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Document 62021CC0819

Conclusões do advogado-geral N. Emiliou apresentadas em 4 de maio de 2023.
Staatsanwaltschaft Aachen.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Aachen.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Reconhecimento das sentenças que imponham penas ou medidas privativas da liberdade para efeitos da sua execução noutro Estado‑Membro — Decisão‑Quadro 2008/909/JAI — Artigos 3.o, n.o 4, e 8.o — Recusa de execução — Artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito fundamental a um processo equitativo perante um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei — Falhas sistémicas ou generalizadas no Estado‑Membro de emissão — Exame em duas fases — Revogação da suspensão da execução que acompanha uma pena privativa de liberdade aplicada por um Estado‑Membro — Execução desta pena por um Estado‑Membro.
Processo C-819/21.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:386

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NICHOLAS EMILIOU

apresentadas em 4 de maio de 2023 ( 1 )

Processo C‑819/21

Staatsanwaltschaft Aachen

sendo interveniente:

MD

[Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Aachen (Tribunal Regional de Aachen, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Decisão‑Quadro 2008/909/JAI — Cooperação judiciária em matéria penal — Pena privativa de liberdade aplicada num Estado‑Membro no qual, segundo o órgão jurisdicional do Estado‑Membro de execução, o sistema judiciário deixou de assegurar o direito a um processo equitativo — Possibilidade de recusar a execução de uma sentença estrangeira»

I. Introdução

1.

MD é um cidadão polaco que foi condenado pelo Sąd Rejonowy Szczecin‑Prawobrzeże (Tribunal de Primeira Instância de Szczecin‑Prawobrzeże, Polónia) a uma pena privativa de liberdade de seis meses. A suspensão inicial dessa pena foi posteriormente revogada pelo mesmo tribunal e, para efeitos de cumprimento da mesma, o Sąd Okregowy Szczecin (Tribunal Regional de Szczecin, Polónia) emitiu um mandado de detenção europeu (a seguir «MDE») com base no qual MD foi detido na Alemanha. No entanto, a execução deste MDE foi recusada pelas autoridades alemãs com o fundamento de que MD tinha a sua residência habitual na Alemanha. Por conseguinte, o órgão jurisdicional competente polaco pediu às autoridades alemãs que executassem a pena aplicada a MD em conformidade com o regime estabelecido na Decisão‑Quadro 2008/909/JAI ( 2 ).

2.

O Landgericht Aachen (Tribunal Regional de Aachen, Alemanha), órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, pretende que se esclareça se pode recusar esse pedido, tendo em conta a situação resultante das controversas reformas judiciais na Polónia que deram origem a vários acórdãos do Tribunal de Justiça. Tal situação leva o órgão jurisdicional de reenvio a duvidar de que o direito de MD a um processo equitativo possa ser considerado garantido num contexto em que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, falhas generalizadas afetam o Estado de direito e a exigência de independência do poder judiciário desse Estado‑Membro.

3.

O órgão jurisdicional de reenvio questiona, mais especificamente, quanto à aplicabilidade, ao regime de reconhecimento mútuo estabelecido pela Decisão‑Quadro 2008/909, da jurisprudência do Tribunal de Justiça atinente à Decisão‑Quadro relativa ao MDE ( 3 ), segundo a qual a execução desse mandado pode excecionalmente ser recusada, fora dos motivos nela expressamente previstos, quando se verifique, na sequência de um exame em duas fases (cuja natureza será aqui explicada e analisada), que essa execução implicaria um risco real de violação do direito fundamental a um processo equitativo garantido pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») ( 4 ). A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pretende que se esclareçam as condições em que esse exame deve ser efetuado, bem como o momento adequado em relação ao qual deve ser efetuado.

II. Quadro jurídico

4.

O artigo 47.o, segundo parágrafo, primeiro período, da Carta enuncia que «[t]oda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei».

5.

O artigo 3.o, n.o 4, da Decisão‑Quadro 2008/909 precisa que a mesma «não tem por efeito alterar a obrigação de respeitar os direitos fundamentais e os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o [TUE]».

6.

O artigo 4.o, n.o 1, alíneas a) a c), desta decisão‑quadro enumera três categorias diferentes de Estados‑Membros de execução aos quais pode ser transmitido um pedido de reconhecimento de uma sentença e de execução de uma condenação. Trata‑se a) do Estado‑Membro de que a pessoa condenada é nacional e no qual vive; ou b) do Estado‑Membro de que a pessoa condenada é nacional para o qual, não sendo embora o Estado‑Membro onde ela vive, será reconduzida uma vez cumprida a pena, na sequência de uma medida de expulsão ou de recondução à fronteira, incluída numa sentença ou decisão judicial ou administrativa, ou de qualquer outra medida decorrente da sentença; ou c) de qualquer Estado‑Membro, que não os Estados referidos nas alíneas a) ou b), cuja autoridade competente consinta na transmissão da sentença e da certidão.

7.

O artigo 8.o, n.o 1, dispõe que «[a] autoridade competente do Estado de execução deve reconhecer a sentença enviada nos termos do artigo 4.o e segundo os procedimentos previstos no artigo 5.o e tomar imediatamente todas as medidas necessárias à execução da condenação, exceto se a autoridade competente decidir invocar um dos motivos de recusa do reconhecimento e da execução previstos no artigo 9.o».

8.

O artigo 9.o, n.o 1, alíneas a) a l), da Decisão‑Quadro 2008/909 enumera os motivos com base nos quais a «autoridade competente do Estado[‑Membro] de execução pode recusar o reconhecimento da sentença e a execução da condenação».

III. Matéria de facto, tramitação processual nacional e questões prejudiciais

9.

MD é um cidadão polaco com residência habitual na Alemanha. Em 7 de agosto de 2018, o Sąd Rejonowy Szczecin‑Prawobrzeże (Tribunal de Primeira Instância de Szczecin‑Prawobrzeże) condenou‑o numa pena privativa de liberdade de seis meses e suspendeu a execução dessa pena com regime de prova (a seguir «sentença inicial»). MD não esteve presente na audiência de julgamento.

10.

Por Despacho de 16 de julho de 2019, o mesmo tribunal revogou a suspensão e ordenou a execução da pena privativa de liberdade.

11.

Em 17 de dezembro de 2020, a Generalstaatsanwaltschaft Köln (Procuradoria‑Geral de Colónia, Alemanha) decidiu não executar o MDE emitido pelo Sąd Okregowy Szczecin (Tribunal Regional de Szczecin), com o fundamento de que MD tinha a sua residência habitual na Alemanha e se opusera à sua entrega às autoridades polacas ( 5 ).

12.

Em 26 de janeiro de 2021, o Sąd Okregowy Szczecin (Tribunal Regional de Szczecin) transmitiu à Generalstaatsanwaltschaft Berlin (Procuradoria‑Geral de Berlim, Alemanha) uma cópia autenticada da sentença inicial, acompanhada da certidão prevista no artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2008/909, para efeitos de execução da pena privativa de liberdade aplicada. Estes documentos foram transmitidos ao Staatsanwaltschaft Aachen (Ministério Público de Aachen, Alemanha) territorialmente competente; a seguir «MP de Aachen»).

13.

Após ter ouvido MD e considerando que estavam reunidas as condições de execução da pena privativa de liberdade em causa, o MP de Aachen pediu ao Landgericht Aachen (Tribunal Regional de Aachen) que executasse a sentença inicial, em conjugação com o despacho de revogação da suspensão da execução da pena, e que aplicasse uma pena privativa de liberdade de seis meses.

14.

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se pode recusar o reconhecimento das decisões judiciais em causa e a execução da condenação imposta, uma vez que, em seu entender, elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados sobre a situação do poder judiciário na Polónia indicam que existem razões para acreditar que as condições existentes no momento da prolação da sentença inicial e do despacho que revogou a suspensão da pena eram (e continuam a ser) incompatíveis com o princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.o TUE e com a exigência de independência da justiça que constitui o conteúdo essencial do direito fundamental de MD a um processo equitativo na aceção do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

15.

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio baseia‑se na Proposta da Comissão relativa à verificação da existência de um risco manifesto de violação grave, pela República da Polónia, do Estado de direito ( 6 ) e na jurisprudência relativa à independência da justiça polaca adotada pelo Tribunal de Justiça ( 7 ), pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e pelos órgãos jurisdicionais nacionais. Chama igualmente a atenção para várias situações em que as autoridades polacas se consideraram não vinculadas pelo primado do direito da União.

16.

Nestas circunstâncias, o Landgericht Aachen (Tribunal Regional de Aachen) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Pode o tribunal do Estado‑Membro de execução chamado a pronunciar‑se sobre a declaração de executoriedade de uma sentença de outro Estado‑Membro, com fundamento no artigo 3.o, n.o 4, da [Decisão‑Quadro 2008/909], em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da [Carta], recusar o reconhecimento e a execução da condenação imposta nessa sentença, nos termos do artigo 8.o da [Decisão‑Quadro 2008/909], se existirem indícios de que, no momento da adoção da decisão a executar ou das decisões subsequentes com ela relacionadas, a situação nesse Estado‑Membro é incompatível com o direito fundamental a um processo equitativo, visto que nesse Estado‑Membro o próprio sistema judiciário deixou de respeitar o princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.o TUE?

2)

Pode o tribunal do Estado‑Membro de execução chamado a pronunciar‑se sobre a declaração de executoriedade de uma sentença de outro Estado‑Membro, com fundamento no artigo 3.o, n.o 4, da [Decisão‑Quadro 2008/909], em conjugação com o princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.o TUE, […] recusar o reconhecimento e a execução da condenação imposta nessa sentença, nos termos do artigo 8.o da [Decisão‑quadro 2008/909], se existirem indícios de que, no momento da decisão sobre a declaração de executoriedade, o sistema judiciário desse Estado‑Membro deixou de respeitar o princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.o TUE?

3)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

É necessário, antes de recusar o reconhecimento de uma sentença de um tribunal de outro Estado‑Membro e a execução da condenação imposta nessa sentença com fundamento no artigo 3.o, n.o 4, da [Decisão‑Quadro 2008/909], em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da [Carta], por existirem indícios de que a situação nesse Estado‑Membro é incompatível com o direito fundamental a um processo equitativo, visto que nesse Estado‑Membro o próprio sistema judiciário deixou de respeitar o princípio do Estado de direito, examinar, numa segunda fase, se a situação incompatível com o direito fundamental a um processo equitativo produziu efeitos concretos no processo em questão, em detrimento da(s) pessoa(s) condenada(s)?

4)

Em caso de resposta negativa à primeira e/ou à segunda questões, ou seja, no sentido de que a decisão sobre se a situação num Estado‑Membro é incompatível com o direito fundamental a um processo equitativo, visto que nesse Estado‑Membro o próprio sistema judiciário deixou de respeitar o princípio do Estado de direito, não cabe aos tribunais dos Estados‑Membros, mas sim ao Tribunal de Justiça da União Europeia:

Em 7 de agosto de 2018 e/ou 16 de julho de 2019, o sistema judiciário da República da Polónia respeitava o princípio do Estado de direito ao abrigo do artigo 2.o TUE, e o sistema judiciário da República da Polónia respeita atualmente este princípio?»

17.

Foram apresentadas observações escritas pelos Governos neerlandês e polaco e pela Comissão Europeia. Estas partes intervenientes responderam igualmente à questão que lhes foi colocada pelo Tribunal de Justiça.

IV. Análise

18.

Com as suas quatro questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende que se esclareça se, e em que condições, pode excecionalmente recusar o reconhecimento de uma sentença que lhe foi transmitida em aplicação do regime estabelecido pela Decisão‑Quadro 2008/909 com vista à execução de uma pena privativa de liberdade, fora dos motivos explícitos previstos para este efeito nesse instrumento, quando a aplicação desse regime conduza, em substância, a sanar uma violação anterior do direito a um processo equitativo. Esta violação resulta, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, das falhas generalizadas que afetam a independência do poder judiciário do Estado‑Membro de emissão, o que torna impossível a salvaguarda adequada desse direito.

19.

Para dar início à minha análise, começarei por apresentar observações preliminares sobre o contexto e o conteúdo da decisão de reenvio (A). Em seguida, analisarei as questões prejudiciais, abordando, primeiro, o motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução de um MDE, que o Tribunal de Justiça desenvolveu no contexto da Decisão‑Quadro relativa ao MDE e que inspirou o presente reenvio prejudicial que se refere, especificamente, à Decisão‑Quadro 2008/909 (B). Depois, apreciarei se, e em que medida, esse motivo não escrito é transponível para o âmbito deste instrumento, que constitui outro instrumento de cooperação judiciária em matéria penal na União Europeia, relativamente ao qual esta questão se coloca pela primeira vez perante o Tribunal de Justiça (C). Por último, abordarei a questão de saber qual é o momento adequado no tempo em relação ao qual há que fazer aplicação deste motivo não escrito e excecional (D).

A.   Observações preliminares sobre o contexto e o conteúdo da decisão de reenvio

20.

Como já salientado, o presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a aplicação da Decisão‑Quadro 2008/909. Este instrumento insere‑se no espaço de liberdade, segurança e justiça, que se rege pelo princípio do reconhecimento mútuo e assenta na confiança recíproca que os Estados‑Membros devem ter nos sistemas de justiça penal dos outros Estados‑Membros ( 8 ). Em suma, essa confiança mútua obriga cada Estado‑Membro a presumir que o direito da União, incluindo os direitos fundamentais por ele garantidos, é respeitado em todos os outros Estados‑Membros ( 9 ).

21.

Destas breves observações decorre que a Decisão‑Quadro 2008/909 é regida, no que releva para o caso em apreço, pelos mesmos princípios gerais que os subjacentes à Decisão‑Quadro relativa ao MDE ( 10 ).

22.

Como se explicará mais pormenorizadamente, esta decisão‑quadro baseia‑se na obrigação de executar um MDE, sob reserva apenas dos motivos de recusa taxativamente enumerados. Por outro lado, o Tribunal de Justiça precisou que a execução de um MDE não pode expor a pessoa em causa a um risco real de violação de certos dos seus direitos fundamentais garantidos pela Carta nem, como declarou posteriormente, a sua aplicação pode sanar certas violações já cometidas. Para evitar a materialização de situações deste tipo, o Tribunal de Justiça desenvolveu um motivo adicional e não escrito de recusa de execução de um MDE que, no entanto, só pode ser aplicado em circunstâncias excecionais.

23.

Para determinar se tais circunstâncias se verificam, o Tribunal de Justiça desenvolveu um exame em duas fases a ser aplicado pela respetiva autoridade nacional competente. Em síntese, este exame implica determinar, numa primeira fase, se existem, no Estado‑Membro de emissão do MDE, falhas sistémicas ou generalizadas suscetíveis de afetar o direito fundamental em causa. Em caso afirmativo, a segunda fase do exame implica verificar se essas falhas sistémicas ou generalizadas criam um risco real de violação do direito fundamental em causa ou se já afetaram esse direito de forma concreta.

24.

Entendo que foi a semelhança dos princípios subjacentes à cooperação judiciária ao abrigo da Decisão‑Quadro relativa ao MDE, por um lado, e da Decisão‑Quadro 2008/909, por outro, que levou o órgão jurisdicional de reenvio a perguntar se o motivo não escrito acima referido se aplica igualmente no âmbito desta última decisão‑quadro. Em contrapartida, entendo que certas diferenças entre estes instrumentos levam o órgão jurisdicional de reenvio a perguntar se este motivo se aplica segundo as mesmas modalidades.

25.

Além da questão principal e implícita relativa à aplicabilidade do motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução de um MDE, desenvolvido na jurisprudência do Tribunal de Justiça no contexto da Decisão‑Quadro relativa ao MDE, o órgão jurisdicional de reenvio suscita, expressa ou implicitamente, quatro questões específicas que podem ser apresentadas do modo a seguir exposto.

26.

Interroga‑se, em primeiro lugar, sobre se o exame em duas fases exigido no que respeita ao motivo não escrito e excecional em causa se pode limitar à primeira fase ou se é igualmente necessário realizar a segunda fase e verificar se as falhas identificadas relativamente à independência do poder judiciário do Estado‑Membro de emissão afetaram o direito fundamental de MD a um processo equitativo antes de ser recusada a execução da decisão do órgão jurisdicional deste Estado‑Membro (terceira questão lida em conjugação com a primeira e segunda questões).

27.

Em segundo lugar, nas circunstâncias específicas do caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto ao momento em relação ao qual esse exame deve ser efetuado: se se trata da data em que foi proferida a sentença inicial que aplicou a pena, ou da data em que a suspensão da execução da pena foi revogada (primeira questão), ou se se trata da data em que a autoridade de execução tem de se pronunciar sobre o reconhecimento da sentença e a execução da condenação (segunda questão).

28.

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre se a apreciação da situação existente no que respeita ao poder judiciário do Estado‑Membro de emissão é da competência do órgão jurisdicional nacional ou se constitui uma questão de «interpretação dos Tratados», reservada ao Tribunal de Justiça. Tratando‑se desta segunda hipótese, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se este sistema judiciário, nas datas relevantes, respeitava o princípio do Estado de direito (quarta questão).

29.

Nas secções seguintes das presentes conclusões, abordarei estas questões em conjunto, recordando, em primeiro lugar, a génese do motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução de um MDE e, em segundo lugar, a sua aplicabilidade e as condições para a sua aplicação à Decisão‑Quadro 2008/909, incluindo, em terceiro lugar, o quadro temporal adequado.

B.   Motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução de um MDE

30.

O Tribunal de Justiça introduziu o motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução de um MDE no seu Acórdão Aranyosi e Căldăraru ( 11 ), no qual se considerou que a entrega das pessoas em causa comportava o risco de essas pessoas ficarem expostas a uma violação da proibição absoluta de tratos desumanos ou degradantes ( 12 ), tendo em conta as falhas sistémicas das condições de detenção no Estado‑Membro de emissão.

31.

Neste contexto, o Tribunal de Justiça recordou que os Estados‑Membros são, em princípio, obrigados a executar um MDE ( 13 ), sob reserva apenas dos motivos de recusa obrigatória e facultativa de execução, exaustivamente estabelecidos nos artigos 3.o, 4.o e 4.o‑A da Decisão‑Quadro relativa ao MDE. Nenhum dos motivos enumerados nas referidas disposições se aplicava à situação em causa. Todavia, o Tribunal de Justiça declarou que a execução de um MDE pode igualmente ser recusada, em circunstâncias excecionais, quando, em primeiro lugar, se verifique a existência de falhas sistémicas ou generalizadas suscetíveis de afetar a proteção de um direito fundamental em causa e, em segundo lugar, existam motivos sérios e comprovados para considerar que a pessoa procurada pelo MDE correrá um risco real de violação do seu direito fundamental em causa se for entregue ( 14 ).

32.

O Tribunal de Justiça confirmou a aplicação deste motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução de um MDE, bem do exame em duas fases em que assenta, no seu Acórdão Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), no âmbito do direito fundamental a um processo equitativo perante um tribunal independente, conforme previsto no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta. Decorre desse acórdão que a autoridade judiciária de execução se pode abster de dar cumprimento a um MDE quando, em primeiro lugar, com fundamento em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados relativos ao funcionamento do sistema judiciário no Estado‑Membro de emissão, constatar que existe um risco real de violação do direito fundamental a um processo equitativo, associado a uma falta de independência dos órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro, em razão de falhas sistémicas ou generalizadas e que, em segundo lugar, nas circunstâncias do caso concreto, existem motivos sérios e comprovados para acreditar que, na sequência da sua entrega, a pessoa procurada correrá esse risco ( 15 ).

33.

Nos seus Acórdãos Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) ( 16 ) e Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão) ( 17 ), o Tribunal de Justiça confirmou que, quando o órgão jurisdicional nacional está convencido de que a primeira condição do exame em duas fases está preenchida, continua a ser necessário proceder à segunda fase e apreciar as circunstâncias concretas da situação.

34.

Além disso, embora a aplicação do motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução do MDE tenha sido inicialmente abordada em face de circunstâncias factuais que apenas tornavam relevante o exame de uma violação prospetiva do direito fundamental em causa («risco real»), o Tribunal de Justiça esclareceu que este motivo se aplica igualmente às situações que implicam a prova de uma violação passada (quando o MDE em causa foi emitido com vista à execução de uma pena privativa de liberdade aplicada no âmbito de um processo penal sobre o qual as falhas sistémicas ou generalizadas identificadas no que respeita à independência do poder judiciário do Estado‑Membro de emissão tiveram uma incidência concreta) ( 18 ).

C.   Motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução de um MDE e Decisão‑Quadro 2008/909

35.

Antes de abordar a questão principal de saber se o motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução de um MDE também se aplica, mutatis mutandis, à Decisão‑Quadro 2008/909 (2), pronunciar‑me‑ei sobre a questão de saber se tal questão é de algum modo relevante para a situação no processo principal. Com efeito, essa relevância só existe se o órgão jurisdicional de reenvio se encontrar numa situação em que o regime jurídico desse instrumento impõe uma obrigação de reconhecer a sentença e de executar a condenação em causa (1).

1. Quanto à existência de uma obrigação de reconhecer a sentença e de executar a condenação

36.

Recordo que o motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução de um MDE foi desenvolvido para evitar um risco real de violação de certos direitos fundamentais protegidos pela Carta (ou de evitar que uma violação seja posteriormente sanada), o que, caso essa necessidade seja demonstrada, implica uma exceção à obrigação de executar um MDE.

37.

Assim, para que este motivo se torne relevante no âmbito da Decisão‑Quadro 2008/909, importa verificar se a autoridade de execução se encontra numa situação em que tem uma obrigação de reconhecer a sentença que lhe foi transmitida e de executar a condenação imposta nessa sentença. Todavia, nem todos os casos abrangidos por este instrumento geram tal obrigação.

38.

Com efeito, este instrumento faz uma distinção entre várias situações, em função da relação entre a pessoa condenada em causa e o Estado‑Membro ao qual o pedido de reconhecimento foi dirigido.

39.

Ao abrigo do artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/909, o Estado‑Membro de emissão pode apresentar um pedido nesse sentido: a) ao Estado‑Membro de que a pessoa condenada é nacional e no qual vive; b) ao Estado‑Membro de que a pessoa condenada é nacional para o qual, não sendo embora o Estado‑Membro onde ela vive, será reconduzida uma vez cumprida a pena; ou c) a qualquer outro Estado‑Membro «cuja autoridade competente consinta na transmissão da sentença e da certidão».

40.

Por outras palavras, enquanto as duas primeiras hipóteses criam uma obrigação de reconhecer a sentença e de executar a condenação em causa, a terceira está subordinada a um consentimento que pode ou não ser dado ( 19 ). Por conseguinte, esta terceira situação não implica, por si só, a obrigação de deferir um pedido apresentado nesse sentido.

41.

O despacho de reenvio contém informações que revelam que MD é nacional do Estado‑Membro de emissão e residente no Estado de execução. Estas informações parecem indicar, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que MD não é (também) nacional deste último. No entanto, a meu ver, a diferenciação estabelecida pelo artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/909 deixa de ser, em todo o caso, relevante quando o pedido de reconhecimento tiver sido apresentado na sequência de uma recusa de execução de um MDE na aceção do artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro relativa ao MDE. Com efeito, por força desta disposição, como salientado, o Estado‑Membro de execução pode recusar a execução de um MDE se se comprometer a executar a pena em causa ( 20 ).

42.

Depreendo dos autos que se afigura ser esse o caso do processo principal ( 21 ), que é objeto, de modo geral, do artigo 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909, nos termos do qual «o disposto [neste instrumento] deve aplicar‑se, mutatis mutandis, na medida em que seja compatível com as disposições [da Decisão‑Quadro relativa ao MDE], à execução de condenações, se um Estado‑Membro tiver decidido executar a condenação nos casos abrangidos pelo n.o 6 do artigo 4.o [da Decisão‑Quadro relativa ao MDE]».

43.

Em meu entender, se o Estado‑Membro de execução fosse autorizado a recusar, com base no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da Decisão‑Quadro 2008/909, o reconhecimento de uma sentença depois de ter recusado a execução de um MDE com base no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro relativa ao MDE, isso conduziria a uma situação incompatível com este último instrumento ( 22 ). Por conseguinte, considero que, quando o pedido de reconhecimento e de execução é apresentado neste contexto específico, isso não deixa qualquer margem de apreciação, mesmo que, de outro modo, a situação em causa se enquadrasse no cenário discricionário previsto no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da Decisão‑Quadro 2008/909 ( 23 ).

44.

Nestas circunstâncias, a questão de saber se o motivo não escrito e excecional acima referido é aplicável a este instrumento, e em que condições, deve ser examinada mais pormenorizadamente.

2. Aplicabilidade à Decisão‑Quadro 2008/909 do motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução de um MDE

45.

Para apreciar esta questão, começarei por recordar a minha observação anterior de que a Decisão‑Quadro 2008/909, à semelhança da Decisão‑Quadro relativa ao MDE, é um instrumento do espaço de liberdade, segurança e justiça.

46.

Em segundo lugar, como observado, esta Decisão‑Quadro 2008/909, tal como a Decisão‑Quadro relativa ao MDE, baseia‑se no princípio do reconhecimento mútuo, o qual, por seu turno, decorre da confiança mútua que os Estados‑Membros devem ter nos respetivos sistemas jurídicos. Esta confiança mútua exige que os Estados‑Membros, salvo em circunstâncias excecionais, considerem que todos os outros Estados‑Membros respeitam o direito da União e os direitos fundamentais reconhecidos pelo direito da União ( 24 ).

47.

Em terceiro lugar, é por essa razão que, em regra, quando aquele instrumento impõe à autoridade de execução uma obrigação de reconhecer uma sentença e de executar uma condenação, o pedido apresentado para esse efeito deve ser acolhido, em aplicação do artigo 8.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/909, sob reserva apenas dos motivos de recusa taxativamente enumerados no artigo 9.o, n.o 1, do mesmo instrumento ( 25 ). Entendo que nenhum destes motivos é aplicável no processo principal ( 26 ).

48.

Todavia, como recordado, a confiança mútua não constitui uma confiança cega ( 27 ). Com efeito, o direito da União deve ser sempre interpretado em conformidade com a Carta, a fim de evitar situações em que a sua aplicação implique um risco real de violação dos direitos fundamentais nela garantidos ou, no que releva para o caso em apreço, em que a sua aplicação implique sanar certas situações nas quais essa violação já tenha ocorrido. Esta ideia é retomada na cláusula relativa aos «direitos fundamentais» prevista no artigo 3.o, n.o 4, da Decisão‑Quadro 2008/909, que, à semelhança do artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro relativa ao MDE, precisa que a mesma não tem por efeito alterar a obrigação de respeitar os direitos fundamentais e os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o TUE ( 28 ).

49.

Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, referida na secção anterior das presentes conclusões, que se a execução de um MDE devesse conduzir à execução de uma condenação proferida em resultado de um processo penal afetado por falhas sistémicas ou generalizadas no que diz respeito à independência do poder judiciário do Estado‑Membro de emissão e que, por essa razão, influenciou de forma concreta o tratamento do processo em questão, tal resultaria na violação do direito da pessoa em causa a um processo equitativo ( 29 ).

50.

Uma vez que a Decisão‑Quadro 2008/909 e a Decisão‑Quadro relativa ao MDE operam com base nos mesmos princípios subjacentes de confiança e de reconhecimento mútuos que podem conduzir a uma execução efetiva de uma pena privativa de liberdade, considero que o motivo não escrito que permite a recusa excecional de um pedido da autoridade competente de outro Estado‑Membro se deve aplicar em relação a ambos estes instrumentos. Com efeito, a aplicação prática destes dois instrumentos pode dar lugar a uma situação em que seja necessário prevenir as consequências negativas descritas em termos gerais no número anterior.

51.

Além disso, a semelhança das características subjacentes a estes instrumentos leva‑me a considerar que o motivo não escrito em causa deve ser aplicado nas mesmas condições, independentemente de qual destes dois instrumentos é invocado. Isto significa que, como também sugerido pelos Governos neerlandês e polaco e pela Comissão, a aplicação deste motivo deve assentar no mesmo exame em duas fases que o Tribunal de Justiça desenvolveu no contexto da Decisão‑Quadro relativa ao MDE. Com efeito, à semelhança do que o Tribunal de Justiça observou nesse contexto, considero que, independentemente da gravidade das falhas sistémicas ou generalizadas, o simples facto de existirem não afeta necessariamente todas as decisões que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em causa sejam levados a adotar em cada caso específico ( 30 ).

52.

É isto que torna a segunda fase individualizada do exame necessária ao abrigo da Decisão‑Quadro relativa ao MDE e é também o que a torna necessária no âmbito da Decisão‑Quadro 2008/909.

53.

Esta conclusão não é, a meu ver, afetada pelo Acórdão OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau) ( 31 ), nem pela inexistência, na Decisão‑Quadro 2008/909, de uma disposição equivalente ao considerando 10 da Decisão‑Quadro relativa ao MDE. O órgão jurisdicional de reenvio baseia‑se nestes dois elementos para fundamentar a sua opinião de que a aplicação da primeira fase do exame é suficiente.

54.

No que respeita, em primeiro lugar, ao Acórdão OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau), o Tribunal de Justiça explicou nesse acórdão, em suma, quais as exigências que «uma autoridade judiciária de emissão» na aceção da Decisão‑Quadro relativa ao MDE deve cumprir para ser considerada «independente» e poder, assim, emitir MDE suscetíveis de desencadear os efeitos jurídicos que o direito da União lhes atribui. As procuradorias em causa nesses processos não cumpriam tais exigências, o que as privava da qualidade de «autoridade judiciária de emissão» na aceção da Decisão‑Quadro relativa ao MDE.

55.

Em reação a esse acórdão, o Tribunal de Justiça foi confrontado com a questão de saber se a conclusão a que chegou nesse processo significa que, quando são identificadas falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita à independência do poder judiciário, essas falhas implicam que todos os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro afetado perdem o seu estatuto de «autoridade judiciária de emissão», o que dispensaria a autoridade de execução da necessidade de efetuar a segunda fase do exame subjacente à aplicação do motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução de um MDE ( 32 ).

56.

O Tribunal de Justiça respondeu de forma negativa. Explicou que a conclusão a que chegou no Acórdão OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau) se baseava, não em falhas sistémicas ou generalizadas do sistema nacional em questão, mas no facto de as procuradorias em causa nesse processo estarem subordinadas ao executivo, que poderia instruí‑las quanto à emissão ou não de um MDE num determinado caso ( 33 ).

57.

Pelo contrário, as situações que conduziram ao desenvolvimento do motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução de um MDE envolvem um cenário em que um MDE foi emitido por um órgão jurisdicional, cuja independência estrutural em relação ao executivo não deve prima facie ser posta em causa, precisamente por se tratar de um órgão jurisdicional e não de um procurador. Decorre da jurisprudência do Tribunal que esta premissa só pode ser examinada na situação excecional de falhas sistémicas ou generalizadas do sistema judiciário enquanto tal, que suscitam dúvidas sobre o modo como os órgãos jurisdicionais que fazem parte desse sistema funcionam de facto. No entanto, uma vez que tais falhas sistémicas ou generalizadas podem ter um impacto diferente no conjunto do poder judiciário em causa, é necessário determinar não só que existem (primeira fase), mas também que são suscetíveis de afetar, ou já afetaram, o caso concreto em apreço (segunda fase).

58.

O mesmo raciocínio deve, a meu ver, aplicar‑se no âmbito da Decisão‑Quadro 2008/909. A aplicação deste instrumento assenta no reconhecimento mútuo das decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros cuja independência não pode ser posta em causa, salvo em circunstâncias excecionais. Uma vez que, como já observado, tais circunstâncias excecionais podem ter um impacto diferenciado no conjunto do poder judiciário do Estado de emissão afetado, há que examinar as suas consequências específicas no caso concreto.

59.

Em segundo lugar, e contrariamente ao que sugere o órgão jurisdicional de reenvio, a conclusão quanto à aplicabilidade de ambas as fases do exame não é afetada pela inexistência, na Decisão‑Quadro 2008/909, de uma disposição equivalente ao considerando 10 da Decisão‑Quadro relativa ao MDE. Este considerando enuncia que a execução do mecanismo do MDE «só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos princípios enunciados no [artigo 2.o TUE]» e em conformidade com o procedimento previsto no artigo 7.o TUE.

60.

É verdade que, no seu Acórdão Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), o Tribunal de Justiça se baseou nesse considerando para declarar que não havia que proceder à segunda fase do exame se, em resultado do procedimento previsto no artigo 7.o, n.o 2, TUE, o Conselho suspendesse a aplicação da Decisão‑Quadro relativa ao MDE em relação ao Estado‑Membro em causa ( 34 ).

61.

Todavia, daqui não decorre que a inexistência de uma disposição na Decisão‑Quadro 2008/909 que se refira a esse procedimento implique que o mesmo possa ser substituído por uma decisão de um órgão jurisdicional nacional.

62.

No âmbito da Decisão‑Quadro relativa ao MDE, o Tribunal de Justiça foi muito claro ao declarar que a não aplicação da segunda fase do exame implicaria uma exclusão geral (inaceitável) da aplicação do princípio da confiança e do reconhecimento mútuos às decisões adotadas pelos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em causa ( 35 ).

63.

Considero que a mesma observação é válida no que respeita à Decisão‑Quadro 2008/909. Como também observado, em princípio, pelos Governos neerlandês e polaco e pela Comissão, a inexistência de uma referência expressa, nesse ato de direito derivado, ao mecanismo de suspensão previsto no artigo 7.o, n.o 2, TUE em nada altera o facto de que a suspensão geral da sua aplicação em relação a um determinado Estado‑Membro só pode resultar desse mecanismo.

64.

Por último, quanto à dúvida do órgão jurisdicional de reenvio sobre se a primeira fase do exame deve ser realizada pelos órgãos jurisdicionais nacionais ou se se trata de uma questão de interpretação do direito da União reservada ao Tribunal de Justiça, reconheço plenamente a preocupação do órgão jurisdicional de reenvio quanto à importância desta determinação. Todavia, no que respeita à sugestão do órgão jurisdicional de reenvio (conforme refletida na redação da quarta questão prejudicial ( 36 )) de que essa determinação deve ser efetuada de modo uniforme a fim de evitar a insegurança jurídica na União, saliento que tal determinação uniforme só pode resultar do procedimento baseado no artigo 7.o, n.o 2, TUE, acima referido, que, por sua vez, conduz à suspensão da aplicação do instrumento em causa em relação ao Estado‑Membro em questão. Na falta dessa determinação, a Decisão‑Quadro 2008/909 continua a ser aplicável. Dito isto, pelas razões acima expostas, considero que a cláusula relativa aos direitos fundamentais do artigo 3.o, n.o 4, desta decisão‑quadro confere à autoridade de execução a possibilidade, e de facto a obrigação, de evitar que sejam sanadas violações anteriores do direito fundamental a um processo equitativo, recusando excecionalmente o reconhecimento de uma sentença e a execução de uma condenação, nas condições acima descritas nas presentes conclusões.

65.

A este respeito, observo ainda que, embora a questão de saber se é possível transpor o motivo não escrito para recusar excecionalmente a execução de um MDE para o âmbito da Decisão‑Quadro 2008/909, bem como as condições em que o mesmo se aplica sejam matéria de interpretação do direito da União que o Tribunal de Justiça pode fornecer em resposta a uma questão que lhe tenha sido submetida ao abrigo do artigo 267.o TFUE, a determinação da questão de saber se esse motivo deve ser desencadeado num caso concreto depende das circunstâncias de facto do mesmo e constitui matéria de aplicação do direito da União que é da competência exclusiva do órgão jurisdicional nacional ( 37 ). Isto é verdade não só quanto à segunda fase do exame, que diz respeito às circunstâncias específicas do caso concreto, mas também quanto à primeira fase, que diz respeito à determinação da existência de falhas generalizadas ou sistémicas no que se refere, no caso em apreço, ao poder judiciário do Estado‑Membro de emissão. Em conformidade com esta premissa, a jurisprudência mencionada ao longo das presentes conclusões atinente à Decisão‑Quadro relativa ao MDE fornece ao órgão jurisdicional nacional orientações quanto aos fatores a ter em conta para esse efeito ( 38 ).

66.

À luz da análise precedente, concluo, portanto, que o artigo 3.o, n.o 4, da Decisão‑Quadro 2008/909 deve ser interpretado no sentido de que, nas situações em que este instrumento imponha à autoridade de execução a obrigação de reconhecer uma sentença e de executar uma condenação e em que, em primeiro lugar, essa autoridade disponha de elementos que comprovem a existência de falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita à independência do poder judiciário no Estado‑Membro de emissão, a referida autoridade só pode recusar esse reconhecimento e essa execução se, em segundo lugar, concluir que, nas circunstâncias específicas do caso em apreço, existem motivos sérios e comprovados para considerar que, tendo em conta, nomeadamente, as informações relevantes fornecidas pela pessoa condenada em causa, relativas à maneira como o seu processo penal foi tratado, o direito fundamental dessa pessoa a um processo equitativo, conforme consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, foi violado.

D.   Quadro temporal de referência relevante

67.

Resta determinar qual o momento relevante em relação ao qual a aplicação do motivo não escrito acima referido deverá ser tomada em consideração e em relação ao qual o exame em duas fases analisado no caso em apreço deverá ser efetuado.

68.

Nas circunstâncias do processo principal, a questão que se coloca concretamente é se esse momento é, primeiro, o da prolação da sentença inicial pela qual MD foi condenado a uma pena privativa de liberdade, ou se pode também ser, segundo, o da revogação da execução dessa pena, ou se abrange, terceiro, o momento em que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a pronunciar‑se sobre o pedido de execução da pena em causa.

69.

Observo que a relevância do primeiro momento identificado pelo órgão jurisdicional de reenvio não suscita nenhuma preocupação especial. Entendo que, nesse momento, a pena privativa de liberdade em causa foi aplicada a MD no termo de um processo em que a culpabilidade de MD foi apreciada. Esse processo deve claramente oferecer as garantias processuais adequadas, incluindo o direito a um processo equitativo consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, que está em causa no processo principal. Assim, como alegam igualmente a Comissão e o Governo polaco, a aplicação do motivo não escrito analisado pelo órgão jurisdicional de reenvio deve logicamente referir‑se à situação existente no Estado‑Membro de emissão à época desse processo para determinar se este decorreu num contexto de falhas sistémicas ou generalizadas que afetassem a independência do poder judiciário do Estado‑Membro de emissão e se, por outro lado, tais falhas afetaram de forma concreta o direito fundamental de MD a um processo equitativo.

70.

Se o órgão jurisdicional nacional dever considerar que o exame em duas fases conduz a uma resposta afirmativa, em meu entender, como também sugere a Comissão, o exame de eventuais decisões posteriores adotadas na sequência da sentença inicial fica sem objeto, uma vez que a possibilidade de as reconhecer e executar depende da possibilidade de reconhecer e executar a sentença inicial.

71.

Todavia, na hipótese de a apreciação da sentença inicial deixar em aberto a possibilidade de a reconhecer e de a executar, coloca‑se a questão de saber se a aplicação do motivo não escrito em causa pode também ser efetuada por referência à situação existente no Estado‑Membro de emissão no momento da prolação do despacho de revogação (segundo momento identificado no n.o 68 das presentes conclusões).

72.

Quanto a esta questão, o Governo polaco e a Comissão têm pontos de vista divergentes. Enquanto a Comissão considera que este momento é relevante (embora a título subsidiário, como expliquei nos n.os 70 e 71 supra), o Governo polaco sustenta o contrário.

73.

Concordo, em princípio, com a Comissão, embora esta observação seja, em seguida, mais mitigada.

74.

Em apoio do seu argumento relativo à falta de relevância do segundo momento acima identificado, o Governo polaco alega que o despacho de revogação não corresponde à definição de «sentença» na aceção do artigo 1.o, alínea a), da Decisão‑Quadro 2008/909 e, por conseguinte, não é abrangido pelo âmbito de aplicação deste instrumento.

75.

A este respeito, é verdade que a Decisão‑Quadro 2008/909 se aplica, em conformidade com o seu artigo 3.o, n.o 3, «apenas ao reconhecimento de sentenças […], na aceção da presente decisão‑quadro». O seu artigo 1.o, alínea a), define «[s]entença» como «uma decisão transitada em julgado ou uma ordem de um tribunal do Estado[‑Membro] de emissão que imponha uma condenação a uma pessoa singular». É igualmente verdade que a pena em causa foi aplicada a MD na sentença inicial, enquanto o despacho subsequente «meramente» revogou a suspensão inicial da sua execução.

76.

Todavia, esta observação não significa, a meu ver, que este despacho seja desprovido de relevância para efeitos de aplicação da Decisão‑Quadro 2008/909.

77.

Observo, à semelhança da Comissão, que, no caso em apreço, a sentença inicial só podia desencadear a aplicação concreta do regime de reconhecimento da Decisão‑Quadro 2008/909 quando a suspensão inicial da execução da pena foi revogada pelo despacho em causa, dado que, antes da prolação deste, MD não estava ainda obrigado a começar a cumprir a pena que lhe fora aplicada. Por conseguinte, é este despacho (considerado conjuntamente com a sentença inicial) que, em princípio, se estiverem preenchidas as condições aplicáveis, desencadeia a obrigação de a autoridade de execução executar a pena aplicada. A meu ver, isto é suficiente para não afastar, pelo menos nesta fase da análise, a relevância do segundo momento identificado no n.o 68 supra para efeitos da apreciação do motivo não escrito para recusar excecionalmente acolher um pedido apresentado ao abrigo da Decisão‑Quadro 2008/909.

78.

Dito isto, o Governo polaco alega também que a tomada em consideração, nesse momento, da situação existente no Estado‑Membro de emissão não é relevante, uma vez que o despacho de revogação não alterou a natureza nem o quantum da pena aplicada. Isto torna, em suma, essa tomada em consideração supérflua. O Governo polaco explicou ainda que as regras nacionais aplicáveis tornam obrigatória a revogação da suspensão quando a pessoa em causa tenha cometido uma infração dolosa durante o período de suspensão ( 39 ) e que, em tal situação, o juiz nacional não dispõe de nenhuma margem de apreciação e deve revogar a suspensão da execução.

79.

Observo que o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se sobre uma situação algo semelhante no processo Ardic ( 40 ). Nesse processo, a suspensão da execução de uma pena privativa de liberdade foi revogada porque a pessoa em causa não cumpriu as condições da suspensão. Esta pessoa esteve presente no julgamento, que culminou na sentença que aplicou uma pena privativa de liberdade, mas não participou no processo subsequente em que a suspensão da execução dessa pena foi revogada. Nessas circunstâncias, o Tribunal de Justiça foi chamado a determinar se a ausência do interessado no âmbito do processo que conduziu a essa decisão de revogação posterior pode, em certas condições, constituir um motivo de recusa de execução de um MDE, em aplicação do artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro relativa ao MDE.

80.

O Tribunal de Justiça respondeu negativamente e precisou que a tomada em consideração deste motivo de recusa só pode incidir sobre uma decisão, resultante de um processo (tramitado na ausência do arguido), que decida definitivamente sobre a culpabilidade e, se for caso disso, sobre a pena privativa de liberdade. Pelo contrário, esse motivo não diz respeito às decisões relativas à execução ou aplicação de uma pena privativa de liberdade, salvo quando altera a natureza ou o quantum dessa pena e a autoridade que a adotou dispunha de uma margem de apreciação nessa matéria ( 41 ).

81.

Resulta dos autos que o despacho de revogação em causa no presente processo não altera a natureza nem o quantum da pena aplicada. Além disso, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, o Governo polaco explicou que o órgão jurisdicional nacional não dispunha de nenhuma margem de apreciação quanto à sua prolação ou não.

82.

No entanto, a meu ver, não decorre destes elementos que as circunstâncias no Estado‑Membro de emissão que conduziram a essa revogação perdem necessariamente a relevância para efeitos da análise da questão de saber o motivo não escrito para recusar excecionalmente o reconhecimento da sentença e a execução da condenação é aplicável no caso concreto. A razão para tal é que a pessoa em causa pode fornecer elementos específicos que indiquem que a circunstância determinante que conduziu à revogação da suspensão da execução da pena foi uma consequência concreta das deficiências generalizadas ou sistémicas acima referidas.

83.

Dito isto, o despacho de reenvio não contém tais elementos específicos, nem precisa exatamente qual foi a circunstância determinante que conduziu à adoção do despacho de revogação em causa.

84.

A este respeito, as razões que levam à decisão de revogar a suspensão da pena privativa de liberdade podem ser diversas e dependem da legislação nacional aplicável. Entendo da explicação dada pelo Governo polaco, exposta no n.o 78 supra, que adoção de um despacho de revogação, como o que está em causa, é uma consequência automática da prática de uma nova infração (intencional).

85.

Nestas condições, caso se prove que a revogação da suspensão em causa resultou automaticamente da nova condenação penal de MD, considero, como a Comissão também defende em princípio, que as circunstâncias em que ocorreu essa condenação (e, portanto, o momento dessa nova condenação penal) são relevantes para a aplicação subsidiária do motivo não escrito e excecional em questão quando os elementos de prova apresentados perante a autoridade de execução convidam a essa abordagem.

86.

Com efeito, caso se prove que as deficiências sistémicas ou generalizadas que afetam o poder judiciário do Estado‑Membro de emissão tiveram um impacto concreto no direito da pessoa em causa a um processo equitativo no âmbito de um novo processo em que foi declarada culpada de uma nova infração penal, esta constatação será necessariamente relevante para a apreciação da subsequente revogação para efeitos do regime de reconhecimento e execução ao abrigo da Decisão‑Quadro 2008/909. Isso porque, sem essa nova condenação penal, não teria ocorrido a revogação da suspensão da execução da pena ( 42 ).

87.

Pelo contrário, no que respeita, por último, ao terceiro momento mencionado no n.o 68 das presentes conclusões, a saber, o momento em que a autoridade de execução é chamada a pronunciar‑se sobre o reconhecimento da sentença e a execução da condenação, à semelhança do Governo polaco e da Comissão, não vejo a sua relevância para efeitos da aplicação do motivo não escrito em causa, uma vez que a situação no Estado‑Membro de emissão nesse momento não pode ter efeitos retroativos no processo penal já encerrado ( 43 ).

88.

Tendo em conta a análise que precede, concluo que, quando um pedido de reconhecimento e de execução ao abrigo da Decisão‑Quadro 2008/909 diga respeito a uma sentença na qual foi aplicada uma pena privativa de liberdade, e cuja execução — inicialmente suspensa — foi posteriormente decretada sem que a natureza ou o quantum dessa pena tenha sido alterado, a aplicação do motivo não escrito para recusar excecionalmente o reconhecimento de uma sentença e a execução de uma condenação, conforme descrito no n.o 66 supra, deve ser analisada, e o exame em duas fases em que assenta deve ser realizado em relação ao momento em que foi proferida a sentença inicial que aplicou a pena privativa da liberdade. Se esse exame não permitir concluir que o reconhecimento e a execução devem ser recusados, o mesmo exame deve ser efetuado, quando os elementos de prova apresentados perante a autoridade do Estado‑Membro de execução convidem a essa abordagem, em relação ao momento em que ocorreu a circunstância decisiva que causou a revogação da suspensão da execução da pena.

V. Conclusão

89.

Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Landgericht Aachen (Tribunal Regional de Aachen, Alemanha) do seguinte modo:

O artigo 3.o, n.o 4, da Decisão‑Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia,

deve ser interpretado no sentido de que, nas situações em que esta decisão‑quadro imponha à autoridade de execução a obrigação de reconhecer uma sentença e de executar uma condenação e em que, em primeiro lugar, essa autoridade disponha de elementos que comprovem a existência de falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita à independência do poder judiciário no Estado‑Membro de emissão, a referida autoridade só pode recusar esse reconhecimento e essa execução se, em segundo lugar, concluir que, nas circunstâncias específicas do caso concreto, existem motivos sérios e comprovados para considerar que, tendo em conta, nomeadamente, as informações relevantes fornecidas pela pessoa condenada em causa, relativas à maneira como o seu processo penal foi tratado, o direito fundamental dessa pessoa a um processo equitativo, conforme consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, foi violado.

Quando o pedido de reconhecimento da sentença e de execução da condenação ao abrigo da Decisão‑Quadro 2008/909 diga respeito a uma sentença pela qual foi aplicada uma pena privativa de liberdade, e cuja execução — inicialmente suspensa — foi posteriormente decretada sem que a natureza ou o quantum dessa pena tenha sido alterado, o exame em duas fases acima referido deve ser efetuado em relação ao momento em que foi proferida a sentença inicial que aplicou a pena privativa de liberdade. Se esse exame não permitir concluir que o reconhecimento e a execução devem ser recusados, o mesmo exame deve ser efetuado, quando os elementos de prova apresentados perante a autoridade do Estado‑Membro de execução convidem a essa abordagem, em relação ao momento em que ocorreu a circunstância decisiva que causou a revogação da suspensão da execução da pena.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Decisão‑Quadro do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia (JO 2008, L 327, p. 27), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «Decisão‑Quadro 2008/909»).

( 3 ) Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «Decisão‑Quadro relativa ao MDE»).

( 4 ) V., nomeadamente, Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586; a seguir «Acórdão Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário)».

( 5 ) O despacho de reenvio refere que essa decisão se baseou no artigo 83.ob, n.o 2, [ponto 2,] da Gesetz über die internationale Rechtshilfe in Strafsachen (Lei sobre a Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal). Afigura‑se assim, como observa também a Comissão, que a situação em apreço é a abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro relativa ao MDE. Esta disposição permite recusar a execução de um MDE emitido para efeitos de cumprimento de uma pena privativa de liberdade, quando a pessoa procurada se encontrar no Estado‑Membro de execução, for sua nacional ou sua residente e este Estado se comprometer a executar essa pena nos termos do seu direito nacional.

( 6 ) Proposta de Decisão do Conselho relativa à verificação da existência de um risco manifesto de violação grave, pela República da Polónia, do Estado de direito [COM(2017) 835 final], apresentada pela Comissão Europeia.

( 7 ) Acórdãos Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário); de 5 de novembro 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns) (C‑192/18, EU:C:2019:924); de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982); de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (C‑791/19, EU:C:2021:596); e de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931), bem como o processo pendente C‑204/21 Comissão/Polónia.

( 8 ) V., neste sentido, Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.o 191 e jurisprudência referida).

( 9 ) V., por exemplo, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão) [C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.os 40 e 41 e jurisprudência referida; a seguir «Acórdão Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão)»].

( 10 ) No âmbito da Decisão‑Quadro 2008/909, v., neste sentido, considerando 5 e Comunicação da Comissão — Manual sobre a transferência de pessoas condenadas a penas privativas da liberdade na União Europeia (JO 2019, C 403, p. 2), ponto 1.2.

( 11 ) Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198; a seguir «Acórdão Aranyosi e Căldăraru»).

( 12 ) Prevista no artigo 4.o da Carta.

( 13 ) Em conformidade com o disposto no artigo 1.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro relativa ao MDE.

( 14 ) Acórdão Aranyosi e Căldăraru, n.os 94 e 104. V., igualmente, Acórdãos de 25 de julho de 2018, Generalstaatsanwaltschaft (Condições de detenção na Hungria) (C‑220/18 PPU, EU:C:2018:589), e de 15 de outubro de 2019, Dorobantu (C‑128/18, EU:C:2019:857).

( 15 ) Acórdão Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), n.os 61 e 68.

( 16 ) Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) [C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, nomeadamente n.os 60 e 61, a seguir «Acórdão Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão)»].

( 17 ) Acórdão Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), n.o 66.

( 18 ) Ibid., n.os 83, 86 e 102. Como observa o Governo neerlandês, esse acórdão foi proferido após a prolação da decisão de reenvio no presente processo em 30 de dezembro de 2021. V., todavia, igualmente Acórdão Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), n.o 68.

( 19 ) Como explicado igualmente na Comunicação da Comissão — Manual sobre a transferência de pessoas condenadas a penas privativas da liberdade na União Europeia (JO 2019, C 403, p. 2), a seguir «Manual sobre a transferência», pontos 2.3.4. e 2.5. Contudo, nos termos do artigo 4.o, n.o 7, da Decisão‑Quadro 2008/909, os Estados‑Membros podem renunciar à exigência do seu consentimento nas situações descritas nesta disposição.

( 20 ) V. nota de rodapé 5 supra. Sendo o objetivo desta disposição da Decisão‑Quadro relativa ao MDE idêntico ao da Decisão‑Quadro 2008/909, expresso no seu artigo 3.o, n.o 1, a saber, facilitar a reinserção social das pessoas condenadas. V. Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Sut (C‑514/17, EU:C:2018:1016, n.o 33 e jurisprudência referida).

( 21 ) V. n.o 11 supra e nota de rodapé 5.

( 22 ) Esta interpretação é confirmada pela estrutura do formulário constante do anexo I da Decisão‑Quadro 2008/909, que deve ser transmitido ao Estado‑Membro de execução juntamente com a sentença a reconhecer. A secção g) deste formulário exige que a autoridade de emissão indique, de entre as hipóteses previstas no artigo 4.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/909, conforme descritas no n.o 39 das presentes conclusões, aquela que se aplica. Ao mesmo tempo, esclarece‑se que tal indicação deixa de ser necessária quando a autoridade de emissão confirma, preenchendo a secção f), que o pedido constitui um seguimento da situação abrangida pelo artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro relativa ao MDE.

( 23 ) V. supra, n.o 39.

( 24 ) V. notas de rodapé 8 e 9 supra.

( 25 ) Por outras palavras, enquanto a obrigação de execução é a regra, a decisão de não o fazer é uma exceção. Quanto à Decisão‑Quadro relativa ao MDE, v., mais recentemente, Acórdão de 23 de março de 2023, Minister for Justice and Equality (Revogação da suspensão) (C‑514/21 e C‑515/21, EU:C:2023:235, a seguir «Acórdão Minister for Justice and Equality», n.os 47 e 77 e jurisprudência referida).

( 26 ) Em meu entender, o facto de o julgamento de MD ter sido realizado sem a sua presença não era relevante quando as autoridades alemãs decidiram não executar o MDE e também não é relevante no presente processo, tendo em conta as condições em que o reconhecimento de uma sentença e a execução de uma condenação podem ser recusados em tal situação, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, alínea i), da Decisão‑Quadro 2008/909.

( 27 ) V. Lenaerts, K. «La vie après l’avis: exploring the principle of mutual (yet not blind) trust», Common Market Law Review, vol. 54, n.o 3, 2017, pp. 805 to 840, e Mitsilegas, V., «Mutual Recognition and Fundamental Rights in EU Criminal Law», in Iglesias Sánchez, S. e González Pascual, M., Fundamental Rights in the EU Area of Freedom, Security and Justice, Cambridge University Press, 2021, pp. 253 a 271, esp. pp. 270 e 271.

( 28 ) V., igualmente, considerando 13 da Decisão‑Quadro 2008/909.

( 29 ) V., neste sentido, Acórdãos Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), n.os 83, 86 e 102, e Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), n.o 68.

( 30 ) V., por exemplo, Acórdão Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), n.o 42.

( 31 ) Acórdão de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau) [C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456; a seguir «Acórdão OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau)»].

( 32 ) Acórdão Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), n.o 33.

( 33 ) Acórdão Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), n.os 48 e 50.

( 34 ) Acórdão Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), n.os 70 a 72.

( 35 ) V., neste sentido, Acórdão Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), n.o 43.

( 36 ) Observo que a quarta questão é submetida apenas a título subsidiário, caso o Tribunal de Justiça responda à primeira e segunda questões no sentido de que a autoridade de execução não pode recusar o reconhecimento e a execução de um pedido (unicamente) por referência à existência de falhas sistémicas ou generalizadas (porque, segundo entendo o raciocínio do órgão jurisdicional de reenvio, essa apreciação não caberia ao órgão jurisdicional nacional, mas sim ao Tribunal de Justiça).

( 37 ) V. Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 à C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 75 e jurisprudência referida), e, neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Consorzio Italian Management e Catania Multiservizi (C‑561/19, EU:C:2021:799, n.o 35 e jurisprudência referida).

( 38 ) V., por exemplo, Acórdão Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão, n.o 78 a 80 e jurisprudência referida).

( 39 ) Segundo o Governo polaco, isso resulta do artigo 75.o da ustawa z dnia 6 czerwca 1997 r. — Kodeks karny (Lei de 6 de junho de 1997 que aprova o Código Penal).

( 40 ) Acórdão de 22 de dezembro de 2017, Ardic (C‑571/17 PPU, EU:C:2017:1026; a seguir «Acórdão Ardic»).

( 41 ) V., também, Acórdão Minister for Justice and Equality (Revogação da suspensão), n.o 53.

( 42 ) V. também, por analogia, Acórdão do Minister for Justice and Equality (Revogação da suspensão), n.os 65 a 68 e 70, onde se declarou que a condenação penal proferida na ausência do arguido, e sem a qual não teria sido revogada a suspensão da pena privativa de liberdade para cuja execução foi proferido o MDE no caso concreto, faz parte do «julgamento que conduziu à decisão», na aceção artigo 4.o‑A, n.o 1, da Decisão‑Quadro relativa ao MDE.

( 43 ) Acrescento que, contrariamente ao regime da Decisão‑Quadro relativa ao MDE, a Decisão‑Quadro 2008/909 não implica a transferência da pessoa condenada do Estado‑Membro de execução para o de emissão, mas o inverso, ou não implica nenhuma transferência quando, como MD, a pessoa em causa já se encontra no Estado‑Membro de execução.

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