficientes para os fins do artigo 22.o do RCUE.

    213.

    Acresce um pequeno, mas importante pormenor: em que língua devem ser comunicadas essas informações? A Comissão sustentou que qualquer língua comummente compreendida pelos serviços da autoridade nacional competente (por exemplo, o inglês) seria adequada. Tenho dificuldade em perceber com que base a Comissão pode sustentar este ponto de vista. De qualquer modo, duvido que as autoridades nacionais aceitem efetuar uma análise algo complexa, num prazo muito apertado, com base num pedido (eventualmente acompanhado de alguns anexos) redigido numa língua que não é a sua.

    214.

    À luz do exposto, entendo que a interpretação teleológica do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE efetuada pelo Tribunal Geral é errónea, uma vez que não é coerente com vários objetivos que o sistema de controlo das concentrações instituído pelo RCUE visa prosseguir, e é suscetível de pôr em causa o equilíbrio entre esses objetivos concebido pelo legislador da União. A importância deste equilíbrio não escapou ao Tribunal de Justiça. No seu recente Acórdão CK Telecoms, por exemplo, o Tribunal de Justiça observou que «o imperativo de celeridade que caracteriza a economia geral do [RCUE]» é de tal modo significativo que mesmo uma concentração prejudicial será considerada aprovada, a menos que a Comissão tome uma decisão no prazo fixado ( 153 ).

    5) Outras considerações relativas à interpretação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE

    215.

    Por último, explicarei brevemente por que razão a interpretação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE, adotada pelo Tribunal Geral, suscita, a meu ver, um certo número de questões sistémicas quando se têm em conta diversos princípios gerais do direito da União.

    216.

    É importante sublinhar, desde já, que a leitura que o Tribunal Geral faz desta disposição dá origem a um alargamento muito significativo do âmbito de aplicação do RCUE e da competência da Comissão ( 154 ). De um só golpe, através de uma interpretação original do artigo 22.o do RCUE, a Comissão ganha o poder de examinar quase qualquer concentração em qualquer parte do mundo, independentemente do volume de negócios e da presença das empresas na União Europeia, bem como do valor da operação, e em qualquer momento, inclusive muito depois da conclusão da concentração. Isto é claro e incontestado. De facto, quando foi especificamente questionada, na audição, sobre este ponto, a Comissão confirmou que, em teoria, isso é verdade. Não obstante, acrescentou que, na prática, isso não acontecerá porque a Comissão não tem interesse em fazer uso frequente desse poder e, por conseguinte, atuará com disciplina nessa matéria. No entender da Comissão, a concentração em causa apresentava determinadas características específicas, ao contrário da grande maioria das outras concentrações suscetíveis de ser abrangidas pelo artigo 22.o do RCUE.

    217.

    No entanto, no caso em apreço, não estamos apenas preocupados com a aplicação deste (possivelmente novo) poder de controlo à concentração em causa. Com efeito, o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar, pela primeira vez, o sentido e o âmbito de aplicação do artigo 22.o do RCUE, que é suscetível de se aplicar a um número indefinido de casos. A posição da Comissão não pode deixar de suscitar preocupações a vários níveis.

    218.

    Em primeiro lugar, duvido que essa posição seja compatível com o princípio do equilíbrio institucional, caraterístico da estrutura institucional da União, decorrente do artigo 13.o, n.o 2, TUE, que implica, no essencial, que cada uma das instituições exerça as suas competências com respeito pelas das outras ( 155 ).

    219.

    Um dos elementos mais fundamentais do RCUE é a definição dos limiares que, em conformidade com o artigo 1.o, n.os 1 a 3, deste regulamento dão origem à obrigação de notificação. No entanto, de acordo com a interpretação que a Comissão faz do artigo 22.o do RCUE, o valor destes limiares e, indiretamente, dos limiares e critérios estabelecidos nas legislações nacionais, é apenas relativo. É bem possível que uma concentração não seja notificável em nenhuma parte da União, sem que isso de modo algum exclua a possibilidade de a Comissão reivindicar a sua competência para apreciar essa concentração nos termos do artigo 22.o do RCUE ( 156 ).

    220.

    Não excluo certamente que, num mundo cada vez mais baseado numa «economia 2.0», possa ser desejável, e talvez mesmo necessário, alterar os atuais limiares aplicáveis ao controlo das concentrações. Neste contexto, pode ser interessante notar que, muito recentemente, dois Estados‑Membros (a Áustria e a Alemanha) alteraram a sua legislação nacional para incluir limiares baseados em valores de transação. Outros Estados utilizam limiares de competência diferentes, especificamente concebidos para permitir o controlo de uma concentração mesmo quando a empresa‑alvo não gera receitas locais [como é o caso do Reino Unido, com o «share of supply test» (critério da proporção de bens ou serviços adquiridos ou prestados no Reino Unido)]. Naturalmente, estas e outras opções poderiam ser consideradas com vista à alteração do RCUE. Mas essa é a tarefa do legislador da União e não da Comissão.

    221.

    Em segundo lugar, a interpretação ampla do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE feita pelo Tribunal Geral gera um potencial significativo de casos em que pode surgir um conflito com o princípio da territorialidade do direito da União. Importa recordar que, para respeitar o direito internacional, a aplicação do direito da União pressupõe uma ligação adequada ao território da União ( 157 ). Mais concretamente, decorre dos Acórdãos Intel e Gencor que a aplicação do direito da concorrência da União ao comportamento das empresas é legítima, independentemente do local em que ocorra, na medida em que esse comportamento tenha efeitos previsíveis, imediatos e substanciais na União («critério dos efeitos qualificados») ( 158 ).

    222.

    Concordo seguramente com a Comissão quanto ao facto de os requisitos substantivos estabelecidos no artigo 22.o, n.o 1, do RCUE serem, em princípio, capazes de assegurar uma ligação adequada ao território da União. No entanto, importa ter em conta que, tal como já referido, o preenchimento destes requisitos é feito apenas numa base prima facie e num prazo particularmente apertado (15 dias úteis). Por conseguinte, não se pode excluir que a União se possa declarar competente, nos termos do artigo 22.o do RCUE, para controlar uma concentração (com tudo o que isso implica, incluindo o súbito desencadeamento da obrigação de suspender, a nível mundial, qualquer ato de execução dessa concentração), mesmo que, posteriormente, se possa vir a revelar que essa concentração não tem efeitos previsíveis, imediatos e substanciais no território do Estado‑Membro em causa.

    223.

    Em terceiro lugar, esta situação pode criar problemas à luz do princípio da cortesia internacional. Estou perfeitamente consciente de que os contornos deste princípio e as suas implicações jurídicas são bastante nebulosos ( 159 ). No entanto, parece‑me que é possível deduzir de tal princípio, no mínimo, uma obrigação geral de os Estados analisarem, antes de reivindicarem competência em casos com um elemento externo significativo e uma conexão interna bastante fraca, se a aplicação das suas leis não poderia ter o efeito de prejudicar a aplicação efetiva das leis de Estados terceiros com uma ligação territorial mais forte a esses casos. Esta leitura do princípio parece amplamente coerente com as sugestões de outros doutos advogados‑gerais ( 160 ), com os acordos internacionais da União Europeia sobre esta matéria ( 161 ) e com as conclusões de outros órgãos jurisdicionais, inclusive em matéria de direito da concorrência ( 162 ). Neste contexto, pergunto‑me se o ponto de vista da Comissão sobre a sua competência abrangente para apreciar as concentrações ao abrigo do artigo 22.o do RCUE está em plena conformidade com o princípio da cortesia internacional.

    224.

    Em quarto lugar, a alegação das recorrentes de que a interpretação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE adotada pelo Tribunal Geral é incompatível com os princípios da igualdade e da proporcionalidade não me parece infundada, como sustenta a Comissão. Com efeito, as empresas com vendas limitadas ou inexistentes na União Europeia ficariam, de facto, numa situação consideravelmente pior do que as empresas com atividades mais significativas na União Europeia.

    225.

    Estas últimas podem beneficiar do sistema do «balcão único» instituído pelo RCUE ou, em alternativa, apenas terão de apresentar uma ou mais notificações nacionais nos países em que atingem os limiares nacionais. O número destas notificações pode ser calculado antecipadamente e as partes na concentração sabem quais as autoridades que apreciarão a concentração, bem como a forma e o prazo em que o farão. Em contrapartida, tal como explicado supra, as empresas que são partes em concentrações não notificáveis não têm meios para prever o destino da sua concentração, a menos que apresentem, no EEE, pelo menos 30 notificações informais; e, mesmo nesse caso, muitos aspetos dos procedimentos, incluindo a sua duração, permanecem incertos.

    226.

    Esta situação afigura‑se‑me problemática à luz do princípio da igualdade, que exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado ( 163 ). Além disso, parece criar um encargo desproporcionado, em termos de custos e de riscos, para as empresas que efetuaram transações que, como disse, têm uma atividade bastante limitada na União Europeia ( 164 ).

    227.

    Em quinto lugar, o princípio da efetividade não pode conduzir ao alargamento do âmbito de aplicação da disposição em causa além do razoável e necessário para efeitos do RCUE. Já expus o meu ponto de vista sobre esta matéria no n.o 197 supra. Preciso apenas de acrescentar um último elemento neste contexto: a alegação da Comissão sobre a necessidade de colmatar uma lacuna no âmbito de aplicação do RCUE não me convence.

    228.

    Como o Tribunal de Justiça tem afirmado reiteradamente — mais recentemente no Acórdão Towercast ( 165 ) — os artigos 101.° e 102.° TFUE são aplicáveis às operações de concentração que não atingem os limiares previstos no RCUE (incluindo as que não atingem os limiares nacionais). Estas disposições permitem às ANC intervir ex post em relação às concentrações que se revelem anticoncorrenciais. É verdade que, frequentemente, uma intervenção ex post pode muito bem ser a «segunda melhor solução», em comparação com um controlo ex ante. No entanto, as diferenças entre estas duas formas de controlo foram, como resulta inequivocamente dos trabalhos preparatórios, um aspeto devidamente tido em consideração pelo legislador da União durante o processo que conduziu à adoção do RCUE. Por conseguinte, as considerações da Comissão não podem pôr em causa as opções específicas do legislador da União.

    229.

    Além disso, também não me convencem os argumentos apresentados pela Comissão e por alguns dos governos que intervieram no presente processo, no sentido de que a aplicação dos artigos 101.° e 102.° TFUE seria ineficaz e morosa.

    230.

    Como o Tribunal de Justiça confirmou recentemente no Acórdão European Superleague Company, existe uma exploração abusiva de uma posição dominante quando um comportamento tem «por efeito atual ou potencial, quer mesmo por objetivo, impedir numa fase prévia, através do estabelecimento de barreiras à entrada ou através do recurso a outras medidas de encerramento [...], empresas potencialmente concorrentes quando mais não seja de acederem a esse ou esses mercados e, ao fazê‑lo, impedir o desenvolvimento da concorrência nos mesmos em detrimento dos consumidores, aí limitando a produção, o desenvolvimento de produtos ou de serviços alternativos ou ainda a inovação» ( 166 ). A meu ver, a aquisição dita «predatória» enquadra‑se perfeitamente nesta descrição, constituindo um exemplo paradigmático de um abuso de posição dominante «por objetivo» ( 167 ).

    231.

    Como tal, não creio que seja necessária uma investigação demasiado longa ou complexa para determinar a existência de uma infração. Isto porque, em especial, o controlo ex post de uma concentração consumada — uma atividade que não é invulgar em algumas jurisdições ( 168 ) — pode implicar alguns inconvenientes, mas tem também uma vantagem muito significativa: as autoridades não precisam de prever o comportamento futuro das empresas. Com efeito, na sua apreciação, a autoridade da concorrência pode examinar os elementos de prova anteriores à operação de concentração (por exemplo, para determinar a intenção do adquirente e apurar se esta empresa considerava a empresa‑alvo como uma potencial ameaça à sua posição no mercado), juntamente com os elementos de prova posteriores à operação de concentração, que demonstram o que aconteceu efetivamente no mercado após a aquisição (por exemplo, para determinar se houve efeitos sensíveis sobre os preços, a produção e a inovação, ou se as operações da empresa‑alvo cessaram ou foram significativamente reduzidas) ( 169 ).

    232.

    Além disso, há que ter presente que, ao investigar possíveis violações dos artigos 101.° e 102.° TFUE, as ANC devem gozar dos poderes estabelecidos na chamada Diretiva ECN+ ( 170 ). Segundo esta diretiva, quando é detetada uma infração, as autoridades competentes estão habilitadas não só a impor sanções pecuniárias (artigos 13.° e 16.° da mesma diretiva), mas também, nos termos do seu artigo 10.o, n.o 1, a exigir às empresas em causa que «ponham efetivamente termo a essa infração. Para o efeito, [as autoridades] podem impor quaisquer medidas de conduta ou de caráter estrutural proporcionadas à infração cometida e necessárias para pôr efetivamente termo à infração». Isto pode muito bem incluir, em casos particularmente graves, uma dissolução parcial ou total da entidade resultante da concentração ( 171 ). Além disso, nos termos do artigo 11.o, n.o 1, da referida diretiva, as ANC podem igualmente, «ordenar, mediante decisão, a aplicação de medidas provisórias às empresas […], pelo menos em caso de urgência devida ao risco de prejuízos graves e irreparáveis para a concorrência com base na constatação prima facie de uma infração ao artigo 101.o ou ao artigo 102.o [TFUE]». Tais medidas poderiam, por exemplo, assumir a forma de injunções suspensivas ( 172 ).

    233.

    Em sexto lugar, o âmbito de aplicação muito amplo atribuído pelo Tribunal Geral a uma disposição que constitui indiscutivelmente uma exceção às disposições do artigo 1.o do RCUE contradiz o princípio de interpretação bem aceite segundo o qual as exceções e as derrogações ao sistema geral ou às regras gerais de um instrumento jurídico devem ser interpretadas de forma estrita, de modo a que essas regras não sejam negadas ( 173 ). De facto, o Tribunal Geral já considerou este princípio pertinente para interpretar o alcance do mecanismo de recurso previsto no artigo 9.o, do RCUE ( 174 ). Não entendo claramente com que fundamento decidiu, no acórdão recorrido, afastar a pertinência deste princípio interpretativo relativamente ao mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o, do RCUE ( 175 ).

    234.

    Com base nas considerações que precedem, entendo que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação e aplicação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE. Por este motivo, o acórdão recorrido deve ser anulado.

    235.

    Se, no entanto, o Tribunal de Justiça discordar da minha apreciação do primeiro fundamento de recurso, considero que deve negar provimento aos recursos. Na secção seguinte, explicarei brevemente por que razão considero que o segundo e o terceiro fundamentos de recurso das recorrentes são improcedentes.

    B. Segundo fundamento: data do pedido de remessa e obrigação da Comissão de atuar num prazo razoável

    236.

    O segundo fundamento da Illumina e da Grail é relativo à rejeição, pelo Tribunal Geral, do segundo fundamento da Illumina em primeira instância, a respeito do caráter intempestivo do pedido de remessa e, a título subsidiário, à violação dos princípios da segurança jurídica e da «boa administração». Em especial, as recorrentes contestam os n.os 190 a 211 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral concluiu que:

    «a expressão “foi dado conhecimento […] ao Estado‑Membro em causa”, conforme consta do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, [do RCUE], deve ser interpretada no sentido de que exige uma transmissão ativa de informações pertinentes a esse Estado‑Membro que lhe permita avaliar, preliminarmente, se se encontram satisfeitos os requisitos para que se possa proceder a um pedido de remessa ao abrigo desse artigo. Por conseguinte, de acordo com esta interpretação, o prazo de quinze dias úteis previsto na referida disposição começa a contar, quando não seja necessário notificar a concentração, a partir do momento em que essas informações foram transmitidas».

    237.

    As recorrentes impugnam igualmente os n.os 240 e 242 a 245 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral considerou, designadamente, que: i) «a [Illumina] não era capaz de esclarecer suficientemente os pretensos “erros factuais significativos” que inquinavam a decisão impugnada e que já tinham afetado o convite, e que, portanto, puderam influenciar decisivamente o conteúdo do pedido de remessa da ACF»; e ii) «[as recorrentes] em causa tiveram diversas oportunidades para dar a conhecer o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo que levou à adoção [das decisões impugnadas]».

    1.   Argumentos das partes

    238.

    Com o seu segundo fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao: i) não retirar nenhuma consequência jurídica da correta constatação de que a Comissão demorou um período de tempo irrazoável para enviar aos Estados‑Membros o convite relativo à concentração em causa; e ii) concluir que a Comissão não violou os direitos de defesa das partes durante o procedimento que levou à adoção das decisões impugnadas.

    239.

    A Comissão alega que este fundamento de recurso é improcedente e, em parte, inadmissível.

    2.   Análise

    240.

    Os argumentos das recorrentes não me convencem.

    241.

    Em primeiro lugar, não me parece que o Tribunal Geral tenha cometido um erro de direito ao interpretar a expressão «dado conhecimento da concentração ao Estado‑Membro em causa» que estão contidos no artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do RCUE. Conforme salientado no n.o 192 do acórdão recorrido, a comparação das diferentes versões linguísticas do regulamento mostra que, para desencadear a contagem do prazo de 15 dias úteis, não basta que a concentração seja publicamente anunciada no Estado‑Membro em causa — por exemplo, através de um comunicado de imprensa ou através de cobertura mediática ( 176 ) — para que as autoridades competentes dela possam tomar conhecimento. Pelo contrário, esta disposição exige uma comunicação ativa da concentração a essas autoridades. Esta leitura parece‑me conforme com o objetivo da disposição, que é permitir que as autoridades procedam a um exame prévio para avaliar se, prima facie, os requisitos substantivos enunciados no artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do RCUE estão preenchidos ( 177 ).

    242.

    A meu ver, as recorrentes não apresentaram nenhum argumento suscetível de pôr em causa esta interpretação do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do RCUE.

    243.

    Em segundo lugar, embora não esteja plenamente convencido do quadro jurídico aplicado pelo Tribunal Geral para determinar as consequências decorrentes do facto de a Comissão não ter enviado o convite num prazo razoável, considero correta a conclusão a que chegou no acórdão recorrido.

    244.

    No meu entender, o cerne da questão não é se as recorrentes conseguiram demonstrar que, devido ao atraso da Comissão em agir, os seus direitos de defesa foram violados. O ponto fulcral consiste, sim, em saber se as recorrentes ofereceram indícios suficientes de que, sem a irregularidade processual em causa, o resultado do processo poderia ter sido diferente.

    245.

    Conforme expliquei nas minhas conclusões no processo HSBC, a jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União parece distinguir duas formas principais de erros processuais: as violações de «formalidades essenciais», que desencadeiam automaticamente a invalidade do ato em questão, e as infrações a outras regras processuais, que estão sujeitas a um «critério do erro benigno». Isto significa que os erros processuais «ordinários» conduzem à anulação do ato impugnado, a menos que o erro possa ser considerado inócuo, no sentido de que não teve, ou não poderia ter, nenhum impacto no resultado do procedimento. É importante notar que estes critérios foram aplicados, consoante as características da norma violada, de três formas diferentes: i) as violações de natureza grave e estrutural que dão lugar a uma presunção (ilidível) de que o erro influenciou o resultado do procedimento, cuja refutação incumbe ao demandado; ii) os erros «normais», que podem ou não ter influenciado o resultado do procedimento, relativamente aos quais o demandante deve provar que, na ausência de erro, o ato impugnado poderia ter sido diferente; e iii) irregularidades de natureza menos grave, que resultam na anulação do ato em questão, se os demandantes provarem que, na ausência do erro, o resultado do procedimento teria sido diferente ( 178 ).

    246.

    Tendo em conta o texto da disposição em causa (que não prevê nenhum prazo específico ( 179 )), bem como a finalidade e a lógica do sistema de controlo das concentrações instituído pelo RCUE (que visa assegurar um controlo efetivo das concentrações potencialmente anticoncorrenciais, através de um sistema eficaz e previsível, capaz de oferecer segurança jurídica às empresas em causa ( 180 )), parece‑me que a falta de ação da Comissão num prazo razoável não pode ser considerada uma violação de uma formalidade essencial, devendo ser aplicado o critério geral dos erros processuais ( 181 ).

    247.

    Nem nas observações apresentadas em primeira instância nem no âmbito do presente processo, as recorrentes apresentaram qualquer elemento concreto suscetível de indicar que, se a Comissão tivesse atuado num prazo razoável, a sua apreciação sobre a possibilidade e a oportunidade de a concentração em causa ser objeto de uma remessa nos termos do artigo 22.o do RCUE poderia ter sido diferente.

    248.

    Em todo o caso, também concordo com a Comissão quanto ao facto de as recorrentes não terem: i) invocado expressamente uma violação dos seus direitos de defesa em primeira instância, com a consequência de esta parte do fundamento de recurso ser inadmissível; e ii) provado, de forma bastante, que a sua capacidade para exercer os seus direitos de defesa durante o processo que conduziu à adoção das decisões impugnadas foi negativamente afetada. No que respeita a este último ponto, é verdade que as recorrentes aduziram um certo número de elementos que sugerem que, relativamente a estas empresas, a Comissão pode não ter atuado com o grau de transparência e de equidade que normalmente se deve esperar da administração pública ( 182 ). Isto é, obviamente, lamentável, uma vez que tais formas de conduta podem ter um impacto na forma como o público perceciona o funcionamento de um serviço que — devido aos poderes significativos que lhe são conferidos — deveria atuar sistematicamente com a máxima imparcialidade e objetividade. No entanto, não deixa de ser verdade que a conduta da Comissão não privou as recorrentes da possibilidade de apresentarem os seus argumentos de facto e de direito durante o processo iniciado nos termos do artigo 22.o do RCUE, com o objetivo de influenciar o resultado desse processo.

    249.

    Pelas razões acima expostas, o segundo fundamento de recurso deve ser rejeitado.

    C. Terceiro fundamento: princípios da confiança legítima e da segurança jurídica

    250.

    Com o seu terceiro fundamento — contra os n.os 254 a 260 do acórdão recorrido —, a Illumina e a Grail criticam o Tribunal Geral por ter rejeitado o terceiro fundamento da Illumina em primeira instância, relativo à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica. Nestas passagens, o Tribunal Geral apreciou apenas os argumentos relativos à confiança legítima, uma vez que os argumentos relativos à segurança jurídica não foram suficientemente desenvolvidos.

    251.

    No que diz respeito ao princípio da proteção da confiança legítima, o Tribunal Geral considerou que os principais elementos invocados pela Illumina não sustentavam «a existência da alegada política da Comissão em que [a Illumina se apoiou]», e não se podia considerar que constituíssem «garantias precisas, incondicionais e concordantes da parte da Comissão relativamente ao tratamento da concentração em causa».

    1.   Argumentos das partes

    252.

    As recorrentes entendem que a fundamentação do acórdão recorrido está viciada por vários erros de direito. Em especial, alegam que o Tribunal Geral: i) desvirtuou o sentido do argumento da Illumina em primeira instância relativo às expectativas legítimas; ii) cometeu um erro ao considerar que só podia haver confiança legítima se as garantias em que essas expectativas se baseavam dissessem especificamente respeito à concentração em causa; iii) errou ao avaliar a importância de um discurso de Margrethe Vestager, vice‑presidente executiva da Comissão e Comissária responsável pela concorrência, proferido apenas alguns meses antes de a Comissão enviar o convite ( 183 ); e iv) não respondeu aos argumentos da Illumina relativos à violação do princípio da segurança jurídica.

    253.

    A Comissão responde que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito nesta matéria.

    2.   Análise

    254.

    Mais uma vez, embora considere que algumas passagens pertinentes do acórdão recorrido não são convincentes, entendo que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro ao julgar improcedente o terceiro fundamento da Illumina.

    255.

    Para começar, a alegação das recorrentes de que o Tribunal Geral descaracterizou o sentido dos argumentos baseados na confiança legítima não é convincente. A alegação das recorrentes de que a Illumina argumentou que a Comissão tinha criado uma expectativa de que não encorajaria pedidos de remessa em relação a concentrações que não atingiam os limiares nacionais, ao passo que o Tribunal Geral analisou se a Comissão podia legalmente aceitar tais remessas, parece‑me ser uma minúcia insignificante. Afigura‑se‑me evidente que os dois aspetos são complementares e dificilmente podem ser dissociados.

    256.

    O argumento das recorrentes assentava, essencialmente, no facto de não terem podido prever a súbita mudança de política da Comissão no que respeita à interpretação do artigo 22.o do RCUE. O que verdadeiramente importa, a este respeito, é saber se as recorrentes podiam, em virtude das informações recebidas da Comissão, acreditar legitimamente que a sua concentração não seria objeto de uma remessa nos termos do artigo 22.o do RCUE. A questão de saber se, neste contexto, a remessa em causa foi desencadeada por uma ou várias ANC que atuaram oficiosamente ou que foram convidadas a fazê‑lo pela Comissão, parece‑me não ter nenhuma importância.

    257.

    Além disso, também não me convencem os argumentos das recorrentes que lamentam o facto de o Tribunal Geral não ter apreciado as suas alegações relativas à violação do princípio da segurança jurídica. Após ter examinado as suas observações em primeira instância, tenho de concordar com o Tribunal Geral quanto ao facto de as recorrentes não terem apresentado nenhum argumento específico a este respeito. Por outras palavras, não apresentaram nenhum argumento que se pudesse distinguir da sua argumentação sobre as expectativas legítimas, que o Tribunal Geral abordou expressamente no acórdão recorrido.

    258.

    Além disso, não creio que todas as condições em que uma parte pode invocar o princípio da confiança legítima estejam preenchidas no caso vertente.

    259.

    É certo que algumas passagens do acórdão recorrido estão, a meu ver, incorretas. No n.o 254 do referido acórdão, o Tribunal Geral invoca uma linha jurisprudencial segundo a qual as informações precisas, incondicionais e concordantes fornecidas pela administração podem dar origem a expectativas legítimas, desde que, nomeadamente, essas informações «sejam conformes com as normas aplicáveis». Em seguida, no n.o 265 do mesmo acórdão, remetendo para essa jurisprudência, o Tribunal Geral acrescenta que «na medida em que resulta do primeiro fundamento que as decisões impugnadas se baseavam numa interpretação correta do âmbito de aplicação desse artigo, a recorrente não pode invocar a reorientação da prática decisória da Comissão».

    260.

    Não posso concordar com o Tribunal Geral neste aspeto. A jurisprudência referida pelo Tribunal Geral (que, tanto quanto me parece, é essencialmente composta pelos seus próprios acórdãos) não pode logicamente significar que os particulares só podem invocar a confiança legítima se as garantias dadas pela administração estiverem em conformidade com as regras aplicáveis. Com efeito, se as garantias estiverem em conformidade com o direito aplicável, não será necessário que os particulares em causa invoquem a proteção da confiança legítima: a sua posição estaria devidamente protegida pelas próprias disposições referidas pela administração. A razão de ser do princípio da confiança legítima é, evidentemente, a proteção dos particulares que, sem culpa sua, são induzidos em erro pela interpretação que a administração faz do direito aplicável.

    261.

    Na minha opinião, esta linha de jurisprudência só pode ser aceite se se entender que exclui a possibilidade de os particulares invocarem o princípio da confiança legítima nos casos em que um particular razoavelmente informado se aperceberia de que as garantias oferecidas pela administração não estão em conformidade com as regras pertinentes. Assim, se, no caso em apreço, as recorrentes tivessem efetivamente recebido «garantias precisas, incondicionais e concordantes» da Comissão, o facto de esta instituição ter posteriormente aplicado corretamente o artigo 22.o do RCUE não poderia ter impedido as referidas empresas de invocarem uma violação do princípio da confiança legítima.

    262.

    Dito isto, subscrevo o entendimento do Tribunal Geral de que, de qualquer modo, tais garantias não podem ser extraídas do discurso da Comissária referido pelas recorrentes. Como o Tribunal Geral salientou com razão, tanto o objeto do discurso (que «tinha por objeto a política geral da Comissão em matéria de concentrações e não mencionava a concentração em causa» ( 184 )) como o seu teor e sentido (de que, no passado, «a Comissão teve uma prática que consistia em desencorajar as autoridades nacionais de remeter concentrações para cujo exame não eram, elas próprias, competentes» ( 185 )) excluem a possibilidade de considerar que tal discurso dá lugar a garantias «precisas, incondicionais e concordantes» na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 186 ).

    263.

    Tendo em conta as considerações precedentes, o terceiro fundamento de recurso deve, a meu ver, ser igualmente rejeitado.

    VI. Consequências da apreciação: decisão do presente processo

    264.

    Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado.

    265.

    A meu ver, é claramente esse o caso do presente processo. O Tribunal Geral cometeu um erro na sua interpretação e aplicação do artigo 22.o do RCUE. De acordo com uma interpretação correta, esta disposição não habilita a Comissão a adotar decisões como as impugnadas pelas recorrentes no processo vertente. Estas decisões devem, por conseguinte, ser anuladas.

    266.

    No entanto, o pedido da ACF e o ofício de informação da Comissão não podem ser anulados porque i) o primeiro ato não foi impugnado em primeira instância ( 187 ) (além de não ser um ato das instituições da União), e ii) o ofício de informação, embora impugnado em primeira instância, foi considerado um ato não suscetível de recurso no Tribunal Geral ( 188 ). As passagens em causa do acórdão recorrido também não foram objeto de recurso das recorrentes.

    VII. Quanto às despesas

    267.

    De acordo com o artigo 138.o, n.o 1, e o artigo 184.o, n.o 1, do RdP, a parte vencida é condenada nas despesas se se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes pedido a condenação da Comissão nas despesas e os seus recursos sido acolhidos, a Comissão deve ser condenada no pagamento das despesas relativas ao processo.

    268.

    Em conformidade com o artigo 140.o e o artigo 184.o, n.o 1, do RdP, os Estados‑Membros que intervieram no processo, o Órgão de Fiscalização da EFTA e a Biocom devem suportar as suas próprias despesas.

    VIII. Conclusão

    269.

    À luz do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça:

    anule o Acórdão do Tribunal Geral de 13 de julho de 2022, Illumina/Comissão, T‑227/21, EU:T:2022:447;

    anule a Decisão C(2021) 2847 final da Comissão, de 19 de abril de 2021, de aceitar o pedido da autoridade da concorrência francesa para examinar a operação de concentração que tem por objeto a aquisição do controlo exclusivo da Grail, Inc., pela Illumina, Inc. (processo COMP/M.10188 — Illumina/Grail); as Decisões C(2021) 2848 final, C(2021) 2849 final, C(2021) 2851 final, C(2021) 2854 final e C(2021) 2855 final da Comissão, de 19 de abril de 2021, de aceitar os pedidos das autoridades da concorrência belga, neerlandesa, grega, islandesa e norueguesa para se associarem a esse pedido de remessa, bem como o Ofício da Comissão Europeia de 11 de março de 2021 que informa a Illumina e a Grail do referido pedido de remessa;

    condenar a Comissão no pagamento das despesas do processo; e

    condenar a República Francesa, o Reino dos Países Baixos, o Órgão de Fiscalização da EFTA e a Biocom California a suportarem as suas próprias despesas.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) Conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no processo Comissão/Tetra Laval (C‑12/03 P, EU:C:2004:318, n.o 73).

    ( 3 ) Sobre estas questões, v., «International Competition Network Merger Working Group Notification & Procedures Subgroup», Setting Notification Thresholds for Merger Review, abril de 2008 [disponível no sítio Internet da Rede Internacional da Concorrência (International Competition Network)].

    ( 4 ) JO 2004, L 24, p. 1.

    ( 5 ) Regulamento (CEE) n.o 4064/89 do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1989, L 395, p. 1). O artigo 22.o, n.os 3 a 6, deste regulamento tinha a seguinte redação:

    «3. Se verificar, a pedido de um Estado‑Membro, que uma operação de concentração [...] sem dimensão comunitária na aceção do artigo 1.o, cria ou reforça uma posição dominante, dando assim origem a entraves significativos a uma concorrência efetiva no território do Estado‑Membro em questão, a Comissão pode, na medida em que essa concentração afete o comércio entre Estados‑Membros, tomar as decisões previstas [no artigo 8.o, n.os 2, segundo parágrafo, 3 e 4.]

    4. São aplicáveis o [artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e b),] bem como os artigos 5.°, 6.°, 8.° e 10.° a 20.° [...] Esse pedido dever ser feito o mais tardar no prazo de dois meses a contar da data em que a operação de concentração tiver sido comunicada ao Estado‑Membro ou realizada. [...]

    5. Em aplicação do n.o 3, a Comissão limitar‑se‑á a tomar as medidas necessárias para preservar ou restabelecer uma concorrência efetiva no território do Estado‑Membro a pedido do qual a Comissão interveio.

    6. Os n.os 3, 4 e 5 continuarão a ser aplicáveis até que sejam revistos os limiares referidos no [artigo 1.o, n.o 2.]»

    ( 6 ) Regulamento de 30 de junho de 1997, que altera o Regulamento (CEE) n.o 4064/89 relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1997, L 180, p. 1; a seguir «Regulamento de 1997»). Este regulamento efetuou, nomeadamente, as seguintes alterações ao artigo 22.o do RCC: i) introduziu no n.o 3 uma referência aos pedidos conjuntos de dois ou mais Estados‑Membros; ii) introduziu no n.o 4 as frases «[o] artigo 7.o é aplicável desde que a concentração não tenha ainda sido realizada na data em que a Comissão informar as partes de que foi apresentado um pedido» e «[e]sse pedido deve ser feito o mais tardar no prazo de um mês a contar da data em que a operação de concentração tiver sido comunicada ao Estado‑Membro ou Estados‑Membros em causa, ou realizada»; e iii) suprimiu o n.o 6.

    ( 7 ) EU:T:2022:447.

    ( 8 ) JO 1994, L 1, p. 3; a seguir «Acordo EEE».

    ( 9 ) JO 2021, C 113, p. 1.

    ( 10 ) V., por exemplo, Acórdão de 22 de junho de 2023, DI/BCE (C‑513/21 P, EU:C:2023:500, n.o 47 e jurisprudência referida).

    ( 11 ) C‑457/23 P, EU:C:2023:760.

    ( 12 ) V., nomeadamente, Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.o 128 e jurisprudência referida). O sublinhado é meu.

    ( 13 ) V., neste sentido, ibidem, n.os 130 e 131, e, com mais referências, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (C‑348/20 P, EU:C:2021:831, n.o 120).

    ( 14 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).

    ( 15 ) Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.o 129 e jurisprudência referida).

    ( 16 ) V., por exemplo, Despacho de 12 de junho de 2019, OY/Comissão (C‑816/18 P, EU:C:2019:486, n.o 6 das Conclusões do advogado‑geral citado no n.o 4 do despacho e jurisprudência referida).

    ( 17 ) V., mais precisamente, n.os 9 e 10 do referido despacho.

    ( 18 ) V., mais uma vez, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (C‑348/20 P, EU:C:2021:831, n.o 177 e jurisprudência referida).

    ( 19 ) V., por exemplo, Acórdãos de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 86), e de 25 de março de 2021, Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão (C‑611/16 P, EU:C:2021:245, n.o 153).

    ( 20 ) V., por analogia, Acórdão de 30 de setembro de 2021, Tribunal de Contas/Pinxten (C‑130/19, EU:C:2021:782, n.os 310 e 311 e jurisprudência referida).

    ( 21 ) N.o 177 do acórdão recorrido. O sublinhado é meu.

    ( 22 ) N.os 89, 90 e 92 do acórdão recorrido.

    ( 23 ) N.o 91 do acórdão recorrido (o sublinhado é meu). Isto é verdade no que toca à maior parte das versões linguísticas do regulamento; de facto, só uma minoria de versões linguísticas (como a neerlandesa e a sueca) não utiliza a expressão «qualquer concentração», mas outros termos que podem ser traduzidos por «uma concentração».

    ( 24 ) N.o 93 do acórdão recorrido.

    ( 25 ) N.os 94 e 95 do acórdão recorrido.

    ( 26 ) Acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335, n.o 20). O sublinhado é meu.

    ( 27 ) V., entre muitos outros, Acórdão de 6 de outubro de 2020, Jobcenter Krefeld (C‑181/19, EU:C:2020:794, n.o 61 e jurisprudência referida). O sublinhado é meu.

    ( 28 ) Ibidem, n.os 62 a 66.

    ( 29 ) V., por exemplo, Acórdãos de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.os 40 a 69), e de 27 de outubro de 2016, Comissão/Alemanha (C‑220/15, EU:C:2016:815, n.os 38 a 47).

    ( 30 ) (1969) Coletânea de Tratados das Nações Unidas, Vol. 1155, p. 331. V. artigo 31.o e artigo 32.o, respetivamente.

    ( 31 ) O sublinhado é meu.

    ( 32 ) Como referiu o advogado‑geral M. Wathelet, o Tribunal de Justiça pode limitar‑se à interpretação literal da disposição quando o texto em causa é absolutamente claro e inequívoco, mas não tem de o fazer (v., a este respeito, Conclusões no processo França/Parlamento, C‑73/17, EU:C:2018:386, n.o 25 e jurisprudência referida).

    ( 33 ) V., entre outros, os termos «postoupení» (checo), «Verweisung» (alemão), «παραπομπή» (grego), «remisión» (espanhol), «renvoi» (francês), «áttétel» (húngaro), «rinvio» (italiano), «referral» (inglês) e «napotitev» (esloveno).

    ( 34 ) O sublinhado é meu.

    ( 35 ) N.o 142 do acórdão recorrido (o sublinhado é meu). V., também, n.os 141, 165, 177 e 182 desse acórdão.

    ( 36 ) Livro Verde da Comissão de 31 de janeiro de 1996 relativo à revisão do Regulamento sobre as concentrações [COM(96) 19 final], referido nos n.os 97 e 98 do acórdão recorrido.

    ( 37 ) Livro Verde da Comissão de 11 de dezembro de 2001 sobre a revisão do Regulamento (CEE) n.o 4064/89 do Conselho [COM(2001) 745 final], referido nos n.os 97, 99, 101 e 103 do acórdão recorrido.

    ( 38 ) Proposta de regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações comunitárias») (JO 2003, C 20, p. 4), referida nos n.os 97 e 106 a 113 do acórdão recorrido.

    ( 39 ) Documento de trabalho dos serviços da Comissão que acompanhou a Comunicação da Comissão ao Conselho — Relatório sobre a aplicação do Regulamento n.o 139/2004, de 30 de junho de 2009 [SEC(2009) 808 final/2], referido nos n.os 97 e 115 do acórdão recorrido.

    ( 40 ) Infelizmente, o Tribunal Geral não tomou uma posição expressa sobre este ponto e não é possível deduzir essa posição através da análise da fundamentação do acórdão recorrido. De facto, o Tribunal Geral referiu indistintamente elementos presentes no RCC original e elementos acrescentados posteriormente pelo Regulamento de 1997 ou pelo RCUE.

    ( 41 ) N.o 97 do acórdão recorrido.

    ( 42 ) N.o 98 do acórdão recorrido.

    ( 43 ) N.o 102 do acórdão recorrido.

    ( 44 ) Nomeadamente, em 1997, quando a disposição foi alterada. V. n.o 103 do acórdão recorrido.

    ( 45 ) N.o 109 do acórdão recorrido.

    ( 46 ) V., entre outros, Acórdãos de 18 de julho de 2007, Industrias Químicas del Vallés/Comissão (C‑326/05 P, EU:C:2007:443, n.os 60 a 68), e de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho (C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.o 76).

    ( 47 ) N.o 99 do acórdão recorrido.

    ( 48 ) Esta afirmação continua correta quando da redação das presentes conclusões são escritas. No entanto, creio que a situação pode mudar num futuro próximo, uma vez que o Governo Luxemburguês introduziu, em agosto de 2023, um projeto de lei que estabelece um sistema de controlo das concentrações neste país.

    ( 49 ) N.os 9 e 10 do Livro Verde de 1996 (o sublinhado é meu).

    ( 50 ) N.o 86 do Livro Verde de 2001, referido no n.o 103 do acórdão recorrido.

    ( 51 ) Por notificações «voluntárias», refere‑se às notificações apresentadas à autoridade da concorrência britânica, uma vez que o Reino Unido (que, na altura, era um Estado‑Membro da União) aplica um regime de controlo das concentrações que, ao contrário dos regimes da União e dos outros Estados‑Membros, não se baseia em notificações obrigatórias, mas em notificações voluntárias.

    ( 52 ) V., em especial, página 4 («Resumo») e n.os 72 a 88 do Livro Verde de 2001.

    ( 53 ) N.o 53 (o sublinhado é meu).

    ( 54 ) Este ponto é reforçado pela referência, no Livro Verde de 2001, à inexistência de uma definição do que se entende por «comunicar uma concentração a um Estado‑Membro», embora «[se afigure] natural utilizar a data de uma notificação nacional como data de referência em Estados‑Membros em que existe a exigência de notificação». Mais uma vez, a Comissão está claramente preocupada com os casos que chegam ao conhecimento das autoridades nacionais por estarem sujeitos aos seus sistemas nacionais de controlo das concentrações.

    ( 55 ) V., nomeadamente, os n.os 93, 95 e 99 do Livro Verde de 2001.

    ( 56 ) O sublinhado é meu.

    ( 57 ) V. n.o 138 do Documento de trabalho dos serviços da Comissão de 2009: «quanto à questão de saber se um Estado‑Membro deve ou não poder proceder ou associar‑se a uma remessa sem ter competência no âmbito do caso concreto, cinco ANC consideraram que isso devia ser permitido, enquanto nove consideraram que não. Isto levanta a questão de saber se um Estado‑Membro deve ou não poder remeter um caso quando não é competente, mas a atividade das partes tem um efeito nesse Estado‑Membro» (o sublinhado é meu).

    ( 58 ) V. n.os 133, 140 a 142 e 144 do Documento de trabalho dos serviços da Comissão de 2009 (o sublinhado é meu). V., no mesmo sentido, n.o 86 do Livro Verde de 2001.

    ( 59 ) V., em particular, Relatórios do Conselho de 7 de novembro de 1988 (9114/88), 10 de novembro de 1988 (9265/88) e 8 de dezembro de 1988 (10054/88).

    ( 60 ) Projeto de ata da 1 339.a reunião do Conselho de 18 de julho de 1989 (8016/89 PV/ CONS 47), p. 2.

    ( 61 ) In primis, Regulamento n.o 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962: Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado [CEE] (JO, Edição especial portuguesa, capítulo 08, fascículo 1, p. 22).

    ( 62 ) Comissão, Proposta alterada de regulamento (CEE) do Conselho relativo ao controlo da concentração de empresas [COM(88) 97 final] (JO 1988, C 130, p. 4). O artigo 22.o desta proposta, com a epígrafe «Aplicação exclusiva do presente regulamento», tem a seguinte redação: «Os Regulamentos n.o 17 (CEE) n.o 1017/68 (CEE) n.o 4056/86 e (CEE) n.o 3975/87 não são aplicáveis às concentrações que caiam no âmbito de aplicação do presente regulamento.»

    ( 63 ) V. Conselho, Note de la Présidence au Conseil, de 7 de abril de 1989 [5857/89 (RC 9)], anexo, p. 4; relatórios de 12 de abril de 1989 (6267/89, RC 12); projeto de ata da 1 339.a reunião do Conselho de 18 de julho de 1989 (8016/89 PV/ CONS 47), p. 13; relatórios de 9 de novembro de 1989 [9672/89 (RC 41)], p. 3. V. também carta de Sir Leon Brittan ao Conselho [SG (89) D/5429], de 24 de abril de 1989, p. 2.

    ( 64 ) V. relatório da Comissão ao Conselho sobre a aplicação do Regulamento das concentrações, de 28 de julho de 1993 [COM(93) 385 final, p. 14] (a seguir «Relatório de 1993»); Comissão, nota de G. Drauz ao Serviço Jurídico (COMP/HT.60), grupo de trabalho do Conselho, 6 de junho de 2003 (11430), n.o 4.

    ( 65 ) V. Sir Leon Brittan, Competition Policy and Merger Control in the Single European Market, Grotius, 1991, pp. 33 e 49. No mesmo sentido, Jones, C., «Procedures and Enforcement under EEC Merger Regulation», em Hawk, B. (EE.), Annual Proceedings of the Fordham Corporate Law Institute, 1990, p. 476.

    ( 66 ) V. Comissão, Relatório de 1993, p. 7. V., também, Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu relativa à revisão do Regulamento das concentrações, [COM(96) 313 final, p. 5]. V., também, Levy, N., Rimsa, A. e Buzatu, B., «The jurisdictional reach of EC merger control: Striking the right balance», em Kokkoris, I. e Levy, N., Research Handbook on Global Merger Control, Edward Elgar Publishing, 2023, p. 219: «Nenhum sistema viável de controlo das concentrações pode abranger todas as operações suscetíveis de afetar a concorrência numa determinada jurisdição».

    ( 67 ) V. Conselho, Résultats des travaux du Groupe des questions économiques (contrôle des concentrations), 8 de março de 1989 (5770/89 RC 8), p. 4. V., também, carta de Sir Leon Brittan ao Conselho, 30 de março de 1989, [SG (89) D/4008], p. 2.

    ( 68 ) V. Conselho, Relatório ao Comité de Representantes Permanentes, 9 de dezembro de 1988 (10189/89 RC 36), p. 8; e avis du service juridique, 11 de julho de 1989 (7896/89 JUR 98 RC 24), p. 10. V., também, Comissão, Relatório de 1993, p. 14.

    ( 69 ) V. Sir Leon Brittan, nota de rodapé 65, op. cit., pp. 39, 48 e 53.

    ( 70 ) V. Conselho, Parecer do Serviço Jurídico, 11 de julho de 1989 (7896/89 JUR 98 RC 24), p. 4.

    ( 71 ) V. n.os 201 e 208 das presentes conclusões.

    ( 72 ) Este número reflete todos os Estados‑Membros da União (com exceção do Luxemburgo) e os Estados EEE/EFTA (Islândia e Noruega) que dispõem atualmente de um regime nacional de controlo das concentrações.

    ( 73 ) Pelo contrário, a adoção do RCUE destinava‑se a reforçar os instrumentos do RCC. V. Comissão, nota de G. Drauz ao Serviço Jurídico (COMP/HT.60), grupo de trabalho do Conselho, 6 de junho de 2003 (11430), p. 7; e Proposta da Comissão de 2003, p. 10.

    ( 74 ) V., notas de rodapé 5 e 6, supra.

    ( 75 ) JO 2005, C 56, p. 2.

    ( 76 ) V., em especial, n.os 33, 45, 47 e 50 da comunicação.

    ( 77 ) V. n.o 45 da comunicação.

    ( 78 ) N.os 2 e 79 do Livro Branco de 2014.

    ( 79 ) N.os 69 e 70 do Livro Branco de 2014.

    ( 80 ) N.o 61 do Livro Branco de 2014.

    ( 81 ) N.os 21, 63 e 69 do Livro Branco de 2014.

    ( 82 ) Disponível no sítio Internet da Comissão. V., em particular, secções A.1, B.2 e B.3.

    ( 83 ) N.o 139 do acórdão recorrido.

    ( 84 ) Anteriormente, artigos 87.° e 235.° do Tratado CEE.

    ( 85 ) N.os 119 e 120 do acórdão recorrido.

    ( 86 ) V. considerando 7 do RCC e considerando 7 do RCUE.

    ( 87 ) V., nomeadamente, Conselho, Résultats des travaux du Groupe des questions économiques (contrôle des concentrations), 29 de maio de 1989 (7752/89 RC 20), p. 5; Résultats des travaux du Groupe des questions économiques (contrôle des concentrations), 22 de junho de 1989 (7827/89 RC 22), p. 1, anexo II, p. 3; e avis du service juridique, 11 de julho de 1989 (7896/89 JUR 98 RC 24), p. 4.

    ( 88 ) Então artigo 38.o do Tratado CEE e anexo II do Tratado CEE.

    ( 89 ) Em substância, o artigo 352.o, n.o 1, TFUE permite que o Conselho adote as disposições adequadas sempre que uma ação da União for considerada necessária, no quadro das políticas definidas nos Tratados, para atingir um dos objetivos estabelecidos pelos Tratados, embora estes não tenham previsto os poderes necessários para o efeito.

    ( 90 ) Sobre esta questão, v., também, Dashwood, A., «Community Report», XIVth FIDE Congress, Madrid, 2010.

    ( 91 ) N.os 121 a 124 do acórdão recorrido. O sublinhado é meu.

    ( 92 ) N.os 125 e 126 do acórdão recorrido.

    ( 93 ) O artigo 4.o, n.o 4, do RCUE permite que as partes numa concentração solicitem à Comissão que remeta para as autoridades de um Estado‑Membro o exame, na sua totalidade ou em parte, de uma concentração que tenha dimensão comunitária quando essa concentração «pode afetar significativamente a concorrência num mercado no interior dum Estado‑Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto». Por sua vez, o artigo 9.o do RCUE permite à Comissão, em determinadas circunstâncias, remeter às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa uma concentração que lhe tenha sido notificada.

    ( 94 ) N.os 127 a 129 do acórdão recorrido.

    ( 95 ) N.o 130 do acórdão recorrido.

    ( 96 ) O sublinhado é meu.

    ( 97 ) N.o 130 do acórdão recorrido, o sublinhado é meu.

    ( 98 ) O sublinhado é meu nas referidas disposições.

    ( 99 ) V. n.os 100, 103 e 105 das presentes conclusões. No que respeita, mais especificamente, ao RCUE, v. também o seu considerando 12. Esta evolução, que se deve também ao facto de o âmbito de aplicação do mecanismo de remessa ter sido progressivamente reduzido, foi salientada na doutrina jurídica: v., por exemplo, Albors‑Llorens, A., Goyder, D.G. e Goyder, J., Goyder's EC Competition Law, 5.a edição, Oxford University Press, 2009, p. 431; e Frenz, W., Handbook of EU Competition Law, Springer, 2016, p. 1308.

    ( 100 ) N.o 131 do acórdão recorrido.

    ( 101 ) N.o 132 do acórdão recorrido. O sublinhado é meu.

    ( 102 ) O sublinhado é meu. Voltarei a esta questão nos n.os 155 e 156 das presentes conclusões.

    ( 103 ) Com efeito, o procedimento foi validamente desencadeado e, quando muito, um pedido de remessa conjunto de vários Estados‑Membros reforça a coerência do sistema: se o pedido for aceite, todos os Estados‑Membros em questão «deixam de aplicar à concentração [em causa] a sua legislação nacional de concorrência» (artigo 22.o, n.o 3, do RCUE), incluindo as suas disposições em matéria de acordos anticoncorrenciais e de abusos de posição dominante. V., sobre este último ponto, n.o 134 do acórdão recorrido.

    ( 104 ) V., extensivamente, n.os 206 a 214 das presentes conclusões.

    ( 105 ) N.o 133 do acórdão recorrido.

    ( 106 ) Porém, v. n.os 152 a 162 das presentes conclusões.

    ( 107 ) N.o 134 do acórdão recorrido.

    ( 108 ) N.os 135 e 136 do acórdão recorrido.

    ( 109 ) Com efeito, i) se um Estado‑Membro que não possui um sistema nacional de controlo das concentrações apresentar um pedido de remessa, a obrigação de suspensão prevista no artigo 7.o do RCUE aplica‑se à concentração em causa, independentemente de esta estar abrangida por um ou mais sistemas nacionais de controlo das concentrações; e ii) se um Estado‑Membro apresentar um pedido de remessa, a obrigação de suspensão prevista no artigo 7.o do RCUE aplica‑se à concentração em causa por força do RCC e, portanto, independentemente de a legislação desse Estado‑Membro prever uma obrigação equivalente.

    ( 110 ) Como o Órgão de Fiscalização da EFTA acertadamente referiu nas suas observações, o RCUE é um ato que, nos termos do artigo 57.o do Acordo EEE, é igualmente aplicável nos «Estados da EFTA membros do EEE» (Islândia, Listenstaine e Noruega); o Listenstaine não dispõe de um sistema nacional de controlo das concentrações.

    ( 111 ) É claramente o caso do Reino Unido, que ainda era um Estado‑Membro da União Europeia aquando da adoção do RCC e do RCUE.

    ( 112 ) Para uma boa panorâmica sobre estes aspetos específicos do sistema, v. «Merger Notification and Procedures Templates» apresentados por muitos Estados‑Membros da União à Rede Internacional da Concorrência (disponível no sítio Internet desta entidade).

    ( 113 ) N.o 137 do acórdão recorrido.

    ( 114 ) Acórdão de 15 de dezembro de 1999, Kesko/Comissão (T‑22/97, EU:T:1999:327, n.o 84).

    ( 115 ) N.o 138 do acórdão recorrido.

    ( 116 ) V. n.os 129 a 133 das presentes conclusões.

    ( 117 ) V., nomeadamente, artigo 22.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do RCUE: «Todos os prazos nacionais relativos à concentração são suspensos». O sublinhado é meu.

    ( 118 ) V., novamente, artigo 22.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do RCUE: «até que, em conformidade com o procedimento estabelecido no presente artigo, tenha sido decidido onde a concentração será examinada.» O sublinhado é meu.

    ( 119 ) O sublinhado é meu.

    ( 120 ) No tocante ao terceiro parágrafo do artigo 22.o, n.o 2, RCUE, v. n.os 133 e 150 do acórdão recorrido. No entanto, o Tribunal Geral atenta apenas no termo «[t]odos os prazos nacionais» e não na expressão «até que [...] tenha sido decidido onde a concentração será examinada». No que respeita ao considerando 15 («também competentes»), v. n.os 149 a 151 do acórdão recorrido.

    ( 121 ) O sublinhado é meu.

    ( 122 ) V. também expressões semelhantes, por exemplo, nas versões alemã («für»), grega («για λογαριασμό»), espanhola («en nombre de»), francesa («au nom d[e]») e italiana («per conto di») do regulamento. Sublinhando que a Comissão parece atuar no âmbito de uma espécie de delegação dos poderes detidos pela autoridade nacional competente: Cohen‑Tanugi, C., et al., La pratique communautaire du contrôle des concentrations, De Boeck Université, 1995, p. 56. Na mesmo sentido, Sir Leon Brittan, nota de rodapé 65, op. cit., p. 52.

    ( 123 ) O sublinhado é meu. Esta disposição foi apenas objeto de uma pequena alteração em 1997 e, depois, foi revogada pelo RCUE, uma vez que deixou de ser coerente com a nova função de «balcão único» prevista no artigo 22.o deste regulamento. V., Cook, J. e Kerse, C., EC Merger Control, 5.a edição, Sweet&Maxwell, 2005, p. 343.

    ( 124 ) O facto de os poderes limitados da Comissão implicarem um âmbito limitado do mecanismo de remessa estabelecido no então artigo 22.o do RCC foi sublinhado, por exemplo, por Cook, J. e Kerse, C., EEC Merger Control — Regulation 4064/89, 1.a edição, Sweet&Maxwell, 1991, pp. 60 e 61.

    ( 125 ) Com efeito, a alteração do RCUE normalmente exigiria unanimidade (em virtude de ter como base jurídica o artigo 352.o TFUE), mas o artigo 1.o, n.o 5, do RCUE autoriza o Conselho a alterar os limiares «deliberando por maioria qualificada».

    ( 126 ) V. também considerando 9 do RCUE que estabelece que «[…] A Comissão deverá apresentar um relatório ao Conselho sobre a aplicação dos limiares e critérios relevantes, para que o Conselho possa, nos termos do artigo 202.o do Tratado, analisar regularmente tais limiares e critérios, […] à luz da experiência obtida. Tal implica que os Estados‑Membros forneçam à Comissão dados estatísticos que lhe permitam elaborar esses relatórios e eventuais propostas de alteração. Os relatórios e propostas da Comissão deverão basear‑se em informações relevantes comunicadas pelos Estados‑Membros» (o sublinhado é meu). À luz deste considerando, entendo que o artigo 1.o, n.os 4 e 5, do RMUE permitem a utilização do procedimento simplificado em qualquer momento após a apresentação do relatório previsto para 1 de julho de 2009. No entanto, reconheço que a redação da disposição deixa margem para ambiguidade, que poderia levar a crer que o procedimento simplificado só era aplicável às alterações propostas após a adoção do relatório de 2009. Não obstante, mesmo abstraindo da redação específica do considerando 9 do RMUE, a ideia de que esta disposição só é aplicável uma vez parece ilógica. Com efeito, com o passar do tempo, a necessidade de ajustar os limiares torna‑se ainda mais evidente.

    ( 127 ) Salientando a natureza temporária do mecanismo, Downes, T. e A., Ellison, J., The legal control of mergers in the EC, Blackston, 1991, pp. 63 a 65.

    ( 128 ) Sir Leon Brittan, nota de rodapé 65, op. cit., p. 42. «Esta disposição é formulada de forma estrita e não permite à Comissão tratar as concentrações que não atingem o limiar numa base geral, mesmo que estivesse inclinada a eludir o espírito da disposição relativa ao limiar desta forma» (o sublinhado é meu). V., também, Ibid., «The Law and Policy of Merger control in the EEC», European Law Review, 1990, p. 245.

    ( 129 ) V., nomeadamente, considerando 10 do Regulamento de 1997 e considerandos 11, 12 e 14 do RCUE.

    ( 130 ) Como afirmado no n.o 142 do acórdão recorrido.

    ( 131 ) O sublinhado é meu.

    ( 132 ) O sublinhado é meu.

    ( 133 ) V., nomeadamente, Acórdão de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão (C‑10/18 P, EU:C:2020:149, n.o 108 e jurisprudência referida). V. também Acórdão de 12 de dezembro de 2012, Electrabel/Comissão (T‑332/09, EU:T:2012:672, n.o 246).

    ( 134 ) O considerando tinha a seguinte redação: «Considerando, por conseguinte, que se impõe a criação de um novo instrumento jurídico, sob a forma de regulamento, que permita um controlo eficaz de todas as operações de concentração em função do seu efeito sobre a estrutura da concorrência na Comunidade e que seja o único aplicável às referidas concentrações».

    ( 135 ) De acordo com esta disposição, não obstante a competência exclusiva da Comissão para apreciar as concentrações abrangidas pelo âmbito de aplicação do RCUE, «os Estados‑Membros podem tomar as medidas apropriadas para garantir a proteção de interesses legítimos para além dos contemplados no presente regulamento, desde que esses interesses sejam compatíveis com os princípios gerais e com as demais normas do direito comunitário».

    ( 136 ) V., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2017, Austria Asphalt (C‑248/16, EU:C:2017:643, n.o 21). V., também, Acórdãos de 25 de março de 1999, Gencor/Comissão (T‑102/96, EU:T:1999:65, n.o 314), e de 22 de setembro de 2021, Altice Europe/Comissão (T‑425/18, EU:T:2021:607, n.o 299).

    ( 137 ) V. Acórdão de 22 de junho de 2004, Portugal/Comissão (C‑42/01, EU:C:2004:379, n.o 50), e considerando 8 do RCUE.

    ( 138 ) V. considerando 9 do RCUE.

    ( 139 ) V., em especial, n.o 140 do acórdão recorrido.

    ( 140 ) O sublinhado é meu. De facto, a doutrina jurídica também referiu o RCC como um instrumento que prossegue vários objetivos: v., por exemplo, Navarro Varona et al., Merger Control in the EU: Law, Economics and Practice, 1.a edição, Oxford University Press, 2001, pp. 1 a 5.

    ( 141 ) V. referências ao princípio da subsidiariedade nos considerandos 6, 8, 11 e 14. V. igualmente considerando 8 in fine: «[a]s concentrações que não são objeto do presente regulamento são, em princípio, da competência dos Estados‑Membros.»

    ( 142 ) V. referências ao princípio do «balcão único» nos considerandos 8 e 11, à «competência exclusiva» da Comissão no considerando 17 e aos consequentes limites à ação dos Estados‑Membros nos considerandos 18 e 19.

    ( 143 ) V. referências à eficácia nos considerandos 14, 15 e 16, à previsibilidade no considerando 15 e à segurança jurídica nos considerandos 11, 25 e 34. V. também Livro Verde de 1996, n.o 29. Na doutrina jurídica, v. nomeadamente Blaise, J.B., «Concurrence — Contrôle des opérations de concentration», Revue trimestrielle de droit européen, 1990, p. 743; e Venit, J., «The “merger” control regulation: Europe comes of age […] or Caliban’s dinner», Common Market Law Review, 1990, p. 44.

    ( 144 ) No mesmo sentido, Whish, R. e Bailey, D., Competition Law, 8.a edição, Oxford University Press, 2018, pp. 832 e 833.

    ( 145 ) V., em geral, Irarrazabal Philippi, F., «Merger control procedure», Global Dictionary of Competition Law, Concurrences, Art. n.o 12342.

    ( 146 ) Acórdão de 22 de junho de 2004, Portugal/Comissão (C‑42/01, EU:C:2004:379, n.os 51 e 53). V. também Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (C‑202/06 P, EU:C:2007:255, n.o 44).

    ( 147 ) V. Acórdão de 22 de junho de 2004, Portugal/Comissão (C‑42/01, EU:C:2004:379, n.o 50). V. também considerando 8 («[a]s concentrações que não são objeto do presente regulamento são, em princípio, da competência dos Estados‑Membros») e considerando 9 («[é] conveniente definir o âmbito de aplicação do presente regulamento [...] circunscrevendo‑o mediante limiares de natureza quantitativa, a fim de abranger as concentrações que se revestem de uma dimensão comunitária»).

    ( 148 ) V. nota de rodapé 141.

    ( 149 ) Sir Leon Brittan, «Subsidiarity in the Constitution of the EC», Robert Schuman Lecture, European University Institute, 1992, p. 12.

    ( 150 ) Artigo 5.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TUE: «Em virtude do princípio da subsidiariedade, [...] a União intervém apenas se e na medida em que os objetivos da ação considerada não possam ser suficientemente alcançados pelos Estados‑Membros, tanto ao nível central como ao nível regional e local, podendo contudo, devido às dimensões ou aos efeitos da ação considerada, ser mais bem alcançados ao nível da União».

    ( 151 ) V. Regulamento de Execução (UE) 2023/914 da Comissão, de 20 de abril de 2023, que dá execução ao Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas e que revoga o Regulamento (CE) n.o 802/2004 da Comissão (JO 2023, L 119, p. 22).

    ( 152 ) Regulamento (UE) 2022/1925 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de setembro de 2022, relativo à disputabilidade e equidade dos mercados no setor digital e que altera as Diretivas (UE) 2019/1937 e (UE) 2020/1828 (JO 2022, L 265, p. 1).

    ( 153 ) Acórdão de 13 de julho de 2023, Comissão/CK Telecoms UK Investments (C‑376/20 P, EU:C:2023:561, n.o 72 e jurisprudência referida).

    ( 154 ) Conforme salientado pela generalidade da doutrina; v., por exemplo, Bushell, G., «Capítulo II», em Jones, C. e Weinert, L. (eds), EU Competition Law, Vol. II, Livro I, Edward Elgar Publishing, 2021, p. 41.

    ( 155 ) V., recentemente, Acórdão de 22 de novembro de 2022, Comissão/Conselho (Adesão ao Ato de Genebra) (C‑24/20, EU:C:2022:911, n.o 83).

    ( 156 ) Isto é válido, a fortiori, se se considerar, como eu, que o procedimento simplificado previsto no artigo 1.o, n.os 4 e 5, do RCUE para a alteração destes limiares continua a ser aplicável. V. notas de rodapé 125 e 126 supra.

    ( 157 ) V., entre muitos outros, Acórdão de 24 de novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation (C‑286/90, EU:C:1992:453, n.o 28).

    ( 158 ) Acórdãos de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.os 40 a 47), e de 25 de março de 1999, Gencor/Comissão (T‑102/96, EU:T:1999:65, n.o 243).

    ( 159 ) V. Conclusões do advogado‑geral M. Darmon nos processos apensos Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão (89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, EU:C:1988:258, n.o 57).

    ( 160 ) V., por exemplo, em matéria de direito da concorrência, Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo InnoLux/Comissão (C‑231/14 P, EU:C:2015:292, n.os 39 a 42) e do advogado‑geral N. Wahl no processo Intel Corporation/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2016:788, n.os 283 e 300); e, noutro contexto, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Nikiforidis (C‑135/15, EU:C:2016:281, n.o 88).

    ( 161 ) V., por exemplo, artigo I.2, alínea b), e artigo IV do Acordo entre as Comunidades Europeias e o Governo dos Estados Unidos da América relativo aos princípios de cortesia positiva na aplicação dos respetivos direitos da concorrência, de 4 de junho de 1998 (JO 1998, L 173, p. 28).

    ( 162 ) V., em especial, Parecer do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América, F. Hoffmann‑La Roche, Ltd. v. Empagran S.A. [124 S. Ct. 2359 (2004)].

    ( 163 ) V., entre outros, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Centraal Israëlitisch Consistorie van België e o. (C‑336/19, EU:C:2020:1031, n.o 85). No que respeita à aplicação deste princípio no presente contexto, v., mutatis mutandis, n.o 236 do acórdão recorrido.

    ( 164 ) Como afirmou Korah V., pode ser muito dispendioso para as empresas tratar com várias autoridades e prestar‑lhes informações em várias línguas e de diferentes formas em prazos diferentes, mas sempre curtos (v. An Introductory Guide to EC Competition Law and Practice, 8.a edição, Hart, 2004, p. 356).

    ( 165 ) Acórdão de 16 de março de 2023 (C‑449/21, EU:C:2023:207).

    ( 166 ) Acórdão de 21 de dezembro de 2023 (C‑333/21, EU:C:2023:1011, n.o 131).

    ( 167 ) V., mutatis mutandis, Departamento de Justiça e Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos da América, Horizontal Merger Guidelines, 2010, secção 6.4.

    ( 168 ) V., com referências, OCDE, «Disentangling Consummated Mergers: Experiences and Challenges», Competition Policy Roundtable Background Note, 2022.

    ( 169 ) Sobre este tema, v., por exemplo, Ginsburg, D. H., Wong‑Ervin, K. W., «Challenging Consummated Mergers Under Section 2», Competition Policy International, maio de 2020.

    ( 170 ) Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados‑Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno (JO 2019, L 11, p. 3). Sobre esta diretiva, v. genericamente Arsenidou, E., «The ECN+ Directive», em Dekeyser, K. et al. (eds), Regulation 1/2003 and EU Antitrust Enforcement — A Systematic Guide, Wolters Kluwer, 2023, pp. 143 a 149.

    ( 171 ) V. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Towercast (C‑449/21, EU:C:2022:777, n.o 63).

    ( 172 ) A propósito das medidas provisórias, v., recentemente, OECE «Interim Measures in Antitrust Investigations», Competition Policy Roundtable Background Note, 2022.

    ( 173 ) V., por exemplo, Acórdão de 28 de outubro de 2022, Generalstaatsanwaltschaft München (Extradição e ne bis in idem) (C‑435/22 PPU, EU:C:2022:852, n.o 119 e jurisprudência referida).

    ( 174 ) Acórdão de 3 de abril de 2003, Royal Philips Electronics/Comissão (T‑119/02, EU:T:2003:101, n.o 354).

    ( 175 ) V. n.o 182 do acórdão recorrido. Continuo a considerar que o sentido desta passagem é bastante obscuro.

    ( 176 ) V., a este respeito, n.o 203 do acórdão recorrido.

    ( 177 ) V., a este respeito, n.o 199 do acórdão recorrido.

    ( 178 ) V, com mais referências, Conclusões que apresentei no processo HSBC Holdings e outros/Comissão (C‑883/19 P, EU:C:2022:384, n.os 38 a 59).

    ( 179 ) V., a este respeito, n.o 221 do acórdão recorrido.

    ( 180 ) V., a este respeito, n.o 226 do acórdão recorrido.

    ( 181 ) V., por analogia, jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia referida no n.o 240 do acórdão recorrido.

    ( 182 ) É particularmente difícil compreender por que razão as recorrentes foram contactadas e subsequentemente informadas pela Comissão acerca das suas preocupações, quase três meses depois de a Comissão ter recebido uma queixa sobre a concentração, não obstante ter mantido — durante esse período — numerosos contactos com o autor da queixa, com várias ANC, com autoridades de outros Estados‑Membros e com a Competition and Markets Authority (Autoridade da Concorrência e dos Mercados).

    ( 183 ) Discurso intitulado «O futuro do controlo das concentrações na UE», proferido no quadro da 24.a Conferência Anual sobre a Associação Internacional de Advogados em 11 de setembro de 2020.

    ( 184 ) V., a este respeito, n.o 260 do acórdão recorrido.

    ( 185 ) V., a este respeito, n.o 261 do acórdão recorrido.

    ( 186 ) V., por exemplo, Acórdãos de 20 de maio de 2021, Riigi Tugiteenuste Keskus (C‑6/20, EU:C:2021:402, n.o 49), e de 31 de março de 2022, Smetna palata na Republika Bulgaria (C‑195/21, EU:C:2022:239, n.o 65).

    ( 187 ) V., a este respeito, n.o 62 do acórdão recorrido.

    ( 188 ) V., a este respeito, n.os 79 e 80 do acórdão recorrido.

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