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Document 62021CJ0289
Judgment of the Court (Fifth Chamber) of 24 November 2022.#IG v Varhoven administrativen sad.#Request for a preliminary ruling from the Administrativen sad Sofia-grad.#Reference for a preliminary ruling – Article 47 of the Charter of Fundamental Rights of the European Union ‐ Effective judicial protection – National procedural rule providing that an action seeking to dispute the compatibility of a national provision with EU law is devoid of purpose where the provision is repealed in the course of proceedings.#Case C-289/21.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 24 de novembro de 2022.
IG contra Varhoven administrativen sad.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen sad Sofia-grad.
Reenvio prejudicial — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Proteção jurisdicional efetiva — Regra processual nacional que prevê que a ação de impugnação da conformidade de uma disposição nacional com o direito da União é desprovida de objeto se a disposição for revogada no decurso do processo.
Processo C-289/21.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 24 de novembro de 2022.
IG contra Varhoven administrativen sad.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen sad Sofia-grad.
Reenvio prejudicial — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Proteção jurisdicional efetiva — Regra processual nacional que prevê que a ação de impugnação da conformidade de uma disposição nacional com o direito da União é desprovida de objeto se a disposição for revogada no decurso do processo.
Processo C-289/21.
Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:920
*A9* Administrativen sad Sofia-grad, Opredelenie ot 05/04/2021 (2457)
*P1* Administrativen sad Sofia-grad, Reshenie ot 07/02/2023 (704)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
24 de novembro de 2022 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Proteção jurisdicional efetiva — Regra processual nacional que prevê que a ação de impugnação da conformidade de uma disposição nacional com o direito da União é desprovida de objeto se a disposição for revogada no decurso do processo»
No processo C‑289/21,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo da cidade de Sófia, Bulgária), por Decisão de 5 de abril de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de maio de 2021, no processo
IG
contra
Varhoven administrativen sad,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: E. Regan, presidente de secção, D. Gratsias (relator), M. Ilešič, I. Jarukaitis e Z. Csehi, juízes,
advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,
secretária: R. Stefanova‑Kamisheva, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 6 de abril de 2022,
considerando as observações apresentadas:
– |
em representação de IG, por G. Chernicherska e A. Slavchev, advokati, |
– |
em representação do Varhoven administrativen sad, por A. Adamova‑Petkova, T. Kutsarova‑Hristova e M. Semov, |
– |
em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente, |
– |
em representação da Comissão Europeia, por F. Erlbacher e G. Koleva, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de junho de 2022,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe IG ao Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária) a propósito da reparação do prejuízo alegadamente sofrido por IG devido a uma decisão desse órgão jurisdicional nacional, que declarou que a ação intentada por IG contra uma disposição regulamentar nacional ficou sem objeto na sequência de uma alteração à disposição impugnada. |
Quadro jurídico
Direito da União
3 |
O artigo 9.o, sob a epígrafe «Contagem», da Diretiva 2012/27/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativa à eficiência energética, que altera as Diretivas 2009/125/CE e 2010/30/UE e revoga as Diretivas 2004/8/CE e 2006/32/CE (JO 2012, L 315, p. 1), prevê: «1. Os Estados‑Membros asseguram que, na medida em que tal seja tecnicamente viável, financeiramente razoável e proporcionado em relação às economias de energia potenciais, sejam fornecidos aos consumidores finais de eletricidade, gás natural, sistemas urbanos de aquecimento, sistemas urbanos de arrefecimento e água quente para uso doméstico, contadores individuais a preços competitivos que reflitam com exatidão o consumo real de energia do consumidor final e que deem informações sobre o respetivo período real de utilização. Esses contadores individuais a preços competitivos são sempre fornecidos se:
[…] 3. […] Caso os prédios de apartamentos sejam alimentados por um sistema de aquecimento e arrefecimento urbano ou se neles prevalecerem sistemas próprios comuns de aquecimento ou arrefecimento, para assegurar a transparência e a exatidão da contagem do consumo individual, os Estados‑Membros podem introduzir regras transparentes em matéria de repartição dos custos do consumo térmico ou de água quente nesses edifícios. Se adequado, essas regras devem incluir orientações quanto à repartição dos custos de calor e/ou água quente, do seguinte modo:
|
4 |
O artigo 10.o desta diretiva tem por objeto, segundo a sua epígrafe, as «Informações sobre a faturação». |
Direito búlgaro
Lei da Energia
5 |
O artigo 155.o da zakon za energetikata (Lei da Energia, DV n.o 107, de 9 de dezembro de 2003), na versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe: «(1) […] Os clientes que consomem energia térmica num prédio em regime de propriedade horizontal pagam a energia térmica consumida por um dos seguintes modos, à sua escolha:
(2) […] A empresa de distribuição de calor ou o fornecedor de energia térmica deve faturar a quantidade de energia térmica consumida com base no consumo efetivo pelo menos uma vez por ano. (3) […] As regras de determinação do consumo previsto e a compensação das quantias pagas pela energia térmica efetivamente consumida por cada cliente são estabelecidas por [regulamento] […]» |
Regulamento sobre o Fornecimento de Aquecimento Urbano
6 |
O artigo 61.o, n.o 1, do naredba n.o 16‑334 g. za toplocnabdyavaneto (Regulamento n.o 16‑334 sobre o Fornecimento de Aquecimento Urbano), de 6 de abril de 2007 (DV n.o 34, de 24 de abril de 2007), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Regulamento sobre o Fornecimento de Aquecimento Urbano»), dispunha: «[…] A repartição do consumo de energia térmica num prédio em regime de propriedade horizontal é efetuada […] em conformidade com as exigências do presente regulamento e seu anexo.» |
7 |
O anexo do Regulamento sobre o Fornecimento de Aquecimento Urbano fixava o método de cálculo da repartição do consumo de energia térmica nos prédios em regime de propriedade horizontal. |
Código de Procedimento Administrativo
8 |
O artigo 156.o do administrativnoprotsesualen kodeks (Código de Procedimento Administrativo) (DV n.o 30, de 11 de abril de 2006), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código de Procedimento Administrativo»), dispõe: «(1) […] [C]om o acordo dos outros demandados e das partes interessadas a quem o ato impugnado seja favorável, a autoridade administrativa pode revogar total ou parcialmente esse ato ou adotar aquele cuja adoção tinha recusado. (2) O consentimento do demandante é igualmente necessário para efeitos da revogação do ato após a realização da primeira audiência. (3) O ato revogado só pode ser novamente adotado em presença de novas circunstâncias. (4) Se a impugnação do ato for acompanhada de um pedido de indemnização, a instância prossegue em relação a esse pedido.» |
9 |
O artigo 187.o do Código de Procedimento Administrativo prevê: «(1) As ações contra atos regulamentares de execução não estão sujeitas a qualquer prazo. (2) É inadmissível uma ação contra um ato regulamentar após a propositura de uma primeira ação com os mesmos fundamentos.» |
10 |
O artigo 195.o deste Código enuncia: «(1) Considera‑se que um ato regulamentar de execução é anulado a partir do dia da entrada em vigor da decisão judicial. (2) As consequências jurídicas de um ato regulamentar declarado nulo ou suscetível de ser anulado são adotadas oficiosamente pela autoridade competente no prazo máximo de três meses a contar da transição em julgado da decisão judicial.» |
11 |
Nos termos do artigo 204.o, n.o 3, do referido Código, quando os danos forem causados por um ato administrativo revogado, a ilegalidade deste ato deve ser declarada pelo tribunal em que foi intentada a ação de indemnização. |
12 |
O artigo 221.o, n.o 4, do mesmo Código tem a seguinte redação: «Quando a autoridade administrativa, com o consentimento dos outros demandados, revoga o ato administrativo ou adota o ato cuja adoção tinha recusado, o [Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo)] anula, por enfermar de irregularidade processual, a decisão judicial proferida em relação a esse ato ou recusa e põe termo à instância.» |
Lei da Responsabilidade Civil do Estado e das Autarquias
13 |
O artigo 1.o da Zakon za otgovornostta na darzhavata i na obshtinite za vredi (Lei da Responsabilidade Civil do Estado e das Autarquias) (DV n.o 60, de 5 de agosto de 1988) prevê: «1. […] O Estado e as autarquias respondem pelos danos causados a pessoas singulares ou coletivas por atos ilegais e por ações ou omissões dos seus órgãos ou funcionários no exercício da sua atividade administrativa […]. 2. […] As ações intentadas nos termos do n.o 1 são examinadas em conformidade com o procedimento previsto no Código de Procedimento Administrativo […]» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
14 |
IG intentou uma ação no Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) contra o ponto 6.1.1 do anexo do Regulamento sobre o Fornecimento de Aquecimento Urbano (a seguir «disposição nacional em causa»). |
15 |
Por Decisão de 13 de abril de 2018, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo), decidindo em formação de três juízes, julgou a ação procedente e anulou a disposição nacional em causa, com o fundamento de que esta não permitia realizar o objetivo, decorrente dos artigos 9.o e 10.o da Diretiva 2012/27, transpostos para o direito búlgaro pelo artigo 155.o, n.o 2, da Lei da Energia, na versão aplicável ao litígio no processo principal, de garantir que a energia térmica seja faturada em função do consumo efetivo. |
16 |
O ministar na energetikata (ministro da Energia, Bulgária) interpôs recurso da decisão referida no número anterior no Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo), decidindo em formação de cinco juízes. |
17 |
Por regulamento publicado no Darzhaven vestnik de 20 de setembro de 2019, o legislador búlgaro alterou a disposição nacional em causa. |
18 |
Por Decisão de 11 de fevereiro de 2020, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo), decidindo em formação de cinco juízes, declarou que a disposição nacional em causa tinha sido alterada por uma disposição posterior que regia as mesmas relações. Pelo fundamento ora referido, esse órgão jurisdicional anulou a sua decisão de 13 de abril de 2018 e considerou que o litígio que lhe fora submetido tinha ficado sem objeto. Segundo o referido órgão jurisdicional, no direito búlgaro, a possibilidade de agir contra atos regulamentares de execução não está sujeita a nenhum prazo, mas visa apenas os atos regulamentares em vigor, não os que foram revogados ou alterados, os quais deixaram de pertencer ao direito em vigor no momento em que o órgão jurisdicional se pronuncia sobre o mérito. A Decisão de 11 de fevereiro de 2020 transitou em julgado. |
19 |
IG interpôs então recurso no órgão jurisdicional de reenvio, o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo da cidade de Sófia, Bulgária), contra o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo), pedindo a reparação dos alegados danos materiais e morais que a Decisão de 11 de fevereiro de 2020 deste último órgão jurisdicional lhe causara. Em apoio do seu recurso, IG alega que, com essa decisão, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) declarou que a disposição nacional em causa estava em vigor e devia surtir efeitos no período compreendido entre a data da propositura da sua ação e a data da revogação dessa disposição. IG alega que foi assim privado do direito à proteção jurisdicional efetiva, garantido pelo artigo 47.o da Carta, bem como do direito de beneficiar da aplicação dos princípios da efetividade e da equivalência. Contesta, além disso, a justeza da jurisprudência do Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) segundo a qual a alteração a um ato regulamentar é equiparável à sua revogação. |
20 |
Por seu turno, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) alega que uma decisão como a sua Decisão de 11 de fevereiro de 2020, que declara que o litígio que lhe foi submetido ficou sem objeto, não exclui que o ato em causa possa ser objeto de fiscalização da sua legalidade. Com efeito, é possível aplicar o artigo 204.o, n.o 3, do Código de Procedimento Administrativo, nos termos do qual, quando os danos forem causados por um ato administrativo revogado, o órgão jurisdicional no qual foi intentada a ação de indemnização é competente para declarar a ilegalidade desse ato. Por conseguinte, o direito de IG à proteção jurisdicional efetiva está garantido, uma vez que este pode sempre pedir a reparação dos danos que sofreu devido à adoção da disposição nacional em causa. |
21 |
O órgão jurisdicional de reenvio indica que é necessária a interpretação do artigo 47.o da Carta para decidir o litígio que lhe foi submetido. Especialmente, esse órgão jurisdicional pergunta se a alteração a uma disposição de um ato regulamentar nacional que foi objeto, antes da sua alteração, de uma decisão judicial que declara a sua incompatibilidade com o direito da União isenta o órgão jurisdicional chamado a fiscalizar essa decisão da obrigação de apreciar a conformidade da referida disposição com o direito da União, na sua forma anterior à alteração. Importa igualmente esclarecer se, nessas circunstâncias, o facto de se considerar que a disposição nacional em questão foi revogada permite concluir que, ao impugnar a legalidade antes dessa revogação, o particular beneficiou de uma via de recurso efetiva e se a possibilidade, prevista no direito nacional, de apreciar a conformidade dessa disposição nacional com o direito da União unicamente no âmbito de uma ação de indemnização dos prejuízos que esse particular sofreu devido à adoção da referida disposição nacional constitui tal via de recurso efetiva. O órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas a este respeito, uma vez que, na sua versão anterior à alteração, a mesma disposição nacional continuará a reger as relações jurídicas surgidas no período em que estava em vigor, ao passo que o ato administrativo revogado não produz nenhum efeito jurídico. |
22 |
Nestas condições, o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo da cidade de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial
23 |
Nas suas observações escritas, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) sustenta, em primeiro lugar, que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível pelo facto de, contrariamente ao que exige o artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, não conter a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal, inexistindo, em todo o caso, esse nexo. |
24 |
A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo referido no artigo 267.o TFUE, que se baseia numa clara separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o juiz nacional tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos do litígio no processo principal, bem como para interpretar e aplicar o direito nacional. De igual modo, o juiz nacional, a quem foi submetido esse litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 17 de maio de 2022, SPV Project 1503 e o., C‑693/19 e C‑831/19, EU:C:2022:395, n.o 43 e jurisprudência referida). |
25 |
Assim, a rejeição pelo Tribunal de Justiça de um pedido de decisão prejudicial submetido por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 17 de maio de 2022, SPV Project 1503 e o., C‑693/19 e C‑831/19, EU:C:2022:395, n.o 44 e jurisprudência referida). |
26 |
No caso em apreço, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, resumidas nos n.os 14 a 21 do presente acórdão, que esse órgão jurisdicional é chamado a pronunciar‑se sobre uma ação de indemnização, intentada por IG, destinada a obter a reparação do prejuízo alegadamente sofrido por este último devido à omissão do Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) de decidir em última instância sobre ação de anulação da disposição nacional em causa intentada por IG. |
27 |
De acordo com as mesmas indicações, em apoio da ação de anulação, IG alegou que a disposição nacional em causa não era conforme com as disposições da Diretiva 2012/27, o que, aliás, decidiu o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo), decidindo em formação de três juízes, na Decisão de 13 de abril de 2018, que julgou a ação procedente. O órgão jurisdicional de reenvio expõe também que, em apoio da ação de indemnização, IG alega que, ao declarar, em conformidade com as disposições do direito processual búlgaro, que a ação de anulação tinha ficado sem objeto na sequência da revogação da disposição nacional em causa, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo), decidindo em formação de cinco juízes, violou o direito da União, uma vez que inobservou o direito de IG à proteção jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.o da Carta. Esta inobservância do direito da União está na origem do prejuízo alegadamente sofrido por IG, cuja reparação este último pede ao órgão jurisdicional de reenvio. |
28 |
Essas indicações permitem compreender as razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre este direito e, especialmente, as regras processuais do direito búlgaro que levaram o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo), decidindo em formação de cinco juízes, a declarar que ação de anulação intentada por IG tinha ficado sem objeto, o que, segundo IG, lhe causou um prejuízo. |
29 |
Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é conforme com as exigências do artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo. |
30 |
Em segundo lugar, quanto ao argumento do Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) de que, em substância, o pedido de decisão prejudicial é inadmissível, uma vez que visa pôr em causa a força de caso julgado da Decisão desse órgão jurisdicional de 11 de fevereiro de 2020, basta salientar que o litígio no processo principal se destina à reparação do dano alegadamente sofrido por IG devido a esta última decisão, a qual, segundo IG, viola o direito da União. Ora, o reconhecimento do princípio da responsabilidade do Estado por violação do direito da União, devido à decisão de um órgão jurisdicional decidindo em última instância, não tem, por si só, como consequência pôr em causa o trânsito em julgado dessa decisão (Acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler, C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 39). |
31 |
Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível. |
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira e segunda questões
32 |
Com a primeira e segunda questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 47.o da Carta e os princípios da equivalência e da efetividade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regra processual de um Estado‑Membro nos termos da qual, quando uma disposição de direito interno impugnada numa ação de anulação por ser contrária ao direito da União é revogada e deixa, portanto, de produzir efeitos para o futuro, se considera que o litígio ficou sem objeto, de forma que já não há que conhecer do mérito. |
33 |
Em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na falta de regras da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos dos particulares, por força do princípio da autonomia processual, desde que, no entanto, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) [Acórdão de 15 de abril de 2021, État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência) (C‑194/19, EU:C:2021:270), n.o 42 e jurisprudência referida]. |
34 |
Como recordou o advogado‑geral no n.o 34 das suas conclusões, resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o princípio da proteção jurisdicional efetiva garantido pelo artigo 47.o da Carta não exige, enquanto tal, a existência de uma ação autónoma destinada, a título principal, a impugnar a conformidade de disposições nacionais com as normas do direito da União, desde que exista uma ou várias vias de recurso que permitam, a título incidental, assegurar o respeito pelos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União [Acórdãos de 13 de março de 2007, Unibet, C‑432/05, EU:C:2007:163, n.o 47, e de 24 de setembro de 2020, YS (Pensões de empresa de pessoal de direção), C‑223/19, EU:C:2020:753, n.o 96]. |
35 |
Especialmente, o Tribunal de Justiça declarou que a plena eficácia do direito da União e a proteção efetiva dos direitos que este confere aos particulares podem, se for caso disso, ser asseguradas pelo princípio da responsabilidade do Estado pelos danos causados aos particulares por violações do direito da União que lhe sejam imputáveis, princípio que é inerente ao sistema dos Tratados em que esta última se funda (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Deutsche Umwelthilfe, C‑752/18, EU:C:2019:1114, n.o 54). |
36 |
Ora, a primeira e segunda questões do órgão jurisdicional de reenvio visam a hipótese de um Estado‑Membro que optou por prever, na sua ordem jurídica interna, uma via de recurso autónoma, que permite pedir a anulação de uma disposição nacional com fundamento, nomeadamente, na sua desconformidade com o direito da União, prevendo simultaneamente que, em caso de revogação dessa disposição, se considera que a ação de anulação ficou privada de objeto, de forma que já não há que decidir sobre a mesma. |
37 |
Por conseguinte, para responder a estas questões, é necessário apreciar, à luz da jurisprudência referida nos n.os 33 a 35 do presente acórdão, se essa legislação processual nacional é conforme com os princípios da equivalência e da efetividade. |
38 |
No que respeita, em primeiro lugar, ao princípio da equivalência, uma regra processual nacional como a que está em causa no processo principal é conforme com este princípio, desde que se aplique indistintamente a qualquer ação de anulação de uma disposição nacional, seja qual for o seu fundamento, e não apenas às ações baseadas no caráter alegadamente contrário ao direito da União da disposição impugnada. |
39 |
No caso em apreço, como salientou o advogado‑geral nos n.os 52 e 53 das suas conclusões, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a regra processual que levou o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) a decidir que ação de anulação de IG tinha ficado sem objeto não é exclusivamente aplicável às ações de anulação de uma disposição nacional baseadas em fundamentos decorrentes do direito da União. Compete, porém, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar que de facto é esse o caso. |
40 |
Sem prejuízo dessa verificação, tal regra processual nacional afigura‑se conforme com o princípio da equivalência. |
41 |
Em segundo lugar, no que respeita à conformidade com o princípio da efetividade de uma regra processual nacional como a que está em causa no processo principal, cabe, é certo, constatar que a revogação de uma disposição de direito nacional não tem o mesmo efeito jurídico que a sua anulação. |
42 |
Com efeito, enquanto a revogação de tal disposição só produz efeitos para o futuro (ex nunc), de modo que não põe em causa o caráter adquirido dos efeitos jurídicos produzidos pela disposição revogada nas situações existentes, a anulação de uma disposição de direito nacional opera retroativamente (ex tunc) a contar, em princípio, da data da sua adoção, pelo que os efeitos por ela produzidos nas situações existentes desaparecem a partir dessa mesma data. |
43 |
Feita esta precisão, importa também salientar que não é de excluir que a revogação, durante o processo, de uma disposição de direito nacional cuja anulação é pedida por um demandante produza, relativamente a este último, tendo em conta a sua situação particular, os mesmos efeitos jurídicos que a anulação que pediu. |
44 |
Tal sucederá, nomeadamente, se, com a sua ação de anulação, esse demandante pretendesse apenas que a disposição impugnada não produzisse, no futuro, efeitos jurídicos que considera prejudiciais, quando os eventuais efeitos já produzidos pela mesma disposição não lhe dizem respeito. |
45 |
Assim, na hipótese considerada nos dois números anteriores, não se pode considerar que o princípio da efetividade se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual o órgão jurisdicional chamado a conhecer da ação de anulação da disposição revogada decide que não há que conhecer do mérito, com o fundamento de que essa ação ficou privada de objeto. Com efeito, em tal situação, seria excessivo exigir ao órgão jurisdicional nacional competente que se pronuncie sobre o mérito do litígio, quando, devido à revogação da disposição impugnada, o demandante já obteve o resultado que pretendia obter com a propositura da ação de anulação. |
46 |
Todavia, é igualmente possível que com o pedido de anulação de uma disposição nacional o demandante pretenda obter igualmente a anulação dos efeitos jurídicos decorrentes da aplicação dessa disposição e que lhe causam prejuízo. Nessa hipótese, a mera revogação da referida disposição não teria por consequência o desaparecimento desses efeitos passados, e a aplicação, em tal situação, de uma disposição processual nacional nos termos da qual se põe termo ao litígio por ter ficado sem objeto é suscetível de privar o demandante de proteção jurisdicional efetiva. |
47 |
Tal conclusão não é posta em causa pelo simples facto de, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 34 do presente acórdão, o Estado‑Membro em causa não estar obrigado a prever, no seu direito interno, uma ação autónoma destinada a impugnar a conformidade das disposições nacionais com as normas do direito da União, ou de esse direito interno prever uma ação de indemnização pelo prejuízo alegadamente sofrido devido à aplicação de uma disposição nacional contrária ao direito da União. |
48 |
A este respeito, cabe salientar que, de entre as várias vias de recurso eventualmente previstas no direito interno, os particulares devem escolher aquela que consideram corresponder melhor aos seus objetivos e à qual dedicarão os seus meios. |
49 |
Assim, não é de excluir que um particular que se considere lesado pelos efeitos decorrentes da aplicação de uma disposição nacional alegadamente contrária a uma diretiva decida, a fim de eliminar esses efeitos, intentar uma ação de anulação dessa disposição, quando essa via de recurso está prevista no direito interno, em vez de uma ação de indemnização contra o Estado‑Membro em causa. |
50 |
Com efeito, a anulação da disposição nacional contrária à diretiva em causa acarretará igualmente a eliminação retroativa dos efeitos jurídicos que esta disposição produziu, o que esse particular talvez considere preferível a uma eventual indemnização por parte do Estado‑Membro em causa, a título de reparação do prejuízo sofrido devido a esses efeitos jurídicos. |
51 |
Assim, resulta dos fundamentos que figuram nos n.os 48 a 49 do presente acórdão que a situação de um demandante nacional de um Estado‑Membro cujo direito interno não prevê uma ação autónoma destinada, a título principal, a impugnar a conformidade de uma disposição nacional com o direito da União não pode ser comparada à situação dos particulares noutro Estado‑Membro cujo direito processual interno prevê tal ação, a qual, todavia, pode ser considerada desprovida de objeto em caso de revogação da disposição impugnada. |
52 |
Nesta última hipótese, decidir que a ação ficou sem objeto e que já não há que conhecer do mérito no caso de revogação da disposição impugnada, sem que o demandante possa demonstrar que, apesar dessa revogação, continua a ter interesse na anulação da referida disposição, é suscetível de tornar excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União a esse demandante. |
53 |
A possibilidade de, nessa hipótese, o referido demandante intentar uma nova ação de indemnização contra o Estado‑Membro em causa, destinada a obter a reparação do prejuízo alegadamente sofrido devido aos efeitos decorrentes da aplicação da disposição impugnada, e, para o efeito, se declarar, desta vez a título incidental, que esta disposição é incompatível com o direito da União não basta para garantir o direito do mesmo demandante à proteção jurisdicional efetiva, uma vez que, pelas razões expostas no n.o 48 do presente acórdão, não é de excluir que possa causar desvantagens processuais ao demandante, nomeadamente em termos de custos, duração e regras de representação, tornando excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (v., por analogia, Acórdão de 15 de abril de 2008, Impact, C‑268/06, EU:C:2008:223, n.o 51). |
54 |
O que, a fortiori, pode suceder se a revogação da disposição impugnada e a declaração da perda do objeto da ação de anulação ocorrerem numa fase avançada do processo, como aconteceu no caso em apreço, em que a perda do objeto do litígio foi declarada em instância de cassação. |
55 |
Daqui resulta que, embora o princípio da proteção jurisdicional efetiva reconhecido pelo direito da União não se oponha, em todos os casos, a que se considere que uma ação de anulação de uma disposição nacional alegadamente contrária ao direito da União fica privada de objeto em caso de revogação da disposição impugnada, o direito da União opõe‑se, em contrapartida, à conclusão do processo com base nesse fundamento, sem que as partes possam invocar previamente o seu eventual interesse no seguimento da instância e, por conseguinte, sem que essa decisão tenha em conta esse interesse. |
56 |
Tendo em conta todos os fundamentos anteriores, há que responder à primeira e segunda questões que o princípio da efetividade, consagrado no artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra processual de um Estado‑Membro nos termos da qual, quando uma disposição de direito interno impugnada numa ação de anulação por ser contrária ao direito da União é revogada e deixa, portanto, de produzir efeitos para o futuro, se considera que o litígio ficou sem objeto, de forma que já não há que conhecer do mérito, sem que as partes possam invocar previamente o seu eventual interesse no seguimento da instância e sem que tal interesse seja tido em conta. |
Quanto à terceira questão
57 |
Atendendo à resposta dada à primeira e segunda questões, não há que responder à terceira questão. |
Quanto às despesas
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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara: |
O princípio da efetividade, consagrado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra processual de um Estado‑Membro nos termos da qual, quando uma disposição de direito interno impugnada numa ação de anulação por ser contrária ao direito da União é revogada e deixa, portanto, de produzir efeitos para o futuro, se considera que o litígio ficou sem objeto, de forma que já não há que conhecer do mérito, sem que as partes possam invocar previamente o seu eventual interesse no seguimento da instância e sem que tal interesse seja tido em conta. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: búlgaro.