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Document 62021CJ0146

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 30 de junho de 2022.
Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice Bucureşti – Administraţia Sector 1 a Finanţelor Publice contra VB e Direcţia Generalā Regionalā a Finanţelor Publice Bucureşti – Serviciul Soluţionare Contestaţii 1.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Bucureşti.
Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Decisões de Execução 2010/583/UE e 2013/676/UE que autorizam a Roménia a derrogar o artigo 193.o da referida diretiva — Mecanismo de autoliquidação — Entregas de produtos de madeira — Regulamentação nacional que impõe um requisito de registo para efeitos de IVA para a aplicação do referido mecanismo — Princípio da neutralidade fiscal.
Processo C-146/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:512

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

30 de junho de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Decisões de Execução 2010/583/UE e 2013/676/UE que autorizam a Roménia a derrogar o artigo 193.o da referida diretiva — Mecanismo de autoliquidação — Entregas de produtos de madeira — Regulamentação nacional que impõe um requisito de registo para efeitos de IVA para a aplicação do referido mecanismo — Princípio da neutralidade fiscal»

No processo C‑146/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Curtea de Apel Bucureşti (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia), por Decisão de 9 de dezembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de março de 2021, no processo

Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice Bucureşti — Administraţia Sector 1 a Finanţelor Publice

contra

VB,

Direcţia Generalā Regionalā a Finanţelor Publice Bucureşti — Serviciul Soluţionare Contestaţii 1,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: J. Passer, presidente de secção, F. Biltgen e M. L. Arastey Sahún (relatora), juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de VB, por A. Arseni, C. Chiriac, C.‑L. Dobrinescu e S. Ilie, avocați,

em representação do Governo romeno, por E. Gane e A. Rotăreanu, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por O. Serdula, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»), bem como do princípio da neutralidade fiscal.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Direcția Generală Regională a Finanțelor Publice București — Administrația Sector 1 a Finanțelor Publice (Direção‑Geral Regional das Finanças Públicas de Bucareste — Administração das Finanças Públicas do setor 1, Roménia) a VB e à Direcția Generală Regională a Finanțelor Publice București — Serviciul Soluționare Contestații 1 (Direção‑Geral Regional das Finanças Públicas de Bucareste — Serviço de Tratamento das Reclamações n.o 1, Roménia), a respeito da decisão da autoridade tributária competente de lhe impor o pagamento retroativo do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) a título de vendas de material lenhoso em pé, ao recusar‑lhe a aplicação do mecanismo de autoliquidação.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva IVA

3

O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva IVA dispõe:

«Entende‑se por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende‑se por “atividade económica” qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.»

4

Nos termos do artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva:

«Entende‑se por “entrega de bens” a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.»

5

O artigo 193.o da referida diretiva dispõe:

«O IVA é devido por sujeitos passivos que efetuem entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis, com exceção dos casos em que o imposto é devido por outra pessoa nos termos dos artigos 194.o a 199.o e 202.o»

6

Nos termos do artigo 199.o, n.os 1 e 2, da mesma diretiva:

«1.   Os Estados‑Membros podem prever que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário das seguintes operações:

[…]

2.   Quando aplicarem a opção prevista no n.o 1, os Estados‑Membros podem especificar as entregas de bens e prestações de serviços abrangidas e as categorias de fornecedores, prestadores, adquirentes ou destinatários às quais estas medidas podem ser aplicáveis.»

7

O artigo 213.o da Diretiva IVA prevê:

«1.   Os sujeitos passivos devem declarar o início, a alteração e a cessação da sua atividade na qualidade de sujeitos passivos.

Os Estados‑Membros devem autorizar e podem exigir que a declaração seja efetuada, segundo regras por eles determinadas, por via eletrónica.

2.   Sem prejuízo do disposto no primeiro parágrafo do n.o 1, os sujeitos passivos ou as pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos que efetuem aquisições intracomunitárias de bens não sujeitas ao IVA, por força do disposto no n.o 1 do artigo 3.o, devem declarar que efetuam essas aquisições quando deixarem de estar reunidas as condições previstas no referido artigo para não as sujeitar ao imposto.»

8

Nos termos do artigo 214.o desta diretiva:

«1.   Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para que sejam identificadas através de um número individual as seguintes pessoas:

a)

Os sujeitos passivos, com exceção dos referidos no n.o 2 do artigo 9.o, que efetuem, no respetivo território, entregas de bens ou prestações de serviços que lhes confiram direito a dedução e que não sejam entregas de bens ou prestações de serviços em relação às quais o IVA seja devido unicamente pelo destinatário em conformidade com os artigos 194.o a 197.o e 199.o;

b)

Os sujeitos passivos ou as pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos que efetuem aquisições intracomunitárias de bens sujeitas ao IVA, em conformidade com a alínea b) do n.o 1 do artigo 2.o, ou que tenham feito uso da opção, prevista no n.o 3 do artigo 3.o, de sujeitar ao IVA as suas aquisições intracomunitárias;

c)

Os sujeitos passivos que efetuem, no respetivo território, aquisições intracomunitárias de bens para fins das suas operações relacionadas com as atividades referidas no segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 9.o que sejam efetuadas fora desse território.

2.   Os Estados‑Membros podem não identificar determinados sujeitos passivos que efetuem, a título ocasional, as operações referidas no artigo 12.o»

9

O artigo 395.o, n.o 1, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«O Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão, pode autorizar os Estados‑Membros a introduzirem medidas especiais derrogatórias da presente diretiva para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais.

As medidas destinadas a simplificar a cobrança do imposto não podem influir, a não ser de modo insignificante, no montante global da receita fiscal do Estado‑Membro cobrada na fase de consumo final.»

Decisão de Execução 2010/583/UE

10

Os considerandos 6 a 8 da Decisão de Execução 2010/583/UE do Conselho, de 27 de setembro de 2010, que autoriza a Roménia a aplicar uma medida especial em derrogação ao artigo 193.o da Diretiva 2006/112 (JO 2010, L 256, p. 27), enunciavam:

«(6)

A Roménia confronta‑se ainda com problemas no mercado da madeira devido à natureza deste mercado e das empresas que nele operam. Este mercado é constituído por um grande número de pequenas empresas que as autoridades romenas consideraram difíceis de controlar. A forma mais comum de fraude fiscal diz respeito à faturação de entregas por um fornecedor que, apesar de, a seguir, desaparecer sem pagar o imposto às autoridades competentes, deixa ao cliente uma fatura válida para que este possa exercer o seu direito de dedução fiscal.

(7)

Ao designar o destinatário como pessoa responsável pelo pagamento do IVA no caso de entregas de produtos de madeira por sujeitos passivos e no caso de entregas de bens e de prestações de serviços por sujeitos passivos, com exceção de retalhistas, que sejam objeto de um procedimento de insolvência, a derrogação elimina as dificuldades encontradas sem afetar o montante de imposto devido. Tal permite evitar certas fraudes ou evasões fiscais.

(8)

A medida é proporcional aos objetivos visados, uma vez que não se destina a ser aplicada de uma forma geral, mas unicamente a operações e setores específicos que colocam problemas consideráveis de cobrança do imposto ou no que diz respeito à fraude ou evasão fiscais.»

11

O artigo 1.o desta decisão de execução previa:

«Em derrogação ao disposto no artigo 193.o da Diretiva [IVA], a Roménia é autorizada, até 31 de dezembro de 2013, a designar o sujeito passivo destinatário das entregas de bens ou das prestações de serviços referidos no artigo 2.o da presente decisão como a pessoa responsável pelo pagamento do imposto.»

12

Nos termos do artigo 2.o da referida decisão de execução:

«A derrogação prevista no artigo 1.o é aplicável:

a)

A entregas de produtos de madeira por sujeitos passivos, incluindo madeira na árvore, madeira redonda ou serrada, lenha, derivados de madeira, assim como madeira esquadriada ou em estilhas e madeira em bruto, transformada ou semitransformada;

b)

A entregas de bens e a prestações de serviços por sujeitos passivos, com exceção dos retalhistas, que sejam objeto de um procedimento de insolvência.»

Decisão de Execução 2013/676

13

O considerando 5 da Decisão de Execução 2013/676/UE do Conselho, de 15 de novembro de 2013, que autoriza a Roménia a continuar a aplicar uma medida especial em derrogação ao artigo 193.o da Diretiva 2006/112 (JO 2013, L 316, p. 31), conforme alterada pela Decisão de Execução (UE) 2016/1206 do Conselho, de 18 de julho de 2016 (JO 2016, L 198, p. 47) (a seguir «Decisão de Execução 2013/676»), enuncia:

«Antes da autorização anterior para aplicar o mecanismo de autoliquidação às entregas de madeira, a Roménia confrontou‑se com problemas no mercado da madeira, devido à natureza deste mercado e das empresas que nele operam. Este setor é constituído por um grande número de pequenas empresas que as autoridades romenas consideraram difíceis de controlar. Segundo as autoridades romenas, a designação do destinatário como pessoa responsável pelo pagamento do IVA teve como efeito prevenir a fraude e a evasão fiscais neste setor e continua, por conseguinte, a justificar‑se.»

14

O artigo 1.o da Decisão de Execução 2013/676 dispõe:

«Em derrogação ao disposto no artigo 193.o da Diretiva [IVA], a Roménia é autorizada, até 31 de dezembro de 2019, a designar o sujeito passivo destinatário das entregas de bens ou das prestações de serviços referidos no artigo 2.o da presente decisão como a pessoa responsável pelo pagamento do imposto.»

15

Nos termos do artigo 2.o desta decisão de execução:

«A derrogação prevista no artigo 1.o é aplicável às entregas de produtos de madeira por sujeitos passivos, incluindo madeira na árvore, madeira redonda ou serrada, lenha, derivados de madeira, assim como madeira esquadriada ou em estilhas e madeira em bruto, transformada ou semitransformada.»

Direito romeno

16

O artigo 127.o, n.o 1, da Legea nr. 571/2003 privind Codul fiscal (Lei n.o 571/2003, que Aprova o Código Tributário), de 22 de dezembro de 2003 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 927 de 23 de dezembro de 2003) na sua redação aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código Tributário»), prevê:

«Entende‑se por sujeito passivo qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica da natureza das previstas no n.o 2, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.»

17

O artigo 160.o do Código Tributário dispõe:

«1.   Em derrogação das disposições do artigo 150.o, n.o 1, no caso de operações tributáveis, o devedor do imposto é o beneficiário das operações previstas no n.o 2. A autoliquidação é aplicável desde que tanto o fornecedor como o beneficiário estejam registados para efeitos de IVA […].

2.   A autoliquidação é aplicável às seguintes operações:

[…]

b) entrega de madeira e matérias lenhosas […];

[…]».

Litígio no processo principal e questão prejudicial

18

VB é proprietária de terrenos florestais na Roménia.

19

Durante os anos de 2011 a 2017, explorou esses terrenos com base em contratos de venda de material lenhoso em pé celebrados com várias sociedades especializadas na área da exploração florestal.

20

Na sequência de uma inspeção tributária efetuada entre 5 de dezembro de 2017 e 2 de fevereiro de 2018, a autoridade tributária competente constatou que o volume de negócios de VB em setembro de 2011 tinha ultrapassado o limiar estabelecido pelo «regime especial de isenção» para as pequenas empresas previsto no Código Tributário. Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que quando um sujeito passivo, durante um ano civil, atinge ou ultrapassa esse limiar de isenção, é obrigado a registar‑se para efeitos de IVA no prazo de dez dias a contar do fim do mês em que atingiu ou ultrapassou esse limiar.

21

Uma vez que VB não se registou para efeitos de IVA durante o período submetido à inspeção tributária, nomeadamente, entre 1 de outubro de 2011 e 30 de setembro de 2017, os inspetores tributários reviram, retroativamente, o cálculo do IVA devido a partir de 1 de novembro de 2011, aplicando o método da dedução percentual, que consiste em considerar que o preço de venda abrangia igualmente o IVA.

22

A referida inspeção tributária foi concluída pela elaboração de um relatório de inspeção tributária e de uma nota de liquidação de 16 de fevereiro de 2018, com base nos quais VB estava obrigada a pagar o montante de 196634 lei romenos (RON) (cerca de 41300 euros), bem como os juros e as sanções pecuniárias compulsórias correspondentes.

23

VB apresentou reclamação da referida nota, alegando que as vendas de material lenhoso em pé estavam sujeitas ao mecanismo de autoliquidação, cuja aplicação está unicamente subordinada ao facto de os dois operadores em causa serem sujeitos passivos, mas não necessariamente à existência de um número de identificação para efeitos de IVA por parte do fornecedor.

24

Por Decisão de 12 de julho de 2018, a reclamação da VB foi indeferida com o fundamento de que, para a aplicação do mecanismo de autoliquidação, ao abrigo do artigo 160.o do Código Tributário, é condição obrigatória que tanto o fornecedor como o comprador estejam previamente registados para efeitos de IVA.

25

Por Sentença de 24 de junho de 2019, o Tribunalul București (Tribunal Regional de Bucareste, Roménia) deu provimento ao recurso interposto por VB com vista à anulação da nota de liquidação de 16 de fevereiro de 2018 e da Decisão de 12 de julho de 2018.

26

A referida sentença foi objeto de recurso, interposto no órgão jurisdicional de reenvio, a Curtea de Apel Bucureşti (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia), pela Direção‑Geral Regional das Finanças Públicas de Bucareste — Administração das Finanças Públicas do setor 1.

27

Esse órgão jurisdicional salienta que se VB tivesse sido registada para efeitos de IVA em setembro de 2011, teria estado sujeita ao mecanismo de autoliquidação, em conformidade com a derrogação ao sistema de cobrança do IVA previsto no artigo 193.o da Diretiva IVA concedida à Roménia com base nas Decisões de Execução 2010/583 e 2013/676. A este título, VB não seria devedora do IVA relativo às vendas de material lenhoso em pé, uma vez que, por força do referido mecanismo, este imposto é devido pelos adquirentes sujeitos passivos.

28

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio observa que o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente no seu Acórdão de 7 de março de 2018, Dobre (C‑159/17, EU:C:2018:161, n.os 32 e 33), que o registo para efeitos de IVA constitui apenas uma exigência formal do direito a dedução do IVA e não pode, por conseguinte, constituir um requisito material que impeça um sujeito passivo de exercer o referido direito.

29

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que o facto de se recusar a uma pessoa como VB a aplicação do mecanismo de autoliquidação leva ainda a que os sujeitos passivos que lhe tenham adquirido material lenhoso em pé não possam deduzir o IVA relativo a essas operações, na medida em que este imposto não foi corretamente faturado no momento do facto gerador. Por conseguinte, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se a jurisprudência do Tribunal de Justiça se opõe a que o registo para efeitos de IVA constitua um requisito para a aplicação do mecanismo de autoliquidação.

30

Nestas circunstâncias, a Curții de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«A Diretiva [IVA] e o princípio da neutralidade, em circunstâncias como as do processo principal, opõem‑se a uma regulamentação nacional ou a uma prática tributária segundo as quais o mecanismo de autoliquidação (medidas de simplificação) — previsto imperativamente para a venda de material lenhoso em pé — não é aplicável a uma pessoa submetida a uma inspeção e registada para efeitos de IVA posteriormente a essa inspeção, pelo facto de a pessoa inspecionada não ter solicitado e obtido o registo para efeitos de IVA antes de efetuar operações ou na data em que o limiar máximo [para efeitos de isenção desse imposto] foi ultrapassado?»

Quanto à questão prejudicial

31

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a Diretiva IVA e o princípio da neutralidade fiscal se opõem a uma regulamentação nacional segundo a qual o mecanismo de autoliquidação não é aplicável a um sujeito passivo que não tinha solicitado nem obtido oficiosamente, antes da realização das transações tributáveis, o seu registo para efeitos de IVA.

32

A título preliminar, importa recordar que o mecanismo de autoliquidação constitui uma exceção ao princípio que consta do artigo 193.o da Diretiva IVA, segundo o qual o IVA é devido por sujeitos passivos que efetuem entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis, e deve, por isso, ser objeto de interpretação estrita (v., neste sentido, Acórdão de 13 de fevereiro de 2019, Human Operator, C‑434/17, EU:C:2019:112, n.o 30 e jurisprudência referida).

33

Assim, em aplicação do referido mecanismo, não há qualquer pagamento de IVA entre o fornecedor e o adquirente de bens, sendo este último, no que toca às operações efetuadas, devedor do IVA a montante, podendo, em princípio, se for um sujeito passivo, deduzir este imposto de modo que, em tal caso, nenhum montante será devido à autoridade tributária (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2017, Farkas, C‑564/15, EU:C:2017:302, n.o 41 e jurisprudência referida).

34

A este respeito, há que constatar que o artigo 1.o, respetivamente, das Decisões de Execução 2010/583 e 2013/676 permite à Roménia derrogar, em conformidade com o artigo 395.o da Diretiva IVA, o princípio da tributação que consta do artigo 193.o desta diretiva, ao designar como devedor do IVA o sujeito passivo destinatário da entrega de produtos de madeira prevista no artigo 2.o de cada uma dessas decisões de execução, uma vez que as referidas atividades não figuram entre as operações mencionadas no artigo 199.o, n.o 1, da Diretiva IVA.

35

Ora, no caso em apreço, a aplicação do mecanismo de autoliquidação está subordinada, por força da regulamentação nacional em causa no processo principal, ou seja, o artigo 160.o, n.o 1, do Código Tributário, ao requisito de os sujeitos passivos abrangidos por esse mecanismo estarem registados para efeitos de IVA antes da realização das operações tributáveis. O Governo romeno sublinhou, nas suas observações escritas, que foram as dificuldades encontradas no mercado romeno da madeira no que respeita ao combate à fraude fiscal que levaram o legislador nacional a impor este requisito. A exigência de registo para efeitos de IVA garante, por outro lado, o controlo eficaz do cumprimento das obrigações fiscais e a cobrança exata do IVA.

36

A este respeito, importa sublinhar, em primeiro lugar, que não resulta da Diretiva IVA nem das Decisões de Execução 2010/583 ou 2013/676 que, quando um Estado‑Membro está autorizado a derrogar o artigo 193.o da Diretiva IVA, ao designar como pessoa responsável pelo pagamento do IVA o sujeito passivo destinatário da entrega de bens em causa, aplicando assim o mecanismo de autoliquidação a certas operações tributáveis, o legislador nacional desse Estado‑Membro está impedido de determinar, quando da aplicação dessa derrogação, condições de aplicação do referido mecanismo, desde que estas não violem o princípio da neutralidade fiscal.

37

Por um lado, esta leitura é corroborada pelo artigo 199.o, n.o 2, da Diretiva IVA, que permite aos Estados‑Membros especificar as categorias de fornecedores, prestadores, adquirentes ou destinatários às quais o mecanismo de autoliquidação pode ser aplicável.

38

Por outro lado, na medida em que o mecanismo de autoliquidação constitui uma exceção ao princípio previsto no artigo 193.o da Diretiva IVA, deve ser objeto de interpretação estrita, como resulta do n.o 32 do presente acórdão. Ora, a limitação prevista pela regulamentação nacional em causa no processo principal, ao sujeitar a aplicação do referido mecanismo ao requisito de os sujeitos passivos estarem previamente registados para efeitos de IVA, tem precisamente por efeito circunscrever o alcance dessa exceção.

39

Em segundo lugar, contrariamente ao que VB e a Comissão invocaram nas suas observações escritas, a regulamentação nacional em causa no processo principal não é contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto a montante seja concedida se as exigências materiais estiverem satisfeitas, mesmo que os sujeitos passivos tenham omitido certas exigências formais [Acórdão de 18 de março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução), C‑895/19, EU:C:2021:216, n.o 47 e jurisprudência referida].

40

É certo que resulta desta jurisprudência que a identificação para efeitos de IVA, prevista no artigo 214.o da Diretiva IVA, assim como a obrigação do sujeito passivo de declarar o início, a alteração e a cessação da atividade, prevista no artigo 213.o da mesma diretiva, são meras exigências formais para efeitos de controlo, que não podem pôr em causa, nomeadamente, o direito a dedução do IVA, se os requisitos materiais de constituição desse direito estiverem preenchidos (Acórdão de 18 de novembro de 2021, Promexor Trade, C‑358/20, EU:C:2021:936, n.o 35 e jurisprudência referida).

41

O Tribunal de Justiça declarou assim que um sujeito passivo de IVA não pode ser impedido de exercer o seu direito a dedução porque não estava identificado para efeitos de IVA antes de utilizar os bens adquiridos no âmbito da sua atividade tributada (Acórdão de 18 de novembro de 2021, Promexor Trade, C‑358/20, EU:C:2021:936, n.o 36 e jurisprudência referida).

42

No entanto, importa sublinhar que a referida jurisprudência visa garantir o respeito do princípio fundamental da neutralidade fiscal, ao exigir que a dedução do IVA pago a montante possa ser efetuada pelo sujeito passivo se as exigências materiais dessa dedução estiverem satisfeitas, mesmo que esse sujeito passivo tenha omitido certas exigências formais.

43

Ora, o direito a dedução do beneficiário da entrega deve, do mesmo modo, ser, em princípio, respeitado tanto no âmbito do mecanismo de autoliquidação como no sistema comum do IVA. Assim, o referido direito não é afetado pelo facto de ser recusado ao prestador a sujeição de uma entrega ao mecanismo de autoliquidação. A este respeito, há que salientar que uma faturação errada do IVA no momento do facto gerador, nomeadamente quando, como no caso em apreço, tiver sido estabelecida sem incluir o IVA, não basta, por si só, para privar um sujeito passivo do seu direito a dedução (v., por analogia, Acórdão de 21 de março de 2018, Volkswagen, C‑533/16, EU:C:2018:204, n.o 47).

44

Por conseguinte, há que constatar que a jurisprudência resultante do Acórdão de 18 de março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução) (C‑895/19, EU:C:2021:216), não é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal, uma vez que a recusa de aplicação do mecanismo de autoliquidação não viola nem o direito a dedução do IVA pago a montante pelo beneficiário da prestação em causa nem, deste modo, o princípio da neutralidade fiscal.

45

Em terceiro e último lugar, importa recordar que o princípio da neutralidade fiscal, que constitui a tradução pelo legislador da União, em matéria de IVA, do princípio geral da igualdade de tratamento, se opõe em especial a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (Acórdão de 17 de dezembro de 2020, WEG Tevesstraße, C‑449/19, EU:C:2020:1038, n.o 48 e jurisprudência referida).

46

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o referido princípio geral exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado. Uma diferença de tratamento é justificada quando se baseie num critério objetivo e razoável, ou seja, quando esteja relacionada com um objetivo legalmente admissível prosseguido pela regulamentação em causa, e seja proporcionada ao objetivo prosseguido pelo tratamento em questão (Acórdão de 3 de fevereiro de 2021, Fussl Modestraße Mayr, C‑555/19, EU:C:2021:89, n.o 95 e jurisprudência referida).

47

Importa observar que, no presente processo, o critério que justifica a limitação da aplicação do mecanismo de autoliquidação reveste um caráter objetivo, na medida em que a regulamentação nacional em causa no processo principal obriga indistintamente todos os sujeitos passivos, vendedores ou compradores, envolvidos numa entrega de produtos de madeira referidos no artigo 2.o, respetivamente, das Decisões de Execução 2010/583 e 2013/676 a registarem‑se para efeitos de IVA.

48

O objetivo prosseguido por esta limitação é a segurança jurídica e a clareza jurídica. No âmbito de circunstâncias como as que estão em causa no litígio no processo principal, o beneficiário de uma entrega de bens é devedor de IVA se a operação estiver sujeita a este imposto, o que depende, nomeadamente, do volume de negócios do fornecedor, que pode beneficiar do regime especial de isenção previsto pela regulamentação romena relativa às pequenas empresas. Ora, para o beneficiário da entrega é difícil verificar tal requisito. A este respeito, importa sublinhar que, no caso em apreço, resulta nomeadamente do considerando 6 da Decisão de Execução 2010/583 que o mercado da madeira romeno é constituído por um grande número de pequenas empresas que as autoridades romenas consideraram difíceis de controlar.

49

Ao impor aos sujeitos passivos um requisito de registo para efeitos de IVA, o beneficiário da operação tributável dispõe de um critério mais acessível para conhecer, de maneira exata, o alcance das suas obrigações fiscais, uma vez que o direito romeno exclui da obrigação de registo para efeitos de IVA os sujeitos passivos que beneficiam da isenção aplicável às pequenas empresas e que, assim, não efetuam operações que confiram direito a dedução.

50

Por conseguinte, a diferença de tratamento afigura‑se proporcionada ao objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa no processo principal, na medida em que, por um lado, o registo para efeitos de IVA decorre do próprio direito da União, nomeadamente, do artigo 214.o da Diretiva IVA, e, por outro, o direito a dedução dos sujeitos passivos em causa não é, em princípio, posto em causa.

51

À luz de todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que a Diretiva IVA e o princípio da neutralidade fiscal não se opõem a uma regulamentação nacional segundo a qual o mecanismo de autoliquidação não é aplicável a um sujeito passivo que não tinha solicitado nem obtido oficiosamente, antes da realização das transações tributáveis, o seu registo para efeitos de IVA.

Quanto às despesas

52

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

 

A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e o princípio da neutralidade fiscal não se opõem a uma regulamentação nacional segundo a qual o mecanismo de autoliquidação não é aplicável a um sujeito passivo que não tinha solicitado nem obtido oficiosamente, antes da realização das transações tributáveis, o seu registo para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.

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