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Document 62022CC0252

    Conclusões da advogada-geral L. Medina apresentadas em 13 de julho de 2023.
    Societatea Civilă Profesională de Avocaţi AB & CD contra Consiliul Judeţean Suceava e o.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Târgu-Mureş.
    Reenvio prejudicial — Ambiente — Convenção de Aarhus — Artigo 9.o, n.os 3 a 5 — Acesso à justiça — Sociedade civil profissional de advogados — Ação destinada a impugnar atos administrativos — Admissibilidade — Requisitos previstos pelo direito nacional — Inexistência de violação de direitos e de interesses legítimos — Custo não exageradamente dispendioso dos processos judiciais — Repartição das custas — Critérios.
    Processo C-252/22.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:592

     CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    LAILA MEDINA

    apresentadas em 13 de julho de 2023 ( 1 )

    Processo C‑252/22

    Societatea Civilă Profesională de Avocaţi AB & CD

    contra

    Consiliul Județean Suceava,

    Preşedintele Consiliului Judeţean Suceava,

    Agenția pentru Protecția Mediului Bacău,

    Consiliul Local al Comunei Pojorâta,

    interveniente:

    QP

    [Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Târgu‑Mureş (Tribunal de Recurso de Târgu‑Muregeot, Roménia)]

    «Reenvio prejudicial — Ambiente — Convenção de Aarhus — Artigo 2.o, n.o 4 — Conceito de «público» — Acesso à justiça — Artigo 9.o, n.o 3 — Sociedade civil profissional de advogados — Reconhecimento da legitimidade para litígios decorrentes do exercício da atividade profissional — Sociedade civil profissional de advogados que impugna os atos administrativos relativos à construção de um aterro — Inexistência de violação de direitos ou de interesses legítimos — Conceito de processo não exageradamente dispendioso»

    1.

    A Convenção de Aarhus ( 2 ) foi descrita pelo antigo secretário‑geral das Nações Unidas, Kofi Annan, como a «iniciativa mais ambiciosa empreendida na democracia ambiental sob os auspícios das Nações Unidas» ( 3 ). Segundo os seus autores, esta Convenção é «mais do que um acordo ambiental», uma vez que «aborda aspetos fundamentais dos direitos humanos e da democracia, incluindo a transparência, a capacidade de resposta e a responsabilidade dos governos perante a sociedade» ( 4 ). Esta afirmação, como tem sido salientado na doutrina, contribui para «a descrição da forma como se deve interpretar e entender a Convenção» ( 5 ).

    2.

    Com o presente pedido de decisão prejudicial, o Curtea de Apel Târgu‑Mureş (Tribunal de Recurso de Târgu‑ Mureş, Roménia; a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») pede orientações sobre a capacidade jurídica e a legitimidade de uma sociedade civil profissional de advogados que procura obter acesso à justiça em matéria ambiental para defender os interesses dos seus membros e o interesse geral. As questões suscitadas convidam novamente o Tribunal de Justiça a examinar as regras processuais que os Estados‑Membros podem impor aos membros do «público» para intentarem uma ação relativa ao direito da União em matéria de ambiente à luz da obrigação de os Estados‑Membros assegurarem uma proteção efetiva do ambiente.

    I. Quadro jurídico

    Convenção de Aarhus

    3.

    O artigo 2.o da Convenção de Aarhus, sob a epígrafe «Definições», dispõe, no n.o 4, que o termo «público» designa «uma ou mais pessoas singulares ou coletivas, bem como as suas associações, organizações ou agrupamentos de acordo com a legislação ou práticas nacionais.»

    4.

    O artigo 9.o da Convenção de Aarhus, sob a epígrafe «Acesso à justiça», prevê, nos n.os 2, 3 e 4:

    «2.   Cada parte garantirá, nos termos da respetiva legislação nacional, que os membros do público em causa:

    a)

    Que tenham um interesse suficiente;

    ou, em alternativa,

    b)

    Cujo direito tenha sido ofendido, caso a lei de procedimento administrativo da parte o imponha como condição prévia, tenham acesso a um recurso junto dos tribunais e/ou de outra instância independente instituída por lei, para impugnar a legalidade material e processual de qualquer decisão, ato ou omissão sujeita às disposições previstas no artigo 6.o e, salvo disposição em contrário no direito interno, a outras disposições relevantes da presente convenção.

    O interesse suficiente e a ofensa do direito serão determinados em conformidade com os requisitos do direito interno e com o objetivo de conceder ao público envolvido um amplo acesso à justiça nos termos da presente convenção. Para este fim, o interesse das organizações não governamentais que satisfaçam os requisitos mencionados no n.o 5 do artigo 2.o serão considerados suficientes para efeitos da alínea a). Presumir‐se‐á igualmente que tais organizações têm direitos suscetíveis de serem ofendidos para efeitos da alínea b).

    […]

    3.   Além disso, e sem prejuízo dos processos de recurso referidos nos n.os 1 e 2, cada parte assegurará que os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno tenham acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os atos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no respetivo direito interno do domínio do ambiente.

    4.   Além disso, e sem prejuízo do disposto no n.o 1, os processos referidos nos n.os 1, 2 e 3 deverão proporcionar soluções eficazes e adequadas, incluindo, se necessário, a reparação injuntiva do direito, ser justos, equitativos, céleres e não exageradamente dispendiosos. […]»

    Direito da União

    5.

    O artigo 8.o da Diretiva 1999/31/CE do Conselho ( 6 ), sob a epígrafe «Condições da licença», estabelece, na alínea a), i):

    «Os Estados‑Membros tomarão medidas para que:

    (a)

    As autoridades competentes só concedam a licença de exploração de um aterro depois de se terem certificado que:

    (i)

    Sem prejuízo dos n.os 4 e 5 do artigo 3.o, o projeto de aterro preenche todos os requisitos da presente diretiva, incluindo os anexos».

    Direito romeno

    Lei n.o 51/1995 relativa à Organização e ao Exercício da Profissão de Advogado

    6.

    O artigo 5.o, n.o 5, da Legea nr. 51/1995 pentru organizarea și exercitarea profesiei de avocat (Lei n.o 51/1995 relativa à Organização e ao Exercício da Profissão de Advogado), a seguir «Lei n.o 51/1995» prevê:

    «A sociedade civil profissional é constituída por dois ou mais advogados seniores. Os advogados colaboradores e os advogados assalariados também podem exercer a sua profissão […]».

    Estatuto da Profissão de Advogado

    7.

    O artigo 196.o, n.o 3, do Statutul profesiei de avocat din 3 decembrie 2011, a seguir «Estatuto da Profissão de Advogado»), adotado pela Uniunea Națională a Barourilor din România (União Nacional das Ordens dos Advogados da Roménia), dispõe:

    «(3) Nos litígios decorrentes do exercício da atividade profissional, a sociedade civil profissional pode agir judicialmente na qualidade de demandante ou demandada, mesmo que não tenha personalidade jurídica.»

    Lei n.o 554/2004 relativa ao Contencioso Administrativo

    8.

    A Legea contenciosului administrativ nr. 554/2004 (Lei relativa ao Contencioso Administrativo»), estabelece, nos n.os 1 e 2 do artigo 1.o:

    «(1)   Quem se considerar lesado por uma autoridade pública num dos seus direitos ou interesses legítimos, devido a um ato administrativo ou à falta de apreciação de um pedido dentro do prazo legal previsto para o efeito, pode recorrer ao órgão jurisdicional administrativo competente para obter a anulação do ato, o reconhecimento do direito invocado ou do interesse legítimo, e a reparação do dano sofrido. O interesse legítimo pode ser privado ou público.

    (2)   Pode recorrer ao órgão jurisdicional administrativo quem tiver sido lesado num dos seus direitos ou interesses legítimos por um ato administrativo de caráter individual dirigido a uma outra pessoa.»

    9.

    Em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, alíneas p), r) e s), da Lei relativa ao Contencioso Administrativo:

    «(1)   Para efeitos da presente lei, os termos e expressões adiante utilizados devem ser entendidos do seguinte modo:

    (p)

    “interesse legítimo privado” – possibilidade de exigir um determinado comportamento, para efeitos da concretização de um direito subjetivo futuro e previsível, previsto;

    (r)

    “interesse legítimo público” – interesse relativo ao ordenamento jurídico e à democracia constitucional, à garantia dos direitos, das liberdades e dos deveres fundamentais dos cidadãos, à satisfação das necessidades da comunidade, ao exercício dos poderes das autoridades públicas;

    (s)

    “organismos sociais interessados” – estruturas não governamentais, sindicatos, associações, fundações e equiparados, cujo fim é o de proteger os direitos das diversas categorias de cidadãos ou, quando aplicável, o bom funcionamento dos serviços públicos administrativos.»

    10.

    O artigo 8.o, n.o 1 bis, da Lei n.o 554/2004 relativa ao Contencioso Administrativo dispõe:

    «As pessoas singulares e as pessoas coletivas de direito privado apenas podem intentar ações para a proteção de um interesse legítimo público a título subsidiário, quando a lesão do interesse legítimo público estiver logicamente conexa com a violação do direito subjetivo ou do interesse legítimo privado.»

    Decreto‑Lei do Governo n.o 195/2005 em matéria de proteção do ambiente

    11.

    O Ordonanța de urgență a Guvernului nr. 195/2005 privind protecția mediului (Despacho de Urgência do Governo n.o 195/2005 em matéria de proteção do ambiente, a seguir «OUG n.o 195/2005») dispõe, no artigo 5.o, alínea d):

    «O Estado reconhece a qualquer pessoa o direito a um “ambiente são e ecologicamente equilibrado” garantindo para esse fim:

    (d)

    o direito de recorrer, diretamente ou através de organizações de proteção ambiental, às autoridades administrativas e/ou judiciais, consoante os casos, em matéria ambiental, independentemente da existência ou não de um dano.»

    12.

    O artigo 20.o do OUG n.o 195/2005 dispõe, nos n.os 5 e 6:

    «(5)   O acesso do público à justiça é realizado nos termos da legislação em vigor.

    (6)   As organizações não governamentais que promovem a proteção do ambiente têm o direito de intentar ações judiciais em matéria ambiental e têm legitimidade para participar nos litígios em matéria ambiental.»

    II. Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    13.

    A recorrente é uma sociedade civil profissional de advogados. Interpôs um recurso no Tribunalul Cluj (Tribunal Regional de Cluj, Roménia) contra as autoridades locais recorridas, no qual pediu, por um lado, a anulação das decisões administrativas relativas à aprovação do plano de ordenamento e da licença de construção (a seguir «atos administrativos impugnados») respeitantes ao aterro de Pojorâta (a seguir «aterro») e, por outro lado, a demolição desse aterro.

    14.

    A recorrente alegou ter legitimidade em razão dos interesses de três advogados que constituem esta sociedade. Este interesse consistia, em substância, naquilo que a recorrente qualificou de «forte impacto» que o aterro tinha nos seus membros devido aos sentimentos de consternação que provocava. A recorrente alegou igualmente que atuava em defesa do interesse geral da região de Bukovina e da sua população. Afirmou que os seus membros utilizavam os meios jurídicos de que dispunham graças à sua profissão para defender o ambiente e a saúde humana. Quanto ao mérito da causa, a recorrente apresentou vários argumentos relativos à ilegalidade dos atos administrativos impugnados.

    15.

    De acordo com as exceções deduzidas pelos recorridos, a recorrida não tinha capacidade judiciária nem legitimidade processual. Quanto ao mérito, alegaram que a construção do aterro respeita todos os requisitos técnicos estabelecidos na Diretiva 1999/31.

    16.

    Por Acórdão de 7 de fevereiro de 2019, o Tribunalul Cluj (Tribunal Regional de Cluj) considerou que, tendo a sociedade civil profissional de advogados capacidade jurídica de acordo com o direito nacional, deveria ter capacidade judiciária. Por conseguinte, julgou improcedente a exceção relativamente à falta de capacidade judiciária da sociedade. Pelo contrário, o Tribunalul Cluj (Tribunal Regional de Cluj) julgou procedente a exceção no que respeita à falta de legitimidade processual e interesse em agir da sociedade. Declarou, mais especificamente, que, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1 bis, da Lei n.o 554/2004 relativa ao Contencioso Administrativo, os recorrentes só podem invocar o interesse público a título subsidiário, quando a lesão do interesse público resulte da violação do direito ou do interesse privado legítimo. Considerou que, no âmbito do OUG n.o 195/2005, que regula o acesso à justiça em matéria ambiental, cumpria fazer uma distinção entre as ONG ambientais e todas as outras pessoas. Com efeito, ao contrário das ONG ambientais que têm legitimidade no contencioso ambiental, todas as outras pessoas, como a recorrente no processo principal, têm de respeitar as regras gerais relativas à legitimidade, que depende da prova da violação de um direito ou de um interesse legítimo. Tendo a recorrente interposto um recurso invocando um contencioso «objetivo», ou seja, destinado à proteção do interesse público sem invocar a violação de um direito ou de um interesse legítimo privado, o Tribunalul Cluj (Tribunal Regional de Cluj) concluiu pela falta de legitimidade da recorrente.

    17.

    A recorrente e o Consiliul Judeţean Suceava (Conselho Distrital de Suceava) recorreram do acórdão do Tribunalul Cluj (Tribunal Regional de Cluj) para o Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia). Através da sua Decisão n.o 1195, de 26 de setembro de 2019, este órgão jurisdicional, depois de negar provimento ao recurso subordinado interposto pelo Conselho Distrital de Suceava e de dar provimento ao recurso interposto pela recorrente, anulou o acórdão recorrido e remeteu o processo para o Tribunalul Cluj (Tribunal Regional de Cluj).

    18.

    Durante o processo de recurso, o Conselho Distrital de Suceava apresentou ao Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia) um pedido de transferência do processo para outro órgão jurisdicional. Este pedido foi deferido. O processo foi então transferido para o órgão jurisdicional de reenvio, o Curtea de Apel Târgu Mureș (Tribunal de Recurso de Târgu Mureș). O acórdão do Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj) foi automaticamente anulado por efeito do deferimento do pedido de transferência.

    19.

    O órgão jurisdicional de reenvio observa que a regra geral relativa à legitimidade em processos administrativos se baseia num «contencioso subjetivo», ou seja, aquele em que são invocados os direitos ou os interesses de uma pessoa. Explica que a pessoa cujos direitos ou interesses legítimos foram violados tem de invocar um interesse próprio, referido pelo legislador como «interesse legítimo privado». Só a título subsidiário, após ter invocado um interesse legítimo privado, é que uma pessoa singular ou coletiva ou uma organização interessada pode prosseguir um «contencioso objetivo», intentando uma ação destinada a proteger um interesse legítimo público.

    20.

    Em especial no domínio da proteção do ambiente, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o OUG n.o 195/2005 reconhece a possibilidade de um contencioso objetivo. No entanto, a categoria das pessoas que podem invocar principal e diretamente um interesse legítimo público está circunscrita às ONG ambientais. Para todos os outros membros do público, o acesso à justiça tem lugar em conformidade com as regras gerais relativas aos processos administrativos.

    21.

    No caso do processo principal, a recorrente é uma sociedade civil profissional de advogados que, de acordo com a lei, tem uma capacidade judiciária limitada aos litígios decorrentes do exercício da sua atividade profissional.

    22.

    O órgão jurisdicional de reenvio afirma que a recorrente interpôs recurso em nome próprio para defender os interesses dos três advogados que a constituem. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio explica que a sua primeira questão é composta por dois aspetos. O primeiro aspeto consiste em saber se pode ser reconhecida à recorrente a qualidade de «público», na aceção do artigo 2.o, n.o 4, e do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção. O segundo aspeto consiste em saber se a recorrente pode, para os mesmos efeitos, invocar direitos e interesses das pessoas singulares que a constituem.

    23.

    Em caso de resposta afirmativa do Tribunal de Justiça a um ou a ambos os aspetos da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio coloca a segunda questão, a saber, se o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, à luz do direito a uma tutela jurisdicional efetiva ao abrigo do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito interno que faz depender o acesso à justiça por uma sociedade civil profissional de advogados da prova de um interesse próprio ou da circunstância de a propositura da ação visar proteger uma situação jurídica diretamente relacionada com o fim para o qual essa sociedade foi constituída.

    24.

    A terceira questão prejudicial diz respeito à regra de que os processos judiciais não devem ser exageradamente dispendiosos, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus. O órgão jurisdicional de reenvio observa, a este respeito, que os artigos 451.o a 453.o do Codul de proecudură civilă (a seguir «Código de Processo Civil») estabelecem pormenorizadamente em que consistem as despesas processuais (a saber, despesas judiciais devidas ao Estado, honorários dos advogados, dos consultores, montantes devidos às testemunhas, etc.), a parte do processo que pode ser condenada nas despesas (a saber, a parte vencida, a pedido da parte vencedora), bem como os diversos critérios que o órgão jurisdicional pode utilizar para reduzir, fundamentando, os honorários dos advogados. A possibilidade de reduzir os honorários aplica‑se, em particular, sempre que esses honorários sejam manifestamente desproporcionais relativamente ao valor ou à complexidade do processo ou ao trabalho realizado pelo advogado, tendo em conta as circunstâncias do caso.

    25.

    O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se, todavia, se as disposições gerais de direito nacional acima mencionadas contêm critérios suficientes que permitam ao sujeito de direito privado avaliar e prever os elevados custos dos litígios decorrentes da inobservância da legislação em matéria de proteção ambiental. Sublinha que tais custos podem dissuadir uma pessoa de intentar uma ação nessa matéria.

    26.

    Foi neste contexto de facto e de direito que o Curtea de Apel Târgu Mureș (Tribunal de Recurso de Târgu Mureș) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1.

    Devem o artigo 47.o, [primeiro parágrafo, da Carta], em conjugação com o artigo 19.o [, n.o 1, segundo parágrafo, TUE] e o artigo 2.o, n.o 4, em conjugação com o artigo 9.o, n.o 3, da [Convenção de Aarhus], ser interpretados no sentido de que é abrangida pelo conceito de «público» uma entidade jurídica como uma sociedade civil profissional de advogados, que não invoca a violação de um direito ou interesse dessa entidade jurídica, mas sim a violação de direitos e interesses das pessoas singulares, os advogados que constituem aquela organização profissional, [e] pode tal entidade ser equiparada, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Convenção, a um grupo de pessoas que atua através de uma associação ou uma organização?

    2.

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, tendo em conta [tanto] os objetivos do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção, como o objetivo da tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos pelo direito da União, devem o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção, e o artigo 47.o, [primeiro e segundo parágrafos, da Carta], conjugados com o artigo 19.o, [n.o 1, segundo parágrafo, TUE], ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição de direito interno que faz depender o acesso à justiça por uma sociedade profissional civil de advogados da prova de um interesse próprio ou da circunstância de a propositura da ação visar proteger uma situação jurídica diretamente relacionada com o fim para o qual foi constituída tal forma de organização, no caso em apreço uma sociedade civil de advogados?

    3.

    Em caso de resposta afirmativa à primeira [e à] segunda questões, ou independentemente das respostas a essas duas questões prejudiciais, devem o artigo 9.o, n.os 3, 4 [e] 5, da Convenção, e o artigo 47.o[, primeiro e segundo parágrafos, da Carta], conjugados com o artigo 19.o,[n.o 1, segundo parágrafo, TUE], ser interpretados no sentido de que a expressão de uma solução eficaz e adequada, incluindo a adoção de uma decisão judicial, «não [seja] exageradamente dispendiosa», pressupõe regras e/ou critérios para conter as despesas aplicadas à parte vencida no processo, no sentido de que o órgão jurisdicional nacional deve garantir o respeito pelo requisito dos custos não exageradamente dispendiosos tendo em conta [tanto] o interesse da pessoa que pretende defender os seus direitos como o interesse geral ligado à proteção do ambiente?»

    27.

    O Conselho Distrital de Suceava, a Irlanda, o Governo polaco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. A recorrente no processo principal, o Conselho Distrital de Suceava, a Irlanda e a Comissão apresentaram alegações orais na audiência realizada em 4 de maio de 2023.

    III. Apreciação

    Observações preliminares

    Quanto aos direitos que a recorrente retira do direito da União

    28.

    Nas suas observações escritas, a Comissão salientou que o litígio no processo principal se enquadra no âmbito de aplicação do direito da União em matéria de ambiente. A este respeito, observou que o pedido de decisão prejudicial menciona tanto a Diretiva 1999/31 como a Diretiva 2011/92/UE ( 7 ) e que os atos administrativos impugnados estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito da União.

    29.

    No entanto, a Comissão manifestou dúvidas quanto à clareza do pedido de decisão prejudicial. Mais especificamente, alegou que o órgão jurisdicional de reenvio não explicou que direitos decorrem do direito da União para a recorrente nem de que modo o «forte impacto» que, segundo sustenta a recorrida, o aterro teve nos seus membros pode ser pertinente do ponto de vista do direito da União ( 8 ). Dito isto, a Comissão, ao invocar jurisprudência constante segundo a qual as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência ( 9 ), conclui que as questões prejudiciais são admissíveis.

    30.

    Partilho da opinião da Comissão segundo a qual o litígio no processo principal é abrangido pelo âmbito de aplicação do direito da União. Antes de mais, importa recordar que o Tribunal de Justiça é competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação da Convenção de Aarhus, assinada pela Comunidade e em seguida aprovada pela Decisão 2005/370, cujas disposições passaram a fazer parte integrante da ordem jurídica da União ( 10 ). Em seguida, resulta do pedido de decisão prejudicial que o aterro em causa foi construído em conformidade com os requisitos estabelecidos na Diretiva 1999/31 e que foi objeto de uma avaliação do impacto ambiental em conformidade com a Diretiva 2011/92.

    31.

    É certo que o órgão jurisdicional de reenvio não explicou que direitos decorrem do direito da União para os recorrentes. Questionada sobre este ponto na audiência, a recorrente alegou que do direito da União decorrem direitos processuais resultantes da Diretiva 1999/31, da Diretiva 2001/42/CE ( 11 ) e da Diretiva 2011/92. Relativamente à Diretiva 2001/42, a recorrente declarou que a adoção do plano de ordenamento relativo ao aterro não tinha sido precedida de uma avaliação do impacto ambiental e que tinha sido violado o direito do público a ser informado. Quanto à Diretiva 2011/92, a recorrente declarou que foi realizada uma avaliação do impacto ambiental, mas que o procedimento seguido estava viciado e que tinha sido violado o direito do público a ser informado em conformidade com o artigo 11.o da Diretiva 2011/92. A recorrente não se pronunciou sobre a Diretiva 1999/31.

    32.

    A este respeito, há que salientar que as questões prejudiciais submetidas dizem apenas respeito ao artigo 9.o, n.os 3 e 4, da Convenção de Aarhus. Em seguida, resulta do pedido de decisão prejudicial que, quanto ao mérito da causa, a recorrente apresentou vários argumentos relativos à ilegalidade dos atos administrativos impugnados, ao passo que os recorridos alegaram que o aterro respeitava todos os requisitos técnicos previstos pela Diretiva 1999/31.

    33.

    A este respeito, há que recordar que, em conformidade com o artigo 8.o da Diretiva 1999/31, as autoridades competentes só concedem a licença de exploração de um aterro depois de se terem certificado que estão preenchidos todos os requisitos necessários. Na medida em que o recurso diz respeito a eventuais violações das obrigações impostas por esta diretiva ( 12 ), concordo com o argumento do Governo polaco segundo o qual a resposta ao pedido de decisão prejudicial se pode basear no pressuposto de que a recorrente pretende, nomeadamente, invocar o incumprimento das obrigações decorrentes da Diretiva 1999/31. Tal deverá ser suficiente para que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais sem ter de aprofundar a análise da pertinência de outras diretivas do Direito da União em matéria de ambiente.

    34.

    Por conseguinte, as questões prejudiciais são pertinentes do ponto de vista do direito da União, na medida em que se pode considerar que a fiscalização jurisdicional dos atos administrativos impugnados incide sobre eventuais violações das obrigações previstas na Diretiva 1999/31. Estas questões são reformuladas em conformidade ( 13 ).

    Quanto ao artigo 19.o TUE e ao artigo 47.o da Carta

    35.

    Com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pede uma interpretação do artigo 2.o, n.o 4, e do artigo 9.o, n.os 3 e 4, da Convenção de Aarhus à luz do artigo 19.o TUE e do artigo 47.o da Carta. No entanto, como a Comissão salientou nas suas observações escritas, a obrigação de os Estados‑Membros estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União, prevista no artigo 19.o, n.o 1, TUE, decorre igualmente do artigo 47.o da Carta. Nestas condições, a análise da segunda e da terceira questões prejudiciais basear‑se‑á unicamente no artigo 47.o da Carta, visto que não se afigura necessário proceder a uma análise separada do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE para efeitos da resposta às interrogações do órgão jurisdicional de reenvio e da solução dos litígios que lhe foram submetidos ( 14 ). No que respeita à primeira questão prejudicial, pelas razões que exporei no âmbito desta questão, não há necessidade de proceder a uma análise à luz de qualquer destas disposições.

    Quanto à primeira questão

    36.

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, num processo em que esteja em causa a violação do direito da União em matéria de ambiente, uma sociedade civil profissional de advogados pode ser considerada membro do «público», na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus, em conjugação com o artigo 9.o, n.o 3, desta Convenção e à luz do artigo 47.o da Carta, em circunstâncias em que essa sociedade civil profissional de advogados não invoca a violação de um direito ou interesse dessa entidade jurídica, mas sim a violação de direitos e interesses dos membros que a constituem. Pergunta igualmente se se pode considerar que as pessoas singulares que constituem essa sociedade civil profissional de advogados, a saber, os advogados, formam um «agrupamento» de pessoas singulares que atua através de uma associação ou de uma organização, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus.

    Considerações preliminares sobre quem pode ser membro do «público»

    37.

    Há que recordar, em primeiro lugar, que o termo «público» é definido no artigo 2.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus como «uma ou mais pessoas singulares ou coletivas, bem como as suas associações, organizações ou agrupamentos de acordo com a legislação ou práticas nacionais.» A definição deste conceito está formulada em termos tão amplos que inclui, como salientaram a Comissão e a Irlanda, essencialmente todas as pessoas, desde que estejam preenchidos os requisitos legais. Esta interpretação é corroborada pelo Guia de Aplicação da Convenção de Aarhus, segundo o qual o «público» deve ser interpretado no sentido de que aplica o princípio «qualquer pessoa» ( 15 ).

    38.

    No que respeita, mais especificamente, à determinação das «associações, organizações ou agrupamentos» de pessoas singulares ou coletivas que fazem parte do «público» ao abrigo do artigo 2.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus, há que salientar que, quando essas «associações, organizações ou agrupamentos» têm personalidade jurídica, são, em qualquer caso, abrangidas pelo conceito de pessoa coletiva. No Guia de Aplicação da Convenção de Aarhus, indica‑se que «[a] linguagem só pode, portanto, ser interpretada no sentido de que prevê que as associações, organizações ou agrupamentos sem personalidade jurídica também podem ser consideradas membros do público ao abrigo da Convenção» ( 16 ). No entanto, a inclusão das «associações, organizações ou agrupamentos» sem personalidade jurídica na definição de «público» é sujeita a restrições por referência à legislação ou prática nacionais. Assim, como indica o Guia de Aplicação da Convenção de Aarhus, «as formações ad hoc só podem ser consideradas membros do público se forem preenchidos os eventuais requisitos estabelecidos pela legislação ou prática nacionais», mas «estes eventuais requisitos devem respeitar o objetivo da Convenção de assegurar um amplo acesso aos seus direitos» ( 17 ). Além disso, ao executar esses requisitos, deve ter-se em conta o artigo 3.o, n.o 4 da Convenção de Aarhus que estabelece a obrigação para parte de«[proporcionar] o reconhecimento adequado e o apoio às associações, organizações ou grupos que promovem a proteção do ambiente e [assegurar] o respeito desta obrigação pelas ordens jurídicas internas».

    39.

    Daqui resulta que uma «associação, organização ou grupo» que preencha os requisitos estabelecidos pelo direito interno é um membro do público e tem capacidade para exercer os direitos que a Convenção confere ao público.

    40.

    Em segundo lugar, há que recordar que o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus confere aos membros do público, desde que satisfaçam os eventuais critérios estabelecidos no direito interno, o direito de impugnar os atos e as omissões que infrinjam o disposto no direito interno do domínio do ambiente. O artigo 9.o, n.o 3, confere este direito aos membros do público «sem acrescentar expressamente quaisquer restrições suplementares sobre quem do público» ( 18 ) pode gozar deste direito. O âmbito de aplicação pessoal desta disposição abrange, por conseguinte, todos os «membros do público», que satisfaçam «os critérios estabelecidos pelo […] direito interno».

    41.

    Nesta medida, uma associação, uma organização ou um agrupamento que satisfaça os requisitos estabelecidos no direito interno tem capacidade judiciária, no âmbito do artigo 9.o, n.o 3, para impugnar os atos ou as omissões abrangidos por esta disposição. A questão de saber se esse membro do público satisfaz os critérios estabelecidos pelo direito interno para estar habilitado a exercer o direito de acesso à justiça é uma matéria relacionada com a legitimidade e será discutida no âmbito da segunda questão.

    42.

    Por conseguinte, para efeitos da determinação da capacidade judiciária como membro do público, como sustentou o Governo polaco, a forma ou o objetivo da «associação, organização ou agrupamento» não é pertinente enquanto satisfizer os requisitos estabelecidos no direito interno. Para os mesmos efeitos, como sustentou a Comissão, não é pertinente saber se esse membro defende o seu próprio interesse, os interesses dos seus membros ou os do público.

    Uma sociedade civil profissional de advogados sem personalidade jurídica como membro do «público»

    43.

    Nas circunstâncias do processo principal, a AB&CD é uma sociedade civil profissional de advogados sem personalidade jurídica. Apesar da falta de personalidade jurídica, resulta do pedido de decisão prejudicial que uma sociedade civil profissional de advogados tem capacidade jurídica para intentar ações judiciais relativas a litígios decorrentes do exercício da sua atividade profissional, em conformidade com o artigo 196.o, n.o 3, do Estatuto da Profissão de Advogado.

    44.

    Tendo em conta o amplo alcance do conceito de «público», conforme acima explicitado, a restrição da capacidade jurídica de uma sociedade civil profissional de advogados para questões relativas ao exercício da sua atividade profissional, a sua qualidade de «membro do público» ao abrigo do artigo 9.o, n.o 4. Contudo, esta restrição faz parte dos critérios estabelecidos pelo direito interno relativamente à habilitação dessa sociedade para intentar ações judiciais ao abrigo do artigo 9.o, n.o 3. Além disso, o facto de essa sociedade civil profissional de advogados não invocar a violação de um direito ou interesse dessa entidade, mas sim a violação de direitos e interesses dos membros que a constituem, também não pode excluir a sua capacidade enquanto «membro do público».

    Os membros de uma sociedade civil profissional de advogados como «agrupamento» de pessoas singulares

    45.

    No que diz respeito ao segundo aspeto da primeira questão prejudicial, entendo que o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar, em substância, se, independentemente da forma utilizada, se pode considerar que as pessoas singulares que constituem uma sociedade civil profissional de advogados formam um «agrupamento» de pessoas singulares que atuam através de uma associação ou de uma organização, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus. Tendo em conta as considerações preliminares acima expostas, estas pessoas podiam ser consideradas um «agrupamento» de pessoas singulares que atuam através de uma associação ou de uma organização, na medida em que os requisitos previstos pela legislação nacional sejam satisfeitos. Isto significa que, se essas pessoas atuarem como uma formação ou um grupo ad hoc de defesa do ambiente, compete ao órgão jurisdicional nacional determinar se esse agrupamento satisfaz os eventuais requisitos estabelecidos pelo direito interno para qualificar como membro do «público».

    Interpretação à luz do objetivo de assegurar um amplo acesso à justiça

    46.

    O órgão jurisdicional de reenvio pediu uma interpretação do artigo 2.o, n.o 4 da Convenção de Aarhus à luz do artigo 47.o da Carta. Contudo, o artigo 47.o da Carta não é pertinente para a definição do público enquanto tal, mas para a apreciação dos critérios estabelecidos pelo direito interno para intentar uma ação ao abrigo do artigo 9.o, n.o 3, o que constitui o objeto da segunda questão. Dito isto, os requisitos estabelecidos pela legislação ou prática nacionais relativamente às «associações, organizações ou agrupamentos» que possam ser qualificados de membros do «público» devem cumprir o objetivo geral da Convenção de Aarhus de assegurar um amplo acesso à justiça. Embora o objetivo de «amplo acesso à justiça» só seja referido expressamente no artigo 9.o, n.o 2, e nas disposições correspondentes das diretivas, no quadro do estabelecimento de um «interesse suficiente e da ofensa de um direito» como condição para intentar uma ação, é amplamente reconhecido que esta consideração constitui um «objetivo comum» a toda a Convenção de Aarhus, não se limitando ao seu artigo 9.o, n.o 2 ( 19 ).

    47.

    Tendo em conta o acima exposto, considero que, num processo em que esteja em causa a violação do direito da União em matéria de ambiente, uma sociedade civil profissional de advogados pode ser considerada membro do «público», na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus, em conjugação com o seu artigo 9.o, n.o 3, em circunstâncias em que essa sociedade civil profissional de advogados não invoca a violação de um direito ou interesse dessa entidade, mas sim a violação dos direitos e interesses das pessoas singulares, a saber, os advogados que constituem essa sociedade. Pode considerar‑se que as pessoas singulares que constituem esta sociedade civil profissional de advogados formam um «grupo» de pessoas singulares que atua através de uma associação ou de uma organização na aceção das mesmas disposições, desde que estejam satisfeitos os requisitos previstos pela legislação ou prática nacionais. Estes requisitos devem assegurar um amplo acesso à justiça.

    Quanto à segunda questão

    48.

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, num processo em que esteja em causa a violação do direito da União em matéria de ambiente, o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito interno que faz depender a legitimidade de uma sociedade civil profissional de advogados da prova de um interesse próprio ou da circunstância de a propositura da ação visar proteger uma situação jurídica diretamente relacionada com o fim para o qual foi constituída tal forma de organização.

    49.

    Resulta da decisão de reenvio que a questão é justificada pelo facto de a legislação nacional aplicável fazer depender a admissibilidade de um recurso de um ato administrativo da demonstração pelo recorrente de que o ato impugnado ofende um direito ou um interesse legítimo desse recorrente que o legislador designa de «interesse legítimo privado». Em conformidade com esta legislação, só a título subsidiário, após ter invocado um interesse legítimo privado, é que uma pessoa singular ou coletiva ou uma organização interessada pode prosseguir um «contencioso objetivo» que consiste em intentar uma ação destinada a proteger um interesse legítimo público. No domínio do contencioso ambiental, o OUG n.o 195/2005 reconhece a possibilidade de tal contencioso objetivo. No entanto, a categoria das pessoas que podem invocar principal e diretamente um interesse legítimo público circunscreve-se às ONG ambientais. As outras pessoas, entre as quais a recorrente no processo principal, devem respeitar as regras gerais relativas à legitimidade. Mais precisamente, a recorrente, enquanto sociedade civil profissional de advogados pode intentar uma ação judicial para defender uma situação jurídica relacionada com o fim para o qual foi criada. O órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se o artigo 9.o, n.o 3, se opõe a essas condições estabelecidas pelo direito interno para decidir sobre a legitimidade.

    Quanto aos requisitos de legitimidade e proteção efetiva do ambiente ao abrigo do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus

    50.

    A este respeito, há que recordar que o artigo 9.o, n.o 3, reconhece o direito de os membros do público impugnarem os atos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no direito interno do domínio do ambiente. Resulta desta disposição que, para ser titular dos direitos nela previstos, um recorrente deve nomeadamente ser «membro do público» e satisfazer «os critérios estabelecidos [pelo] direito interno» ( 20 ).

    51.

    No que respeita aos «critérios» a que os processos de recurso podem ser sujeitos, o Tribunal de Justiça declarou que os Estados‑Membros podem, no âmbito do poder de apreciação que lhes é conferido a este respeito, fixar regras de direito processual relativas aos requisitos que devem estar cumpridos para que os membros do público possam interpor esses recursos ( 21 ).

    52.

    No entanto, o Tribunal de Justiça também declarou que, ainda que o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, em si mesmo, não tenha efeito direto no direito da União, não é menos verdade que esta disposição, lida em conjugação com o artigo 47.o da Carta, impõe aos Estados‑Membros a obrigação de garantir uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos pelo direito da União, nomeadamente das disposições em matéria do direito do ambiente ( 22 ).

    53.

    O direito de recurso estabelecido no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, que tem por objetivo permitir assegurar uma proteção efetiva do ambiente, seria desprovido de qualquer efeito útil, ou até mesmo da sua essência, se se admitisse que, através da imposição destes critérios, certas categorias de «membros do público», a fortiori de «membros do público envolvido», como as associações de proteção do ambiente que satisfaçam os requisitos previstos no artigo 2.o, n.o 5, da Convenção de Aarhus, não podem exercer nenhum tipo de direito de recurso de atos ou omissões de particulares ou de autoridades públicas que violem determinadas categorias de disposições do direito da União em matéria de ambiente ( 23 ).

    54.

    A margem de apreciação na execução do artigo 9.o, n.o 3, não permite que os Estados‑Membros imponham critérios tão estritos, incluindo relativos à legitimidade, que se torne efetivamente impossível para as associações de proteção do ambiente solicitar a fiscalização do respeito das regras decorrentes do direito da União em matéria de ambiente ( 24 ). A este respeito, há que ter em conta que essas regras estão, a maioria das vezes, orientadas para o interesse geral e não apenas para a proteção dos interesses dos particulares considerados individualmente e porque a missão dessas organizações consiste em defender o interesse geral ( 25 ).

    55.

    Embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça se concentre nos requisitos relativos à legitimidade das organizações de defesa do ambiente que satisfaçam os requisitos estabelecidos no artigo 2.o, n.o 5, o artigo 9.o, n.o 3, lido à luz do artigo 47.o da Carta, visa assegurar uma proteção judicial efetiva no domínio do ambiente por parte de todos os membros do público. Esse princípio geral também se aplica a outras categorias de membros do público, incluindo, em particular, às associações, organizações ou agrupamentos que promovam realmente a proteção do ambiente, mesmo que não possam (ainda) ser formalmente qualificadas de organizações de proteção do ambiente na aceção do artigo 2.o, n.o 5.

    56.

    A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, como foi observado com pertinência na doutrina jurídica, que o artigo 9.o, n.o 3, «não indica que as ONG devam ser privilegiadas em relação aos particulares» ( 26 ). O décimo oitavo considerando da Convenção sublinha que se procura «garantir ao público, bem como às organizações, o acesso a mecanismos judiciais eficazes por forma a proteger os seus interesses legítimos e a garantir a aplicação da lei». Além disso, o artigo 3.o, n.o 4, estabelece a obrigação de as partes proporcionarem «o reconhecimento adequado e o apoio às associações, organizações ou grupos que promovem a proteção do ambiente».

    57.

    Em segundo lugar, embora o artigo 9.o, n.o 3, lido à luz do décimo oitavo considerando, não distinga os requisitos relativos à legitimidade em função da categoria de membros do público, não é menos verdade que esta disposição permite aos Estados‑Membros introduzir critérios. Todavia, como já foi salientado, esses critérios deverão respeitar o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, em conformidade com o artigo 47.o da Carta. Além disso, ao estabelecerem esses critérios, os Estados‑Membros não deverão prejudicar o objetivo de assegurar um amplo acesso à justiça.

    58.

    A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que o objetivo de um amplo acesso à justiça comunga, «de forma lata, da vontade do legislador da União de preservar, proteger e melhorar a qualidade do ambiente e de atribuir ao público um papel ativo para esse efeito» ( 27 ). Trata‑se do reconhecimento da «ligação intrínseca» ( 28 ) na justiça ambiental entre o elevado nível de proteção do ambiente previsto no artigo 191.o, n.o 2, TFUE e no artigo 37.o da Carta e o acesso do público à justiça ( 29 ).

    59.

    Nas suas Conclusões no processo Edwards ( 30 ), a advogada‑geral J. Kokott sugeriu que a tutela jurisdicional, ao abrigo da Convenção de Aarhus, vai mais longe do que a tutela jurisdicional efetiva, ao abrigo do artigo 47.o da Carta. Com efeito, embora, como resulta expressamente desta última disposição, esta tenha em vista a proteção de direitos próprios, a tutela jurisdicional em questões ambientais «serve, em regra, não apenas os interesses individuais dos demandantes, mas também ‑ ou até exclusivamente ‑ interesses gerais da comunidade» ( 31 ). Salientou igualmente com razão que «[o] reconhecimento do interesse geral na proteção do ambiente é tão mais importante quanto existirão muitos casos em que os interesses juridicamente protegidos de indivíduos concretos não são ou só marginalmente são afetados» ( 32 ). Nesses casos, como «o ambiente não pode defender‑se a si próprio em tribunal, […] carece de representação […] através de cidadãos militantes ou de organizações não governamentais» ( 33 ).

    60.

    Tendo em conta o objetivo de assegurar um amplo acesso à justiça, a jurisprudência do Tribunal de Justiça continua aberta à dinâmica evolutiva do contencioso em matéria de ambiente. O Tribunal de Justiça reconhece o papel que os cidadãos militantes podem desempenhar na defesa do ambiente, tendo considerado que «os particulares e as associações são naturalmente chamados a desempenhar um papel ativo na defesa do ambiente» ( 34 ).

    61.

    Todavia, isto não implica legitimidade sem restrições para qualquer pessoa. Com efeito, o Comité de Avaliação do Cumprimento considerou que «as partes não são obrigadas a instituir um sistema de ação popular (actio popularis) que permita a qualquer pessoa impugnar qualquer decisão, ato ou omissão relacionados com o ambiente» ( 35 ). Os Estados‑Membros conservam a margem de apreciação para aplicar critérios para determinar as condições em que os membros do público podem atuar em defesa do ambiente. Como salientaram, no essencial, a Comissão e a Irlanda, a racionalização do contencioso no domínio ambiental é um objetivo legítimo para evitar uma situação que poderia revelar-se difícil de gerir para os órgãos jurisdicionais. No entanto, como já foi acima mencionado, se, devido aos critérios de legitimidade, certas categorias de «membros do público» fossem privados do direito de intentar ações ao abrigo do artigo 9.o, n.o 3, tal seria demasiado estrito para permitir o acesso à justiça em conformidade com a Convenção.

    62.

    Para apreciar se os requisitos de legitimidade tornam efetivamente impossível para certas categorias de membros do público intentarem uma ação, importa ter em conta o sistema jurídico no seu conjunto e apreciar em que medida o direito interno tem tais «consequências de bloqueio» ( 36 ).

    63.

    Segundo as explicações apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal confere às ONG ambientais legitimidade no contencioso em matéria de ambiente. Os outros membros do público têm de cumprir os requisitos de legitimidade ao abrigo da legislação em vigor. Mais precisamente, têm de invocar um interesse legítimo privado e, apenas a título subsidiário, um interesse legítimo público. Tendo em conta as considerações precedentes, a adoção de um modelo de contencioso baseado num contencioso subjetivo não é, enquanto tal, incompatível com o artigo 9.o, n.o 3. No entanto, tendo em conta a predominância do interesse público no contencioso em matéria de ambiente, cabe ao órgão jurisdicional nacional interpretar, na medida do possível, as regras processuais relativas às condições a preencher para intentar uma ação judicial em conformidade com os objetivos do artigo 9.o, n.o 3, e de assegurar um amplo acesso à justiça. Estas regras não devem tornar efetivamente impossível para certas categorias de «membros do público», incluindo, em particular, organizações, associações ou agrupamentos que promovam genuinamente a proteção do ambiente e que satisfaçam os requisitos ao abrigo do direito interno de impugnar uma decisão tomada na sequência de um procedimento administrativo que possa ser contrário ao direito da União em matéria de ambiente. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pode interrogar‑se sobre a pertinência, para a interpretação das regras relativas à legitimidade, do reconhecimento, pelo direito interno, do direito de qualquer pessoa a um «ambiente são e ecologicamente equilibrado».

    Quanto à legitimidade de uma sociedade civil profissional de advogados ao abrigo do artigo 9.o, n.o 3

    64.

    No que respeita especificamente à legitimidade da sociedade civil profissional de advogados recorrente, cumpre recordar que a recorrente invocou que interpunha um recurso em nome dos seus membros e dos residentes da região afetada, bem como no interesse geral. Contudo, há que observar que os requisitos de legitimidade devem ser determinados em relação à recorrente. Como consideraram a Irlanda e, no essencial, o Governo polaco e a Comissão, um órgão jurisdicional nacional não deve ser convidado a analisar as pessoas singulares «atrás» de uma entidade para determinar a sua legitimidade. De um modo geral, a lei pode prever as condições em que os litigantes podem intentar uma ação para defender os interesses ou os direitos de outras pessoas ou o interesse geral (legitimidade associativa ou representativa) ( 37 ). Contudo, não parece ser esse o caso da recorrente no processo principal. Além disso, não parece resultar dos autos que s membros da recorrente ou os residentes da região afetada lhe conferiram poderes para intentar uma ação em seu nome.

    65.

    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se se pode reconhecer que os membros que constituem esta sociedade têm legitimidade como um «grupo» de pessoas. Neste contexto, a recorrente parece utilizar uma sociedade civil profissional de advogados enquanto instrumento para atuar como formação ad hoc para promover o ambiente. Se essas pessoas pretenderem apresentar um pedido como um «grupo», têm de atuar nessa qualidade. Exceto se a legislação nacional dispuser de maneira diferente, é só no momento de instaurar uma ação como um «grupo» que o órgão jurisdicional nacional estará em condições de apreciar se esse «grupo» preenche os requisitos nacionais para ser membro do público e se pode satisfazer os critérios relativos à legitimidade à luz do objetivo de assegurar um amplo acesso à justiça.

    66.

    Tendo em conta o anteriormente exposto, considero que, num processo em que esteja em causa a violação do direito da União em matéria de ambiente, o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, lido à luz do artigo 47.o da Carta, não se opõe a uma disposição de direito interno que faz depender a admissibilidade de uma ação de uma sociedade civil profissional de advogados da prova de um interesse próprio ou da circunstância de a propositura da ação visar proteger uma situação jurídica diretamente relacionada com o fim para o qual foi constituída tal forma de organização. No entanto, tendo em conta a predominância do interesse público no contencioso em matéria de ambiente, cabe ao órgão jurisdicional nacional interpretar, na medida do possível, as regras processuais relativas às condições a preencher para intentar uma ação judicial em conformidade com os objetivos do artigo 9.o, n.o 3, e de assegurar um amplo acesso à justiça. Estas regras não devem tornar efetivamente impossível para certas categorias de membros do «público», incluindo, em particular, organizações, associações ou agrupamentos que promovam genuinamente a proteção do ambiente e que satisfaçam os requisitos ao abrigo do direito interno de impugnar uma decisão tomada na sequência de um procedimento administrativo que possa ser contrário ao direito da União em matéria de ambiente.

    Quanto à terceira questão

    67.

    Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, num processo em que esteja em causa a violação do direito da União em matéria de ambiente, o artigo 9.o, n.os 3, 4 e 5, da Convenção de Aarhus, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que o requisito de que determinados processos judiciais proporcionem «soluções eficazes e adequadas» e «não exageradamente dispendiosos» pressupõe regras e/ou critérios específicos para conter as despesas aplicadas à parte vencida no processo, no sentido de que o órgão jurisdicional nacional deve garantir o respeito pelo requisito dos custos não exageradamente dispendiosos tendo em conta tanto o interesse da pessoa que pretende defender os seus direitos como o interesse geral ligado à proteção do ambiente.

    68.

    A este respeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que a legislação romena, a saber, os artigos 451.o a 453.o do Código de Processo Civil, estabelece pormenorizadamente em que consistem as despesas processuais, bem como os diversos critérios que o órgão jurisdicional pode utilizar para reduzir, fundamentando, os honorários dos advogados. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas quanto à questão de saber se os critérios gerais estabelecidos no direito interno contêm regras e requisitos suficientemente específicos que permitam avaliar e prever os custos significativos dos litígios no âmbito do contencioso em matéria de ambiente. Tal é ainda mais relevante, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, em circunstâncias em que a ação possa ser julgada inadmissível devido à falta de capacidade para intentar uma ação judicial ou ao incumprimento dos requisitos de legitimidade e de interesse em agir. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio procura esclarecer se a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2011/92 sobre a participação do público, constante do Acórdão proferido no processo North East Pylon Pressure Campaign e Sheehy ( 38 ), é aplicável ao artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus.

    69.

    No que respeita, antes de mais, à questão da aplicação da jurisprudência relativa à interpretação da regra dos custos não exageradamente dispendiosos (a seguir «regra NED»), estabelecida no artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus, o Acórdão North East Pylon Pressure Campaign e Sheehy já dá a resposta. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 9.o, n.o 4, que especifica as características que os recursos em causa devem apresentar, designadamente a de não ser exageradamente dispendioso, é expressamente aplicável tanto aos recursos referidos no n.o 3 como aos referidos no n.o 2 ( 39 ).

    70.

    Por conseguinte, a regra NED deve ser considerada aplicável a um recurso como o que está em causa no processo principal, que implica a aplicação do artigo 9.o, n.o 3.

    71.

    Em segundo lugar, no que respeita aos critérios de apreciação dos custos e à consideração do interesse privado, bem como do interesse geral de defesa do ambiente, há que referir, desde já, que o artigo 3.o, n.o 8, da Convenção de Aarhus permite expressamente custas razoáveis. O artigo 9.o, n.o 4, não obsta à condenação em custas, desde que o respetivo montante não seja exagerado ( 40 ).Uma vez que esta disposição não prevê critérios específicos, a apreciação das despesas não está predeterminada, mas depende das circunstâncias do caso e do sistema jurídico interno ( 41 ).

    72.

    No seu Acórdão Edwards e Pallikaropoulos ( 42 ), o Tribunal de Justiça estabeleceu critérios relevantes para efeitos da apreciação da interpretação da regra NED. Estes critérios sugerem uma apreciação global e abrangente da questão do custo excessivo. Mais precisamente, resulta desse acórdão que o órgão jurisdicional nacional deve ter em conta todas as disposições do direito nacional pertinentes, que deve considerar o interesse da pessoa que pretenda defender os seus direitos e o interesse geral ligado à proteção do ambiente e que o custo de um processo não deve exceder as capacidades financeiras do interessado nem se afigurar, em todo o caso, objetivamente desrazoável ( 43 ). Quanto à análise da situação económica do interessado, o órgão jurisdicional nacional pode igualmente ter em conta a situação das partes em causa, as hipóteses razoáveis de sucesso do requerente, a gravidade do que está em causa para este e para a proteção do ambiente, a complexidade do direito e do processo aplicáveis, bem como o eventual caráter temerário do recurso nas suas diferentes fases ( 44 ).

    73.

    Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que a regra NED faz parte integrante, no domínio do ambiente, do respeito do direito a um recurso efetivo, consagrado no artigo 47.o da Carta, bem como do princípio da efetividade, segundo o qual as modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União não devem tornar impossível na prática, ou excessivamente difícil, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União ( 45 ).

    74.

    Tendo em conta o artigo 47.o da Carta, o custo de um processo de recurso ao abrigo da Convenção de Aarhus ou da aplicação do direito da União em matéria de ambiente não deve ser elevado ao ponto de impedir os membros do público de interpor recurso se considerarem necessário ( 46 ).

    75.

    Nas circunstâncias do processo principal, a legislação nacional não prevê critérios precisos aplicáveis especificamente ao contencioso em matéria de ambiente. Dada a ampla margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros no âmbito do artigo 9.o, n.o 4, a falta de determinação detalhada dos custos no contencioso em matéria de ambiente não pode ser considerada, enquanto tal, incompatível com a regra NED.

    76.

    No entanto, resulta do artigo 3.o, n.o 1, da Convenção de Aarhus que as partes desta convenção têm de estabelecer e manter um «quadro […] claro, transparente e coerente» para aplicar as disposições da mesma. Além disso, decorre do artigo 9.o, n.o 5, que as partes considerarão a possibilidade de estabelecer mecanismos de assistência adequados para eliminar ou reduzir os entraves financeiros e outros ao acesso à justiça. Cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se os mecanismos existentes no direito interno cumprem esses requisitos e fazer, na medida do possível, uma interpretação do seu direito processual nacional conforme aos objetivos estabelecidos no artigo 9.o, n.os 3 e 4, de modo que os processos judiciais no seu conjunto não sejam exageradamente dispendiosos, tendo em conta os critérios estabelecidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 47 ).

    77.

    Importa igualmente salientar que, à luz da apreciação global e abrangente que o órgão jurisdicional nacional deve efetuar, tendo em conta os critérios estabelecidos no Acórdão Edwards e Pallikaropoulos, a eventual falta de legitimidade da recorrente não se opõe, enquanto tal, à aplicação da regra NED.

    78.

    Tendo em conta o anteriormente exposto, considero que, num processo em que esteja em causa a violação do direito da União em matéria de ambiente, o artigo 9.o, n.os 3, 4 e 5, da Convenção de Aarhus, lido à luz do artigo 47.o, primeiro e segundo parágrafos da Carta, deve ser interpretado no sentido de que o requisito de que determinados processos judiciais proporcionem «soluções eficazes e adequadas» e não «exageradamente dispendiosos» não pressupõe regras e/ou critérios específicos para conter as despesas aplicadas à parte vencida no processo. No entanto, cabe ao órgão jurisdicional nacional fazer, na medida do possível, uma interpretação do seu direito processual nacional conforme aos objetivos estabelecidos no artigo 9.o, n.os 3 e 4, da Convenção de Aarhus, de modo que os processos judiciais no seu conjunto não sejam exageradamente dispendiosos.

    IV. Conclusão

    79.

    Tendo em conta todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais do seguinte modo:

    1.

    Num processo em que esteja em causa a violação do direito da União em matéria de ambiente, uma sociedade civil profissional de advogados pode ser considerada membro do «público», na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus, lido em conjugação com o artigo 9.o, n.o 3, desta Convenção, quando essa sociedade civil profissional de advogados não invocar a violação de um direito ou interesse dessa entidade jurídica, mas sim a violação de direitos e interesses das pessoas singulares, a saber, os advogados que constituem essa sociedade. Pode considerar‑se que as pessoas singulares que constituem essa sociedade civil profissional de advogados formam um «grupo» de pessoas singulares que atua através de uma associação ou de uma organização na aceção das referidas disposições, desde que estejam satisfeitos os requisitos previstos pela legislação ou prática nacionais. No entanto, estes requisitos devem assegurar um amplo acesso à justiça.

    2.

    Num processo em que esteja em causa a violação do direito da União em matéria de ambiente, o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, lido à luz do artigo 47.o da Carta, não se opõe a uma disposição de direito interno que faz depender a admissibilidade de uma ação de uma sociedade civil profissional de advogados da prova de um interesse próprio ou da circunstância de a propositura da ação visar proteger uma situação jurídica diretamente relacionada com o fim para o qual foi constituída tal forma de organização. No entanto, tendo em conta a predominância do interesse público no contencioso em matéria de ambiente, cabe ao órgão jurisdicional nacional interpretar, na medida do possível, as regras processuais relativas às condições a preencher para intentar uma ação judicial em conformidade com os objetivos do artigo 9.o, n.o 3, e de assegurar um amplo acesso à justiça. Estas regras não devem tornar efetivamente impossível para certas categorias de «membros do público», incluindo, em particular, organizações, associações ou agrupamentos que promovam genuinamente a proteção do ambiente e que satisfaçam os requisitos ao abrigo do direito interno de impugnar uma decisão tomada na sequência de um procedimento administrativo que possa ser contrário ao direito da União em matéria de ambiente.

    3.

    Num processo em que esteja em causa a violação do direito da União em matéria de ambiente, o artigo 9.o, n.os 3, 4 e 5, da Convenção de Aarhus, lido à luz do artigo 47.o, primeiro e segundo parágrafos, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que o requisito de que determinados processos judiciais proporcionem «soluções eficazes e adequadas» e não «exageradamente dispendiosos» não pressupõe regras e/ou critérios específicos para conter as despesas aplicadas à parte vencida no processo. No entanto, cabe ao órgão jurisdicional nacional fazer, na medida do possível, uma interpretação do seu direito processual nacional conforme aos objetivos estabelecidos no artigo 9.o, n.os 3 e 4, da Convenção de Aarhus, de modo que os processos judiciais no seu conjunto não sejam exageradamente dispendiosos.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) A Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente foi assinada em Aarhus em 25 de junho de 1998 e entrou em vigor em 30 de outubro de 2001. Todos os Estados‑Membros são partes contratantes desta Convenção. Foi aprovada em nome da União Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1; a seguir «Convenção de Aarhus»).

    ( 3 ) Declaração do antigo secretário‑geral das Nações Unidas, Kofi Annan, na primeira reunião das partes, Lucca, Itália, 21 a 23 de outubro de 2002 (a seguir «primeira reunião das partes»).

    ( 4 ) Declaração de Lucca, adotada na primeira reunião das partes, adenda, ECE/MP. PP/2/Add.1, 2 de abril de 2004.

    ( 5 ) Barritt, E., The Foundations of the Aarhus, Hart Publishing, 2020, Londres, p. 12.

    ( 6 ) Diretiva do Conselho, de 26 de abril de 1999, relativa à deposição de resíduos em aterros (JO 1999, L 182, p. 1).

    ( 7 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2012, L 26, p. 1).

    ( 8 ) A Comissão refere, neste sentido, o Acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 47).

    ( 9 ) A Comissão refere o Acórdão de 7 de julho de 2022, Coca‑Cola European Partners Deutschland (C‑257/21 e C‑258/21, EU:C:2022:529, n.o 35).

    ( 10 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Deutsche Umwelthilfe (Homologação dos veículos a motor) (C‑873/19, EU:C:2022:857, n.o 48).

    ( 11 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente (JO 2001, L 197, p. 30).

    ( 12 ) V., neste sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (C‑664/15, EU:C:2017:987, n.o 34).

    ( 13 ) A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (Acórdão de 17 de novembro de 2022, Porr Bau (C‑238/21, EU:C:2022:885, n.o 24 e jurisprudência referida).

    ( 14 ) V., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 169).

    ( 15 ) Comissão Económica para a Europa da Organização das Nações Unidas, The Aarhus Convention: An Implementation Guide (2a edição, 2014) (a seguir «Guia de Aplicação da Convenção de Aarhus»), p. 55. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, este guia pode ser considerado um documento explicativo, eventualmente suscetível de ser tomado em consideração, entre outros elementos pertinentes, para efeitos da interpretação desta convenção, mesmo que as análises que contém não revistam caráter vinculativo e não tenham o alcance normativo associado às disposições da referida convenção (Acórdão de 8 de novembro de 2022, Deutsche Umwelthilfe (Homologação dos veículos a motor,C‑873/19, EU:C:2022:857, n.o 55 e jurisprudência referida).

    ( 16 ) Guia de Aplicação da Convenção de Aarhus, p. 55 (o sublinhado é meu). V. Jendroska, J., «Access to Justice in the Aarhus Convention – Genesis, Legislative History and Overview of the Main Interpretation Dilemmas», Journal for European Environmental & Planning Law, 2020 (17), pp. 372‑408, na p. 386, que observa que a «linguagem de compromisso» do artigo 2.o, n.o 4, se destinou a abranger «qualquer forma em que as pessoas singulares ou coletivas se possam reunir legalmente num determinado quadro jurídico, não exigindo, portanto, necessariamente que as ONG tenham personalidade jurídica».

    ( 17 ) Guia de Aplicação da Convenção de Aarhus, p. 55.

    ( 18 ) Guia de Aplicação da Convenção de Aarhus, p. 55.

    ( 19 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Edwards (C‑260/11, EU:C:2012:645, n.o 48). V. também Sikora, A., «Constitutionalisation of Environmental Protection in EU law», Europa Law Publishing, Zutphen, 2020, p. 281.

    ( 20 ) Acórdão de 8 de novembro de 2022, Deutsche Umwelthilfe (Homologação dos veículos a motor) (C‑873/19, EU:C:2022:857, n.o 59).

    ( 21 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Deutsche Umwelthilfe (Homologação dos veículos a motor) (C‑873/19, EU:C:2022:857, n.o 63).

    ( 22 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Deutsche Umwelthilfe (Homologação dos veículos a motor) (C‑873/19, EU:C:2022:857, n.o 66).

    ( 23 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Deutsche Umwelthilfe (Homologação dos veículos a motor) (C‑873/19, EU:C:2022:857, n.o 67) (o sublinhado é meu).

    ( 24 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Deutsche Umwelthilfe (Homologação dos veículos a motor) (C‑873/19, EU:C:2022:857, n.o 69).

    ( 25 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Deutsche Umwelthilfe (Homologação dos veículos a motor) (C‑873/19, EU:C:2022:857, n.o 68).

    ( 26 ) Sobotta, C., «New Cases on Article 9 of the Aarhus Convention», Journal for European Environmental & Planning Law, (2018), pp. 241 a 258, na p. 244. Em contrapartida, o artigo 9.o, n.o 2, que regula o acesso do «público em causa» à justiça, estabelece uma distinção entre as organizações de proteção do ambiente e todos os outros membros do «público em causa».

    ( 27 ) Acórdão de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos (C‑260/11, EU:C:2013:221, n.o 32).

    ( 28 ) Sikora, A., «Constitutionalisation of Environmental Protection in EU law», Europa Law Publishing, 2020, p. 280.

    ( 29 ) Dando seguimento a esta ideia, foi sugerido na doutrina que um amplo acesso à justiça poderia ser considerado a «dimensão processual» de uma elevada proteção do ambiente e ser consagrado como «princípio geral» do contencioso em matéria de ambiente. Sikora, A., op. cit., nota de rodapé 29, p. 282.

    ( 30 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Edwards (C‑260/11, EU:C:2012:645).

    ( 31 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Edwards (C‑260/11, EU:C:2012:645, n.os 39 e 40).

    ( 32 ) Ibidem, n.o 42.

    ( 33 ) Idem.

    ( 34 ) Acórdão de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos (C‑260/11, EU:C:2013:221, n.o 40).

    ( 35 ) Guia de Aplicação da Convenção de Aarhus, p. 198. Como observado na doutrina, a questão do acesso à justiça em matéria de ambiente «manteve‑se, em geral, amplamente debatida quase até ao fim das negociações», enquanto que o texto final sobre esta matéria é o resultado de «muitas soluções de compromisso entre pontos de vista e objetivos muito divergentes e reflete, por conseguinte, o que foi possível, em vez do necessário ou desejado». Jendroska, J., op. cit., nota de rodapé 16, pp. 398 e 407.

    ( 36 ) Relatório do Comité de Avaliação do Cumprimento, ACCC/C/2006/18 (Dinamarca), n.o 30.

    ( 37 ) V., em geral, Cane, P., Administrative law, Oxford University Press, Oxford, 2011, pp. 285 ss.; Cadiet, L., Normand, e J., Amrani Mekki, S., Théorie générale du procès, PUF, 3.a edição, 2020, n.os 171 ss.

    ( 38 ) Acórdão de 15 de março de 2018 (C‑470/16, EU:C:2018:185).

    ( 39 ) Acórdão de 15 de março de 2018, North East Pylon Pressure Campaign e Sheehy (C‑470/16, EU:C:2018:185, n.o 48).

    ( 40 ) Acórdão de 16 de julho de 2009, Comissão/Irlanda (C‑427/07, EU:C:2009:457, n.o 92), e Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Edwards (C‑260/11, EU:C:2012:645, n.o 34).

    ( 41 ) V., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Edwards (C‑260/11, EU:C:2012:645, n.o 36), referindo‑se a diversas conclusões e recomendações do Comité de Avaliação do Cumprimento.

    ( 42 ) Acórdão de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos (C‑260/11, EU:C:2013:221).

    ( 43 ) V., neste sentido, Acórdão de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos (C‑260/11, EU:C:2013:221, n.os 38 a 40).

    ( 44 ) Ibidem, n.os 41 e 42.

    ( 45 ) Acórdão de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos (C‑260/11, EU:C:2013:221, n.o 33).

    ( 46 ) V., neste sentido, Acórdão de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos (C‑260/11, EU:C:2013:221, n.o 34).

    ( 47 ) V., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2018, North East Pylon Pressure Campaign e Sheehy (C‑470/16, EU:C:2018:185, n.o 57).

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