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Document 62021CJ0399

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção) de 8 de setembro de 2022.
    IRnova AB contra FLIR Systems AB.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Svea Hovrätt.
    Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 24.o, ponto 4 — Competências exclusivas — Competência em matéria de registo ou validade de patentes — Âmbito de aplicação — Pedido de patente apresentado e patente concedida num Estado terceiro — Qualidade de inventor — Titular do direito sobre uma invenção.
    Processo C-399/21.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:648

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

    8 de setembro de 2022 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 24.o, ponto 4 — Competências exclusivas — Competência em matéria de registo ou validade de patentes — Âmbito de aplicação — Pedido de patente apresentado e patente concedida num Estado terceiro — Qualidade de inventor — Titular do direito sobre uma invenção»

    No processo C‑399/21,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Svea hovrätt (Tribunal de Recurso de Estocolmo, Suécia), por Decisão de 17 de junho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de junho de 2021, no processo

    IRnova AB

    contra

    FLIR Systems AB,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

    composto por: S. Rodin, presidente de secção, L. S. Rossi e O. Spineanu‑Matei (relatora), juízes,

    advogado‑geral: P. Pikamäe,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da IRnova AB, por P. Kenamets e F. Lüning, jur. kand.,

    em representação da FLIR Systems AB, por J. Melander e O. Törngren, advokater,

    em representação da Comissão Europeia, por M. Gustafsson e S. Noë, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 24.o, ponto 4, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1, a seguir «Regulamento Bruxelas I‑A»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a IRnova AB à FLIR Systems AB, a respeito da determinação da pessoa que deve ser considerada titular do direito sobre invenções objeto de pedidos de patente apresentados e de patentes concedidas em países terceiros.

    Quadro jurídico

    Regulamento Bruxelas I‑A

    3

    O considerando 34 do Regulamento Bruxelas I‑A enuncia:

    «Para assegurar a continuidade entre a Convenção [de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186)], o Regulamento (CE) n.o 44/2001 [do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1),] e o presente regulamento, há que prever disposições transitórias. A mesma continuidade deverá ser assegurada no que diz respeito à interpretação, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, da Convenção [de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial] e dos regulamentos que a substituem.»

    4

    O artigo 1.o deste regulamento dispõe:

    «1.   O presente regulamento aplica‑se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição. Não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado (“acta jure imperii”).

    2.   O presente regulamento não se aplica:

    a)

    Ao estado e à capacidade jurídica das pessoas singulares ou aos regimes de bens do casamento ou de relações que, de acordo com a lei que lhes é aplicável, produzem efeitos comparáveis ao casamento;

    b)

    Às falências, concordatas e processos análogos;

    c)

    À segurança social;

    d)

    À arbitragem.

    e)

    Às obrigações de alimentos decorrentes de uma relação familiar, parentesco, casamento ou afinidade

    f)

    Aos testamentos e sucessões, incluindo as obrigações de alimentos resultantes do óbito.»

    5

    O capítulo II do referido regulamento, intitulado «Competência», contém dez secções. O artigo 4.o do mesmo regulamento, que figura na secção 1 deste capítulo II, intitulada «Disposições gerais», prevê, no seu n.o 1:

    «Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado‑Membro.»

    6

    Nos termos do artigo 24.o do Regulamento Bruxelas I‑A, que faz parte da secção 6 deste capítulo II, intitulada «Competências exclusivas»:

    «Têm competência exclusiva os seguintes tribunais de um Estado‑Membro, independentemente do domicílio das partes:

    […]

    4)

    Em matéria de registo ou validade de patentes, marcas, desenhos e modelos e outros direitos análogos sujeitos a depósito ou a registo, independentemente de a questão ser suscitada por via de ação ou por via de exceção, os tribunais do Estado‑Membro onde o depósito ou o registo tiver sido requerido, efetuado ou considerado efetuado nos termos de um instrumento da União ou de uma convenção internacional.

    Sem prejuízo da competência do Instituto Europeu de Patentes ao abrigo da Convenção relativa à Emissão de Patentes Europeias, assinada em Munique em 5 de outubro de 1973, os tribunais de cada Estado‑Membro são os únicos competentes em matéria de registo ou de validade das patentes europeias emitidas para esse Estado‑Membro.

    […]»

    Direito sueco

    Lei das Patentes (1967: 837)

    7

    O § 17 da patentlagen (1967: 837) [Lei das Patentes (1967:837)] enuncia:

    «Se alguém afirmar perante a Administração das Patentes que lhe cabe o direito legítimo à invenção e, se houver dúvidas, a Administração das Patentes pode fixar ao requerente um determinado prazo para recorrer judicialmente, sob pena de essa reclamação não ser tomada em consideração na sequência do exame do pedido de patente.

    Se um litígio relativo ao direito legítimo à invenção estiver pendente nos tribunais, o pedido de patente pode ser suspenso até que o litígio seja definitivamente resolvido pela justiça.»

    8

    O § 18 desta lei prevê:

    «Se alguém puder demonstrar perante a Administração das Patentes que o direito legítimo à invenção lhe pertence, a referida Administração transfere‑lhe o pedido para o seu nome, se este o requerer. O beneficiário da transferência deve pagar uma nova taxa de depósito.

    Quando tiver sido apresentado um requerimento destinado à transferência de um pedido, o pedido não pode ser arquivado, indeferido nem aceite antes de esse pedido ter sido objeto de uma decisão definitiva.»

    9

    Nos termos do § 53, primeiro parágrafo, da referida lei:

    «Quando uma patente tiver sido concedida a uma pessoa diferente daquela que a ela teria direito por força do disposto no § 1, o tribunal, se essa pessoa intentar uma ação para esse efeito, transfere‑lhe a patente. São aplicáveis as disposições do sexto parágrafo do § 52, relativas aos prazos para a propositura da ação.

    […]»

    10

    O § 65, primeiro parágrafo, da mesma lei dispõe:

    «O Patent‑och marknadsdomstolen [Tribunal da Propriedade Intelectual e do Comércio, Suécia] é o tribunal competente para as matérias abrangidas pela presente lei. O mesmo se aplica em matéria de direito legítimo a uma invenção objeto de um pedido de patente.

    […]»

    Lei (1978: 152) Relativa à Competência dos Tribunais Suecos em Certas Ações no Domínio do Direito das Patentes

    11

    A lagen (1978: 152) om svensk domstols behörighet i vissa mål på patenträttens område m.m. [Lei (1978: 152) Relativa à Competência dos Tribunais Suecos em Certas Ações no Domínio do Direito das Patentes] baseia‑se no Protocolo Relativo à Competência Judiciária e ao Reconhecimento de Decisões Relativas ao Direito à Obtenção da Patente Europeia (Protocolo Relativo ao Reconhecimento), de 5 de outubro de 1973, anexo à Convenção Relativa à Emissão de Patentes Europeias, assinada em 5 de outubro de 1973.

    12

    O § 1 desta lei dispõe:

    «No que respeita às ações intentadas contra o titular de um pedido de patente europeia com vista a invocar o direito sobre a invenção objeto do pedido de patente em causa na Suécia ou noutro Estado contratante vinculado pelo Protocolo Relativo ao Reconhecimento anexo à Convenção sobre a Patente Europeia de 5 de outubro de 1973, são aplicáveis os §§ 2 a 6 e o § 8. A expressão “Estado contratante” é entendida neste caso como um Estado vinculado pelo referido protocolo.»

    13

    Nos termos do § 2 da referida lei:

    «As ações referidas no § 1 podem ser intentadas nos tribunais suecos

    1.

    se o requerido tiver domicílio na Suécia,

    2.

    se o requerente tiver domicílio na Suécia e o requerido não tiver domicílio num Estado contratante.

    3.

    se as partes tiverem estipulado, por acordo escrito ou acordo verbal confirmado por escrito, que qualquer ação devia ser proposta nos tribunais suecos.»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    14

    A IRnova e a FLIR Systems, que desenvolvem atividade no setor da tecnologia de infravermelhos, são sociedades com sede social na Suécia. No passado, mantiveram relações comerciais.

    15

    Em 13 de dezembro de 2019, a IRnova intentou uma ação no Patent‑och marknadsdomstolen (Tribunal da Propriedade Intelectual e do Comércio) destinada, nomeadamente, a obter a declaração de que podia invocar um direito legítimo sobre as invenções objeto de pedidos de patente internacionais, completados posteriormente por pedidos de patentes europeus, americanos e chineses, apresentados pela FLIR nos anos de 2015 e 2016, e de patentes americanas concedidas à FLIR com base nestes últimos pedidos.

    16

    Em apoio dessa ação, a IRnova explicou, em substância, que essas invenções tinham sido realizadas por um dos seus trabalhadores, pelo que este devia ser considerado o inventor das mesmas ou, pelo menos, o seu coinventor. Por conseguinte, a IRnova sustentou que, na sua qualidade de empregadora e, portanto, de titular do direito de inventor, devia ser considerada a proprietária das referidas invenções. No entanto, a FLIR, sem ter adquirido estas últimas ou sem ter o direito de o fazer a outro título, apresentou os pedidos mencionados no número anterior em seu próprio nome.

    17

    O Patent‑och marknadsdomstolen (Tribunal da Propriedade Intelectual e do Comércio) declarou‑se competente para conhecer da ação da IRnova relativa às invenções objeto dos pedidos de patentes europeias. Em contrapartida, declarou‑se incompetente para conhecer da ação relativa ao seu direito alegado sobre as invenções objeto dos pedidos de patentes chineses e americanos apresentados pela FLIR, e das patentes americanas concedidas a esta última, com o fundamento, em substância, de que a ação relativa à determinação do inventor destas últimas invenções apresenta uma conexão com o registo e a validade das patentes. Ora, tendo em conta essa conexão, o litígio em causa é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 24.o, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A, pelo que os tribunais suecos não são competentes para dele conhecer.

    18

    Foi desta decisão de incompetência que a IRnova interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio, o Svea hovrätt (Tribunal de Recurso de Estocolmo, Suécia).

    19

    Segundo este órgão jurisdicional, o litígio que lhe foi submetido é abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I‑A, uma vez que visa obter a declaração da existência de um direito legítimo sobre uma invenção e que tem, portanto, um caráter civil e comercial. No entanto, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre a competência dos tribunais suecos para conhecer de um litígio destinado a declarar a existência do direito sobre uma invenção decorrente da qualidade alegada de inventor ou de coinventor. Em sua opinião, o artigo 24.o, ponto 4, deste regulamento prevê, «em matéria de registo ou validade de patentes», a competência exclusiva dos tribunais do Estado‑Membro onde o depósito ou o registo tiver sido requerido ou efetuado. Esta competência exclusiva justifica‑se pelo facto, por um lado, de esses tribunais estarem em melhor posição para conhecer dos casos em que um litígio tem por objeto a validade de uma patente ou a existência do depósito ou do registo desta e, por outro, de a concessão de patentes implicar a intervenção da Administração nacional, o que indica que a concessão de uma patente constitui o exercício da soberania nacional. Todavia, embora resulte da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um litígio que tenha unicamente por objeto a questão de saber quem é o titular de um direito a uma patente não se enquadra na referida competência exclusiva, esta jurisprudência não fornece indicações diretas quanto à aplicabilidade deste artigo 24.o, ponto 4, ao caso em apreço.

    20

    Neste caso, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é possível considerar que o litígio que lhe foi submetido apresenta uma ligação com o registo ou a validade da patente, na aceção desta disposição. Com efeito, para identificar o titular do direito sobre as invenções objeto dos pedidos de patente ou das patentes em causa, importa, segundo este órgão jurisdicional, determinar o inventor dessas invenções. Tal exame implica uma interpretação das reivindicações da patente e uma análise da contribuição respetiva dos diferentes inventores alegados para as referidas invenções. Assim, a determinação do titular do direito sobre uma invenção pode dar lugar a uma apreciação, à luz do direito material das patentes, destinada a determinar que contribuição para os trabalhos de desenvolvimento conduziu à novidade ou à atividade inventiva, e suscitar questões relativas ao alcance da proteção conferida pelo direito das patentes do país de registo. Além disso, o facto de o requerente de uma patente não ter o direito de apresentar um pedido de patente constitui um motivo de nulidade.

    21

    Nestas circunstâncias, o Svea hovrätt (Tribunal de Recurso de Estocolmo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Uma ação declarativa, em que é reivindicado um direito de prioridade sobre uma invenção, baseado na reivindicação da qualidade de inventor ou de coinventor, em conformidade com pedidos de patentes nacionais e em patentes registadas num Estado que não é Estado‑Membro, é abrangida pela competência exclusiva para efeitos do artigo 24.o, ponto 4), do Regulamento [Bruxelas I‑A]?»

    Quanto à questão prejudicial

    22

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas [Acórdão de 26 de abril de 2022, Landespolizeidirektion Steiermark (Duração máxima do controlo nas fronteiras internas), C‑368/20 e C‑369/20, EU:C:2022:298 n.o 50 e jurisprudência referida].

    23

    No caso em apreço, embora a questão prejudicial diga respeito à competência para conhecer de um litígio relativo à existência de um direito legítimo sobre invenções objeto de pedidos de patentes nacionais e de patentes registadas num país terceiro, resulta do exposto nos n.os 17 e 18 do presente acórdão que a ação submetida ao órgão jurisdicional de reenvio diz unicamente respeito à competência dos tribunais suecos para conhecer de um litígio relativo à existência de um direito legítimo sobre invenções objeto de pedidos de patentes chineses e americanos, e de patentes americanas.

    24

    Nestas condições, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 24.o, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A deve ser interpretado no sentido de que se aplica a um litígio destinado a determinar, no âmbito de uma ação baseada na qualidade alegada de inventor ou de coinventor, se uma pessoa é titular do direito sobre invenções objeto de pedidos de patente apresentados e de patentes concedidas em países terceiros.

    25

    Para responder a esta questão, importa, em primeiro lugar, determinar se uma situação jurídica que apresente um elemento de estraneidade que se situa no território de um país terceiro, como a que está em causa no processo principal, é abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I‑A.

    26

    Com efeito, o litígio no processo principal teve origem entre duas sociedades com sede social no mesmo Estado‑Membro e visa determinar o titular de um direito também constituído na Suécia, a saber, um direito sobre as invenções objeto dos pedidos de patente apresentados e das patentes concedidas em causa no processo principal. O único elemento de estraneidade deste litígio reside no facto de o mesmo dizer respeito, nomeadamente, a pedidos de patente apresentados e a patentes concedidas em países terceiros, a saber, a China e os Estados Unidos. Este elemento de estraneidade não se situa, contudo, no território de um Estado‑Membro.

    27

    A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que a própria aplicação das regras de competência previstas na Convenção de 27 de setembro de 1968 Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (a seguir «Convenção de Bruxelas») exige a existência de um elemento de estraneidade (Acórdão de 1 de março de 2005, Owusu, C‑281/02, EU:C:2005:120, n.o 25).

    28

    Embora este elemento resulte frequentemente do domicílio do requerido, pode também resultar do objeto do litígio. Com efeito, a este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que o caráter internacional da relação jurídica em causa não tem necessariamente de decorrer da implicação, em razão do mérito da questão ou do domicílio respetivo das partes no litígio, de diversos Estados contratantes. A implicação de um Estado contratante e de um Estado terceiro, em virtude, por exemplo, do domicílio do requerente e de um requerido no primeiro Estado, e da localização dos factos controvertidos no segundo, é igualmente suscetível de conferir caráter internacional à relação jurídica em causa, uma vez que esta situação pode suscitar, no Estado contratante, questões relativas à determinação da competência dos órgãos jurisdicionais na ordem jurídica internacional (v., neste sentido, Acórdão de 1 de março de 2005, Owusu, C‑281/02, EU:C:2005:120, n.o 26).

    29

    Além disso, como resulta do considerando 34 do Regulamento Bruxelas I‑A, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça às disposições desta Convenção e às disposições do Regulamento n.o 44/2001 (a seguir «Regulamento Bruxelas I»), que a substituiu, é igualmente válida para as disposições do Regulamento Bruxelas I‑A, que, por sua vez, substituiu o Regulamento Bruxelas I, quando essas disposições possam ser qualificadas de «equivalentes» (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2019, Reitbauer e o., C‑722/17, EU:C:2019:577, n.o 36 e jurisprudência referida, e de 12 de maio de 2021, Vereniging van Effectenbezitters, C‑709/19, EU:C:2021:377, n.o 23). Esta continuidade deve igualmente ser assegurada no que respeita à determinação do âmbito de aplicação das regras de competência estabelecidas por esses instrumentos jurídicos.

    30

    Feita esta precisão, importa ainda constatar que, na medida em que o litígio no processo principal entre duas partes privadas tem por objeto a existência de um direito legítimo sobre invenções, este litígio é abrangido pela «matéria civil e comercial», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I‑A. Além disso, o referido litígio não se enquadra nas matérias excluídas da aplicação deste regulamento, referidas no seu artigo 1.o, n.o 2.

    31

    Decorre do que precede que uma situação jurídica como a que está em causa no processo principal, que apresenta um elemento de estraneidade que se situa no território de um país terceiro, é abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento Bruxelas I‑A.

    32

    Em segundo lugar, há que examinar se o artigo 24.o, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A é aplicável a um litígio como o que está em causa no processo principal, destinado a determinar, no âmbito de uma ação baseada na qualidade alegada de inventor ou de coinventor, se uma pessoa é titular do direito sobre invenções objeto de pedidos de patente apresentados e de patentes concedidas em países terceiros.

    33

    De acordo com esta disposição, têm competência exclusiva, independentemente do domicílio das partes, em matéria de registo ou validade de patentes, marcas, desenhos e modelos e outros direitos análogos sujeitos a depósito ou a registo, os tribunais do Estado‑Membro onde o depósito ou o registo tiver sido requerido, efetuado ou considerado efetuado nos termos de um instrumento da União ou de uma convenção internacional.

    34

    A este respeito, há que salientar, por um lado, que resulta da redação da referida disposição que a competência exclusiva em matéria de registo ou validade de patentes é atribuída unicamente aos tribunais do Estado‑Membro onde o depósito ou o registo de uma patente tiver sido requerido, efetuado ou considerado efetuado.

    35

    No caso em apreço, como já foi salientado no n.o 26 do presente acórdão, os pedidos de patente em causa no processo principal não foram apresentados nem as patentes em causa concedidas num Estado‑Membro, mas em países terceiros, a saber nos Estados Unidos e na China. Ora, uma vez que o artigo 24.o, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A não prevê essa situação, não se pode considerar que esta disposição seja aplicável ao litígio no processo principal.

    36

    Por outro lado, e em todo o caso, um litígio como o que está em causa no processo principal não constitui um litígio «em matéria de registo ou validade de patentes», na aceção do artigo 24.o, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A, pelo que não é necessário reservá‑lo, em conformidade com o objetivo prosseguido por esta disposição, aos tribunais que apresentem uma proximidade material e jurídica com o registo, uma vez que esses tribunais estão em melhor posição para conhecer dos casos em que a validade do título em questão, ou até mesmo a existência do seu depósito ou do seu registo, é posta em causa (v., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2017, Hanssen Beleggingen, C‑341/16, EU:C:2017:738, n.o 33 e jurisprudência referida).

    37

    Com efeito, uma vez que este artigo 24.o, ponto 4, reproduz, em substância, o conteúdo do artigo 22.o, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I, que, por sua vez, reflete a sistemática do artigo 16.o, ponto 4, da Convenção de Bruxelas, importa, como já foi salientado no n.o 29 do presente acórdão, assegurar uma continuidade na interpretação destas disposições (v., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2017, Hanssen Beleggingen, C‑341/16, EU:C:2017:738, n.o 30).

    38

    Ora, decorre de jurisprudência assente que o conceito de litígio «em matéria de inscrição ou de validade de patentes», mencionado nas referidas disposições, constitui um conceito autónomo que deve ser aplicado de modo uniforme em todos os Estados‑Membros (Acórdãos de 15 de novembro de 1983, Duijnstee, 288/82, EU:C:1983:326, n.o 19; de 13 de julho de 2006, GAT, C‑4/03, EU:C:2006:457, n.o 14, e de 5 de outubro de 2017, Hanssen Beleggingen, C‑341/16, EU:C:2017:738, n.o 31).

    39

    Este conceito não deve ser interpretado em sentido mais amplo do que o requerido pelo seu objetivo, uma vez que o artigo 24.o, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A tem por efeito privar as partes da escolha do foro que, de outro modo, seria o seu e, em certos casos, fazê‑las comparecer perante um tribunal que não é o do domicílio de nenhuma delas (v., neste sentido, no que respeita ao artigo 16.o, ponto 4, da Convenção de Bruxelas e ao artigo 22.o, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I, Acórdãos de 26 de março de 1992, Reichert e Kockler, C‑261/90, EU:C:1992:149, n.o 25, e de 5 de outubro de 2017, Hanssen Beleggingen, C‑341/16, EU:C:2017:738, n.o 32 e jurisprudência referida). Por conseguinte, a regra específica de competência em causa deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 10 de julho de 2019, Reitbauer e o., C‑722/17, EU:C:2019:577, n.o 38).

    40

    Assim, o Tribunal de Justiça precisou que devem ser considerados litígios «em matéria de registo ou validade de patentes», na aceção do artigo 24.o, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A, os litígios em que a atribuição de competência exclusiva aos tribunais do Estado‑Membro onde a patente foi concedida se justifica pelo facto de esses tribunais estarem em melhor posição para conhecer dos casos relativos à validade ou à caducidade de uma patente, à existência do depósito ou ao registo deste, ou ainda quanto à revindicação de um direito de prioridade com base num depósito anterior. Se, pelo contrário, um litígio não tem por objeto a validade de uma patente ou a existência do seu depósito ou do seu registo, esse litígio não é abrangido por esta disposição (Acórdãos de 15 de novembro de 1983, Duijnstee, 288/82, EU:C:1983:326, n.os 24 e 25; de 13 de julho de 2006, GAT, C‑4/03, EU:C:2006:457, n.os 15 e 16, e de 5 de outubro de 2017, Hanssen Beleggingen, C‑341/16, EU:C:2017:738, n.o 33 e jurisprudência referida).

    41

    Neste contexto, o Tribunal de Justiça considerou que não é abrangido pela regra da competência exclusiva prevista na referida disposição um litígio que tenha unicamente por objeto a questão de saber quem é o titular do direito ou um litígio destinado a determinar se uma pessoa foi devidamente inscrita no registo como titular de uma marca (Acórdãos de 15 de novembro de 1983, Duijnstee, 288/82, EU:C:1983:326, n.o 26, e de 5 de outubro de 2017, Hanssen Beleggingen, C‑341/16, EU:C:2017:738, n.os 35 a 37 e 43). A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que a questão de saber a que património pessoal pertence um título de propriedade intelectual não apresenta, regra geral, um vínculo de proximidade material ou jurídica com o lugar do registo desse título (Acórdão de 5 de outubro de 2017, Hanssen Beleggingen, C‑341/16, EU:C:2017:738, n.o 37).

    42

    No caso em apreço, o litígio no processo principal não tem por objeto a existência do depósito de um pedido de patente ou a emissão de uma patente, nem a validade ou caducidade de uma patente, ou ainda a reivindicação de um direito de prioridade com base num depósito anterior, mas sim a questão de saber se a FLIR deve ser considerada o titular do direito sobre as invenções em causa ou sobre uma parte delas.

    43

    Com efeito, é forçoso constatar, em primeiro lugar, que a questão de saber a quem pertencem as invenções em causa, que engloba a questão de saber quem é o inventor, não diz respeito ao pedido de um título de propriedade intelectual ou a esse título enquanto tais, mas ao seu objeto. Ora, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado, como foi recordado no n.o 41 do presente acórdão, que a questão de saber a que património pessoal pertence um título de propriedade intelectual não apresenta, regra geral, um vínculo de proximidade material ou jurídica com o lugar do registo desse título que justifique a aplicação da regra da competência exclusiva prevista no artigo 24.o, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A, esta consideração é igualmente válida, pelo menos, quando essa questão incide unicamente sobre o objeto do referido título, a saber a invenção.

    44

    Em segundo lugar, há que observar que a identificação do inventor, que constitui o objeto único do litígio no processo principal, é uma questão prévia e, portanto, distinta daquela relativa à existência do depósito de um pedido de patente ou à concessão desta última.

    45

    Também não diz respeito à validade desse depósito, uma vez que visa unicamente determinar o direito sobre as próprias invenções em causa. O facto de, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, a inexistência de um direito sobre uma invenção poder constituir uma causa de nulidade desse pedido é, portanto, irrelevante no que respeita à competência para conhecer de litígios relativos à qualidade de inventor.

    46

    Em terceiro lugar, a questão prévia relativa à identificação do inventor é igualmente distinta daquela da validade da patente concedida em causa, uma vez que esta última não é objeto do litígio no processo principal. Com efeito, mesmo que essa identificação implicasse, como refere o órgão jurisdicional de reenvio, um exame das reivindicações do pedido de patente ou da patente em causa para determinar a contribuição de cada colaborador para a realização da invenção em causa, esse exame não incide sobre o caráter patenteável desta última.

    47

    De resto, há que observar que a circunstância de um exame das reivindicações da patente ou do pedido de patente em causa poder ser efetuado à luz do direito material das patentes do país em cujo território esse pedido foi apresentado ou essa patente foi concedida também não impõe a aplicação da regra da competência exclusiva enunciada no artigo 24.o, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A.

    48

    A este respeito, basta salientar que um litígio relativo à contrafação de uma patente implica igualmente uma análise aprofundada do alcance da proteção conferida por essa patente à luz do direito das patentes do país em cujo território essa patente foi concedida. Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que, na falta do vínculo de proximidade material ou jurídica exigido com o lugar do registo título de propriedade intelectual em causa, tal litígio não é da competência exclusiva dos tribunais desse Estado‑Membro, mas, por força do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento Bruxelas I‑A, da competência geral dos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o requerido está domiciliado (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de novembro de 1983, Duijnstee, 288/82, EU:C:1983:326, n.o 23 e de 13 de julho de 2006, GAT, C‑4/03, EU:C:2006:457, n.o 16).

    49

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão prejudicial que o artigo 24.o, ponto 4, do Regulamento Bruxelas I‑A deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a um litígio destinado a determinar, no âmbito de uma ação baseada na qualidade alegada de inventor ou de coinventor, se uma pessoa é titular do direito sobre invenções objeto de pedidos de patente apresentados e de patentes concedidas em países terceiros.

    Quanto às despesas

    50

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

     

    O artigo 24.o, ponto 4, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial,

     

    deve ser interpretado no sentido de que:

     

    não se aplica a um litígio destinado a determinar, no âmbito de uma ação baseada na qualidade alegada de inventor ou de coinventor, se uma pessoa é titular do direito sobre invenções objeto de pedidos de patente apresentados e de patentes concedidas em países terceiros.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: sueco.

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