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Document 62021CC0666

    Conclusões do advogado-geral Emiliou apresentadas em 24 de novembro de 2022.
    AI contra Åklagarmyndigheten.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hovrätten för Nedre Norrland.
    Reenvio prejudicial — Transporte rodoviário — Regulamento (CE) n.o 561/2006 — Âmbito de aplicação — Artigo 2.o, n.o 1, alínea a) — Artigo 3.o, alínea h) — Conceito de “transporte rodoviário de mercadorias” — Conceito de “massa máxima autorizada” — Veículo adaptado como espaço privado de habitação temporária e de carga de mercadorias para fins não comerciais — Regulamento (UE) n.o 165/2014 — Tacógrafos — Artigo 23.o, n.o 1 — Obrigação de inspeções periódicas realizadas por oficinas aprovadas.
    Processo C-666/21.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:932

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    NICHOLAS EMILIOU

    apresentadas em 24 de novembro de 2022 ( 1 )

    Processo C‑666/21

    AI,

    Åklagarmyndigheten

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hovrätten för Nedre Norrland (Tribunal de Recurso de Sundsvall, Suécia)]

    «Reenvio prejudicial — Transporte — Harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários — Regulamento (CE) n.o 561/2006 — Âmbito de aplicação — Artigo 2.o, n.o 1, alínea a) — Conceito de “transporte rodoviário de mercadorias” — Veículo de utilização mista — Veículo com um espaço habitacional temporário e um espaço de armazenamento para o transporte de motas de neve — Transporte de mercadorias para fins não comerciais — Tacógrafos — Obrigação de inspecionar esses tacógrafos»

    I. Introdução

    1.

    AI — recorrente no processo principal — é um entusiasta de motos de neve que foi mandado parar pela polícia na Suécia enquanto viajava para um concurso de motas de neve. Conduzia um veículo com um peso superior a 17 toneladas que tinha sido adaptado para servir de espaço habitacional temporário a AI e sua família durante as suas viagens e que inclui um espaço de armazenamento suficientemente grande para o transporte no seu interior de, pelo menos, duas motas de neve.

    2.

    O litígio perante o Hovrätten för Nedre Norrland (Tribunal de Recurso de Sundsvall, Suécia) entre AI e o Åklagarmyndigheten (Ministério Público, Suécia), incide essencialmente sobre a obrigação de AI de submeter a inspeção o tacógrafo ( 2 ) instalado no seu veículo, em conformidade com os requisitos estabelecidos no Regulamento (UE) n.o 165/2014 ( 3 ). Em primeiro lugar, esta questão exige que se esclareça se o veículo de AI é abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.o 561/2006 ( 4 ), dado que as diferentes obrigações relativas aos tacógrafos constantes do Regulamento n.o 165/2014, incluindo a necessidade de submeter tais dispositivos a devida inspeção, só se aplicam aos veículos abrangidos pelo Regulamento n.o 561/2006 ( 5 ).

    3.

    Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o veículo de AI está abrangido pelo artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006, que prevê a aplicação deste, nomeadamente, ao «transporte rodoviário de mercadorias, em que a massa máxima autorizada dos veículos […] seja superior a 3,5 toneladas». Mais precisamente, o Tribunal de Justiça é chamado a clarificar, em substância, se esta disposição abrange os veículos que, à semelhança do veículo de AI, estão matriculados como «veículos concebidos e construídos com massa máxima autorizada superior a 12 toneladas utilizados em transportes não comerciais de mercadorias», mas que são utilizados tanto como espaço habitacional temporário pelo proprietário do veículo e sua família, como para transportar bens móveis (no caso, motas de neve) para fins não comerciais.

    4.

    Resumidamente, pelas razões que adiante referirei, sou de opinião que o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006 é aplicável a esses veículos.

    II. Quadro jurídico

    A.   Direito da União

    1. Regulamento n.o 561/2006

    5.

    O considerando 17 do Regulamento n.o 561/2006 enuncia:

    «O presente regulamento pretende melhorar as condições sociais dos empregados abrangidos pelo mesmo, bem como a segurança rodoviária em geral. Este objetivo é alcançado sobretudo mediante as disposições relativas aos tempos de condução máximos […]»

    6.

    Nos termos do seu artigo 1.o, o Regulamento n.o 561/2006 tem por objetivo estabelecer «regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, visando harmonizar as condições de concorrência […] e melhorar as condições de trabalho e a segurança rodoviária», bem como «promover uma melhoria das práticas de controlo e aplicação da lei pelos Estados‑Membros e das práticas laborais no setor dos transportes rodoviários».

    7.

    Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 561/2006:

    «O presente regulamento aplica‑se ao transporte rodoviário:

    a)

    De mercadorias, em que a massa máxima autorizada dos veículos, incluindo reboques ou semirreboques, seja superior a 3,5 toneladas, ou

    b)

    De passageiros, em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade.»

    8.

    O artigo 3.o deste regulamento, na parte aqui pertinente, prevê:

    «O presente regulamento não se aplica aos transportes rodoviários efetuados por meio de:

    […]

    h)

    Veículos ou conjuntos de veículos com massa máxima autorizada não superior a 7,5 toneladas, utilizados em transportes não comerciais de mercadorias;

    […]»

    9.

    O artigo 4.o do Regulamento n.o 561/2006 dispõe:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    a)

    “Transporte rodoviário”: qualquer deslocação de um veículo utilizado para o transporte de passageiros ou de mercadorias efetuada total ou parcialmente por estradas abertas ao público, em vazio ou em carga;

    […]»

    2. Regulamento n.o 165/2014

    10.

    O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 165/2014 dispõe:

    «Os tacógrafos são instalados e utilizados nos veículos afetos ao transporte rodoviário de passageiros ou de mercadorias que estejam matriculados nos Estados‑Membros e que sejam abrangidos pelo Regulamento (CE) n.o 561/2006.»

    11.

    Nos termos do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento n.o 165/2014:

    «Os tacógrafos são submetidos a inspeções periódicas realizadas por oficinas aprovadas. Inspeções regulares são efetuadas pelo menos de dois em dois anos.»

    B.   Direito nacional

    12.

    Em virtude da orientação jurídica não vinculativa da Transportstyrelsen (Agência de Transportes sueca, Suécia), uma autocaravana pode consistir num automóvel de passageiros, num camião ou num autocarro matriculado. Resulta claramente deste documento que a Agência de Transportes sueca considera que todas as autocaravanas matriculadas como veículo automóvel ligeiro de passageiros, camião ou autocarro são abrangidas pelas regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso constantes do Regulamento n.o 561/2006, quando a sua massa total autorizada seja superior a 7,5 toneladas, independentemente de os transportes serem ou não «comerciais».

    III. Matéria de facto, tramitação e questões prejudiciais

    13.

    Em 4 de abril de 2019, AI foi mandado parar pela polícia sueca numa via pública por excesso de velocidade. Por ocasião do controlo policial, verificou‑se que o tacógrafo instalado no veículo de AI não tinha sido inspecionado no prazo previsto no artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento n.o 165/2014. Além disso, o tacógrafo não continha o respetivo disco. AI declarou que tinha duas motas de neve na parte traseira do seu veículo e que estava a caminho de uma competição de motos de neve.

    14.

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o veículo de AI tinha sido matriculado no vägtrafikregistret (registo de tráfego rodoviário, Suécia) como camião, na categoria de veículos N3 da União ( 6 ), que abrange «veículos a motor concebidos e construídos principalmente para o transporte de mercadorias com uma massa máxima superior a 12 toneladas». O veículo pode transportar seis passageiros. Tem 3,6 metros de altura e 14,7 metros de comprimento e uma massa declarada de 17,68 toneladas. O seu aspeto exterior é semelhante ao de um autocarro de carreira ou de turismo. A parte dianteira (interior) do veículo consiste num espaço habitacional para AI e sua família (que utilizam quando viajam), enquanto a parte traseira serve de armazenamento para o transporte de motas de neve.

    15.

    Por Decisão de 7 de setembro de 2020, AI foi condenado por excesso de velocidade pelo Sundsvalls tingsrätt (Tribunal de Primeira Instância, Sundsvall, Suécia). No entanto, foi subsequentemente absolvido da violação do § 6 do capítulo 9 do Regulamento relativo aos tempos de condução, aos períodos de repouso e aos tacógrafos do artigo 6.o do capítulo 9 do Förordning (2004:865) om kör — och vilotider samt färdskrivare, m.m. [Regulamento (2004:865) relativo, nomeadamente, aos tempos de condução, aos períodos de repouso e aos instrumentos de controlo]. Esta disposição prevê que sejam condenados em multa os condutores que utilizem intencionalmente ou por negligência um tacógrafo que não tenha sido inspecionado em conformidade com o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento n.o 165/2014.

    16.

    Tanto AI como o Ministério Público (Suécia) interpuseram recurso desta sentença para o Hovrätten för Nedre Norrland (Tribunal de Recurso de Sundsvall), o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo.

    17.

    O Ministério Público alega perante o órgão jurisdicional de reenvio que AI deve equipar o seu veículo com um tacógrafo devidamente inspecionado dado que serve para transportar «mercadorias» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006. AI contesta esta alegação e argumenta que não está sujeito a tal obrigação porque o seu veículo não é utilizado para o transporte comercial de mercadorias mas apenas como uma autocaravana para uso privado.

    18.

    Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o veículo de AI, cuja utilização principal consiste em servir de espaço habitacional temporário (para uso privado de AI) está excluído do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 561/2006.

    19.

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que nada no texto do Regulamento n.o 561/2006 sugere que o objetivo principal ou a utilização efetiva dos veículos tem incidência direta na interpretação do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento, desde que o veículo possa ser utilizado para o «transporte rodoviário de mercadorias». Além disso, o considerando 6 do Regulamento n.o 561/2006 indica claramente que o seu âmbito de aplicação é definido por referência a «categorias de veículos». Por conseguinte, a categoria sob a qual o veículo está matriculado no registo de tráfego rodoviário pode aparentemente ser relevante para a questão da aplicabilidade do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), Regulamento n.o 561/2006 a um determinado veículo.

    20.

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, contudo, sobre se é bastante para a aplicabilidade desta disposição o facto de o referido veículo ter «possibilidade prática de transportar mercadorias». Esclarece que, se fosse suficiente a capacidade de um veículo para transportar «mercadorias» para que o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006 fosse aplicável, dificilmente se poderia interpretar esta disposição noutro sentido que não seja o de que, na prática, apenas a massa máxima autorizada do veículo (isto é, se é ou não superior a 3,5 toneladas) é pertinente para determinar o seu enquadramento no âmbito de aplicação deste regulamento.

    21.

    Além disso, depois de salientar que o termo «mercadorias» não é definido no Regulamento n.o 561/2006, este órgão jurisdicional sublinha que, na linguagem corrente, os equipamentos privados raramente são qualificados como «mercadorias». A expressão «transporte rodoviário de mercadorias» utilizada no artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006, parece assim sugerir que este regulamento abrange principalmente o transporte comercial associado ao exercício de uma atividade económica. Esta interpretação é igualmente corroborada pelo objetivo declarado do referido regulamento, a saber, harmonizar as condições de concorrência no setor rodoviário e melhorar as condições de trabalho e a segurança rodoviária.

    22.

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta, todavia, que o artigo 3.o, alíneas h) e i), do Regulamento n.o 561/2006, indicam claramente que determinados veículos utilizados para transportes não comerciais podem igualmente ser abrangidos pelo âmbito de aplicação deste regulamento. Assim, a expressão «transporte rodoviário de mercadorias» deverá ser interpretada em sentido lato. Esta interpretação é reforçada, nomeadamente, pela definição do conceito de «condutor» constante do artigo 4.o, alínea c), do Regulamento n.o 561/2006, da qual se pode inferir que não é necessário, para ser abrangida por essa definição, que a pessoa que conduz o veículo esteja no exercício das suas funções.

    23.

    Tendo em conta estas considerações, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve a expressão “transporte rodoviário de mercadorias”, constante do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 561/2006, ser interpretada no sentido de que abrange o transporte por veículos com uma massa total superior a 3,5 toneladas cuja utilização principal consiste em servir de espaço habitacional temporário para uso privado?

    2)

    Nestas circunstâncias, é relevante a capacidade de carga do veículo ou o modo como o mesmo está matriculado no registo nacional de tráfego rodoviário?»

    24.

    O pedido de decisão prejudicial, datado de 25 de outubro de 2021, foi registado em 5 de novembro de 2021. Apenas a Comissão Europeia apresentou observações escritas. Não foi realizada audiência.

    IV. Análise

    25.

    O Regulamento n.o 561/2006 estabelece um certo número de regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso que devem ser cumpridas pelos condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros. Para assegurar o cumprimento destas regras, o Regulamento n.o 165/2014 prevê um conjunto de obrigações em matéria de homologação, instalação, inspeção e utilização de dispositivos registadores, como tacógrafos, que servem para registar dados relativos, nomeadamente, à atividade do condutor e à distância percorrida.

    26.

    O âmbito de aplicação do Regulamento n.o 561/2006, idêntico ao do Regulamento n.o 165/2014 ( 7 ), é definido no seu artigo 2.o, n.o 1, que prevê que este regulamento se aplica ao «transporte rodoviário de mercadorias em que a massa máxima autorizada dos veículos, incluindo reboques ou semirreboques, seja superior a 3,5 toneladas» [artigo 2.o, n.o 1, alínea a)] e ao «transporte rodoviário de passageiros, em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade» [artigo 2.o, n.o 1, alínea b)]. O presente processo diz respeito à primeira destas duas categorias.

    27.

    Com as suas duas questões, que analisarei em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre se um veículo de utilização mista como o que está em causa no presente processo, que inclui simultaneamente um espaço habitacional temporário para AI e sua família e um espaço de armazenamento para transporte de motas de neve para fins de lazer, está abrangido pelo artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006, de forma que o condutor desse veículo cumpra as normas deste regulamento e do Regulamento n.o 165/2014 e o veículo esteja equipado com um tacógrafo (devidamente inspecionado) em conformidade com este último regulamento.

    28.

    Analisarei nas secções seguintes as razões que justificam ser este efetivamente o caso. Em primeiro lugar, explico que o transporte por esse veículo de bens móveis (no caso, motas de neve) para fins não comerciais não pode obstar a que seja considerado um veículo de transporte de «mercadorias» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006 e, por conseguinte, esteja abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento (A). Em segundo lugar, esclareço que o facto de esse veículo servir principalmente como compartimento residencial pelos seus ocupantes não se opõe a que seja abrangido por esta disposição e pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 561/2006, desde que estejam preenchidos determinados critérios (B).

    A.   Um veículo que transporte mercadorias para fins não comerciais pode ser abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 561/2006?

    29.

    Para que uma determinada situação esteja abrangida pelo Regulamento n.o 561/2006, é necessário preencher duas condições cumulativas: em primeiro lugar, o transporte em causa deve ser abrangido pelo artigo 2.o, n.o 1, alínea a), ou pelo artigo 2.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento (condição positiva) e, em segundo lugar, não pode corresponder a qualquer das exclusões previstas no artigo 3.o do referido regulamento (condição negativa) ( 8 ). Esta disposição enumera operações de transporte que, embora pudessem estar abrangidas pelo artigo 2.o, n.o 1, alínea a), ou alínea b), do Regulamento n.o 561/2006, estão expressamente excluídas do âmbito de aplicação das normas estabelecidas nesse regulamento e no Regulamento n.o 165/2014, uma vez que são efetuadas por veículos com determinadas características específicas permanentes ( 9 ) e/ou utilizados para fins ( 10 ) que parecem não comprometer os objetivos prosseguidos por esses regulamentos ( 11 ).

    30.

    As partes no processo principal não contestam que AI transporta motas de neve para fins de lazer. Estas partes discordam, contudo, sobre se o transporte desses bens para fins não comerciais obsta a que a operação de transporte efetuada por AI preencha a condição positiva a que fiz referência no ponto anterior. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pretende que o Tribunal de Justiça esclareça se o conceito de «transporte rodoviário de mercadorias», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que abrange unicamente o transporte de bens móveis ou de objetos para fins comerciais. Se for esse o caso, esta disposição não se aplicaria ao transporte efetuado por AI, que seria excluído do âmbito do Regulamento n.o 561/2006 devido à sua natureza não comercial.

    31.

    Na minha opinião, esta interpretação do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006 é incorreta. Com efeito, é evidente que esta disposição não diz apenas respeito ao «transporte de mercadorias» para fins comerciais, mas pode igualmente aplicar‑se aos transportes de bens móveis ou de objetos para uso privado e não comercial (no caso em apreço, simplesmente no contexto do passatempo de AI).

    32.

    Várias razões me levam a concluir deste modo.

    33.

    Em primeiro lugar, resulta claramente da redação do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006 que esta disposição não prevê qualquer exigência quanto à natureza profissional ou comercial dos transportes nela previstos.

    34.

    Em segundo lugar, tal exigência não pode ser inferida do termo «mercadoria» constante desta disposição. É verdade que o Regulamento n.o 561/2006 não prevê uma definição deste termo ( 12 ) e que, se se pretendesse determinar o seu significado e alcance segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça ( 13 ) em conformidade com o seu sentido habitual na linguagem comum, poder‑se‑ia considerar que as «mercadorias» podem ser entendidas como «objetos» fabricados ou produzidos para serem vendidos no âmbito de operações comerciais ( 14 ).

    35.

    Todavia, esta constatação deve ser ponderada tendo em conta que, por força do artigo 13.o, n.o 1, do referido regulamento, os Estados‑Membros podem conceder isenções (facultativas) ao transporte de «materiais, equipamento ou máquinas a utilizar pelo condutor no exercício da sua profissão» (artigo 13.o, n.o 1, alínea d), segundo travessão) ou de «material de circo ou de feira de diversões» [artigo 13.o, n.o 1, alínea j)]. Estes transportes, que dizem respeito a objetos que são utilizados no âmbito de uma atividade profissional mas não se destinam a ser vendidos, são abrangidos pelo artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006, salvo se forem expressamente excluídos pelas legislações nacionais dos Estados‑Membros. Por conseguinte, na minha opinião, é evidente que o termo «mercadorias» constante desta disposição não se limita a «objetos» para venda.

    36.

    Também não me parece que este termo, num sentido mais lato, se limite a «objetos» associados a uma operação comercial. Com efeito, o Regulamento n.o 561/2006 utiliza o termo «mercadorias» pelo menos duas vezes, sem qualquer relação com uma operação comercial, referindo‑se antes a «transportes não comerciais» ( 15 ).

    37.

    Saliento, ainda, que no âmbito de outro regulamento no domínio dos transportes rodoviários, nomeadamente o Regulamento 2018/858, o conceito de «mercadorias» é definido ( 16 ) como sendo «principalmente os bens móveis» ( 17 ). Além disso, o Tribunal de Justiça, de modo geral, interpretou o conceito de «mercadoria» na sua jurisprudência ( 18 ) de forma ampla, nomeadamente no que diz respeito às disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de mercadorias ( 19 ). Neste contexto, declarou claramente que o facto de as mercadorias serem transportadas para efeitos de venda ou para uso pessoal é irrelevante ( 20 ).

    38.

    Em terceiro lugar, uma interpretação sistemática do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006, à luz do seu artigo 3.o e, em especial da alínea h), que prevê, em substância, que o mesmo regulamento não se aplica aos transportes não comerciais de mercadorias por veículos com menos de 7,5 toneladas, confirma, na minha opinião, que o âmbito de aplicação daquela disposição não se limita aos «transportes de mercadorias» de natureza comercial.

    39.

    Mais precisamente, para que um veículo possa beneficiar da exclusão prevista no artigo 3.o, alínea h), do Regulamento n.o 561/2006, é necessário que sejam preenchidas duas condições cumulativas. Por um lado, o veículo deve ser utilizado em «transportes não comerciais de mercadorias» ( 21 ) e, por outro, a sua massa máxima autorizada não pode ser superior a 7,5 toneladas. Como é evidente, a existência deste segundo requisito só pode ter um significado: é possível aplicar o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento aos transportes não comerciais de «mercadorias» caso a massa máxima autorizada do veículo em questão seja superior a esse limite de peso ( 22 ).

    40.

    Saliento, à semelhança do próprio órgão jurisdicional de reenvio, que operações efetuadas por veículos para o transporte não comercial de mercadorias podem igualmente beneficiar de outra exclusão, nomeadamente a prevista no artigo 3.o, alínea i), do Regulamento n.o 561/2006, aplicável aos «veículos comerciais com estatuto histórico de acordo com a legislação do Estado‑Membro em que são conduzidos, que sejam utilizados para o transporte não comercial de passageiros ou de mercadorias» ( 23 ). Mais uma vez, os limites desta exclusão são evidentes. Também neste caso o legislador da União parece ter considerado que o facto de um veículo transportar mercadorias para fins não comerciais não é suficiente para excluir tal transporte do âmbito de aplicação deste regulamento, e, por conseguinte, entendeu que o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento é aplicável aos transportes não comerciais de mercadorias.

    41.

    Globalmente, o facto de o artigo 3.o do Regulamento n.o 561/2006 incluir não apenas uma, mas duas exclusões estritamente definidas aplicáveis a casos específicos de transporte de «mercadorias» para fins não comerciais, é, a meu ver, prova de que tal transporte não está completamente excluído do âmbito de aplicação do referido regulamento.

    42.

    Na minha opinião, qualquer outra interpretação seria contra legem. Com efeito, segundo jurisprudência constante, o artigo 3.o do referido regulamento não pode ser interpretado de forma a alargar os seus efeitos para além do necessário para assegurar a proteção dos interesses que visa garantir e o alcance das exceções enumeradas nesta disposição deve ser determinado tendo em conta as finalidades da regulamentação em causa ( 24 ). Se o legislador da União tivesse tido a intenção de criar uma exclusão geral para todos os veículos que transportam mercadorias de natureza não comercial, o artigo 3.o, alíneas h), e i), desse regulamento não teria restringido as exclusões para certas categorias de mercadorias transportadas e teria, ao invés, referido simplesmente o transporte de mercadorias para fins não comerciais ( 25 ).

    43.

    Daqui resulta, em minha opinião, que o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006 se aplica, em princípio ( 26 ), ao transporte de «mercadorias» independentemente de o transporte ser ou não comercial. Todavia, quando as mercadorias são transportadas para fins não comerciais, apenas estão abrangidos por esta disposição os veículos em que a massa máxima autorizada seja superior a 7,5 toneladas, uma vez que os veículos abaixo desse limite de peso montante estão excluídos por força do artigo 3.o, alínea h), do referido regulamento.

    44.

    Esta interpretação do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006 é corroborada pelos objetivos visados por este regulamento.

    45.

    A este respeito, recordo que o Regulamento n.o 561/2006 visa três objetivos: harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte terrestre, melhorar as condições sociais dos empregados abrangidos pelo mesmo, bem como a segurança rodoviária em geral (para todos os veículos) ( 27 ). O Tribunal de Justiça confirmou anteriormente que o transporte de mercadorias para fins não comerciais não afeta a concorrência nem é contrário à realização do objetivo de melhorar as condições de trabalho no setor do transporte rodoviário ( 28 ). Todavia, concordo com a Comissão quando afirma que o legislador da União parece ter considerado essas operações de transporte como um risco muito provável para a segurança rodoviária, nomeadamente quando a massa máxima autorizada dos veículos em causa é superior a 7,5 toneladas (ou, no caso do veículo da IA, que tem um peso superior a 17 toneladas). Com efeito, o Parlamento Europeu sublinhou, na sua primeira leitura ( 29 ) do projeto de proposta da Comissão com vista à adoção do Regulamento n.o 561/2006 ( 30 ), que o «aspeto da segurança rodoviária» não se podia limitar, em seu entender, ao setor comercial e devia aplicar‑se igualmente aos transportes não comerciais de mercadorias.

    46.

    É de mencionar ainda que o Tribunal de Justiça insistiu na importância do objetivo de melhorar a segurança rodoviária em geral numa série de acórdãos em matéria de interpretação das exclusões e isenções previstas no Regulamento n.o 561/2006 ( 31 ).

    47.

    Considero que, se todos os transportes de mercadorias para fins não comerciais fossem excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 561/2006, o objetivo de melhorar a segurança rodoviária a que o legislador da União pretendeu dar cumprimento com a adoção do Regulamento n.o 561/2006 ficaria comprometido ( 32 ). O facto de este tipo de transporte ser menos frequente do que o efetuado no âmbito de uma atividade comercial ( 33 ) é, a meu ver, irrelevante: AI poderia muito bem acordar uma manhã e decidir conduzir o seu veículo de mais de 17 toneladas durante 20 horas consecutivas sem fazer qualquer pausa, uma possibilidade que poderia ter efeitos negativos significativos sobre a segurança rodoviária em geral (nomeadamente devido ao peso desse veículo).

    48.

    Creio que este tipo de situação esteve presente no espírito do legislador da União quando decidiu limitar a exclusão prevista no artigo 3.o, alínea h), do Regulamento n.o 561/2006 aos «transportes não comerciais de mercadorias» por veículos em que a massa máxima autorizada não exceda 7,5 toneladas ( 34 ). Como tal, concordo com a Comissão quando afirma que excluir sistematicamente essas operações de transporte do âmbito de aplicação do referido regulamento seria incompatível com a realização deste objetivo.

    49.

    Além disso, não creio que o Acórdão Lundberg ( 35 ) do Tribunal de Justiça milite a favor de uma interpretação contrária. À primeira vista, poder‑se‑ia considerar que o litígio submetido aos órgãos jurisdicionais nacionais neste processo é semelhante ao que está em causa no processo principal. Com efeito, tal como a AI, D. Lundberg era proprietário e condutor de um veículo que utilizava para transportar outro veículo a motor, nomeadamente um carro de corridas (num reboque atrelado ao primeiro veículo). Era um piloto amador de rali que se dedicava, nos seus tempos livres, ao desporto automóvel. Contudo, diferentemente de AI (cujo veículo tem um peso superior a 17 toneladas), o veículo de D. Lundberg tinha uma massa total com um peso não superior a 7,5 toneladas.

    50.

    Na minha opinião, foi este elemento específico, e não o simples facto de D. Lundberg transportar o seu carro de corridas para fins não profissionais e não comerciais, que levou o Tribunal de Justiça a concluir que esta operação de transporte se enquadrava precisamente na exclusão prevista no artigo 3.o, alínea h), do Regulamento n.o 561/2006 e, portanto, não estava abrangida pelo âmbito de aplicação do referido regulamento ( 36 ). Além disso, neste processo, o Tribunal de Justiça não foi chamado a interpretar o âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento, mas apenas o alcance da exclusão enunciada no artigo 3.o, alínea h), do Regulamento n.o 561/2006.

    51.

    Por conseguinte, na minha opinião, há que resistir à tentação de aplicar a solução jurisprudencial adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Lundberg à matéria de facto no processo principal com base na simples razão de que, também aqui, AI transporta mercadorias no âmbito da sua atividade de lazer ( 37 ). A este respeito, recordo que as partes no processo principal não contestam o facto de a massa máxima autorizada do veículo de AI ser superior a 7,5 toneladas e, como tal, esse veículo não estar abrangido pela exclusão prevista no artigo 3.o, alínea h), do Regulamento n.o 561/2006.

    52.

    Tendo em conta o que precede, parece‑me claro que o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006 não se limita aos transportes de mercadorias de natureza comercial. A definição constante desta disposição abrange igualmente — e as normas deste regulamento e do Regulamento n.o 165/2014 são, assim, aplicáveis — a operações efetuadas por veículos de transporte para uso privado e não comercial de mercadorias, por exemplo, no contexto de um passatempo, exceto quando tais operações se enquadram na exclusão expressamente prevista no artigo 3.o, alínea h), do Regulamento n.o 561/2006 (ou de qualquer outra exclusão ou isenção deste regulamento).

    B.   Veículos de utilização mista que servem simultaneamente para transportar «mercadorias» e como espaço habitacional temporário para os seus ocupantes

    53.

    Tendo concluído que, nas circunstâncias do processo principal, o facto de o veículo de AI transportar bens (no caso em apreço motas de neve) para fins não comerciais não obsta a que seja considerado um veículo de transporte de «mercadorias» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006, vou agora analisar se, por se tratar de um veículo de utilização mista por AI e sua família não apenas para transportar mercadorias mas também para servir de espaço habitacional temporário aos seus ocupantes, está excluído do âmbito de aplicação do referido regulamento. Justificarei pela negativa.

    54.

    Como recordei no n.o 26, supra, o Regulamento n.o 561/2006 aplica‑se, por um lado, ao «transporte rodoviário de mercadorias em que a massa máxima autorizada dos veículos, incluindo reboques ou semirreboques, seja superior a 3,5 toneladas» [artigo 2.o, n.o 1, alínea a)], e, por outro, ao «transporte rodoviário de passageiros, em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade» [artigo 2.o, n.o 1, alínea b)]. Decorre logicamente desta disposição que este regulamento não abrange os transportes rodoviários efetuados, por um lado, por veículos que transportam mercadorias em que a massa máxima autorizada dos veículos não seja superior a 3,5 toneladas, ou, por outro, por veículos que transportam passageiros, construídos ou adaptados de forma permanente para transportar no máximo nove pessoas (incluindo o condutor).

    55.

    Perante o órgão jurisdicional de reenvio AI argumenta, em substância, que, além destas duas categorias de «transporte» que se enquadram nas exclusões ou isenções expressamente previstas no Regulamento n.o 561/2006 [como o artigo 3.o, alínea h)], outras operações de transporte podem também subtrair‑se à aplicação das normas estabelecidas no referido regulamento. É o caso, na opinião de AI, do «transporte» efetuado por veículos construídos ou adaptados de forma permanente principalmente para servir de espaço habitacional aos seus ocupantes, e não apenas o transporte de mercadorias. AI alega que essas operações de transporte não estão abrangidas pelo artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006. Considera que o seu veículo deve ser excluído do âmbito de aplicação deste regulamento (independentemente de servir para «transportar mercadorias» e ter uma massa máxima autorizada superior a 7,5 toneladas), porque é utilizado principalmente como um espaço habitacional para si e sua família.

    56.

    A Comissão considera, por seu lado, que nada no Regulamento n.o 561/2006 indica que o facto de um veículo ser utilizado não apenas para transportar mercadorias mas, principalmente, como um espaço habitacional temporário obsta a que seja considerado um veículo de transporte de «mercadorias» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento.

    57.

    A este respeito, saliento, por um lado, que, embora o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 exija precisamente uma avaliação do modo como o veículo é construído ou adaptado de forma permanente (antes de se poder concluir que esse veículo transporta passageiros na aceção desta disposição), o mesmo não acontece com o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento.

    58.

    Todavia, resulta da definição do conceito de «veículo automóvel», previsto na artigo 4.o, alínea b), primeiro travessão, do Regulamento n.o 561/2006, que as normas deste regulamento se destinam a ser aplicadas a qualquer «veículo provido de um dispositivo de propulsão, que circule na estrada pelos seus próprios meios […] que sirva normalmente para o transporte […] de mercadorias» cuja operação de transporte esteja abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento ( 38 ). Além disso, resulta do artigo 4.o, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006 que o veículo não tem de estar «laden» (em carga).

    59.

    Segue‑se, a meu ver, que, para que uma operação de transporte seja abrangida pelo artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006 e esteja sujeita às normas estabelecidas neste regulamento, não é exigido que, num dado momento, o veículo transporte efetivamente mercadorias. Também não se exige, como alega o órgão jurisdicional de reenvio, que esse veículo sirva principalmente para transportar mercadorias. Com efeito, é suficiente que o veículo sirva «normalmente para o transporte de mercadorias» ( 39 ). Na minha opinião, o veículo deve, assim, apresentar elementos permanentes (e não meramente temporários) que indiquem que serve «normalmente para transportar mercadorias». Estes elementos devem, a meu ver, ser avaliados à luz da forma como o veículo é construído ou adaptado de forma permanente, por analogia com a exigência estabelecida no artigo 2.o, n.o 1, alínea b), desse regulamento ( 40 ).

    60.

    Por outro lado, parece‑me que a distinção que o artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 561/2006 estabelece entre o «transporte […] de mercadorias» [artigo 2.o, n.o 1, alínea a)] e o «transporte […] de passageiros» [artigo 2.o, n.o 1, alínea b)] emula (pelo menos, em certa medida) a distinção feita noutros instrumentos da União no domínio do transporte rodoviário e, em especial, no Regulamento 2018/858 (que estabelece as disposições administrativas e os requisitos técnicos para a homologação e para a colocação no mercado de todos os veículos […] novos) ( 41 ). Com efeito, nos termos do artigo 4.o deste regulamento, os veículos a motor «concebidos e construídos principalmente para o transporte de passageiros e da respetiva bagagem» ( 42 ) pertencem a uma categoria (categoria M), ao passo que os veículos a motor «concebidos e construídos principalmente para o transporte de mercadorias» pertencem a outra categoria distinta (categoria N) ( 43 ).

    61.

    As «autocaravanas» são definidas no anexo I, parte A, ponto 5.1, do Regulamento n.o 2018/858, como os veículos da categoria M com um compartimento residencial ( 44 ). Este espaço deve conter, no mínimo, os seguintes equipamentos: a) bancos e mesa; b) espaço para dormir, que pode ser convertido a partir dos bancos; c) instalações de cozinha; d) instalações para armazenamento. Por se tratar de «autocaravanas» incluídas na categoria M do Regulamento 2018/858, são, no âmbito deste regulamento, consideradas veículos «concebidos e construídos principalmente para o transporte de passageiros e da respetiva bagagem», não de mercadorias. O facto de conterem instalações para armazenamento não os exclui dessa categoria, desde que estas instalações estejam integradas no compartimento residencial e rigidamente fixadas ao mesmo ( 45 ).

    62.

    Tendo em conta estas conclusões, posso admitir que, para efeitos do Regulamento n.o 561/2006, as «autocaravanas» que apresentem as características enumeradas no n.o 61, supra, devem, em princípio, como é o caso para efeitos do Regulamento 2018/858, ser igualmente consideradas como servindo para o transporte de passageiros e não de mercadorias, e, por conseguinte, abrangidas pelo âmbito de aplicação deste instrumento apenas quando preencham os critérios previstos no artigo 2.o, n.o 1, alínea b) (isto é, apenas quando são construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade.

    63.

    Esclarecido este ponto, gostaria de sublinhar que o litígio no processo principal diz respeito a um tipo específico de veículo: aquele cujo aspeto exterior seja semelhante ao de um autocarro de carreira ou de turismo e seja de utilização mista, dado que contém simultaneamente um compartimento residencial e um espaço de armazenamento suficientemente grande para que AI transporte no seu interior, pelo menos, duas motas de neve.

    64.

    Depreendo do processo e das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial que o espaço de armazenamento do veículo da IA está separado, não integrado, no seu compartimento residencial ( 46 ). Além disso, não parece ter sido concebido para assegurar apenas o armazenamento da «bagagem» dos passageiros do veículo (diferentemente do compartimento de bagagem de um autocarro ou da caixa de tejadilho de uma autocaravana). Por último, parece‑me que este espaço de armazenamento constitui uma característica permanente do veículo de AI. Ao contrário do que sucede com um porta‑bicicletas ou uma caixa de tejadilho, não pode ser removido facilmente.

    65.

    Nessa situação, há que considerar que o veículo ainda transporta passageiros e a respetiva bagagem? Não me parece que assim seja ( 47 ). Deve considerar‑se que transporta «normalmente»«mercadorias» e, por conseguinte, está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006? Na minha opinião, sim.

    66.

    Com efeito, considero que um veículo de utilização mista como o veículo de AI, que contém simultaneamente um compartimento residencial e um espaço de armazenamento, deve ser considerado um veículo que serve «normalmente» para transportar «mercadorias», na aceção do Regulamento n.o 561/2006, e abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento, independentemente da questão de saber se preenche ou não os requisitos necessários para ser qualificado como «autocaravana», na aceção do Regulamento n.o 2018/858, quando o espaço de armazenamento de tal veículo i) seja separado ou se distinga fisicamente do espaço habitacional (e não integrado nele), ii) não pareça ter sido razoavelmente concebido para servir apenas para o armazenamento da bagagem dos ocupantes do veículo, e iii) constitua uma característica permanente do veículo, no sentido em que o veículo é construído ou adaptado de forma permanente para incluir tal espaço de armazenamento.

    67.

    Em meu entender, este triplo critério, que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais aplicar em cada caso concreto, garante resultados positivos na maior parte dos casos.

    68.

    Em primeiro lugar, por um lado, garante que o condutor profissional de um camião que adaptou a cabina do veículo para incluir de forma permanente uma sala de estar e um espaço para dormir continua sujeito às normas estabelecidas no Regulamento n.o 561/2006 (quer porque o espaço habitacional não preenche todos os requisitos estabelecidos no Regulamento 2018/858 para ser qualificado como «autocaravana» quer porque, em todo o caso, o espaço de armazenamento ainda preenche os três requisitos acima descritos).

    69.

    Por outro lado, permite igualmente concluir que uma autocaravana não será considerada um veículo que transporta «mercadorias», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 506/2006, pelo simples facto de os armários do seu compartimento residencial conterem pratos, copos e outros utensílios ou objetos que normalmente se espera encontrar numa «casa», ou porque esse veículo inclui um porta‑bagagens ou um espaço de armazenamento aparentemente concebido para transportar apenas a bagagem dos passageiros ou contém um porta‑bicicletas ou uma caixa de tejadilho amovíveis afixados ao mesmo.

    70.

    Em segundo lugar, o critério estabelecido no n.o 66, supra, apresenta igualmente uma solução adequada (ou pelo menos evita resultados absurdos) em situações mais complexas e menos claras. Para ilustrar este ponto, baseio‑me em três exemplos (hipotéticos).

    71.

    Primeiro exemplo: um surfista amador que tenha uma carrinha com peso superior a 7,5 toneladas, com capacidade para transportar 50 pranchas de surf tanto para seu próprio uso como para o dos seus amigos, e na qual conserva igualmente um colchão no qual dorme de vez em quando. Será que o surfista transporta «mercadorias»? Sim, porque o seu veículo não apresenta todas as características enumeradas no Regulamento 2018/858 para ser designado por «autocaravana» e, assim, ser classificado como veículo concebido e construído principalmente para o transporte de «passageiros e sua bagagem» e porque, em todo o caso, é construído ou adaptado de forma permanente para incluir um espaço de armazenamento claramente identificável que não parece destinado apenas ao transporte da sua bagagem. Por outras palavras, o surfista amador encontra‑se numa situação semelhante à do condutor profissional do camião descrito no n.o 68, supra.

    72.

    Segundo exemplo: e se o surfista tivesse uma verdadeira «autocaravana» e transportasse as pranchas de surf dos seus amigos ou da sua família num espaço de armazenamento com dimensão não superior a um porta‑bagagens concebido para transportar bagagem? O surfista não estaria a transportar «mercadorias». Estaria na mesma situação que a autocaravana «clássica» no n.o 69, supra.

    73.

    Terceiro exemplo (é aqui que tudo se complica): e se as mesmas pranchas de surf (ou, para o caso, as motas de neve de AI) fossem colocadas num reboque de grande dimensão ( 48 ) atrelado à parte traseira de uma autocaravana? O facto de o reboque poder ser removido da autocaravana obsta a que seja considerado um veículo de transporte de mercadorias? Não me parece. Com efeito, no âmbito do Regulamento n.o 561/2006, um «veículo» pode ser constituído por um conjunto de veículos ( 49 ). Um reboque atrelado a uma autocaravana seria, portanto, considerado uma unidade de «veículo» única. As características permanentes do reboque (como o facto de ser construído ou adaptado de forma permanente enquanto espaço de armazenamento) podem, em meu entender, ser atribuídas ao «veículo» no seu todo ( 50 ).

    74.

    Como já referi no n.o 59, supra, importa ter em conta que, para que uma operação de transporte seja abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006, não é necessário que o veículo que efetua esse transporte sirva principalmente para transportar mercadorias (como é exigido pelo Regulamento 2018/858). É suficiente que o veículo sirva «normalmente» ( 51 ) para o transporte de mercadorias.

    75.

    Na minha opinião, há que considerar que um veículo de utilização mista serve «normalmente» para o transporte de mercadorias se i. for construído ou adaptado de forma permanente para conter um espaço de armazenamento que ii. seja claramente identificável ( 52 ) e iii. pareça ter sido razoavelmente concebido para não transportar apenas a bagagem dos passageiros. Desde que essas características estejam presentes, não há necessidade de avaliar se o transporte de mercadorias prevalece sobre o transporte de passageiros ( 53 ). O condutor deve, a meu ver, estar sujeito às regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso previstas no Regulamento n.o 561/2006, e à obrigação de ter um tacógrafo devidamente inspecionado, desde que a massa máxima autorizada do veículo seja superior a 3,5 toneladas (para o transporte comercial de mercadorias) ou 7,5 toneladas (para o transporte não comercial de mercadorias) ( 54 ).

    76.

    Esta abordagem parece‑me ser conforme com a definição do termo «mercadorias» no sentido de que abrange qualquer coisa tangível e não meramente bens que se destinam a ser vendidos ou utilizados numa transação comercial, o que, na secção anterior, sugeri que fosse adotado pelo Tribunal de Justiça ( 55 ). É também coerente com o objetivo de melhorar a segurança rodoviária que o legislador da União procurou concretizar no Regulamento n.o 561/2006 ( 56 ). Com efeito, assegura que os veículos pesados que o legislador da União considerou criarem um risco real para a segurança rodoviária em geral são abrangidos pelo âmbito de aplicação deste regulamento e não podem subtrair‑se às obrigações nele contidas pelo simples facto de servirem parcialmente como autocaravanas.

    77.

    Nesta fase, gostaria de acrescentar que a categoria de veículos da União sob a qual o veículo está matriculado no registo nacional de tráfego rodoviário é, na minha opinião, indicativa, mas não determinante. Há ainda que avaliar se o veículo serve “normalmente” para o transporte de mercadorias, isto é, se os critérios que indiquei supra estão preenchidos. O órgão jurisdicional de reenvio especificou, no seu pedido de decisão prejudicial, que o veículo de AI está matriculado na categoria N3 do Regulamento 2018/858, constituída por «veículos a motor concebidos e construídos principalmente para o transporte de mercadorias» com uma massa máxima superior a 12 toneladas. Na minha opinião, o facto de o veículo estar matriculado nesta categoria tende certamente a indicar que é «normalmente» utilizado para o transporte de mercadorias ( 57 ). Todavia, tal não pode desempenhar um papel determinante na apreciação pelos órgãos jurisdicionais nacionais. Se tivesse sido essa a intenção do legislador da União, o mesmo teria simplesmente referido estas categorias no Regulamento n.o 561/2006 ( 58 ).

    78.

    Gostaria de concluir com algumas palavras sobre as consequências práticas da solução que propus. De modo algum implica que todos os veículos de utilização mista como o que está em causa no presente processo, que contenham simultaneamente um compartimento residencial e um espaço de armazenamento para o transporte de mercadorias para fins não comerciais, devem estar equipados com um tacógrafo, ou que o seu condutor deva cumprir as regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso estabelecidas no Regulamento n.o 561/2006.

    79.

    Com efeito, tal como indiquei supra, os condutores desses veículos apenas serão abrangidos pelo artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006 e obrigados a cumprir as normas estabelecidas nesse regulamento e no Regulamento n.o 165/2014 (incluindo a obrigação de ter um tacógrafo devidamente inspecionado), quando os seus veículos puderem ser considerados «normalmente» afetos ao transporte de mercadorias e em que a respetiva massa máxima autorizada seja superior a 7,5 toneladas. Um número significativo de autocaravanas de utilização mista, caravanas de campismo e similares têm um peso inferior a este limite. Os transportes que efetuam estão, pura e simplesmente, excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 561/2006 ( 59 ).

    V. Conclusão

    80.

    Tendo em conta o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Hovrätten för Nedre Norrland (Tribunal de Recurso de Sundsvall, Suécia) do seguinte modo:

    1)

    O artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, que altera os Regulamentos (CEE) n.o 3821/85 e (CE) n.o 2135/98 do Conselho e revoga o Regulamento (CEE) n.o 3820/85 do Conselho, lido à luz do artigo 4.o, alínea b), primeiro travessão, e do artigo 3.o deste regulamento,

    deve ser interpretado no sentido de que:

    exige que um veículo que efetue a operação de transporte sirva «normalmente» para o transporte de mercadorias. A categoria em que um veículo está matriculado no registo nacional de tráfego rodoviário não é determinante para este efeito. O facto de as mercadorias serem transportadas para fins não comerciais — e não para fins comerciais — não obsta a que o transporte seja abrangido por esta disposição e pelo âmbito de aplicação do referido regulamento.

    2)

    O artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006, lido à luz do seu artigo 4.o, alínea b),

    deve ser interpretado no sentido de que:

    se deve considerar que um veículo de utilização mista que contém simultaneamente um compartimento residencial para os seus ocupantes e um espaço de armazenamento para efeitos de transporte de mercadorias serve «normalmente» para o transporte de mercadorias e, por conseguinte, está abrangido pelo artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006, desde que o espaço de armazenamento i) seja separado ou se distinga fisicamente do seu espaço habitacional (e não integrado nele), ii) não pareça ter sido razoavelmente concebido para servir apenas para o armazenamento da bagagem dos ocupantes do veículo, e iii) constitua uma característica permanente do veículo, no sentido em que o veículo é construído ou adaptado de forma permanente para incluir tal espaço de armazenamento.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) Um tacógrafo é um equipamento instalado no interior de um veículo que regista, nomeadamente, a velocidade, a distância percorrida e os períodos de paragem utilizados para controlar, em particular, o horário de trabalho do condutor.

    ( 3 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativo à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários, que revoga o Regulamento (CEE) n.o 3821/85 do Conselho relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários e que altera o Regulamento (CE) n.o 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários (JO 2014, L 60, p. 1).

    ( 4 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, que altera os Regulamentos (CEE) n.o 3821/85 e (CE) n.o 2135/98 do Conselho e revoga o Regulamento (CEE) n.o 3820/85 do Conselho (JO 2006, L 102, p. 1).

    ( 5 ) V. artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 165/2014.

    ( 6 ) A definição dos veículos pertencentes à categoria de veículos N3 da União consta do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (UE) 2018/858 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, relativo à homologação e à fiscalização do mercado dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a esses veículos, que altera os Regulamentos (CE) n.o 715/2007 e (CE) n.o 595/2009 e revoga a Diretiva 2007/46/CE (JO 2018, L 151, p. 1) como «veículos a motor concebidos e construídos principalmente para o transporte de mercadorias com uma massa máxima superior a 12 toneladas».

    ( 7 ) V. n.o 2, supra. Como indiquei na nota 5, supra, resulta do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 165/2014 que o âmbito de aplicação deste regulamento é idêntico ao do Regulamento n.o 561/2006.

    ( 8 ) Saliento que, nos termos do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 561/2006, os Estados‑Membros podem conceder isenções adicionais às regras gerais em matéria de tripulações, tempos de condução, pausas e períodos de repouso deste regulamento (nomeadamente as estabelecidas nos artigos 5.o a 9.o) no seu território. Estas isenções são aplicáveis aos transportes efetuados por determinados veículos (diferentes dos enumerados no artigo 3.o).

    ( 9 ) Por exemplo, os «veículos especializados» no artigo 3.o, alíneas e), e f).

    ( 10 ) Por exemplo, os veículos utilizados em serviços regulares de transporte de passageiros cujo trajeto não ultrapasse 50 quilómetros [artigo 3.o, alínea a)] ou em situações de emergência ou operações de salvamento [artigo 3.o, alínea d)].

    ( 11 ) Quanto à combinação dos dois elementos (características permanentes e utilização), v. artigo 3.o, alínea h), do Regulamento n.o 561/2006, que se aplica aos veículos com massa máxima autorizada não superior a 7,5 toneladas, utilizados em transportes não comerciais de mercadorias.

    ( 12 ) Em especial, saliento que o termo «mercadorias» não consta das definições constantes do artigo 4.o do Regulamento n.o 561/2006.

    ( 13 ) V., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Lundberg (C‑317/12, EU:C:2013:631, n.o 18 e jurisprudência referida).

    ( 14 ) V. definição do termo «mercadorias» dada pelo Collins Dictionary (https://www.collinsdictionary.com/dictionary/english/goods). Dito isto, noto que o Cambridge Dictionary parece ter optado por uma definição mais ampla, englobando não apenas as «coisas para venda», mas também as «coisas próprias» (https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/goods).

    ( 15 ) V. literalmente, artigo 3.o, alíneas h), e i), do Regulamento n.o 561/2006.

    ( 16 ) No n.o 1.3 da Introdução do anexo I deste regulamento, intitulado «Definições gerais, critérios para a classificação de veículos em categorias, modelos de veículos e tipos de carroçaria».

    ( 17 ) Sublinhado meu.

    ( 18 ) V. Acórdão de 8 de junho de 2017, Medisanus (C‑296/15, EU:C:2017:431, n.o 53 e jurisprudência referida).

    ( 19 ) V., por exemplo, Acórdão de 10 de dezembro de 1968, Comissão/Itália (7/68, EU:C:1968:51).

    ( 20 ) V., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2018, Buhagiar e o. (C‑267/16, EU:C:2018:26, n.o 67 e jurisprudência referida). O Tribunal de Justiça esclareceu, nesse acórdão, que, embora o conceito de «mercadorias», na aceção das disposições do Tratado FUE, designe «produtos avaliáveis em dinheiro suscetíveis, como tal, de ser objeto de transações comerciais» (sublinhado meu), não se exige que sejam utilizados para fins comerciais ou, mesmo, que se destinem a ser utilizados enquanto tal.

    ( 21 ) Na última versão consolidada do Regulamento n.o 561/2006 [conforme alterada pelo Regulamento (UE) 2020/1054 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2020 (JO 2020, L 249, p. 1)], o termo «transporte não comercial» é definido (no artigo 4.o, alínea r),) como «o transporte rodoviário, com exceção do transporte por conta de outrem ou por conta própria, que não seja remunerado direta ou indiretamente, e que não gere receitas diretas ou indiretas para o condutor do veículo ou para outras pessoas e que não tenha qualquer ligação com uma atividade profissional ou comercial».

    ( 22 ) A menos, evidentemente, que a situação em causa esteja abrangida pelo âmbito de aplicação de outra exclusão enunciada no artigo 3.o do Regulamento n.o 561/2006 (como o artigo 3.o, alínea i),) ou por uma das isenções previstas no artigo 13.o, n.o 1, deste regulamento.

    ( 23 ) Sublinhado meu.

    ( 24 ) V., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Ministério Público (Sanções extraterritoriais) (C‑906/19, EU:C:2021:715, n.o 33 e jurisprudência referida).

    ( 25 ) V., por analogia, Acórdão de 28 de julho de 2011, Seeger (C‑554/09, EU:C:2011:523, n.o 30), relativo à interpretação do conceito de «material» na aceção do artigo 13.o, n.o 1, alínea d), segundo travessão, do Regulamento n.o 561/2006 (entretanto alterado).

    ( 26 ) Mais uma vez, salvo se o transporte beneficiar de uma das exclusões ou isenções enumeradas no artigo 3.o ou no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 561/2006.

    ( 27 ) V. considerando 17 e artigo 1.o do Regulamento n.o 561/2006. V., igualmente, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Ministério Público (Sanções extraterritoriais) (C‑906/19, EU:C:2021:715, n.o 29). Como indiquei nas minhas Conclusões no processo Pricoforest (C‑13/21, EU:C:2022:188, nota 7), estes três objetivos estão, em certa medida, interligados. Ao assegurar uma alternância dos tempos de condução e dos períodos de repouso, entre os períodos de condução e de repouso, as normas do Regulamento n.o 561/2006 protegem os condutores e as tripulações dos veículos utilizados no transporte rodoviário contra os efeitos nocivos dos períodos de condução excessivos e mal distribuídos. Como a fadiga e a falta de repouso dos condutores desses veículos são causas reconhecidas de acidentes de viação, essas normas protegem ao mesmo tempo a segurança rodoviária. Por último, uma vez que as práticas laborais baseadas na exploração indevida desses condutores e tripulações distorcem a concorrência no setor dos transportes, estas normas asseguram condições de concorrência equitativas a este respeito.

    ( 28 ) V. Acórdão de 3 de outubro de 2013, Lundberg (C‑317/12, EU:C:2013:631, n.os 35 e 36).

    ( 29 ) V. «Justificação» da alteração n.o 22 da «Resolução legislativa do Parlamento Europeu sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários [COM(2001) 573 — C5‑0485/2001 — 2001/0241(COD)]» (pode ser consultado aqui: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/A‑5‑2002‑0388_PT.html).

    ( 30 ) V. proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários [COM (2001) 573 final].

    ( 31 ) V., por exemplo, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Ministério Público (Sanções extraterritoriais) (C‑906/19, EU:C:2021:715, n.o 38) sobre a interpretação do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006, e Acórdão de 13 de março de 2014, A. Karuse (C‑222/12, EU:C:2014:142, n.os 40 a 42), relativo à interpretação do artigo 13.o, n.o 1, alínea h), deste regulamento. Saliento que, no n.o 42 deste último acórdão, o Tribunal de Justiça indicou expressamente que o âmbito de aplicação do artigo 13.o, n.o 1, alínea h), deveria ser «determinado em função dos objetivos prosseguidos pelo [Regulamento n.o 561/2006], incluindo o da segurança rodoviária» (sublinhado meu).

    ( 32 ) Além disso, seria atribuído um alcance às exclusões previstas no artigo 3.o, alíneas h), e i), deste regulamento que em muito ultrapassa o seu sentido literal.

    ( 33 ) AI passa provavelmente menos tempo na estrada com o seu camião e duas motas de neve que um transportador profissional de mercadorias comerciais para venda que se desloca de Estocolmo (Suécia) para Göteborg (Suécia) a qualquer dia da semana.

    ( 34 ) Nos termos do regime anteriormente aplicável, os «veículos utilizados em transportes não comerciais de bens para fins privados» estavam excluídos na sua totalidade [v. artigo 4.o, n.o 12, do Regulamento (CEE) n.o 3820/85 do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários (JO 1985, L 370, p. 1)]. Todavia, o legislador da União alterou expressamente esta exclusão quando adotou o Regulamento n.o 561/2006 e enumerou como requisito adicional que a massa máxima autorizada do veículo não exceda 7,5 toneladas.

    ( 35 ) Acórdão de 3 de outubro de 2013, Lundberg (C‑317/12, EU:C:2013:631, a seguir «Acórdão Lundberg»).

    ( 36 ) Com efeito, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado, no n.o 32 desse acórdão, que o artigo 3.o, alínea h), do Regulamento n.o 561/2006 tinha por finalidade «não incluir no âmbito de aplicação [desse] regulamento os transportes de mercadorias efetuados por particulares, fora de qualquer atividade profissional ou comercial», só o fez depois de ter sublinhado que esta disposição só se aplica a veículos com massa máxima autorizada não superior a 7,5 toneladas.

    ( 37 ) Também se deve ter cautela, a meu ver, em não se retirar do seu contexto algumas das conclusões do Tribunal de Justiça no Acórdão Lundberg. A título de exemplo, é verdade que o Tribunal de Justiça salientou (no n.o 28 desse acórdão) que as disposições do Regulamento n.o 561/2006 são, no essencial, aplicáveis aos condutores profissionais e não aos condutores particulares. Todavia, não declarou que essas regras se aplicam exclusivamente aos condutores profissionais. Além disso, este número é imediatamente precedido de uma frase que recorda que o artigo 4.o, alínea c), deste regulamento contém uma definição do conceito de «condutor», que diz respeito a «qualquer pessoa que conduza o veículo, mesmo durante um curto período […]», do qual resulta manifestamente, como salienta o próprio órgão jurisdicional de reenvio, que o Regulamento n.o 561/2006 não se aplica unicamente aos condutores profissionais.

    ( 38 ) Sublinhado meu.

    ( 39 ) Sublinhado meu.

    ( 40 ) V. n.o 57, supra.

    ( 41 ) Obviamente, os diferentes regulamentos devem, em princípio, ser objeto de uma interpretação autónoma. Todavia, parece‑me evidente que o legislador da União teve a intenção de classificar os veículos de forma semelhante nos Regulamentos n.os 561/2006 e 2018/858 (ou seja, veículos de transporte de mercadorias ou de passageiros).

    ( 42 ) Sublinhado meu.

    ( 43 ) Sublinhado meu.

    ( 44 ) O anexo I tem por epígrafe «Definições gerais, critérios para a classificação de veículos em categorias, modelos de veículos e tipos de carroçaria». Neste anexo, a parte A intitula‑se «Critérios para a classificação de veículos em categorias». O n.o 5 da referida parte A descreve os critérios dos «veículos para fins especiais» incluindo as autocaravanas.

    ( 45 ) Com efeito, os equipamentos que, no mínimo, uma «autocaravana» deve conter (incluindo as instalações para armazenamento) por força do anexo I, parte A, n.o 5.1, do Regulamento n.o 2018/858, serão «rigidamente fixado[s] no compartimento residencial» (mesmo que a mesa possa ser concebida para ser removida facilmente.).

    ( 46 ) V. n.o 14, supra. Com base nos elementos fornecidos no processo, parece que o veículo de AI é composto por duas partes distintas. A parte dianteira (interior) do veículo consiste num espaço habitacional para AI e sua família (que utilizam quando viajam), ao passo que a parte traseira serve de armazenamento para transporte de motas de neve, a sua e a da sua família. Em todo o caso, não vejo como é que as duas motas de neve podem ser integradas no compartimento residencial do veículo de AI (tendo em conta a respetiva dimensão).

    ( 47 ) Se um veículo como o de AI ainda devesse ser considerado utilizado para o transporte de passageiros e das suas bagagens, tal veículo estaria excluído do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 561/2006. Com efeito, não cumpriria a exigência estabelecida no artigo 2.o, n.o 1, alínea b), desse regulamento, dado que, com base nas informações constantes do processo, não parece ter sido construído ou adaptado de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor.

    ( 48 ) Poder‑se‑ia sempre argumentar que, se o reboque não é maior que o porta‑bagagens de um veículo regular, não há «transporte de mercadorias».

    ( 49 ) V. artigo 4.o, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006.

    ( 50 ) Na minha opinião, isto é o que distingue os reboques dos porta‑bicicletas, caixas de tejadilho ou outros artigos meramente acessórios que não afetam a forma como o veículo é definido.

    ( 51 ) Sublinhado meu.

    ( 52 ) Como indiquei no n.o 66, supra, sempre que os veículos incluam um espaço habitacional, o espaço de armazenamento deve ser separado ou distinguir‑se fisicamente desse espaço habitacional.

    ( 53 ) Por exemplo, avaliando se a maior parte do veículo é utilizada para o transporte de passageiros do que para o transporte de mercadorias, ou se o veículo é mais frequentemente utilizado para o transporte de passageiros do que para transportar mercadorias.

    ( 54 ) Por força do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 561/2006, lido à luz do artigo 3.o, alínea h), deste regulamento. O facto de o veículo ser construído ou adaptado de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor (artigo 2.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006), tornar‑se‑á irrelevante.

    ( 55 ) Com efeito, com a solução que proponho, os pratos, garfos ou coberturas de uma autocaravana poderiam efetivamente ser considerados «mercadorias». Todavia, o veículo no seu todo poderia ainda ser considerado que transporta passageiros na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 e não ser considerado «normalmente» para o transporte de mercadorias na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento.

    ( 56 ) V. n.os 45 a 48, supra.

    ( 57 ) Contudo, saliento que, no Regulamento 2018/858, o legislador da União optou por um critério ligeiramente diferente do que no Regulamento n.o 561/2006, uma vez que exigiu que o veículo fosse «principalmente» utilizado para o transporte de mercadorias (não «normalmente» utilizado para esse fim).

    ( 58 ) Com efeito, as categorias de veículos definidas no Regulamento 2018/858 já existiam antes da adoção deste [v. anexo II da Diretiva 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que estabelece um quadro para a homologação dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos (Diretiva‑Quadro) (JO 2007, L 263, p. 1) e, anteriormente, da Diretiva 70/156/CEE do Conselho, de 6 de fevereiro de 1970, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à receção dos veículos a motor e seus reboques (JO, Edição especial inglesa, 1970 (I), p. 96).

    ( 59 ) Para ser claro, AI não seria obrigado a respeitar as regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso constantes deste regulamento, nem a obrigação de equipar o seu veículo com um tacógrafo devidamente inspecionado, se o órgão jurisdicional de reenvio pudesse determinar que a massa máxima autorizada desse veículo era inferior a 7,5 toneladas.

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