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Document 62021CJ0259

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 24 de novembro de 2022.
    Parlamento Europeu contra Conselho da União Europeia.
    Recurso de anulação — Política comum das pescas — Regulamento (UE) 2021/92 — Fixação, para 2021, das possibilidades de pesca em relação a determinadas unidades populacionais de peixes e grupos de unidades populacionais de peixes, as possibilidades de pesca aplicáveis nas águas da União Europeia e as aplicáveis, para os navios de pesca da União, em certas águas não União — Conservação dos recursos haliêuticos e proteção dos ecossistemas marinhos através de medidas técnicas — Artigos 15.o a 17.o e 20.o, bem como artigo 59.o, segundo parágrafo — Artigo 43.o, n.o 3, TFUE — Desvio de poder — Princípio da cooperação leal.
    Processo C-259/21.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:917

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    24 de novembro de 2022 ( *1 )

    «Recurso de anulação — Política comum das pescas — Regulamento (UE) 2021/92 — Fixação, para 2021, das possibilidades de pesca em relação a determinadas unidades populacionais de peixes e grupos de unidades populacionais de peixes, as possibilidades de pesca aplicáveis nas águas da União Europeia e as aplicáveis, para os navios de pesca da União, em certas águas não União — Conservação dos recursos haliêuticos e proteção dos ecossistemas marinhos através de medidas técnicas — Artigos 15.o a 17.o e 20.o, bem como artigo 59.o, segundo parágrafo — Artigo 43.o, n.o 3, TFUE — Desvio de poder — Princípio da cooperação leal»

    No processo C‑259/21,

    que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interposto em 22 de abril de 2021

    Parlamento Europeu, representado por I. Liukkonen e I. Terwinghe, na qualidade de agentes,

    recorrente,

    contra

    Conselho da União Europeia, representado por S. Falek, F. Naert e A. Nowak‑Salles, na qualidade de agentes,

    recorrido,

    apoiado por:

    Comissão Europeia, representada por A. Dawes, A. Stobiecka‑Kuik e K. Walkerová, na qualidade de agentes,

    interveniente,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, M. Safjan, N. Piçarra, N. Jääskinen (relator) e M. Gavalec, juízes,

    advogado‑geral: N. Emiliou,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de junho de 2022,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com a sua petição, o Parlamento Europeu pede ao Tribunal de Justiça que anule os artigos 15.o a 17.o e 20.o, bem como o artigo 59.o, segundo parágrafo, do Regulamento (UE) 2021/92 do Conselho, de 28 de janeiro de 2021, que fixa, para 2021, em relação a determinadas unidades populacionais de peixes ou grupos de unidades populacionais de peixes, as possibilidades de pesca aplicáveis nas águas da União e, para os navios de pesca da União, em certas águas que não pertencem à União (JO 2021, L 31, p. 31) (a seguir «disposições controvertidas»).

    Quadro jurídico

    Tratado FUE

    2

    O artigo 43.o, n.os 2 e 3, TFUE tem a seguinte redação:

    «2.   O Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário e após consulta ao Comité Económico e Social, estabelecem a organização comum dos mercados agrícolas prevista no n.o 1 do artigo 40.o, bem como as demais disposições necessárias à prossecução dos objetivos da política comum da agricultura e pesca.

    3.   O Conselho, sob proposta da Comissão, adota as medidas relativas à fixação dos preços, dos direitos niveladores, dos auxílios e das limitações quantitativas, bem como à fixação e à repartição das possibilidades de pesca.»

    Regulamentos de base

    3

    O Regulamento (UE) n.o 1380/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo à política comum das pescas, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1954/2003 e (CE) n.o 1224/2009 do Conselho e revoga os Regulamentos (CE) n.o 2371/2002 e (CE) n.o 639/2004 do Conselho e a Decisão 2004/585/CE do Conselho (JO 2013, L 354, p. 22), o Regulamento (UE) 2019/472 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de março de 2019, que estabelece um plano plurianual para as unidades populacionais capturadas nas águas ocidentais e águas adjacentes, e para as pescarias que exploram essas unidades populacionais, que altera os Regulamentos (UE) 2016/1139 e (UE) 2018/973, e que revoga os Regulamentos (CE) n.o 811/2004, (CE) n.o 2166/2005, (CE) n.o 388/2006, (CE) n.o 509/2007 e (CE) n.o 1300/2008 do Conselho (JO 2019, L 83, p. 1), e o Regulamento (UE) 2019/1241 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à conservação dos recursos haliêuticos e à proteção dos ecossistemas marinhos através de medidas técnicas, que altera os Regulamentos do Conselho (CE) n.o 1967/2006 e (CE) n.o 1224/2009 e os Regulamentos (UE) n.o 1380/2013, (UE) 2016/1139, (UE) 2018/973, (UE) 2019/472 e (UE) 2019/1022 do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga os Regulamentos (CE) n.o 894/97, (CE) n.o 850/98, (CE) n.o 2549/2000, (CE) n.o 254/2002, (CE) n.o 812/2004 e (CE) n.o 2187/2005 do Conselho (JO 2019, L 198, p. 105) (a seguir, em conjunto, «regulamentos de base»), foram adotados com fundamento no artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

    Regulamento n.o 1380/2013

    4

    O artigo 2.o do Regulamento n.o 1380/2013 enuncia os objetivos da Política Comum das Pescas (a seguir «PCP»).

    5

    O artigo 12.o deste regulamento, epigrafado «Medidas da Comissão em caso de ameaça grave para os recursos biológicos marinhos», tem a seguinte redação:

    «1.   Por motivos imperativos de urgência relacionados com uma ameaça grave para a conservação dos recursos biológicos marinhos ou para o ecossistema marinho, baseada em provas, a Comissão pode adotar, mediante pedido fundamentado de um Estado‑Membro ou por sua própria iniciativa, medidas por meio de atos de execução imediatamente aplicáveis por um prazo máximo de seis meses, pelo procedimento a que se refere o artigo 47.o, n.o 3, a fim de atenuar essa ameaça.

    […]

    3.   Antes do termo do prazo de aplicação inicial dos atos de execução imediatamente aplicáveis referidos no n.o 1, a Comissão pode adotar, se estiverem reunidas as condições previstas nesse número, atos de execução imediatamente aplicáveis a fim de prorrogar a aplicação dessa medida de emergência pelo prazo máximo de seis meses, com efeito imediato. […]»

    6

    O artigo 13.o do referido regulamento, epigrafado «Medidas de emergência adotadas pelos Estados‑Membros», permite aos Estados‑Membros adotarem medidas de emergência para fazer face a uma ameaça grave para a conservação dos recursos biológicos do mar ou para o ecossistema marinho ligada às atividades de pesca nas águas sob a soberania ou sob a jurisdição de um Estado‑Membro que requeira uma intervenção imediata.

    Regulamento 2019/472

    7

    O Regulamento 2019/472, conforme alterado pelo Regulamento 2019/1241 (a seguir «Regulamento 2019/472»), estabelece um plano plurianual para as unidades populacionais capturadas nas águas ocidentais e águas adjacentes, e para as pescarias que exploram essas unidades populacionais.

    8

    Em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, desse regulamento, quando os pareceres científicos indicarem que a biomassa da unidade populacional reprodutora e, no caso das unidades populacionais de lagostim, a abundância de uma das unidades populacionais referidas no artigo 1.o, n.o 1, são inferiores a certos valores, devem ser tomadas medidas corretivas adicionais para assegurar o retorno rápido da unidade populacional ou unidade funcional em causa para níveis acima do nível capaz de produzir o rendimento máximo sustentável. Resulta, além disso, desta disposição que essas medidas corretivas podem incluir a suspensão da pesca direcionada para a unidade populacional em causa ou a unidade funcional em causa e a redução adequada das possibilidades de pesca.

    9

    Segundo o artigo 8.o, n.o 3, do referido regulamento, as medidas corretivas a que se refere este artigo podem incluir medidas de emergência adotadas em conformidade com os artigos 12.o e 13.o do Regulamento n.o 1380/2013 e medidas ao abrigo do artigo 9.o do Regulamento 2019/472.

    10

    Nos termos do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento 2019/472:

    «A Comissão fica habilitada a adotar atos delegados nos termos do artigo 18.o do presente regulamento e do artigo 18.o do Regulamento [n.o 1380/2013], a fim de complementar o presente regulamento relativamente às seguintes medidas técnicas, na medida em que não sejam abrangidas pelo Regulamento [2019/1241]:

    a)

    Especificação das características das artes de pesca e das regras da sua utilização, a fim de assegurar ou melhorar a seletividade, reduzir as capturas indesejadas ou reduzir ao mínimo o impacto negativo no ecossistema;

    b)

    Especificação de alterações ou de dispositivos adicionais para as artes de pesca, a fim de assegurar ou melhorar a seletividade, reduzir as capturas indesejadas ou reduzir ao mínimo o impacto negativo no ecossistema;

    c)

    Restrições ou proibições da utilização de determinadas artes de pesca e de atividades de pesca, em certas zonas ou certos períodos, para proteger os peixes reprodutores, os peixes abaixo do tamanho mínimo de referência de conservação ou as espécies não‑alvo, ou para reduzir ao mínimo o impacto negativo no ecossistema; e

    d)

    Fixação dos tamanhos mínimos de referência de conservação das unidades populacionais a que o presente regulamento se aplica, para assegurar a proteção dos juvenis de organismos marinhos.»

    Regulamento 2019/1241

    11

    O Regulamento 2019/1241 tem por objeto, em conformidade com o seu artigo 1.o, estabelecer medidas técnicas relativas à captura e ao desembarque de recursos biológicos marinhos, ao funcionamento das artes de pesca e a interação das atividades de pesca com os ecossistemas marinhos.

    12

    O artigo 10.o deste regulamento, epigrafado «Espécies de peixes, moluscos e crustáceos proibidas», dispõe:

    «1.   É proibido capturar, manter a bordo, transbordar ou desembarcar as espécies de peixes, moluscos e crustáceos constantes do anexo IV da Diretiva [92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7)], exceto se forem concedidas derrogações nos termos do artigo 16.o da referida diretiva.

    2.   Para além das espécies a que se refere o n.o 1, é proibido aos navios da União pescar, manter a bordo, transbordar, desembarcar, armazenar, vender, expor ou colocar à venda as espécies enumeradas no anexo I ou espécies cuja pesca seja proibida por outros atos jurídicos da União.

    […]

    4.   A Comissão fica habilitada a adotar atos delegados nos termos do artigo 29.o a fim de alterar a lista constante do anexo I, caso seja esse o sentido dos melhores pareceres científicos disponíveis.

    […]»

    13

    O artigo 15.o do referido regulamento, epigrafado «Medidas técnicas regionais», prevê, no seu n.o 2:

    «A fim de ter em conta as especificidades regionais das pescarias pertinentes, a Comissão fica habilitada a adotar atos delegados nos termos do artigo 29.o do presente regulamento e do artigo 18.o do Regulamento [n.o 1380/2013], para alterar, completar, revogar ou derrogar as medidas técnicas constantes dos anexos [V a XI e XIII], designadamente quando implementa a obrigação de desembarcar no contexto do artigo 15.o, n.os 5 e 6, do Regulamento (UE) n.o [1380/2013]. A Comissão adota esses atos delegados com base numa recomendação comum apresentada nos termos do artigo 18.o do Regulamento [n.o 1380/2013] e em conformidade com o estabelecido nos artigos aplicáveis do capítulo III do presente regulamento.»

    14

    O artigo 29.o do Regulamento 2019/1241, epigrafado «Exercício da delegação», estabelece, no seu n.o 6:

    «Os atos delegados adotados nos termos do artigo 2.o, n.o 2, do artigo 8.o, n.o 3, do artigo 10.o, n.o 4, do artigo 12.o, n.o 2, do artigo 15.o, n.o 2, do artigo 23.o, n.o 1 e n.o 5, do artigo 27.o, n.o 7 e do artigo 31.o, n.o 4, só entram em vigor se nem o Parlamento Europeu nem o Conselho formularem objeções no prazo de dois meses a contar da notificação do ato a estas duas instituições ou se, antes do termo desse prazo, o Parlamento Europeu e o Conselho informarem a Comissão de que não formularão objeções. O referido prazo pode ser prorrogado por dois meses por iniciativa do Parlamento Europeu ou do Conselho.»

    15

    A lista das espécies cuja pesca é proibida, referidas no artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento 2019/1241, figura no seu anexo I.

    16

    O anexo VI deste regulamento enumera as medidas técnicas aplicáveis às águas ocidentais setentrionais.

    Regulamento 2021/92

    17

    O Regulamento 2021/92 foi adotado pelo Conselho com base no artigo 43.o, n.o 3, TFUE.

    18

    Os considerandos 55 a 59 deste regulamento têm a seguinte redação:

    «55.

    No seu parecer referente a 2021, o [Conselho Internacional para a Exploração do Mar (CIEM)] indica que as unidades populacionais de bacalhau e de badejo no mar Céltico estão abaixo da [biomassa limite (Blim)]. Já foram tomadas medidas corretivas específicas para essas unidades populacionais nos termos do Regulamento (UE) 2020/123 [do Conselho, de 27 de janeiro de 2020, que fixa, para 2020, em relação a determinadas unidades populacionais de peixes e grupos de unidades populacionais de peixes, as possibilidades de pesca aplicáveis nas águas da União e as aplicáveis, para os navios de pesca da União, em certas águas não União (JO 2020, L 25, p. 1)]. Essas medidas visavam contribuir para a recuperação das unidades populacionais em causa. No que diz respeito ao bacalhau, tais medidas visam melhorar a seletividade, tornando obrigatória a utilização de artes com níveis mais baixos de capturas acessórias de bacalhau nas zonas em que as capturas de bacalhau são significativas, diminuindo assim a mortalidade por pesca dessa unidade populacional nas pescarias mistas. As medidas relativas ao badejo consistem em alterações técnicas das características das artes para diminuir as capturas acessórias de badejo. Nos termos do artigo 8.o do plano plurianual para as águas ocidentais [estabelecido pelo Regulamento 2019/472], caso os pareceres científicos indiquem que a biomassa da unidade populacional reprodutora de qualquer das unidades populacionais referidas no seu artigo 1.o, n.o 1 é inferior ao Blim, devem ser tomadas medidas corretivas adicionais para assegurar o retorno rápido da unidade populacional para níveis acima do nível capaz de produzir o [rendimento máximo sustentável]. Tais medidas podem incluir, em particular, a suspensão da pesca dirigida à unidade populacional em causa e a redução adequada das possibilidades de pesca para essas unidades populacionais ou outras unidades populacionais nas pescarias em que se verifiquem capturas acessórias de bacalhau ou de badejo.

    56.

    As medidas destinadas a reduzir as capturas acessórias de gadídeos estão associadas no plano funcional aos TAC das espécies capturadas em pescarias mistas juntamente com os gadídeos (por exemplo, a arinca, o areeiro, o tamboril e o lagostim), visto que, se estas medidas não forem adotadas, deverão ser reduzidos os níveis dos TAC das espécies‑alvo para assegurar que as unidades populacionais de gadídeos possam recuperar. Por conseguinte, propõe‑se que estas medidas sejam adotadas também para 2021, tendo em conta a sua avaliação e os trabalhos ulteriores desenvolvidos pelos Estados‑Membros das águas ocidentais norte.

    57.

    Em linha com o processo de regionalização da PCP, os Estados‑Membros das águas ocidentais norte apresentaram uma recomendação comum sobre um leque mais amplo de medidas específicas para reduzir as capturas acessórias de bacalhau e de badejo no mar Céltico e zonas adjacentes, com base nas medidas corretivas em vigor em 2020. A recomendação comum incluiu igualmente medidas de seletividade adicionais destinadas a reduzir as capturas acessórias de gadídeos no mar da Irlanda e a oeste da Escócia, com base em medidas semelhantes em vigor em 2020.

    58.

    O [Comité Científico, Técnico e Económico das Pescas (CCTEP)] considera que, globalmente, as medidas propostas são mais seletivas ou, pelo menos, tão seletivas como as medidas técnicas previstas no Regulamento [2019/1241] e a Comissão pondera atualmente incluí‑las num ato delegado com base na recomendação comum apresentada pelos Estados‑Membros que têm interesse na gestão direta das águas ocidentais norte.

    59.

    Uma vez que estas medidas são mais abrangentes e serão aplicáveis numa base mais estável, as medidas técnicas associadas no plano funcional só deverão aplicar‑se na ausência de um ato delegado adotado em conformidade com o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento [2019/1241] que altera o anexo VI desse regulamento, com a introdução de medidas técnicas correspondentes para as águas ocidentais norte.»

    19

    O artigo 15.o do Regulamento 2021/92, epigrafado «Medidas técnicas para o bacalhau e badejo no mar Céltico», prevê um certo número de medidas relativas à malhagem, que se aplicam aos navios da União que operem com redes de arrasto pelo fundo ou redes envolventes‑arrastantes no mar Céltico.

    20

    O artigo 16.o deste regulamento, epigrafado «Medidas técnicas no mar da Irlanda», fixa obrigações relativas aos navios de pesca da União que operam com redes de arrasto pelo fundo ou redes envolventes‑arrastantes no mar da Irlanda.

    21

    O artigo 17.o do referido regulamento, epigrafado «Medidas técnicas no oeste da Escócia», prevê igualmente medidas relativas à malhagem e que se aplicam aos navios de pesca da União que operem com redes de arrasto pelo fundo ou redes envolventes‑arrastantes a oeste da Escócia.

    22

    Por força do artigo 20.o do regulamento controvertido, epigrafado «Espécies proibidas», é proibido aos navios de pesca da União pescar, manter a bordo, transbordar ou desembarcar determinadas espécies em divisões específicas CIEM e subzonas das então águas da União. Essa disposição indica igualmente que os animais das espécies enumeradas não podem ser feridos, quando forem capturados acidentalmente, e que os espécimes devem ser prontamente soltos.

    23

    Nos termos do artigo 59.o do regulamento, epigrafado «Disposição transitória»:

    «Os artigos 11.o, 19.o, 20.o, 27.o, 33.o, 34.o, 41.o, 42.o, 43.o, 48.o, 50.o e 57.o continuam a aplicar‑se, mutatis mutandis, em 2022, até à entrada em vigor do regulamento que fixa as possibilidades de pesca para esse ano.

    Os artigos 15.o, 16.o e 17.o aplicam‑se até à data do início de aplicação do ato delegado adotado nos termos do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento [2019/1241] que altera o anexo VI desse regulamento com a introdução de medidas técnicas correspondentes para as águas ocidentais norte.»

    Acordo interinstitucional

    24

    O ponto 2 do Acordo Interinstitucional entre o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia sobre Legislar Melhor, de 13 de abril de 2016 (JO 2016, L 123, p. 1, a seguir «Acordo Interinstitucional»), tem a seguinte redação:

    «No exercício das suas competências e no cumprimento dos procedimentos previstos nos Tratados, e recordando a importância que atribuem ao método comunitário, as três instituições acordam em respeitar os princípios gerais do direito da União, tais como a legitimidade democrática, a subsidiariedade e a proporcionalidade, e a segurança jurídica. As três instituições acordam igualmente em promover a simplicidade, a clareza e a coerência na redação da legislação da União, e em promover a máxima transparência do processo legislativo.»

    25

    Nos termos do ponto 25, terceiro e quarto parágrafos, deste acordo:

    «Se estiver prevista uma alteração da base jurídica que acarrete uma mudança do processo legislativo ordinário para um processo legislativo especial ou para um processo não legislativo, as três instituições procederão a uma troca de opiniões.

    As três instituições concordam que a escolha da base jurídica é uma apreciação jurídica que deve assentar em motivos objetivos suscetíveis de fiscalização jurisdicional.»

    Antecedentes do litígio

    26

    Em 27 de outubro de 2020, a Comissão emitiu a proposta de regulamento do Conselho que fixava, para 2021, em relação a determinadas unidades populacionais de peixes ou grupos de unidades populacionais de peixes, as possibilidades de pesca aplicáveis nas águas da União e, para os navios de pesca da União, em certas águas não pertencentes à União [COM(2020) 668 final].

    27

    Em 14 de dezembro de 2020, a Comissão atualizou a proposta adotando várias disposições idênticas às disposições controvertidas.

    28

    Em 28 de janeiro de 2021, o Conselho da União Europeia adotou o Regulamento 2021/92. Em conformidade com o seu artigo 60.o, este regulamento entrou em vigor no dia da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, ou seja, em 29 de janeiro de 2021.

    29

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de abril de 2021, o Parlamento interpôs o presente recurso ao abrigo do artigo 263.o, segundo parágrafo, TFUE, pedindo a anulação das disposições controvertidas.

    Factos posteriores à interposição do recurso

    30

    Em 23 de agosto de 2021, a Comissão adotou o Regulamento Delegado (UE) 2021/2324 da Comissão que altera o Regulamento (UE) 2019/1241 do Parlamento Europeu e do Conselho no que respeita a medidas técnicas para certas pescarias demersais e pelágicas no mar Céltico, no mar da Irlanda e a oeste da Escócia (JO 2021, L 465, p. 1). Este regulamento foi adotado com base, nomeadamente, no artigo 10.o, n.o 4, e no artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento 2019/1241.

    31

    Resulta, designadamente, do considerando 2 desse regulamento delegado que o Reino da Bélgica, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa e o Reino dos Países Baixos apresentaram uma primeira recomendação comum em maio de 2020. Na sequência do convite da Comissão, estes Estados‑Membros apresentaram uma recomendação comum revista em 14 de dezembro de 2020.

    32

    Em segundo lugar, o considerando 3 do referido regulamento delegado precisa que, enquanto se aguarda a adoção das medidas propostas na recomendação comum através de um ato delegado, foram estabelecidas, nos artigos 15.o a 17.o do Regulamento (UE) 2021/92 do Conselho, medidas corretivas na aceção do plano plurianual para as águas ocidentais destinadas a reduzir as capturas acessórias de bacalhau e badejo no mar Céltico e zonas adjacentes, e medidas técnicas adicionais destinadas a reduzir as capturas acessórias de gadídeos no mar da Irlanda e a oeste da Escócia. Segundo esse considerando, estas medidas estavam funcionalmente ligadas aos níveis dos TAC para as espécies‑alvo capturadas nas pescarias mistas, uma vez que, sem tais medidas, esses níveis teriam de ser reduzidos para permitir a recuperação das unidades populacionais objeto de capturas acessórias.

    33

    Em terceiro lugar, segundo o considerando 6 do mesmo regulamento delegado, este visa incorporar num único ato as disposições vigentes relativas, nomeadamente, às medidas técnicas correspondentes às medidas estabelecidas nos artigos 15.o a 17.o do Regulamento 2021/92.

    34

    Em 27 de janeiro de 2022, o Conselho adotou o Regulamento (UE) 2022/109 que fixa, para 2022, em relação a determinadas unidades populacionais de peixes e grupos de unidades populacionais de peixes, as possibilidades de pesca aplicáveis nas águas da União e as aplicáveis, para os navios de pesca da União, em certas águas não União (JO 2022, L 21, p. 1). Em conformidade com o seu artigo 60.o, este regulamento entrou em vigor no dia da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, ou seja, em 31 de janeiro de 2022.

    Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    35

    O Parlamento pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular as disposições controvertidas, e

    condenar o Conselho nas despesas.

    36

    O Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso;

    em caso de anulação das disposições controvertidas, manter os seus efeitos, e

    condenar o Parlamento nas despesas.

    37

    Por Decisão de 19 de agosto de 2021 do presidente do Tribunal de Justiça, foi admitida a intervenção da Comissão em apoio dos pedidos do Conselho.

    38

    Em aplicação do artigo 62.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o advogado‑geral e o juiz‑relator, por carta de 13 de maio de 2022, convidaram as partes a pronunciarem‑se sobre a incidência da adoção do Regulamento n.o 2022/109 no recurso do Parlamento. As partes deram cumprimento a este pedido.

    Quanto ao recurso

    Quanto à admissibilidade

    Argumentos das partes

    39

    No âmbito de uma observação preliminar de natureza processual exposta na sua réplica, o Conselho sustenta, em primeiro lugar, que a adoção, pela Comissão, do Regulamento Delegado 2021/2324 após a interposição do presente recurso pôs termo à aplicação das medidas previstas nos artigos 15.o a 17.o do Regulamento 2021/92, pelo que o recurso ficou sem objeto no que respeita a estes artigos e ao artigo 59.o, segundo parágrafo, deste regulamento.

    40

    Em segundo lugar, e em qualquer caso, o referido recurso ficou sem objeto em 31 de dezembro de 2021 no que respeita aos artigos 15.o a 17.o do Regulamento 2021/92, uma vez que a aplicação no tempo destas disposições se limitou apenas ao ano de 2021. Quanto ao artigo 20.o deste regulamento, este apenas continuou a produzir os seus efeitos até à entrada em vigor do Regulamento 2022/109, ou seja, 31 de janeiro de 2022.

    41

    Pelo contrário, o Parlamento considera que a adoção do Regulamento delegado 2021/2324 não obsta a que o Tribunal de Justiça se pronuncie quanto à validade dos artigos 15.o a 17.o do Regulamento 2021/92. Com efeito, embora certas disposições do regulamento delegado correspondam ao conteúdo dos artigos 15.o e 17.o do Regulamento 2021/92, essas disposições continuam a existir no ordenamento jurídico da União e deveriam ser revogadas por razões de segurança jurídica.

    42

    Quanto à entrada em vigor do Regulamento 2022/109, o Parlamento, à semelhança da Comissão, alega que a adoção deste regulamento não tem incidência no presente recurso.

    43

    O Parlamento sublinha que é prática normal que um regulamento que estabeleça as possibilidades de pesca para um determinado ano não revogue o regulamento relativo ao ano anterior. Esta forma de proceder permite, nomeadamente, que as disposições deste último sejam oponíveis aos Estados‑Membros e aos operadores mesmo após o encerramento da campanha de pesca em causa, nomeadamente com vista a uma verificação a posteriori da compatibilidade das atividades de pesca realizadas com as possibilidades de pesca previstas.

    44

    Além disso, o Parlamento considera que o Tribunal de Justiça deve decidir sobre o presente recurso, uma vez que o Conselho poderia, no futuro, adotar medidas técnicas como as que figuram nas disposições controvertidas.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    45

    O Tribunal de Justiça já julgou admissível um recurso de anulação de um ato que já tinha sido executado ou que já não era aplicável no momento em que o recurso foi interposto (Acórdão de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho, C‑370/07, EU:C:2009:590, n.o 17 e jurisprudência referida).

    46

    Esta solução justifica‑se, nomeadamente, pela necessidade de poder assegurar que a ilegalidade alegada não se repita (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de junho de 1986, AKZO Chemie e AKZO Chemie UK/Comissão, 53/85, EU:C:1986:256, n.o 21, e de 26 de abril de 1988, Apesco/Comissão, 207/86, EU:C:1988:200, n.o16). É o que acontece quando, como no caso em apreço, a legislação adotada no domínio da pesca tem um alcance limitado no tempo e são adotadas anualmente novas regras.

    47

    Daqui decorre que nem a adoção do Regulamento Delegado 2021/2324 pela Comissão nem a entrada em vigor do Regulamento 2022/109 podem pôr em causa a persistência do objeto do presente recurso e, assim, afetar a sua admissibilidade.

    48

    De qualquer modo, uma vez que o Parlamento não tem de demonstrar que tem interesse em agir para interpor um recurso de anulação das decisões tomadas pelo Conselho (v., neste sentido, Acórdão de 1 de outubro de 2009Comissão/Conselho, C‑370/07, EU:C:2009:590, n.o 16 e jurisprudência referida), também não lhe cabe demonstrar que tal interesse se mantém ao longo do processo.

    49

    Por conseguinte, há que julgar o recurso admissível.

    Quanto ao mérito

    50

    Em apoio do seu recurso, o Parlamento invoca dois fundamentos, o primeiro relativo a um desvio do processo previsto pelos regulamentos de base, o segundo relativo à violação do princípio da cooperação leal previsto no artigo 13.o, n.o 2, TUE.

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um desvio do processo previsto nos regulamentos de base

    – Argumentos das partes

    51

    O Parlamento alega que o Conselho, ao adotar as disposições controvertidas com fundamento no artigo 43.o, n.o 3, TFUE, desviou o poder que detém ao abrigo desta disposição e contornou assim o procedimento previsto nos regulamentos de base para a adoção de medidas técnicas, procedimento que conferia unicamente à Comissão e, em caso de urgência aos Estados‑Membros, a competência para adotar tais medidas.

    52

    Mais precisamente, o Parlamento sustenta que a inobservância pelo Conselho do processo de adoção das medidas técnicas, conforme previsto pelos regulamentos de base, em especial no artigo 9.o do Regulamento 2019/472, bem como no artigo 10.o, n.o 4, e no artigo 15.o do Regulamento 2019/1241, constitui um desvio de poder na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça decorrente dos Acórdãos de 13 de novembro de 1990, Fedesa e o. (C‑331/88, EU:C:1990:391, n.o 24), e de 16 de abril de 2013, Espanha e Itália/Conselho (C‑274/11 e C‑295/11, EU:C:2013:240, n.o 33 e jurisprudência referida).

    53

    Com efeito, uma vez que estas disposições dos regulamentos de base, adotadas com fundamento no artigo 43.o, n.o 2, TFUE, conferiam à Comissão o poder de tomar medidas técnicas, o Conselho não podia adotar as disposições controvertidas baseando‑se no poder que detém ao abrigo do artigo 43.o, n.o 3, TFUE.

    54

    O poder do Conselho para adotar medidas técnicas ao abrigo do artigo 43.o, n.o 3, TFUE é, portanto, limitado, uma vez que o Parlamento e o Conselho acordaram, em atos legislativos adotados ao abrigo do artigo 43.o, n.o 2, TFUE, em habilitar a Comissão em vez de o Conselho adotar tais medidas enquanto atos delegados ao abrigo do artigo 290.o TFUE.

    55

    Referindo‑se, nomeadamente, à jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante do Acórdão de 1 de dezembro de 2015, Parlamento e Comissão/Conselho (C‑124/13 e C‑125/13, EU:C:2015:790), o Parlamento considera que o Conselho deve respeitar e seguir o quadro preestabelecido nos atos legislativos adotados com base no artigo 43.o, n.o 2, TFUE, quando pretende adotar, em execução desses atos legislativos, medidas em aplicação do artigo 43.o, n.o 3, TFUE.

    56

    Mais precisamente, o Parlamento considera que os artigos 15.o a 17.o e 20.o do Regulamento 2021/92 tiveram por efeito alterar as regras estabelecidas no anexo VI, parte B, ponto 1, e parte C, bem como no anexo I do Regulamento 2019/1241, violando assim o artigo 10.o, n.o 4, e o artigo 15.o, n.o 2, deste último regulamento, uma vez que a alteração dessas regras incumbia à Comissão e não ao Conselho.

    57

    De resto, o Parlamento recorda que o Conselho reconheceu expressamente, no considerando 59 e no artigo 59.o, segundo parágrafo, do Regulamento 2021/92, que a Comissão que devia ter adotado as medidas técnicas previstas nos artigos 15.o a 17.o desse regulamento. Ora, o Conselho não justificou de forma alguma as razões pelas quais adotou ele próprio as disposições controvertidas, em vez da Comissão.

    58

    O Parlamento sustenta, além disso, que, se a adoção das medidas técnicas contidas nas disposições controvertidas tivesse sido justificada por uma situação de urgência, a base jurídica adequada para tal teria sido os artigos 12.o e 13.o do Regulamento n.o 1380/2013, por força dos quais podem ser adotadas medidas de emergência, quer pela Comissão quer pelos Estados‑Membros, mas não pelo Conselho.

    59

    Ora, o Parlamento sublinha que, na falta de uma situação de urgência, o artigo 8.o, n.os 2 e 3, do Regulamento 2019/472 prevê que a Comissão só pode adotar medidas corretivas através de atos delegados.

    60

    O Conselho, apoiado pela Comissão, considera que o primeiro fundamento é improcedente.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    61

    Segundo jurisprudência constante, um ato só enferma de desvio de poder caso se revele, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, ter sido adotado de maneira exclusiva, ou pelo menos de maneira determinante, com fins diferentes daqueles para os quais o poder em causa foi conferido, ou com a finalidade de eludir um procedimento especialmente previsto nos Tratados para fazer face às circunstâncias do caso em apreço (Acórdão de 5 de maio de 2015, Espanha/Parlamento e Conselho, C‑146/13, EU:C:2015:298, n.o 56 e jurisprudência referida).

    62

    No caso em apreço, importa examinar se, como sustenta o Parlamento, as disposições controvertidas foram adotadas para fins diferentes daqueles para os quais o poder em causa foi conferido ou com a finalidade de eludir o processo especialmente previsto pelo Tratado FUE para fazer face às circunstâncias do caso em apreço.

    63

    No que respeita, em primeiro lugar, à questão de saber se as disposições controvertidas são da competência do Conselho ao abrigo do artigo 43.o TFUE, importa começar por recordar que os n.os 2 e 3 deste artigo prosseguem finalidades diferentes e têm, cada um, um âmbito de aplicação específico, pelo que podem ser utilizados separadamente para fundamentar a adoção de determinadas medidas no quadro do PCP (Acórdão de 1 de dezembro de 2015, Parlamento e Comissão/Conselho, C‑124/13 e C‑125/13, EU:C:2015:790, n.o 58).

    64

    Ora, quando adota atos com fundamento no artigo 43.o, n.o 3, TFUE, o Conselho deve agir no respeito dos limites das suas competências e, se for caso disso, do quadro jurídico já estabelecido em aplicação do artigo 43.o, n.o 2, TFUE (Acórdão de 1 de dezembro de 2015, Parlamento e Comissão/Conselho, C‑124/13 e C‑125/13, EU:C:2015:790, n.o 58).

    65

    Em seguida, há que salientar que o artigo 43.o, n.o 3, TFUE prevê que o Conselho, sob proposta da Comissão, adota as medidas relativas à fixação dos preços, dos direitos niveladores, dos auxílios e das limitações quantitativas, bem como à fixação e à repartição das possibilidades de pesca.

    66

    Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o âmbito de aplicação do artigo 43.o, n.o 3, TFUE é suscetível de cobrir medidas que não se limitam à fixação e à repartição das possibilidades de pesca, desde que essas medidas não impliquem uma escolha política reservada ao legislador da União em razão do seu caráter necessário para prosseguir objetivos respeitantes à política comum da agricultura e das pescas (Acórdão de 1 de dezembro de 2015, Parlamento e Comissão/Conselho, C‑124/13 e C‑125/13, EU:C:2015:790, n.o 59).

    67

    No caso em apreço, no que respeita, por um lado, aos artigos 15.o a 17.o do Regulamento 2021/92, resulta dos considerandos 55 a 58 deste regulamento que as medidas técnicas previstas por estas disposições têm por objetivo, através da melhoria da seletividade das artes de pesca, contribuir para a reconstituição das unidades populacionais em questão, à semelhança das medidas corretivas específicas anteriormente adotadas pelo Regulamento 2020/123.

    68

    Além disso, decorre do considerando 56 do Regulamento 2021/92, tal como do considerando 3 do Regulamento Delegado 2021/2324, conforme recordado no n.o 32 do presente acórdão, que as medidas técnicas previstas pelos artigos 15.o a 17.o do Regulamento n.o 2021/92 estão ligadas, no plano funcional, aos níveis de TAC das espécies‑alvo capturadas nas pescarias mistas, uma vez que, na falta dessas medidas, os níveis de TAC deveriam ter sido reduzidos para permitir que as unidades populacionais de capturas acessórias se reconstituam.

    69

    No que respeita, por outro lado, ao artigo 20.o do Regulamento 2021/92, há que salientar, à semelhança da Comissão, que as proibições de pesca nele previstas constituem faltas de possibilidades de pesca, que podem, se for caso disso, ser alteradas posteriormente em possibilidades de pesca limitadas, em função da evolução das populações das espécies em questão.

    70

    Além disso, como salientou o advogado‑geral no n.o 79 das suas conclusões, diversamente das alterações introduzidas pelo Conselho com base no artigo 43.o, n.o 3, TFUE à luz das regras relativas à fixação das possibilidades de pesca, que estavam em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 1 de dezembro de 2015, Parlamento e Comissão/Conselho (C‑124/13 e C‑125/13, EU:C:2015:790), a adoção das disposições controvertidas não se destina a adaptar o mecanismo geral de fixação dos TAC e das limitações do esforço de pesca a fim de colmatar as deficiências decorrentes da aplicação das regras anteriores nem definir o quadro jurídico em que são fixados esses TAC e as limitações do esforço de pesca.

    71

    Pelo contrário, os artigos 15.o a 17.o e 20.o do Regulamento n.o 2021/92 singularizam‑se pelo seu alcance limitado a circunstâncias especiais, a saber, que as medidas que preveem se destinam a ser aplicadas a certos tipos de navios, que operam unicamente em certas zonas, e a dizer apenas respeito a certos tipos de espécies, e pelo facto de se destinarem a ser aplicadas de forma temporária. Consequentemente, não implicam uma escolha política reservada ao legislador da União, na aceção da jurisprudência referida no n.o 66 do presente acórdão.

    72

    Por conseguinte, as disposições controvertidas são, em princípio, da competência do Conselho por força do artigo 43.o, n.o 3, TFUE.

    73

    Em segundo lugar, quanto à incidência dos regulamentos de base nessa competência, importa observar que estes regulamentos, mais precisamente o artigo 9.o do Regulamento 2019/472, bem como o artigo 10.o, n.o 4, e o artigo 15.o do Regulamento 2019/1241, previam um procedimento específico para a adoção de medidas técnicas pela Comissão, a saber, a adoção de atos delegados ao abrigo do artigo 290.o TFUE.

    74

    Todavia, este poder conferido à Comissão não impede o Conselho de adotar, ao abrigo da competência que lhe é atribuída pelo artigo 43.o, n.o 3, TFUE, medidas técnicas relativas a questões semelhantes às visadas por essas disposições dos regulamentos de base em circunstâncias como as do presente processo, a saber, quando a Comissão não interveio para adotar ela própria atos delegados com fundamento nas referidas disposições dos regulamentos de base.

    75

    Com efeito, resulta do artigo 59.o, segundo parágrafo, do regulamento controvertido que os artigos 15.o a 17.o deste deviam deixar de ser aplicáveis logo que a Comissão adotasse um ou vários atos delegados relativos às mesmas medidas técnicas.

    76

    Nestas condições, à semelhança do que o advogado‑geral salientou no n.o 83 das suas conclusões, há que considerar que as disposições controvertidas revestem caráter temporário e que o Conselho não invadiu o poder da Comissão de adotar atos delegados, procurando antes expressamente preservá‑lo.

    77

    Este poder da Comissão é reconhecido não só no artigo 59.o, segundo parágrafo, mas também no considerando 59 do Regulamento 2021/92, uma vez que este considerando indica que as medidas técnicas adotadas pela Comissão com base no Regulamento 2019/1241 seriam mais completas e aplicar‑se‑iam de forma mais estável do que as medidas técnicas que figuram nas disposições controvertidas.

    78

    No que respeita à proibição de pesca contida no artigo 20.o do Regulamento 2021/92, importa observar que, embora o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento 2019/1241 contenha uma proibição de pesca semelhante, esta proibição visa, porém, outras espécies de peixes e de crustáceos.

    79

    É verdade que o artigo 10.o do Regulamento n.o 2019/1241 estabelece, no seu n.o 4, que a Comissão está habilitada a adotar atos delegados para alterar a lista das espécies que figura no anexo I deste regulamento, sempre que os melhores pareceres científicos disponíveis indicarem que é necessário proceder desse modo.

    80

    Todavia, esse mesmo artigo 10.o do Regulamento 2019/1241 indica, no seu n.o 2, que para além das espécies a que se refere o n.o 1, é proibido aos navios da União pescar, manter a bordo, transbordar, desembarcar, armazenar, vender, expor ou colocar à venda as espécies enumeradas no anexo I ou espécies cuja pesca seja proibida por «outros atos jurídicos da União».

    81

    Ora, há que considerar, à semelhança do Conselho e da Comissão, que os «outros atos jurídicos da União» referidos no artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento 2019/1241 incluem, entre outros, os regulamentos do Conselho que estabelecem as possibilidades de pesca, adotados nos termos do artigo 43.o, n.o 3, TFUE.

    82

    Assim, ao adotar as disposições controvertidas, o Conselho agiu dentro dos limites dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 43.o, n.o 3, TFUE e respeitou o quadro jurídico específico estabelecido ao abrigo do artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

    83

    Nestas condições, os elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça não permitem considerar, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, como exige a jurisprudência referida no n.o 61 do presente acórdão, que as disposições controvertidas estão viciadas por desvio de poder, como alegado pelo Parlamento.

    84

    Esta conclusão não é infirmada pelo argumento do Parlamento de que as medidas contidas nas disposições controvertidas deveriam ter sido adotadas quer como medidas de emergência da Comissão ou dos Estados‑Membros destinadas a responder a uma ameaça grave para a conservação dos recursos biológicos do mar ou para o ecossistema marinho, na aceção dos artigos 12.o e 13.o do Regulamento n.o 1380/2013, quer, na falta de urgência, enquanto atos delegados da Comissão, uma vez que o artigo 8.o, n.os 2 e 3, do Regulamento 2019/472 contempla apenas estas duas possibilidades.

    85

    Com efeito, por um lado, como o Parlamento igualmente reconheceu, as disposições controvertidas não constituem, tendo em conta o seu objeto e a sua finalidade, medidas de emergência destinadas a responder a uma ameaça grave para a conservação dos recursos biológicos do mar, na aceção dos artigos 12.o e 13.o do Regulamento n.o 1380/2013. Por outro lado, o Conselho interveio e adotou as disposições controvertidas para o período intermédio durante o qual a Comissão ainda não tinha utilizado a outra possibilidade expressamente prevista no artigo 8.o, n.os 2 e 3, do Regulamento 2019/472 e adotou um ou vários atos delegados ao abrigo dessas disposições.

    86

    Como acertadamente a Comissão alegou no seu articulado de intervenção, as medidas corretivas anteriores contidas no artigo 13.o do Regulamento 2020/123 só se destinavam a vigorar até 31 de dezembro de 2020. Do mesmo modo, outras medidas anteriores, nomeadamente as proibições de pesca de certas espécies vulneráveis, continuavam, em conformidade com o artigo 54.o deste regulamento, a aplicar‑se mutatis mutandis durante o ano de 2021 até à entrada em vigor do regulamento que fixa as possibilidades de pesca para o ano de 2021, a saber, o Regulamento 2021/92.

    87

    Além disso, no que respeita especificamente aos artigos 15.o a 17.o do Regulamento 2021/92, como salientou o advogado‑geral no n.o 88 das suas conclusões, dado que os esforços se concentravam na celebração de um acordo entre a União e o Reino Unido sobre a adoção de medidas técnicas devido à saída do Reino Unido da União, nenhuma recomendação conjunta, conforme exigida pelo artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento 2019/472 e pelo artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento 2019/1241, tinha sido apresentada suficientemente cedo para que a Comissão adotasse um ato delegado no início de 2021. Esta circunstância é, de resto, confirmada pelo considerando 2 do Regulamento Delegado 2021/2324, segundo o qual, embora o Reino da Bélgica, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa, e o Reino dos Países Baixos tenham apresentado uma primeira recomendação comum em maio de 2020, só em 14 de dezembro de 2020 é que esses Estados‑Membros apresentaram uma recomendação comum revista.

    88

    Assim, como salientou o advogado‑geral no n.o 89 das suas conclusões, a adoção das disposições controvertidas pelo Conselho teve por objetivo colmatar uma lacuna que de outro modo teria perdurado durante uma parte, ou mesmo a totalidade, do ano de 2021.

    89

    Por conseguinte, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

    Quanto ao segundo fundamento

    – Argumentos das partes

    90

    O Parlamento sustenta que, ao não respeitar os procedimentos previstos nos regulamentos de base para a adoção das medidas contidas nas disposições controvertidas, o Conselho não cumpriu a sua obrigação de cooperação leal para com o Parlamento, em violação do artigo 13.o, n.o 2, TUE.

    91

    Em especial, o Parlamento alega que o Conselho violou o ponto 2 do acordo interinstitucional que explicita a obrigação de cooperação leal no âmbito dos procedimentos de preparação e de adoção dos textos legislativos e dos atos delegados e que tem caráter vinculativo para as partes, nomeadamente para o Conselho e o Parlamento, em conformidade com o artigo 295.o TFUE.

    92

    A adoção das medidas técnicas com base no artigo 43.o, n.o 3, TFUE, em vez da adoção de um ato delegado em conformidade com os regulamentos de base, impediu o Parlamento de exercer a sua fiscalização das medidas adotadas com fundamento no artigo 290.o, n.o 2, alínea b), TFUE e, assim, privou o Parlamento de qualquer papel no processo legislativo.

    93

    Além disso, o Parlamento sublinha que o Conselho não o avisou da sua intenção de alterar o processo para efeitos da adoção das disposições controvertidas. Recorda que o ponto 25 do acordo interinstitucional consagra a obrigação de consultar as outras instituições sobre uma mudança de base jurídica suscetível de alterar consideravelmente a repartição de poderes quanto à adoção de um ato em relação ao que está previsto em conformidade com o direito da União.

    94

    O Conselho, apoiado pela Comissão, conclui pela improcedência do segundo fundamento.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    95

    Segundo o artigo 13.o, n.o 2, TUE, as instituições devem praticar uma cooperação leal entre si. Essa cooperação leal deve, todavia, ser exercida no respeito dos limites dos poderes conferidos nos Tratados a cada instituição, pelo que a obrigação resultante desta disposição não é suscetível de alterar os referidos poderes (v., neste sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Parlamento/Conselho (C‑48/14, EU:C:2015:91, n.os 57 e 58).

    96

    Para alegar, no âmbito do seu segundo fundamento, que o Conselho violou o princípio da cooperação leal ao adotar as disposições controvertidas, o Parlamento apoia‑se, em substância, num raciocínio baseado na premissa de que o Conselho adotou as disposições controvertidas em violação dos regulamentos de base e, portanto, excedendo os seus poderes conferidos pelos Tratados.

    97

    Todavia, resulta dos n.os 82 e 83 do presente acórdão que, ao adotar as disposições controvertidas, o Conselho agiu dentro dos limites dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 43.o, n.o 3, TFUE e não cometeu um desvio de poder.

    98

    Daqui decorre que o Parlamento não tem razão ao sustentar que o Conselho violou o princípio da cooperação leal consagrado no artigo 13.o, n.o 2, TUE.

    99

    Esta conclusão não é infirmada pelos argumentos do Parlamento relativos ao ponto 25 do acordo interinstitucional, uma vez que, como o Conselho alegou, com razão, o Regulamento 2021/92 foi adotado com a mesma base jurídica proposta pela Comissão, a saber, o artigo 43.o, n.o 3, TFUE, pelo que não houve alteração da base jurídica na aceção desse n.o 25.

    100

    Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

    101

    Não tendo nenhum dos fundamentos do recurso sido julgado procedente, deve ser negado provimento ao recurso na totalidade.

    Quanto às despesas

    102

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho pedido a condenação do Parlamento nas despesas e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

    103

    Nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a Comissão suporta as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    O Parlamento Europeu suporta, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Conselho da União Europeia.

     

    3)

    A Comissão Europeia suporta as suas próprias despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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