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Document 62021CJ0366

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 15 de dezembro de 2022.
Maxime Picard contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Função pública — Agentes contratuais — Pensão — Estatuto dos Funcionários da União Europeia — Reforma de 2014 — Regulamento (UE, Euratom) n.o 1023/2013 — Anexo XIII deste Estatuto — Artigo 21.o, segundo parágrafo, e artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo — Medidas transitórias relativas à taxa anual de aquisição dos direitos à pensão e à idade de aposentação — Regime aplicável aos outros agentes da União Europeia — Anexo — Artigo 1.o, n.o 1 — Aplicação destas medidas transitórias por analogia aos outros agentes que tenham contrato em 31 de dezembro de 2013 — Assinatura de um novo contrato de agente contratual — Ato lesivo — Tutela jurisdicional efetiva.
Processo C-366/21 P.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:984

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

15 de dezembro de 2022 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Função pública — Agentes contratuais — Pensão — Estatuto dos Funcionários da União Europeia — Reforma de 2014 — Regulamento (UE, Euratom) n.o 1023/2013 — Anexo XIII deste Estatuto — Artigo 21.o, segundo parágrafo, e artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo — Medidas transitórias relativas à taxa anual de aquisição dos direitos à pensão e à idade de aposentação — Regime aplicável aos outros agentes da União Europeia — Anexo — Artigo 1.o, n.o 1 — Aplicação destas medidas transitórias por analogia aos outros agentes que tenham contrato em 31 de dezembro de 2013 — Assinatura de um novo contrato de agente contratual — Ato lesivo — Tutela jurisdicional efetiva»

No processo C‑366/21 P,

que tem por objeto um recurso nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 9 de junho de 2021,

Maxime Picard, residente em Hettange‑Grande (França), representado por S. Orlandi, avocat,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por G. Gattinara e B. Mongin, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, M. L. Arastey Sahún (relatora), F. Biltgen, N. Wahl e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de julho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, M. Picard pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 24 de março de 2021, Picard/Comissão (T‑769/16, EU:T:2021:153), conforme retificado pelo Despacho de 16 de abril de 2021, Picard/Comissão (T‑769/16, EU:T:2021:200) (a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual o Tribunal Geral negou provimento ao seu recurso de anulação, por um lado, da resposta do gestor do Setor «Pensões» do Serviço de Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais (PMO) da Comissão Europeia de 4 de janeiro de 2016 (a seguir «resposta de 4 de janeiro de 2016») e, por outro lado, se necessário, da Decisão de 25 de julho de 2016 do Diretor da Direção E da Direção‑Geral dos Recursos Humanos da Comissão (a seguir «DG Recursos Humanos») que indeferiu a reclamação apresentada pelo recorrente em 4 de abril de 2016 contra a resposta de 4 de janeiro de 2016 (a seguir «decisão de indeferimento de 25 de julho de 2016»).

Quadro jurídico

Estatuto

2

O Estatuto dos Funcionários da União Europeia, conforme alterado pelo Regulamento (UE, Euratom) n.o 1023/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013 (JO 2013, L 287, p. 15) (a seguir «Estatuto»), inclui um título V, sob a epígrafe «Regime pecuniário e regalias sociais do funcionário», cujo capítulo 3, intitulado «Pensões e subsídio de invalidez», contém os artigos 77.o a 84.o do Estatuto.

3

O artigo 77.o, primeiro, segundo e quinto parágrafos, do Estatuto prevê:

«O funcionário que tiver completado no mínimo dez anos de serviço tem direito a uma pensão de aposentação. […]

O montante máximo da pensão de aposentação é fixado em 70 % do último vencimento‑base correspondente ao último grau de que o funcionário tenha usufruído durante, pelo menos, um ano. O funcionário adquire 1,80 % deste último vencimento base por cada ano de serviço, calculados de acordo com o disposto no artigo 3.o do anexo VIII.

[…]

O direito à pensão de aposentação adquire‑se aos 66 anos de idade.»

4

Nos termos do artigo 83.o, n.os 1 e 2, do Estatuto:

«1.   O pagamento das prestações previstas no presente regime de pensões constitui encargo do orçamento da União. Os Estados‑Membros garantem coletivamente o pagamento de tais prestações, de acordo com o critério de repartição fixado para o financiamento destas despesas.

2.   Os funcionários contribuem para o financiamento da terça parte deste regime de pensões. […] Tal contribuição é deduzida mensalmente do vencimento do interessado. […]»

5

O título VII do Estatuto tem como epígrafe «Espécies de recurso». Inclui os artigos 90.o a 91.o‑A do Estatuto.

6

O artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto dispõe:

«Qualquer pessoa referida neste Estatuto pode apresentar à entidade competente para proceder a nomeações [(AIPN)] uma reclamação contra um ato que lhe cause prejuízo […]»

7

O artigo 91.o, n.o 1, do Estatuto prevê:

«O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir sobre qualquer litígio entre a União e qualquer das pessoas referidas neste Estatuto e que tiver por objeto a legalidade de um ato que cause prejuízo a essa pessoa, na aceção do n.o 2 do artigo 90.o […]»

8

O artigo 21.o, segundo parágrafo, do anexo XIII do Estatuto, sob a epígrafe «Disposições transitórias aplicáveis aos funcionários da União», tem a seguinte redação:

«O funcionário que tiver iniciado funções no período entre 1 de maio de 2004 e 31 de dezembro de 2013 adquire 1,9 % do vencimento referido [no artigo 77.o, segundo parágrafo, segundo período, do Estatuto] por anuidade, calculada nos termos do artigo 3.o do anexo VIII.»

9

O artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, deste anexo XIII enuncia:

«Os funcionários com idade igual ou superior a 35 anos em 1 de maio de 2014 e que tenham iniciado funções antes de 1 de janeiro de 2014 adquirem o direito à pensão de aposentação na idade fixada no quadro seguinte […]»

10

Relativamente aos funcionários com 35 anos de idade em 1 de maio de 2014, o quadro referido no número anterior fixa a idade de aposentação aos 64 anos e 8 meses.

ROA

11

O artigo 8.o, primeiro parágrafo, do Regime Aplicável aos Outros Agentes da União Europeia, conforme alterado pelo Regulamento n.o 1023/2013 (a seguir «ROA»), prevê:

«Os agentes temporários […] podem ser contratados por tempo determinado ou indeterminado. O contrato destes agentes contratados por tempo determinado só pode ser prorrogado uma vez, por um período determinado. Qualquer prorrogação subsequente do contrato converte‑o em contrato por tempo indeterminado.»

12

O artigo 39.o, n.o 1, do ROA enuncia:

«Ao cessar funções, o agente [temporário] tem direito à pensão de aposentação, à transferência do equivalente atuarial ou ao pagamento do subsídio por cessação de funções nas condições previstas no capítulo 3 do título V do Estatuto e no anexo VIII. […]»

13

Nos termos do artigo 86.o, n.o 2, do ROA:

«O agente contratual […] que mude de lugar no quadro de um grupo de funções não pode ser classificado num grau ou num escalão inferiores aos do seu lugar anterior.

O agente contratual que passe para um grupo de funções mais elevado será classificado num grau e num escalão a que corresponda uma remuneração pelo menos igual à que recebia sob o contrato anterior.

[…]»

14

O artigo 109.o, n.o 1, do ROA dispõe:

«Ao cessar funções, o agente contratual tem direito à pensão de aposentação, à transferência do equivalente atuarial ou ao pagamento do subsídio por cessação de funções, nas condições previstas no capítulo III do título V do Estatuto e no anexo VIII. […]»

15

O artigo 117.o do ROA prevê:

«O disposto no título VII do Estatuto, relativamente às vias de recurso, é aplicável por analogia.»

16

O artigo 1.o, n.o 1, segundo período, do anexo do ROA, sob a epígrafe «Medidas transitórias aplicáveis aos agentes sujeitos ao [ROA]», prevê, nomeadamente, que o artigo 21.o e o artigo 22.o, com exceção do n.o 4, do anexo XIII do Estatuto «são aplicáveis por analogia a outros agentes que tenham contrato em 31 de dezembro de 2013».

Regulamento n.o 1023/2013

17

O considerando 29 do Regulamento n.o 1023/2013 enuncia:

«É necessário criar disposições transitórias para permitir uma aplicação gradual das novas regras e medidas, embora respeitando os direitos adquiridos e as legítimas expectativas do pessoal recrutado antes da entrada em vigor das presentes alterações do Estatuto.»

18

O artigo 3.o do Regulamento n.o 1023/2013 prevê:

«1.   O presente regulamento entra em vigor no terceiro dia após a sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

2.   O presente regulamento é aplicável a partir de 1 de janeiro de 2014, com exceção do artigo 1.o, ponto 44, e do artigo 1.o, ponto 73, alínea d), que são aplicáveis a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento.»

Antecedentes do litígio

19

Os antecedentes do litígio figuram nos n.os 1 a 25 do acórdão recorrido e podem ser resumidos da seguinte forma.

20

O recorrente é um agente contratual da Comissão.

21

Em 10 de junho de 2008, o recorrente foi recrutado pela Comissão, com efeitos a partir de 1 de julho de 2008, como agente contratual na Unidade 5 do PMO (a seguir «contrato de 2008»). Para este recrutamento, o recorrente foi classificado no primeiro grupo de funções. O contrato de 2008 foi renovado três vezes por tempo determinado e, por Decisão de 3 de maio de 2011, por tempo indeterminado.

22

Em 16 de maio de 2014, a DG Recursos Humanos propôs ao recorrente um novo contrato como agente contratual, que este assinou no mesmo dia (a seguir «contrato de 16 de maio de 2014»). Este contrato por tempo indeterminado entrou em vigor em 1 de junho de 2014, sendo o recorrente classificado no segundo grupo de funções.

23

Entretanto, o Estatuto e o ROA foram alterados pelo Regulamento n.o 1023/2013, aplicável, no que respeita às disposições pertinentes para o presente processo, a partir de 1 de janeiro de 2014 (a seguir «reforma de 2014»).

24

Na sequência da reforma de 2014, o artigo 77.o, segundo parágrafo, do Estatuto, aplicável aos agentes contratuais por força do artigo 109.o, n.o 1, ROA, fixa em 1,8 % a nova taxa anual de aquisição, menos favorável do que a taxa anterior de 1,9 %. Além disso, este artigo 77.o, quinto parágrafo, fixa a idade de aposentação em 66 anos, anteriormente fixada em 63 anos.

25

Todavia, foi previsto um regime transitório no anexo XIII do Estatuto. Assim, o funcionário que tiver iniciado funções entre 1 de maio de 2004 e 31 de dezembro de 2013 continua a beneficiar da taxa anual de aquisição dos direitos à pensão de 1,9 %. Além disso, os funcionários com idade igual a 35 anos em 1 de maio de 2014 e que tenham iniciado funções antes de 1 de janeiro de 2014 adquirem o direito à pensão de aposentação aos 64 anos e 8 meses de idade. Por último, o artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA prevê que este regime transitório é aplicável por analogia a outros agentes que tenham contrato em 31 de dezembro de 2013.

26

Por correio eletrónico de 4 de janeiro de 2016, o recorrente, tendo dúvidas quanto às implicações que a reforma de 2014 poderia ter na sua situação na sequência da assinatura do contrato de 16 de maio de 2014, solicitou esclarecimentos ao gestor do Setor «Pensões» do PMO.

27

Com a resposta de 4 de janeiro de 2016, este gestor confirmou ao recorrente que os seus direitos à pensão tinham sido alterados devido à modificação do contrato e que, por conseguinte, no que lhe dizia respeito, a idade normal de aposentação e a taxa anual de aquisição dos direitos a pensão de aposentação tinham passado, respetivamente, para 66 anos e 1,8 % a partir de 1 de junho de 2014.

28

Em 4 de abril de 2016, o recorrente apresentou, ao abrigo do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, uma reclamação contra a resposta de 4 de janeiro de 2016.

29

Com a decisão de indeferimento de 25 de julho de 2016, o diretor da Direção E da DG Recursos Humanos, na qualidade de entidade habilitada a celebrar contratos de admissão (AHCC), indeferiu essa reclamação, a título principal, por ser inadmissível por inexistência de ato lesivo, e, a título subsidiário, por ser improcedente.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

30

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de novembro de 2016, o recorrente interpôs recurso de anulação da resposta de 4 de janeiro de 2016 e, se necessário, da decisão de indeferimento de 25 de julho de 2016.

31

Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de fevereiro de 2017, a Comissão deduziu uma exceção de inadmissibilidade, relativa à inexistência de ato que cause prejuízo (ato lesivo), na aceção do artigo 91.o do Estatuto.

32

Por Decisão de 12 de outubro de 2017, o presidente da Terceira Secção do Tribunal Geral decidiu suspender a instância no processo T‑769/16, Picard/Comissão, até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à instância no processo T‑128/17, Torné/Comissão.

33

Na sequência da prolação do Acórdão de 14 de dezembro de 2018, Torné/Comissão (T‑128/17, EU:T:2018:969), e não tendo sido interposto recurso dessa decisão, a instância prosseguiu no processo T‑769/16, Picard/Comissão e as partes apresentaram as suas observações sobre as consequências desse acórdão para o caso em apreço.

34

Por Despacho de 13 de maio de 2019, o Tribunal Geral decidiu reservar para final a decisão sobre a exceção de inadmissibilidade deduzida pela Comissão, assim como a decisão quanto às despesas.

35

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral decidiu começar por examinar o fundamento invocado pelo recorrente, sem se pronunciar previamente sobre esta exceção de inadmissibilidade, com o fundamento de que o recurso era, em todo o caso, improcedente.

36

A este respeito, o Tribunal Geral declarou que a Comissão tinha, corretamente, considerado que o contrato de 16 de maio de 2014 implicava que o recorrente não podia beneficiar da aplicação das disposições transitórias previstas nos artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto, relativas à taxa anual de aquisição dos direitos à pensão e à idade de aposentação.

37

Antes de mais, nos n.os 65 a 83 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral interpretou o artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA, na parte em que dispõe que estas disposições transitórias «são aplicáveis por analogia a outros agentes que tenham contrato em 31 de dezembro de 2013».

38

O Tribunal Geral declarou, nomeadamente, que resulta da redação deste artigo 1.o, n.o 1, que estes artigos 21.o e 22.o são aplicáveis aos agentes abrangidos pelo ROA na medida em que seja possível estabelecer uma analogia entre estes e os funcionários, tendo em conta as características próprias de cada uma dessas categorias de pessoal. Depois de ter examinado estas características, o Tribunal Geral salientou que, enquanto o funcionário entra e permanece ao serviço da administração da União por força de um ato de nomeação que permanece inalterado durante toda a sua carreira, um agente contratual entra e permanece em funções ao abrigo de um contrato enquanto este se mantiver em vigor.

39

Foi à luz destas considerações que o Tribunal Geral interpretou o requisito de «que tenham contrato em 31 de dezembro de 2013», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA.

40

No n.o 81 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que o conceito de «por analogia», que figura nesta disposição, pressupõe que os agentes se encontram numa situação análoga à dos funcionários. Segundo o Tribunal Geral, esta situação só pode ser demonstrada no caso de o agente não ter assinado um novo contrato que implique o início de uma nova relação de trabalho com a administração da União. A este respeito, referindo‑se ao n.o 40 do seu Acórdão de 16 de setembro de 2015, EMA/Drakeford (T‑231/14 P, EU:T:2015:639), o Tribunal Geral recordou que já tinha declarado que uma relação de trabalho entre um agente e a administração da União se pode manter inalterada, mesmo após a assinatura de um novo contrato formalmente distinto do contrato inicial, desde que o último contrato não implique uma alteração substancial das funções do agente, designadamente do grupo de funções, suscetível de pôr em causa a continuidade funcional da sua relação de trabalho com a administração da União.

41

O Tribunal Geral concluiu daqui que os artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto só são aplicáveis aos outros agentes em funções em 31 de dezembro de 2013 e que as mantenham, depois dessa data, mediante um contrato, até que a sua posição seja analisada para efeitos do cálculo dos direitos à pensão.

42

Em seguida, nos n.os 85 a 93 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral analisou a situação do recorrente à luz desta interpretação do artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA. Em especial, depois de ter examinado os contratos celebrados entre o recorrente e a Comissão, bem como as características dos lugares para os quais foi contratado, e ter constatado que a mudança de grupo de funções tinha posto em causa a continuidade funcional da relação de trabalho do recorrente com a administração da União, o Tribunal Geral declarou que o contrato de 16 de maio de 2014 tinha implicado a cessação de todos os efeitos do contrato de 2008 com base no qual o recorrente «[tinha] contrato em 31 de dezembro de 2013», nos termos desta disposição, e, portanto, uma rutura dessa relação de trabalho. Assim, o Tribunal Geral constatou que o contrato de 16 de maio de 2014 tinha dado lugar a uma nova entrada em funções para efeitos da aplicação da referida disposição, não permitindo ao recorrente beneficiar da aplicação das disposições transitórias, previstas no anexo XIII do Estatuto, no que respeita à taxa anual de aquisição dos direitos a pensão de aposentação e à idade de aposentação.

43

Por último, o Tribunal Geral salientou, nomeadamente, que esta conclusão não podia ser posta em causa pelo argumento do recorrente de que um novo contrato não se opõe ao benefício dessas disposições transitórias, desde que não implique descontinuidade na inscrição e na contribuição para o regime de pensões da União. Segundo o Tribunal Geral, a aplicação das referidas disposições aos agentes não pode depender da inscrição pretensamente ininterrupta no regime de pensões da União, mas sim da continuidade funcional da referida relação de trabalho.

44

Por conseguinte, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso.

Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

45

O recorrente pede ao Tribunal de Justiça que:

anule o acórdão recorrido;

anule a resposta de 4 de janeiro de 2016 e, se necessário, a decisão de indeferimento de 25 de julho de 2016; e

condene a Comissão nas despesas das duas instâncias.

46

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que:

negue provimento ao recurso e

condene o recorrente nas despesas.

Quanto ao recurso

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

47

A Comissão põe em causa a admissibilidade do recurso, com o fundamento de que o recorrente não identifica com precisão os pontos do acórdão recorrido que contesta, violando a exigência enunciada no artigo 169.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

48

Segundo esta instituição, o recorrente não contesta, por estarem juridicamente errados, os pontos‑chave do acórdão recorrido através dos quais o Tribunal Geral fez a sua interpretação do artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA.

49

Além disso, a referida instituição refere‑se à jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual deve ser julgado manifestamente inadmissível um recurso desprovido de estrutura coerente, que se limita a afirmações gerais e não contém indicações precisas relativas aos aspetos da decisão impugnada afetados por um erro de direito (Acórdão de 4 de outubro de 2018, Staelen/Provedor de Justiça, C‑45/18 P, não publicado, EU:C:2018:814, n.o 15).

50

Segundo a Comissão, a única referência, no recurso, a um elemento do acórdão recorrido é a feita no n.o 90 desse acórdão, o que não satisfaz as exigências de clareza impostas pelo artigo 169.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

51

O recorrente contesta este argumento.

Apreciação do Tribunal de Justiça

52

Resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 169.o, n.o 2, do Regulamento de Processo que um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os aspetos criticados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos que sustentam especificamente esse pedido, sob pena de inadmissibilidade do recurso ou do fundamento em causa (Acórdão de 23 de novembro de 2021, Conselho/Hamas, C‑833/19 P, EU:C:2021:950, n.o 50 e jurisprudência referida).

53

Não responde, nomeadamente, a estas exigências e deve ser declarado inadmissível um fundamento cuja argumentação não é suficientemente clara e precisa para permitir ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização da legalidade, designadamente porque os elementos essenciais em que o fundamento se baseia não decorrem de forma suficientemente coerente e compreensível do texto do recurso, o qual se encontra formulado de modo obscuro e ambíguo a esse respeito. O Tribunal de Justiça declarou igualmente que deve ser julgado manifestamente inadmissível um recurso desprovido de estrutura coerente, que se limita a afirmações gerais e não contém indicações precisas relativas aos aspetos da decisão impugnada afetados por um erro de direito (Acórdão de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.o 30 e jurisprudência referida).

54

No caso em apreço, decorre dos n.os 24 e seguintes do recurso que o recorrente acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito na interpretação do artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA, ao declarar, no n.o 81 do acórdão recorrido, que as disposições transitórias previstas nos artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto só podem continuar a ser aplicáveis a outros agentes na medida em que estes não celebrem um novo contrato, ou que, tendo celebrado um novo contrato, continuem a exercer, de forma substancial, as mesmas funções. O recorrente expõe igualmente as razões pelas quais considera que esta interpretação enferma de um erro de direito.

55

Assim, contrariamente ao que sustenta a Comissão, o recurso indica de forma precisa o ponto criticado do acórdão recorrido e expõe suficientemente os fundamentos pelos quais esse ponto enferma de um erro de direito, pelo que este recurso permite ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização da legalidade.

56

Nestas condições, há que julgar admissível o presente recurso.

Quanto ao fundamento único

Argumentos das partes

57

No seu recurso, o recorrente invoca um fundamento único, relativo a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral ao declarar, no n.o 81 do acórdão recorrido, que as medidas transitórias previstas no artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA só podem continuar a ser aplicadas aos outros agentes na medida em que estes não celebrem um novo contrato, ou que, tendo celebrado formalmente um novo contrato, continuem a exercer, de forma substancial, as mesmas funções.

58

À luz do domínio do regime de pensões e do objetivo prosseguido pelo legislador da União, não é a continuidade funcional, mas a manutenção da inscrição e a continuidade da contribuição para esse regime, que permitem definir o âmbito de aplicação das medidas transitórias previstas no artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA. Assim, em caso de sucessão de contratos de agente contratual sem interrupção, o agente mantém a sua inscrição no referido regime e continua a acumular direitos à pensão.

59

A Comissão contesta este fundamento único. Alega, antes de mais, no que respeita aos n.os 81 e 82 do acórdão recorrido, que o recorrente se limita a contestar a referência do Tribunal Geral à sua jurisprudência relativa à continuidade funcional de uma relação de trabalho apesar da assinatura de um novo contrato, referência que apenas visa a exceção enunciada no último período desse n.o 81 à regra que pretende que uma analogia com a situação dos funcionários, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA, só subsista no caso de o agente permanecer em funções por força de um contrato e não assinar um novo contrato. Ora, esta exceção teria permitido ao recorrente beneficiar da aplicação dos artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto no caso de ter sido demonstrada uma continuidade funcional entre os seus diferentes contratos, mas não lhe foi concretamente aplicada.

60

Em seguida, o Tribunal Geral interpretou o artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA em conformidade com os termos desta disposição, que se refere à procura de uma «analogia» entre funcionários e outros agentes. Neste contexto, tendo em conta a diferença de natureza do seu vínculo de emprego em relação à de um funcionário, é necessário, para determinar se um outro agente continua em funções, tomar em consideração o seu contrato, e não a manutenção da sua inscrição no regime de pensões.

61

Por outro lado, o Acórdão de 14 de dezembro de 2018, Torné/Comissão (T‑128/17, EU:T:2018:969), não é pertinente para o presente processo, uma vez que o artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA não estava em causa nesse acórdão, dado que este respeita às condições de aplicabilidade dos artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto a um funcionário. São assim infundadas as considerações de que o Tribunal Geral julgou, no referido acórdão, que apenas a interrupção da inscrição no regime de pensões da União pode justificar a inaplicabilidade das disposições transitórias previstas nestes artigos 21.o e 22.o Com efeito, o Tribunal Geral constatou que a recorrente em causa no processo que deu lugar a esse mesmo acórdão estava em funções unicamente com base na sua nomeação como funcionário, sendo a sua inscrição no regime de pensões da União apenas a consequência desta constatação.

62

Além disso, segundo a Comissão, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral não equiparou a celebração de um novo contrato a uma cessação definitiva das funções de um funcionário. O Tribunal recordou unicamente que, ao contrário de um funcionário, o facto de um agente contratual estar em funções numa determinada data não pode ser demonstrado apenas com a simples constatação da existência de um ato de nomeação.

63

No caso em apreço, o Tribunal Geral excluiu qualquer continuidade entre o contrato de 2008 e o contrato de 16 de maio de 2014 na sequência de uma verificação factual muito detalhada de todas as circunstâncias que rodearam a sucessão desses contratos, nos n.os 86 a 90 do acórdão recorrido. Ora, não tendo o recorrente contestado estes últimos, não tem razão ao sustentar que subsiste uma continuidade entre estes dois contratos.

64

Por último, o artigo 86.o do ROA não é pertinente para efeitos da interpretação do artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA.

Apreciação do Tribunal de Justiça

65

Importa recordar, por um lado, que o anexo XIII do Estatuto estabelece medidas transitórias aplicáveis aos funcionários no que respeita, nomeadamente, ao regime de pensões da União.

66

Por outro lado, o artigo 1.o, n.o 1, segundo período, do anexo do ROA prevê, nomeadamente, que o artigo 21.o e o artigo 22.o, com exceção do seu n.o 4, do anexo XIII do Estatuto, que contêm disposições transitórias relativas à taxa anual de aquisição dos direitos à pensão e à idade de aposentação dos funcionários, «são aplicáveis por analogia a outros agentes que tenham contrato em 31 de dezembro de 2013».

67

No n.o 81 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que o conceito de «por analogia» que figura nesta disposição pressupõe que os agentes se encontrem numa situação análoga à dos funcionários, o que, em seu entender, está excluído quando um agente assinou um novo contrato que implica o início de uma nova relação de trabalho com a administração da União, salvo se esse novo contrato não implicar uma alteração substancial das funções do agente, nomeadamente do grupo de funções, suscetível de pôr em causa a continuidade funcional da sua relação de trabalho com esta administração. Partindo desta premissa, o Tribunal Geral examinou a situação do recorrente e negou provimento ao seu recurso.

68

Para determinar se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação que fez do artigo 1.o, n.o 1, segundo período, do anexo do ROA, importa, portanto, nomeadamente, analisar o conceito de «por analogia» que figura nesta disposição.

69

A este respeito, cabe sublinhar que decorre da própria redação do artigo 1.o, n.o 1, segundo período, do anexo do ROA e, nomeadamente, do conceito de «por analogia» que aí é retomado, que esta disposição visa garantir aos outros agentes que tinham contrato em 31 de dezembro de 2013 o benefício de determinadas medidas transitórias previstas no anexo XIII do Estatuto, apesar das diferenças existentes entre os funcionários e esses outros agentes. Não obstante, este conceito de «por analogia» não permite, em si mesmo, delimitar com precisão, entre os outros agentes que tinham contrato em 31 de dezembro de 2013, aqueles que devem poder beneficiar das medidas transitórias em questão, nomeadamente em caso de modificação posterior da sua relação de trabalho com a Administração da União.

70

Ora, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União, importa ter em conta não só os seus termos, mas igualmente o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que aquela faz parte (Acórdão de 1 de agosto de 2022, Vyriausioji tarnybinės etikos komisija, C‑184/20, EU:C:2022:601, n.o 121 e jurisprudência referida).

71

No que respeita, por um lado, aos objetivos prosseguidos pelo legislador da União no quadro da reforma de 2014, resulta do considerando 29 do Regulamento n.o 1023/2013, que alterou o Estatuto e o ROA para dar execução a esta reforma, que «[é] necessário criar disposições transitórias para permitir uma aplicação gradual das novas regras e medidas, embora respeitando os direitos adquiridos e as legítimas expectativas do pessoal recrutado antes da entrada em vigor das presentes alterações do Estatuto».

72

Como o Tribunal Geral corretamente refere no n.o 67 do acórdão recorrido, entre essas disposições transitórias figuram não só os artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto mas também o artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA.

73

Por conseguinte, à luz do considerando 29 do Regulamento n.o 1023/2013, há que constatar que as referidas disposições transitórias foram estabelecidas sem prejuízo das «legítimas expectativas» do «pessoal recrutado» em 31 de dezembro de 2013. Trata‑se de uma formulação ampla, que vai além dos direitos adquiridos em sentido estrito e que se aplica a todo o pessoal da União, e não apenas aos funcionários desta.

74

Importa, pois, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 54 das suas conclusões, interpretar o artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA à luz dos objetivos relativos ao respeito dos direitos adquiridos e das legítimas expectativas dos outros agentes da União que tinham um contrato em 31 de dezembro de 2013.

75

No que se refere, por outro lado, ao contexto desta disposição, cabe observar, em primeiro lugar, que decorre do artigo 83.o, n.o 2, do Estatuto que os funcionários contribuem para o financiamento da terça parte deste regime de pensões, sendo essa contribuição determinada por uma percentagem do vencimento base (Acórdão de 10 de maio de 2017, de Lobkowicz, C‑690/15, EU:C:2017:355, n.o 43). Todos os funcionários que recebem um vencimento ou um subsídio a cargo da União e que ainda não são pensionistas, devem contribuir de igual modo para o regime de pensões estabelecido pelo Estatuto (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 1992, Lestelle/Comissão, C‑30/91 P, EU:C:1992:252, n.o 23). Estas contribuições conferem ao funcionário o direito a uma pensão de aposentação independentemente das funções que ele exerce na administração da União.

76

Além disso, há que salientar que um funcionário que iniciou funções antes de 1 de janeiro de 2014 beneficia, sob certas condições, das disposições transitórias previstas no artigo 21.o, segundo parágrafo, e no artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do anexo XIII do Estatuto, que lhe permitem manter a taxa anual de aquisição dos direitos à pensão e à idade de aposentação, conforme fixados pelo Estatuto antes da sua alteração pelo Regulamento n.o 1023/2013. Ora, um funcionário que iniciou funções antes dessa data e cujas funções seriam substancialmente modificadas após essa mesma data não perderia, por esse simples facto, o benefício destas disposições transitórias a título, nomeadamente, das contribuições que continua a pagar para esse regime de pensões durante o exercício das suas funções.

77

Em segundo lugar, importa sublinhar que o Estatuto e o ROA instituem um regime de pensões comum aos funcionários e aos outros agentes.

78

Com efeito, tendo em conta a remissão para as condições previstas no capítulo 3 do título V do Estatuto, operada pelo artigo 39.o, n.o 1, bem como pelo artigo 109.o, n.o 1, do ROA, os agentes temporários e os agentes contratuais contribuem igualmente, nas condições fixadas no artigo 83.o, n.o 2, do Estatuto, para o financiamento desse regime de pensões.

79

Por conseguinte, para efeitos da aplicação das disposições transitórias relativas ao referido regime de pensões, previstas nos artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto, um agente contratual, como o recorrente, encontra‑se numa situação análoga à de um funcionário, como exposto no n.o 76 do presente acórdão, quando ocorre uma modificação da sua relação de trabalho com a administração da União após 31 de dezembro de 2013 que não implica interrupção no pagamento de contribuições para o regime de pensões da União.

80

Daqui resulta que, em conformidade com a interpretação contextual do artigo 1.o, n.o 1, segundo período, do anexo do ROA, bem como com os objetivos das disposições transitórias nele previstas, recordados no n.o 74 do presente acórdão e relativos ao respeito dos direitos adquiridos e às legítimas expectativas dos outros agentes da União que têm um contrato em 31 de dezembro de 2013, um agente que não seja funcionário, contratado o mais tardar nessa data e cujas funções foram substancialmente modificadas por um novo contrato celebrado depois dessa data, deve, por analogia com o que se aplica aos funcionários que se encontram numa situação como a descrita no n.o 76 do presente acórdão, beneficiar destas disposições transitórias, dado que não cessou de contribuir para o financiamento deste regime de pensões.

81

Decorre de todas as considerações precedentes que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 81 do acórdão recorrido, tratando‑se de um agente que não seja funcionário que tinha contrato em 31 de dezembro de 2013 e que assinou um novo contrato com a administração da União após essa data, que o conceito de «por analogia», que figura no artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA, exige que este novo contrato não implique uma alteração substancial das funções deste agente suscetível de pôr em causa a continuidade funcional da sua relação de trabalho com essa administração.

82

Nestas condições, há que dar provimento ao recurso e, por conseguinte, anular o acórdão recorrido.

Quanto ao recurso interposto no Tribunal Geral

83

Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado.

84

A este respeito, importa recordar que, no Tribunal Geral, a Comissão deduziu uma exceção de inadmissibilidade com base na inexistência de um ato que cause prejuízo (ato lesivo) na aceção do artigo 91.o do Estatuto. Como foi indicado nos n.os 34 e 35 do presente acórdão, o Tribunal Geral reservou para final a decisão sobre essa exceção e decidiu apreciar quanto ao mérito o fundamento único invocado pelo recorrente sem se pronunciar previamente sobre a exceção, pelo facto de o recurso ser, em todo o caso, improcedente.

85

Nestas condições, para decidir definitivamente sobre o litígio, há que decidir sobre a exceção de inadmissibilidade deduzida pela Comissão antes de examinar a procedência do recurso.

86

No caso em apreço, tendo em conta, nomeadamente, a circunstância de tanto a exceção de inadmissibilidade deduzida pela Comissão como o fundamento único invocado pelo recorrente no seu recurso terem sido objeto de debate contraditório no Tribunal Geral e de o seu exame não necessitar da adoção de nenhuma medida suplementar de organização do processo ou de instrução dos autos, o Tribunal de Justiça considera que o referido recurso está em condições de ser julgado e que há que decidir definitivamente sobre o mesmo.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

87

Em apoio da sua exceção de inadmissibilidade, a Comissão alega que o ato impugnado no Tribunal Geral, a saber, a resposta de 4 de janeiro de 2016, é um correio eletrónico enviado por um dos colegas do recorrente do PMO e que esta mensagem continha a seguinte advertência: «esta mensagem é de natureza meramente informativa e não constitui uma decisão da AIPN/AHCC que possa ser objeto de uma reclamação ao abrigo do artigo 90.o do Estatuto». A Comissão considera que o referido correio não cumpre as condições previstas na jurisprudência em matéria de atos lesivos.

88

Em primeiro lugar, a Comissão afirma que, no caso em apreço, não tomou qualquer decisão, tendo simplesmente fornecido uma informação. Em especial, esta advertência indica a vontade clara da Comissão de fornecer uma simples informação e de fazer compreender que não tinha tomado as precauções indispensáveis à adoção de um ato lesivo.

89

Em segundo lugar, mesmo que o recorrente tivesse apresentado ao PMO um pedido destinado a conhecer os seus direitos à pensão futuros, a resposta a esse pedido não teria constituído um ato lesivo. Em matéria de direitos à pensão, uma medida que produz efeitos jurídicos só pode ser adotada no momento da aposentação, o que é confirmado pelo Acórdão do Tribunal Geral de 3 de abril de 1990, Pfloeschner/Comissão (T‑135/89, EU:T:1990:26).

90

Em terceiro lugar, sendo a idade de aposentação e a taxa anual de aquisição dos direitos à pensão fixadas pelo Estatuto e não por uma decisão administrativa, a resposta de 4 de janeiro de 2016 não pode ter um alcance diferente do de uma simples informação.

91

Em quarto e último lugar, as disposições estatutárias relativas à taxa de aquisição dos direitos à pensão e à idade de aposentação são suscetíveis de ser alteradas pelo legislador da União até à liquidação efetiva dos direitos à pensão. Por conseguinte, um fundamento relativo à sua violação seria, por definição, prematuro e, por isso, inadmissível.

92

Segundo o recorrente, o seu recurso foi interposto contra um ato lesivo, pelo que é admissível.

Apreciação do Tribunal de Justiça

93

Com o seu recurso no Tribunal Geral, o recorrente pede a anulação, por um lado, da resposta de 4 de janeiro de 2016 e, por outro, se necessário, da decisão de indeferimento de 25 de julho de 2016. Por conseguinte, importa, antes de mais, examinar se esta resposta de 4 de janeiro de 2016 constitui um ato que causa prejuízo (ato lesivo), na aceção do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto.

94

Em conformidade com esta disposição, qualquer pessoa referida no Estatuto pode apresentar à AIPN uma reclamação contra um ato que lhe cause prejuízo (ato lesivo). O artigo 91.o, n.o 1, do Estatuto precisa que o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir sobre qualquer litígio entre a União e qualquer das pessoas referidas no Estatuto e que tenha por objeto a legalidade de um ato que cause prejuízo a essa pessoa (ato lesivo), na aceção do referido artigo 90.o, n.o 2. Estas disposições são aplicáveis por analogia aos recursos dos outros agentes por força do artigo 117.o do ROA.

95

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, só causam prejuízo, na aceção do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, os atos ou as medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar direta e imediatamente os interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica (Acórdão de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ, C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.o 44 e jurisprudência referida).

96

Para determinar se um ato produz tais efeitos, importa atender à substância desse ato e apreciar esses efeitos em função de critérios objetivos, tais como o conteúdo do referido ato, tendo em conta, se for caso disso, o contexto da adoção deste último, bem como os poderes da instituição que dele é autora (v., por analogia, Acórdãos de 6 de outubro de 2021, Poggiolini/Parlamento, C‑408/20 P, EU:C:2021:806, n.o 32 e jurisprudência referida, e de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.o 63 e jurisprudência referida).

97

Assim, a capacidade de um ato produzir diretamente efeitos na situação jurídica de uma pessoa singular ou coletiva não pode ser apreciada tendo unicamente em conta o facto de esse ato revestir a forma de um correio eletrónico, na medida em que tal equivaleria a fazer prevalecer a forma do ato objeto do recurso sobre a própria substância do referido ato (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.os 64 e 67 e jurisprudência referida).

98

Por conseguinte, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 96 do presente acórdão, há que examinar o conteúdo da resposta de 4 de janeiro de 2016, tendo em conta o contexto da adoção desta, bem como os poderes da instituição que dela é autora.

99

A este respeito, importa recordar que, como resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, o recorrente, por correio eletrónico de 4 de janeiro de 2016, pediu ao gestor do Setor «Pensões» do PMO esclarecimentos sobre as implicações que a reforma de 2014 poderia ter na sua situação na sequência da assinatura do contrato de 16 de maio de 2014. Com a resposta de 4 de janeiro de 2016, este gestor confirmou ao recorrente que os seus direitos à pensão tinham sido alterados devido à alteração do contrato e que, por conseguinte, no que lhe dizia respeito, a idade normal de aposentação e a taxa anual de aquisição dos direitos à pensão de aposentação tinham passado, respetivamente, para 66 anos e 1,8 % a partir de 1 de junho de 2014.

100

Decorre igualmente dos autos que o referido gestor terminou o correio eletrónico com a fórmula seguinte: «espero que estas informações lhe sejam úteis». Além disso, a assinatura desse mesmo gestor era acompanhada da seguinte advertência: «este correio eletrónico é de natureza meramente informativa e não constitui uma decisão da AIPN/AHCC que possa ser objeto de uma reclamação nos termos do artigo 90.o do Estatuto».

101

Apesar de da resposta de 4 de janeiro de 2016 constarem, é certo, indícios da vontade do PMO de lhe atribuir uma natureza meramente informativa, contém igualmente garantias precisas de que o gestor do Setor «Pensões» do PMO indicou ao recorrente que ele «confirma[va] efetivamente que [os seus] direitos à pensão [tinham mudado] devido à alteração do contrato».

102

Embora, como observa a Comissão, a idade de aposentação e a taxa anual de aquisição dos direitos à pensão sejam fixadas pelo Estatuto e não pela administração, importa constatar que, na resposta de 4 de janeiro de 2016, esse gestor não se limitou a informar o recorrente do conteúdo das disposições do Estatuto conforme resultam da reforma de 2014, mas indicou‑lhe que essas disposições lhe eram doravante aplicáveis e, implícita mas necessariamente, que ele não podia beneficiar das medidas transitórias previstas no artigo 1.o, n.o 1, do ROA. Por conseguinte, esta resposta não pode ser analisada como fornecendo ao recorrente uma simples informação relativa ao conteúdo do Estatuto e do ROA, mas como lhe indicando as disposições destes textos que a administração considerava aplicáveis à sua situação.

103

Ora, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 85 das suas conclusões, esses elementos são suscetíveis de excluir que se possa considerar que a resposta de 4 de janeiro de 2016 reveste, atendendo ao seu conteúdo, natureza meramente informativa.

104

Com efeito, esta resposta, fornecida por um gestor do Setor «Pensões» do PMO, a saber, do serviço responsável pela gestão e liquidação das pensões do pessoal da Comissão, era suscetível de afetar direta e imediatamente os interesses do recorrente, alterando, de forma caracterizada, a sua situação jurídica, em especial no que diz respeito à determinação da idade em que, de acordo com a legislação vigente, ou seja, em conformidade com o quadro regulamentar em vigor, poderá aposentar‑se.

105

Esta conclusão é corroborada à luz dos poderes do autor da referida resposta. Com efeito, é pacífico que esta foi fornecida pelo serviço responsável pela gestão e liquidação das pensões do pessoal da Comissão, sem que seja contestado que a Comissão era competente para adotar, em relação ao interessado, decisões na matéria que produzem efeitos jurídicos vinculativos, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 95 do presente acórdão.

106

Todavia, a Comissão afirma que, em matéria de direitos à pensão, uma medida que produz efeitos jurídicos só pode ser adotada no momento da aposentação, o que é confirmado pelo Acórdão do Tribunal Geral de 3 de abril de 1990, Pfloeschner/Comissão (T‑135/89, EU:T:1990:26).

107

A este respeito, cabe observar que, embora seja exato que, antes da aposentação, acontecimento futuro incerto, os direitos à pensão são direitos virtuais, adquiridos diariamente, de modo gradual, não deixa de ser verdade que um ato administrativo do qual decorre que um agente não pode beneficiar de disposições mais favoráveis no que respeita à taxa anual de aquisição desses direitos e à sua idade normal de aposentação, afeta imediata e diretamente a situação jurídica do interessado mesmo que esse ato só deva ser executado posteriormente. Se assim não fosse, o recorrente só poderia conhecer os seus direitos no momento da aposentação e encontrar‑se‑ia, até esse momento, num estado de incerteza quanto à sua situação financeira, mas também quanto à idade em que pode pedir a aposentação, não lhe permitindo tomar decisões pessoais adequadas para assegurar o seu futuro tal como pretendido. Daí resulta que o recorrente tem um interesse legítimo, efetivo e atual, suficientemente caracterizado em pedir que seja determinado agora, pelos tribunais, um elemento incerto como a sua idade de aposentação e a taxa anual de aquisição de direitos à pensão (v., neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 1979, Deshormes/Comissão17/78, EU:C:1979:24, n.os 10 a 12).

108

Além disso, há que recordar que medidas intermédias cujo objetivo é preparar a decisão final não constituem, em princípio, atos que possam ser objeto de recurso de anulação (v., por analogia, Acórdão de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento, C‑650/18, EU:C:2021:426, n.o 43 e jurisprudência referida).

109

No entanto, a constatação de que um ato de uma instituição constitui uma medida intermédia que não exprime a posição final de uma instituição não é suficiente para demonstrar, de forma sistemática, que esse ato não constitui um ato que pode ser objeto de recurso de anulação (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Poggiolini/Parlamento, C‑408/20 P, EU:C:2021:806, n.o 38).

110

Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um ato intermédio que produz efeitos jurídicos autónomos é suscetível de ser objeto de recurso de anulação na medida em que não se pode sanar a ilegalidade associada a esse ato num recurso da decisão final de que este constitui uma fase de elaboração (v., por analogia, Acórdão de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento, C‑650/18, EU:C:2021:426, n.o 46 e jurisprudência referida).

111

Por conseguinte, quando a contestação da legalidade de um ato intermédio no âmbito desse recurso não seja suscetível de assegurar uma tutela jurisdicional efetiva ao recorrente contra os efeitos desse ato, este deve poder ser objeto de recurso de anulação (v., por analogia, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Poggiolini/Parlamento, C‑408/20 P, EU:C:2021:806, n.o 40 e jurisprudência referida).

112

Ora, como o advogado‑geral constatou, em substância, no n.o 89 das suas conclusões, se o recorrente fosse obrigado a aguardar a data em que atingiria a idade de aposentação fixada pela autoridade competente para poder contestar a decisão final que seria tomada nessa data e que fixasse definitivamente os seus direitos à pensão, ficaria privado de qualquer tutela jurisdicional efetiva que lhe permitisse exercer os seus direitos.

113

É certo que, como alega a Comissão, um elemento como a idade de aposentação de um agente pode ser alterado a qualquer momento pelo legislador da União até ao momento da liquidação efetiva dos direitos à pensão desse agente. Contudo, sob pena de privar o recorrente da tutela jurisdicional efetiva referida no número anterior, este não deveria, no entanto, ser impedido de conhecer com precisão qual seria, de acordo com a legislação vigente, a sua idade normal de aposentação, sem prejuízo de uma eventual alteração do quadro regulamentar.

114

Nestas condições, uma vez que a interposição de um recurso de anulação da decisão final que a Comissão adotaria aquando da aposentação do recorrente não seria suscetível de lhe assegurar uma tutela jurisdicional efetiva, a resposta de 4 de janeiro de 2016, que constitui um ato que lhe causa prejuízo (ato lesivo), na aceção do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, deve poder ser objeto de recurso de anulação.

115

Resulta de todas as considerações precedentes que o recurso de anulação interposto pelo recorrente no Tribunal Geral deve ser declarado admissível.

Quanto ao mérito

116

O recorrente invoca um único fundamento de recurso no Tribunal Geral, relativo a um erro de direito e à violação do artigo 77.o, segundo e quinto parágrafos, do Estatuto, aplicável aos agentes contratuais por força do artigo 109.o do ROA, bem como do artigo 21.o, segundo parágrafo, e do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do anexo XIII do Estatuto, na medida em que decorre da resposta de 4 de janeiro de 2016 que a data em que iniciou funções que foi tomada em consideração para efeitos da aplicação destas disposições estatutárias foi a de 1 de junho de 2014, data de início do contrato de 16 de maio de 2014, quando devia ter sido considerada a data de 1 de julho de 2008, data em que iniciou funções na Comissão como agente contratual.

117

Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, desde 1 de julho de 2008, data da sua contratação inicial como agente contratual no PMO, o recorrente trabalhou ininterruptamente ao serviço da União e contribuiu para o financiamento do regime de pensões desta.

118

Por conseguinte, como decorre do n.o 80 do presente acórdão, por força do artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA, devem ser aplicadas ao recorrente, por analogia, as disposições transitórias relativas à manutenção da taxa anual de aquisição dos direitos à pensão de 1,9 % e do direito a uma pensão de aposentação aos 64 anos e 8 meses, em conformidade, respetivamente, com o artigo 21.o, segundo parágrafo, e o artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do anexo XIII do Estatuto.

119

Consequentemente, há que anular a resposta de 4 de janeiro de 2016 e a decisão de indeferimento de 25 de julho de 2016 por serem contrárias ao artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA.

Quanto às despesas

120

Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

121

Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável ao processo de recurso por força do artigo 184.o, n.o 1, deste, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

122

No caso em apreço, tendo o recorrente pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as efetuadas pelo recorrente no presente recurso bem como as despesas que ele efetuou em primeira instância.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

 

1)

O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 24 de março de 2021, Picard/Comissão (T‑769/16, EU:T:2021:153), conforme retificado pelo Despacho de 16 de abril de 2021, Picard/Comissão (T‑769/16, EU:T:2021:200), é anulado.

 

2)

A resposta do gestor do Setor «Pensões» do Serviço de Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais (PMO) da Comissão Europeia, de 4 de janeiro de 2016, bem como a Decisão de 25 de julho de 2016 do Diretor da Direção E da Direção‑Geral dos Recursos Humanos da Comissão, que indeferiu a reclamação de Maxime Picard de 4 de abril de 2016 contra esta resposta, são anuladas.

 

3)

A Comissão Europeia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as efetuadas por Maxime Picard no âmbito do presente recurso e as despesas efetuadas em primeira instância.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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