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Document 62021CC0580

Conclusões do advogado-geral A. Rantos apresentadas em 17 de novembro de 2022.
EEW Energy from Waste Großräschen GmbH contra MNG Mitteldeutsche Netzgesellschaft Strom GmbH.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof.
Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 2009/28/CE — Promoção da energia proveniente de fontes renováveis — Artigo 16.o, n.o 2, alínea c) — Acesso às redes de transporte e distribuição — Acesso prioritário conferido à eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis — Produção a partir de fontes de energia renováveis e de fontes de energia convencionais.
Processo C-580/21.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:904

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ATHANASIOS RANTOS

apresentadas em 17 de novembro de 2022 ( 1 )

Processo C‑580/21

EEW Energy from Waste Großräschen GmbH

contra

MNG Mitteldeutsche Netzgesellschaft Strom GmbH,

sendo interveniente

50 Hertz Transmission GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 2009/28/CE — Promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis — Artigo 5.o, n.o 3 — Artigo 16.o, n.o 2, alínea c) — Instalação de produção de eletricidade que utiliza fontes de energia renováveis — Resíduos mistos que contêm uma fração de resíduos biodegradáveis industriais e urbanos — Prioridade concedida para efeitos de alimentação da rede elétrica — Margem de apreciação dos Estados‑Membros para atribuir essa prioridade»

I. Introdução

1.

Nos termos do artigo 194.o, n.o 1, alínea c), TFUE, a política da União Europeia no domínio da energia tem por objetivo, num espírito de solidariedade entre os Estados‑Membros, o desenvolvimento de energias renováveis ( 2 ). Os desafios deste desenvolvimento, cujo alcance é considerável, designadamente no contexto geopolítico atual, são realçados no primeiro considerando da Diretiva 2009/28/CE ( 3 ), que menciona a redução das emissões de gases com efeito de estufa no âmbito da luta contra o aquecimento global, a promoção da segurança do aprovisionamento energético, do desenvolvimento tecnológico e da inovação e criação de oportunidades de emprego e desenvolvimento regional ( 4 ).

2.

No caso em apreço, o pedido de decisão prejudicial tem por objeto o conceito de «instalação de produção de eletricidade que utiliza fontes de energia renováveis», na aceção do artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28, e a extensão da prioridade concedida para efeitos de alimentação da rede elétrica de que tal instalação beneficia. Mais precisamente, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha) procura saber se, e em que medida, uma instalação que produz eletricidade por tratamento térmico de resíduos mistos que contêm uma fração de resíduos biodegradáveis industriais e urbanos deve beneficiar dessa prioridade de acesso.

3.

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a EEW Energy from Waste Großräschen GmbH (a seguir «EEW»), que explora uma instalação de tratamento térmico de resíduos, à MNG Mitteldeutsche Netzgesellschaft Strom GmbH (a seguir «MNG Strom»), um operador de rede de transporte de eletricidade, a respeito do direito a indemnização da EEW pela redução da alimentação da rede devido a congestionamentos. A 50 Hertz Transmission GmbH (a seguir «50 Hertz»), o operador da rede de transporte a montante da MNG Strom, participou no processo principal ao lado desta última, na qualidade de interveniente.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Diretiva 2001/77/CE

4.

O artigo 2.o da Diretiva 2001/77/CE ( 5 ), sob a epígrafe «Definições», enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Fontes de energia renováveis”, as fontes de energia não fósseis renováveis (energia eólica, solar, geotérmica, das ondas, das marés, hidráulica, de biomassa, de gases dos aterros, de gases das instalações de tratamento de lixos e do biogás);

b)

“Biomassa”, a fração biodegradável de produtos e resíduos provenientes da agricultura (incluindo substâncias vegetais e animais), da silvicultura e das indústrias conexas, bem como a fração biodegradável de resíduos industriais e urbanos;

c)

“Eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis”, a eletricidade produzida por centrais que utilizem exclusivamente fontes de energia renováveis, bem como a quota de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis em centrais híbridas que utilizam igualmente fontes de energia convencionais, incluindo a eletricidade renovável utilizada para encher os sistemas de armazenagem e excluindo a eletricidade produzida como resultado de sistemas de armazenamento;

[…]»

2. Diretiva 2009/28

5.

Nos termos dos considerandos 1, 11, 25, 60 e 61 da Diretiva 2009/28:

«1)

O controlo do consumo de energia na Europa e a utilização crescente de energia proveniente de fontes renováveis, a par da poupança de energia e do aumento da eficiência energética, constituem partes importantes do pacote de medidas necessárias para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e cumprir o Protocolo de Quioto à Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, bem como outros compromissos, assumidos a nível comunitário e internacional, de redução das emissões de gases com efeito de estufa para além de 2012. Estes fatores têm também um importante papel a desempenhar na promoção da segurança do aprovisionamento energético, na promoção do desenvolvimento tecnológico e da inovação e na criação de oportunidades de emprego e desenvolvimento regional, especialmente em zonas rurais e isoladas.

[…]

(11)

É necessário fixar regras transparentes e inequívocas para calcular a quota de energia proveniente de fontes renováveis e para determinar quais são essas fontes. […]

[…]

(25)

Os Estados‑Membros têm potenciais diferentes de energia renovável e utilizam diferentes regimes de apoio a nível nacional para as fontes de energia renováveis. A maioria dos Estados‑Membros aplica regimes de apoio que só concedem incentivos a energias provenientes de fontes renováveis produzidas no seu território. […]

[…]

(60)

O acesso prioritário e o acesso garantido à eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis são importantes para a integração das fontes de energia renováveis no mercado interno da eletricidade, nos termos do n.o 2 do artigo 11.o da Diretiva 2003/54/CE e para o desenvolvimento do n.o 3 do mesmo artigo. Os requisitos relativos à manutenção da fiabilidade e segurança da rede e à mobilização podem variar consoante as caraterísticas da rede nacional e da segurança do respetivo funcionamento [ ( 6 )]. O acesso prioritário à rede dá aos produtores de eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis a ela ligados a garantia de que poderão vender e transportar a eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis de acordo com as regras de ligação, em qualquer momento, desde que a fonte esteja disponível. No caso de a eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis estar integrada no mercado diário, o acesso garantido assegura que toda a eletricidade vendida e beneficiária de apoio tenha acesso à rede, permitindo a utilização de um máximo de eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis produzida em instalações ligadas à rede. No entanto, tal não implica para os Estados‑Membros qualquer obrigação de apoiarem ou imporem obrigações de compra de energia proveniente de fontes renováveis. Noutros regimes, é definido um preço fixo para a eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis, geralmente em combinação com uma obrigação de compra para o operador de rede. Neste caso, já foi concedido acesso prioritário.

(61)

Por vezes, não é possível assegurar plenamente o transporte e a distribuição de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis sem afetar a fiabilidade ou a segurança do sistema de rede. Nessas circunstâncias, pode ser adequado conceder uma compensação financeira aos produtores. No entanto, os objetivos da presente diretiva requerem um aumento sustentado do transporte e distribuição da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis sem afetar a fiabilidade ou a segurança do sistema de rede. Para o efeito, os Estados‑Membros deverão tomar as medidas adequadas para permitir uma maior penetração da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis, nomeadamente tomando em consideração as especificidades dos recursos variáveis e dos recursos que não são ainda armazenáveis. […]»

6.

O artigo 1.o da Diretiva 2009/28, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», enuncia:

«A presente diretiva estabelece um quadro comum para a promoção de energia proveniente das fontes renováveis. Fixa objetivos nacionais obrigatórios para a quota global de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto de energia e para a quota de energia proveniente de fontes renováveis consumida pelos transportes. Estabelece regras em matéria de transferências estatísticas entre Estados‑Membros, projetos conjuntos entre Estados‑Membros e com países terceiros, garantias de origem, procedimentos administrativos, informação e formação e acesso à rede de eletricidade no que se refere à energia produzida a partir de fontes renováveis. […]»

7.

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, aplicam‑se as definições da Diretiva 2003/54/CE.

Além dessas definições, entende‑se por:

a)

“Energia proveniente de fontes renováveis”: a energia proveniente de fontes não fósseis renováveis, nomeadamente eólica, solar, aerotérmica, geotérmica, hidrotérmica e oceânica, hidráulica, de biomassa, de gases dos aterros, de gases das instalações de tratamento de águas residuais e biogases;

[…]

e)

“Biomassa”: a fração biodegradável de produtos, resíduos e detritos de origem biológica provenientes da agricultura (incluindo substâncias de origem vegetal e animal), da exploração florestal e de indústrias afins, incluindo da pesca e da aquicultura, bem como a fração biodegradável dos resíduos industriais e urbanos;

[…]»

8.

O artigo 5.o da Diretiva 2009/28, sob a epígrafe «Cálculo da quota de energia proveniente de fontes renováveis», dispõe, nos seus n.os 1 e 3:

«1.   O consumo final bruto de energia proveniente de fontes renováveis em cada Estado‑Membro é calculado como a soma:

a)

Do consumo final bruto de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis;

[…]

3.   Para efeitos da alínea a) do n.o 1, o consumo final bruto de eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis é calculado como a quantidade de eletricidade produzida num Estado‑Membro a partir de fontes de energia renováveis, com exclusão da eletricidade produzida em unidades de armazenamento por bombagem a partir de água previamente bombeada.

Nas instalações multicombustíveis que utilizam fontes renováveis e convencionais, só é considerada a parte de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis. Para efeitos deste cálculo, a contribuição de cada fonte de energia é calculada com base no seu teor energético.

[…]»

9.

O artigo 15.o desta diretiva, sob a epígrafe «Garantia de origem da eletricidade e da energia de aquecimento e arrefecimento produzidas a partir de fontes de energia renováveis», tem a seguinte redação, no seu n.o 1:

«Para efeitos de prova ao consumidor final da quota ou quantidade de energia proveniente de fontes renováveis presente no cabaz energético de um produtor, nos termos do n.o 6 do artigo 3.o da Diretiva 2003/54/CE, os Estados‑Membros devem assegurar que a origem da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis possa ser garantida como tal na aceção da presente diretiva de acordo com critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios.»

10.

O artigo 16.o da Diretiva 2009/28, sob a epígrafe «Acesso e funcionamento das redes», enuncia, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Os Estados‑Membros devem tomar as medidas adequadas para desenvolver a infraestrutura de rede de transporte e distribuição, redes inteligentes, instalações de armazenamento e o sistema de eletricidade, a fim de permitir o funcionamento seguro do sistema de eletricidade à medida que este se adapta ao desenvolvimento futuro da produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis, incluindo a interligação entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros. Os Estados‑Membros devem igualmente tomar as medidas adequadas para acelerar os procedimentos de autorização para as infraestruturas de rede e coordenar a aprovação das infraestruturas de rede com os procedimentos administrativos e de planeamento.

2.   Sem prejuízo dos requisitos relativos à manutenção da fiabilidade e da segurança da rede, e com base em critérios transparentes e não discriminatórios definidos pelas autoridades nacionais competentes:

a)

Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para que os operadores das redes de transporte e os operadores das redes de distribuição nos respetivos territórios garantam o transporte e distribuição prioritários da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis;

b)

Os Estados‑Membros devem também prever quer um acesso prioritário quer um acesso garantido da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis ao sistema de rede;

c)

Os Estados‑Membros devem assegurar que, no despacho de instalações de produção de eletricidade, os operadores das redes de transporte deem prioridade às instalações de produção que utilizam fontes de energia renováveis, na medida em que o funcionamento seguro da rede nacional de energia o permita e com base em critérios transparentes e não discriminatórios. Os Estados‑Membros devem assegurar que sejam tomadas medidas operacionais adequadas relativas à rede e ao mercado a fim de minimizar as limitações da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis. Caso sejam tomadas medidas significativas para limitar as fontes de energia renováveis com o objetivo de garantir a segurança do sistema nacional de eletricidade e a segurança do abastecimento energético, os Estados‑Membros devem assegurar que os operadores dos sistemas responsáveis apresentem relatórios sobre essas medidas e indiquem que medidas corretivas tencionam tomar para impedir limitações injustificadas.»

B.   Direito alemão

11.

O § 3, intitulado «Definições», da Erneuerbare‑Energien‑Gesetz (Lei alemã relativa às Energias Renováveis; a seguir «EEG»), de 25 de outubro de 2008; a seguir «EEG»), na versão em vigor de 1 de janeiro de 2012 a 31 de julho de 2014 (a seguir «EEG de 2012») ( 7 ), enuncia:

«Para efeitos da presente lei, considera‑se:

1)

“Instalação”, qualquer central de produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis […],

[…]

3)

“Energias renováveis”, […] energias provenientes da biomassa […] e da fração biodegradável dos resíduos industriais e urbanos,

[…]»

12.

O § 8 desta lei, intitulado «Compra, transporte e distribuição», prevê, no seu n.o 1:

«Sem prejuízo do disposto no § 11, os operadores de rede são obrigados a comprar, transportar e distribuir, sem demora e com prioridade, toda a eletricidade proveniente de energias renováveis. […]»

13.

O § 11 da referida lei, intitulado «Gestão da alimentação da rede em eletricidade», dispõe, no seu n.o 1:

«A título excecional, os operadores de rede estão […] autorizados a regular as instalações, direta ou indiretamente, ligadas às suas redes, na medida em que:

1)

caso contrário, surgiria um congestionamento na rede, incluindo na rede situada a montante;

2)

é dada prioridade à eletricidade proveniente de energias renováveis […], a menos que outras instalações de produção de eletricidade devam permanecer ligadas à rede para garantir a segurança e fiabilidade do sistema de fornecimento de eletricidade;

[…]»

14.

O § 12 da mesma lei, intitulado «Disposições excecionais», tem a seguinte redação, no seu n.o 1:

«Se a alimentação de eletricidade proveniente de instalações de produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis […] for reduzida devido a um congestionamento na rede na aceção do § 11, n.o 1, os operadores afetados pela medida devem ser indemnizados […] em 95 % das receitas perdidas, acrescidas dos custos adicionais e diminuídas dos custos poupados. […]»

15.

O § 16 da EEG de 2012, intitulado «Direito a remuneração», enuncia, no seu n.o 1:

«Os operadores de redes devem remunerar os operadores de instalações de produção de eletricidade que utilizem exclusivamente energias renováveis […], pelo menos de acordo com os §§ 18 a 33. […]»

16.

Estas disposições da EEG de 2012 correspondem, em substância, às disposições da EEG na versão em vigor entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2011 (a seguir «EEG de 2009») ( 8 ) e às disposições da EEG na versão em vigor entre 1 de agosto de 2014 e 31 de dezembro de 2016 (a seguir «EEG de 2014») ( 9 ).

III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

17.

A EEW explora uma instalação de tratamento térmico de resíduos que lhe permite produzir energia elétrica e térmica (a seguir «instalação em causa»). Esta instalação utiliza quase exclusivamente resíduos industriais e urbanos, que são misturados antes da respetiva combustão e que têm uma fração biodegradável, cuja importância varia e representa até 50 % dos resíduos, segundo as indicações fornecidas pela EEW. A instalação em causa alimenta a rede de distribuição de eletricidade da MNG Strom, à qual está vinculada por uma convenção de ligação e de compra, com uma parte da eletricidade produzida.

18.

Entre 2011 e 2016, no âmbito da gestão da segurança da rede de eletricidade por ela assegurada, a MNG Strom instou por diversas vezes a EEW a reduzir temporariamente a alimentação da rede devido a congestionamentos. Em consequência, a EEW pediu à MNG Strom uma indemnização no montante de 2,24 milhões de euros, designadamente com fundamento nas disposições excecionais previstas pela EEG, nas suas versões em vigor entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2016, entre as quais o § 12, n.o 1, da EEG de 2012.

19.

O tribunal de recurso chamado a conhecer do processo julgou improcedente o pedido de indemnização da EEW com o fundamento de que a eletricidade produzida na instalação em causa não era exclusivamente obtida a partir de fontes de energia renováveis.

20.

A EEW interpôs recurso de «Revision» do acórdão do tribunal de recurso perante o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal), o órgão jurisdicional de reenvio. Este último salienta que a solução do litígio nele pendente depende da resposta à questão de saber se a instalação em causa deve ser qualificada de «instalação de produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis», na aceção do § 12, n.o 1, da EEG de 2012. Segundo esse órgão jurisdicional, a aplicação desta disposição não é excluída pelo facto de a eletricidade produzida na instalação em causa não ser obtida exclusivamente a partir de fontes de energia renováveis.

21.

A este respeito, o referido órgão jurisdicional sublinha que a EEG, na primeira versão que entrou em vigor no ano de 2000, se referia à eletricidade produzida por instalações que utilizem exclusivamente fontes de energia renováveis. No entanto, no contexto da transposição da Diretiva 2001/77 para o direito alemão, designadamente do seu artigo 2.o, alínea c), o âmbito de aplicação da EEG foi alargado em 2004 para incluir a quota de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis em centrais híbridas que utilizam igualmente fontes de energia convencionais.

22.

Decorre da redação das disposições excecionais constantes do § 12 da EEG de 2012 e da sistemática desta lei que estas disposições, introduzidas na EEG pela primeira vez em 2009, se aplicam igualmente às instalações que não utilizem exclusivamente fontes de energia renováveis. Assim, quando uma instalação produz eletricidade a partir de fontes de energia renováveis, e, por conseguinte, deve beneficiar de prioridade para efeitos de alimentação da rede em eletricidade, em conformidade com a EEG, qualquer redução ou interrupção da compra de eletricidade no âmbito da gestão da alimentação da rede gera uma obrigação de indemnização prevista nas referidas disposições excecionais.

23.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, embora o legislador alemão tenha optado por seguir o direito da União e afastar‑se da regra segundo a qual só é tida em conta a eletricidade obtida exclusivamente a partir de fontes de energia renováveis, não é certo que, em direito alemão, quaisquer instalações de produção de eletricidade que tratem de qualquer fração de fontes de energia renováveis, por muito pequena que seja, deva ser qualificada de «instalação», na aceção do § 3, ponto 1, da EEG de 2012, de modo a beneficiar da prioridade para efeitos de ligação e de alimentação da rede em eletricidade. A este respeito, importa interpretar as disposições do direito alemão pertinentes em conformidade com o conceito de «eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis», na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/77. Esta disposição faz referência ao conceito de «central híbrida» que não só não é definido nesta diretiva como também não está isento de ambiguidade. Com efeito, o termo «central híbrida» designa geralmente, numa linguagem técnica, uma instalação que utiliza várias tecnologias diferentes para a produção de energia, por exemplo a energia solar e o gás. Segundo tal aceção, as instalações que se limitem a utilizar um misto de diferentes fontes de energia renováveis e convencionais, no âmbito de um único processo de produção de eletricidade, não são abrangidas pelo conceito de «central híbrida». É esse o caso quando as diferentes fontes de energia são misturadas imediatamente antes de serem utilizadas para a produção de energia, mas também quando, para produzir eletricidade, a instalação recorre a fontes de energia renováveis e fósseis sob a forma de uma mistura preexistente, variável e inalterável, como é o caso da instalação em causa.

24.

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, no entanto, o artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2001/77 define a «biomassa» como uma fonte de energia renovável e que o artigo 2.o, alínea c), desta diretiva enuncia que a referida diretiva incluiu «a fração biodegradável de resíduos industriais e urbanos». Estas disposições vão no sentido de que a eletricidade produzida por incineração dessa fração biodegradável deve ser considerada proveniente de fontes de energia renováveis, devendo então as instalações que produzem energia desta forma ser, em direito alemão, qualificadas de «instalações», na aceção da EEG, e beneficiar da prioridade de acesso à rede elétrica.

25.

O referido órgão jurisdicional observa que, uma vez que a Diretiva 2001/77 foi substituída pela Diretiva 2009/28, aplicável ao litígio no processo principal ( 10 ), o direito alemão deve ser interpretado em conformidade com esta última. O mesmo órgão jurisdicional refere que, tendo em conta o direito da União, tende a interpretar as disposições da EEG relativas à prioridade para efeitos de alimentação da rede em eletricidade no sentido de que as mesmas só se aplicam às instalações que não utilizam exclusivamente fontes de energia renováveis quando as fontes de energia renováveis e convencionais forem utilizadas no âmbito de sistemas separados. De qualquer modo, as instalações que recorrem a uma mistura preexistente, variável e inalterável de fontes de energia renováveis e convencionais, como no caso da produção de eletricidade por incineração de resíduos, só devem beneficiar das disposições excecionais previstas no § 12, n.o 1, da EEG de 2012 quando a quota de fontes de energia renováveis for, em média, mais elevada do que a quota de fontes de energia convencionais. No âmbito do litígio no processo principal, esta interpretação leva a que a EEW não possa reclamar uma indemnização com fundamento nestas disposições excecionais, dado que a instalação em causa utiliza fontes de energia previamente misturadas em frações variáveis e que a quota das fontes de energia renováveis não é preponderante segundo as indicações fornecidas pela EEW.

26.

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, caso o artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28 deva ser interpretado no sentido de que se refere a instalações nas quais a quota das fontes de energia renováveis não seja preponderante, se coloca a questão de saber se existe um limiar abaixo do qual uma instalação que produz eletricidade a partir dessas fontes de energia já não possa ser considerada uma instalação que utiliza fontes de energia renováveis, na aceção daquela disposição.

27.

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, no caso da eletricidade de que apenas uma quota é produzida a partir de resíduos biodegradáveis que beneficia da prioridade de acesso à rede elétrica, pode ser invocada a ratio legis do artigo 5.o, n.o 3, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/28, segundo o qual, nas instalações multicombustíveis que utilizam fontes renováveis e convencionais, só é considerada a parte de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis. Esta questão é importante para determinar se o pedido de indemnização baseado nas disposições excecionais previstas no § 12, n.o 1, da EEG de 2012 tem por objeto a perda de receitas relativa à totalidade da eletricidade produzida na instalação em causa ou unicamente a parte da eletricidade produzida a partir da fração biodegradável da mistura de resíduos.

28.

Foi nessas circunstâncias que o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28/CE, conjugado com o seu artigo 2.o, alíneas a) e e), ser interpretado no sentido de que, no que respeita à alimentação da rede com eletricidade, deve também ser dada prioridade às instalações de produção em que a eletricidade é produzida através da valorização térmica de resíduos mistos, quando os resíduos contenham uma fração biodegradável variável de resíduos industriais e urbanos?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: a concessão de prioridade, no que respeita à alimentação em eletricidade nos termos do artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28/CE, depende da dimensão da fração biodegradável de resíduos utilizada na produção de eletricidade descrita na primeira questão prejudicial?

3)

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão: existe um limiar de relevância quanto à fração biodegradável de resíduos abaixo do qual as regras sobre a eletricidade produzida a partir de energias renováveis não se aplicam à eletricidade produzida?

4)

Em caso de resposta afirmativa à terceira questão: que dimensão deve ter a fração biodegradável de resíduos para atingir esse limiar ou de que modo deve o limiar ser determinado?

5)

Em caso de resposta afirmativa à primeira e à segunda questões: na aplicação das regras sobre a eletricidade produzida a partir de energias renováveis à eletricidade que foi produzida apenas parcialmente a partir de resíduos biodegradáveis, pode recorrer‑se à ratio legis subjacente ao artigo 5.o, n.o 3, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/28/CE de tal maneira que essas regras se apliquem apenas à quota de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis e essa quota seja calculada com base no teor energético de cada fonte de energia?»

29.

Foram apresentadas observações escritas pela EEW, a MNG Strom, a 50 Hertz e a Comissão Europeia. Estas partes apresentaram igualmente observações orais na audiência de alegações realizada em 8 de setembro de 2022.

IV. Análise

A.   Quanto à primeira questão prejudicial

30.

Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28 deve ser interpretado no sentido de que a prioridade de acesso à rede elétrica de que beneficiam as instalações de produção de eletricidade que utilizem fontes de energia renováveis deve ser concedida não só às instalações que produzem eletricidade exclusivamente a partir de fontes de energia renováveis mas também às instalações cuja eletricidade é obtida por tratamento térmico de resíduos mistos que contenham uma fração de resíduos biodegradáveis industriais e urbanos.

31.

Nos termos do artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28, os Estados‑Membros devem assegurar que, no despacho de instalações de produção de eletricidade, os operadores das redes de transporte deem prioridade às instalações de produção que utilizam fontes de energia renováveis, na medida em que o funcionamento seguro da rede nacional de energia o permita e com base em critérios transparentes e não discriminatórios.

32.

Observo que esta disposição visa responder à circunstância de, no plano técnico, as redes de transporte e de distribuição de eletricidade disporem de uma capacidade de encaminhamento intrinsecamente limitada e de não poderem necessariamente encaminhar toda a eletricidade produzida ou que possa ser produzida pelas instalações que nelas estão incluídas, tendo em conta o consumo ( 11 ). Nestas condições, o legislador da União optou por privilegiar as instalações de produção de eletricidade que utilizem fontes de energia renováveis. A este respeito, como declarou o Tribunal de Justiça, embora o artigo 32.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72/CE ( 12 ) preveja que um operador de rede de distribuição pode recusar o acesso à sua rede quando não disponha da capacidade necessária, desde que fundamente e justifique a recusa, esta possibilidade de recusar o acesso à rede deve, contudo, ser apreciada caso a caso e não autoriza os Estados‑Membros a prever essas derrogações de uma forma genérica, sem apreciação concreta, relativamente a cada operador, da incapacidade técnica da rede para satisfazer o pedido de acesso de terceiros ( 13 ).

33.

Atendendo à primeira questão submetida, há que determinar o sentido do conceito de «instalação de produção de eletricidade que utiliza fontes de energia renováveis», conforme referido no artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28, para verificar se este conceito abrange uma instalação cuja eletricidade é obtida por tratamento térmico de resíduos mistos que contenham uma fração de resíduos biodegradáveis industriais e urbanos. Se for o caso, esta instalação deve beneficiar da prioridade de acesso à rede elétrica prevista por essa disposição e, na hipótese de o operador de rede de distribuição lhe recusar o acesso, pode então obter uma compensação financeira, como enuncia o considerando 61 da mesma diretiva.

34.

O conceito de «instalação de produção de eletricidade que utiliza fontes de energia renováveis» não é definido na Diretiva 2009/28. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance deve normalmente ser objeto, em toda a União Europeia, de uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta não só os seus termos mas também o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa ( 14 ).

35.

Neste âmbito, há que observar, em primeiro lugar, que a redação do artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28, que se refere unicamente às instalações que utilizam fontes de energia renováveis, não permite, por si só, determinar se esta disposição diz respeito às instalações cuja eletricidade é obtida por tratamento térmico de resíduos mistos que contenham uma fração de resíduos biodegradáveis industriais e urbanos.

36.

Em segundo lugar, no que respeita ao contexto em que se insere a referida disposição, como sublinhou o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2001/77 definia a «eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis» como «a eletricidade produzida por centrais que utilizem exclusivamente fontes de energia renováveis, bem como a quota de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis em centrais híbridas que utilizam igualmente fontes de energia convencionais» ( 15 ). No entanto, esta diretiva já não estava em vigor à data dos factos do processo principal. Quanto ao artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2009/28, este define a «energia proveniente de fontes renováveis» como a «energia proveniente de fontes não fósseis renováveis, nomeadamente eólica, solar, aerotérmica, geotérmica, hidrotérmica e oceânica, hidráulica, de biomassa, de gases dos aterros, de gases das instalações de tratamento de águas residuais e biogases». Por conseguinte, como salientou a 50 Hertz nas suas observações escritas, no âmbito do litígio no processo principal, a qualificação de «eletricidade renovável» já não depende, portanto, da instalação na qual a eletricidade foi produzida, mas unicamente das fontes de energia utilizadas.

37.

O artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2009/28 enuncia que a energia produzida pela biomassa ( 16 ) é considerada uma energia proveniente de fontes renováveis. Ora, segundo a definição constante do artigo 2.o, alínea e), desta diretiva, a biomassa inclui a «fração biodegradável dos resíduos industriais e urbanos». Resulta destas disposições, lidas em conjunto, que a energia produzida por tratamento térmico de resíduos mistos que contenham uma fração de resíduos biodegradáveis industriais e urbanos deve ser considerada, para esta fração, uma energia proveniente de fontes renováveis.

38.

No caso em apreço, decorre da decisão de reenvio que a instalação em causa trata de resíduos mistos que contêm frações de resíduos biodegradáveis urbanos e industriais, que constituem assim biomassa, na aceção do artigo 2.o, alínea e), da referida diretiva ( 17 ).

39.

Por outro lado, o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2009/28 enuncia que, nas instalações multicombustíveis que utilizam fontes renováveis e convencionais, só é considerada a parte de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis. Por conseguinte, esta diretiva não exclui do seu âmbito de aplicação, por princípio, as instalações que utilizem em parte fontes de energia renováveis.

40.

Em terceiro lugar, no que respeita aos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2009/28, esta, como resulta do seu artigo 1.o, tem por objeto definir um quadro comum para a promoção de energia proveniente das fontes renováveis, fixando, designadamente, objetivos nacionais obrigatórios para a quota global de energia proveniente de tais fontes no consumo final bruto de energia ( 18 ). Neste sentido, o artigo 16.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva enuncia que os Estados‑Membros devem assegurar que sejam tomadas medidas operacionais adequadas relativas à rede e ao mercado a fim de minimizar as limitações da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis. Por outro lado, o considerando 60 da referida diretiva indica que, no caso de a eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis estar integrada no mercado diário, o acesso garantido assegura que toda a eletricidade vendida e beneficiária de apoio tenha acesso à rede, permitindo a utilização de um máximo de eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis produzida em instalações ligadas à rede. Quanto ao considerando 61 da mesma diretiva, o mesmo precisa que esta tem por objetivo um aumento sustentado do transporte e distribuição da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis sem afetar a fiabilidade ou a segurança do sistema de rede.

41.

Além disso, saliento que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o acesso garantido à rede previsto no artigo 16.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2009/28 visa integrar as fontes de energia renováveis no mercado interno da eletricidade, assegurando que toda a eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis tenha acesso às redes, o que permite utilizar uma quantidade máxima de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis ( 19 ).

42.

Por conseguinte, esta diretiva tem por objetivo a maior utilização possível das fontes de energia renováveis. Ora, não conceder prioridade às instalações cuja eletricidade é obtida por tratamento térmico de resíduos mistos que contenham uma fração de resíduos biodegradáveis conduziria à perda desta fração de fontes de energia renováveis quando o operador da rede de distribuição recusa o acesso à sua rede ao produtor de eletricidade em causa devido a congestionamentos.

43.

Proponho por conseguinte que se responda à primeira questão prejudicial que o artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28 deve ser interpretado no sentido de que a prioridade de acesso à rede elétrica de que beneficiam as instalações de produção de eletricidade que utilizam fontes de energia renováveis deve ser concedida não só às instalações que produzam eletricidade exclusivamente a partir de fontes de energia renováveis mas também àquelas cuja eletricidade é obtida por tratamento térmico de resíduos mistos que contenham uma fração de resíduos biodegradáveis industriais e urbanos.

B.   Quanto à segunda a quinta questões prejudiciais

44.

Com a sua segunda a quinta questões prejudiciais, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28 deve ser interpretado no sentido de que uma instalação de produção de eletricidade beneficia de uma prioridade de acesso à rede elétrica unicamente para a eletricidade produzida a partir da fração biodegradável dos resíduos industriais e urbanos utilizados e, na afirmativa, quais são as modalidades de aplicação dessa prioridade de acesso.

45.

Como foi precisado no âmbito da resposta dada à primeira questão prejudicial, resulta do artigo 2.o, alíneas a) e e), da Diretiva 2009/28 que a energia obtida pela biomassa constitui uma energia proveniente de fontes renováveis, mas que, no que diz respeito aos resíduos industriais e urbanos, apenas a respetiva fração biodegradável é tida em conta. Daqui decorre que uma instalação de produção de eletricidade beneficia da prioridade de acesso à rede elétrica, com fundamento no artigo 16.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva, apenas para a eletricidade produzida a partir dessa fração biodegradável e não da fração composta por resíduos convencionais.

46.

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça salientou, a respeito do artigo 16.o, n.o 2, alínea b), da referida diretiva, que, embora esta disposição evoque a possibilidade de criar um «acesso garantido» à rede para a eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis, tal apenas acontece no que respeita à eletricidade «verde» e que a referida disposição não pode, portanto, servir de base jurídica a disposições nacionais que prevejam o acesso garantido a instalações de produção de energia proveniente de fonte não renovável ( 20 ). Esta interpretação é aplicável por analogia à prioridade de acesso à rede prevista no artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da mesma diretiva.

47.

Atendendo à sua redação, esta disposição prevê a prioridade de acesso para as instalações de produção de eletricidade obtida a partir de fontes de energia renováveis, sem fixar, quando estas instalações utilizem simultaneamente fontes de energia renováveis e convencionais, uma quota mínima de fontes de energia renovável. Por outras palavras, a prioridade para efeitos de alimentação da rede em eletricidade prevista pela referida disposição não depende da importância da fração dos resíduos biodegradáveis utilizados para a produção de eletricidade, uma vez que a parte dos resíduos convencionais não desempenha qualquer papel nessa prioridade. Assim, não existe um limiar abaixo do qual a eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis não beneficia da prioridade de acesso à rede ( 21 ).

48.

Na medida em que uma instalação de produção de eletricidade beneficie de prioridade de acesso à rede unicamente para a eletricidade produzida a partir dessa fração biodegradável, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta como aplicar a prioridade de acesso, fazendo referência ao artigo 5.o, n.o 3, segundo parágrafo, da Diretiva 2009/28.

49.

A este respeito, saliento que, no plano jurídico, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, longe de pretender levar a cabo uma total harmonização dos regimes nacionais de apoio à produção de energia verde, o legislador da União partiu, por um lado, da constatação de que os Estados‑Membros aplicam diferentes regimes de apoio e, por outro, do princípio de que importa garantir o bom funcionamento dos mesmos para preservar a confiança dos investidores e permitir que esses Estados definam medidas nacionais eficazes para atingirem os objetivos vinculativos nacionais globais que a referida diretiva lhes impõe ( 22 ). A meu ver, o mesmo raciocínio pode ser transposto no que diz respeito à aplicação do artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da referida diretiva. Por conseguinte, há que considerar que os Estados‑Membros dispõem de uma importante margem de manobra para a aplicação da prioridade de acesso à rede elétrica das instalações que utilizem fontes de energia renováveis.

50.

Por outro lado, no plano técnico, a MNG Strom expôs que o operador da rede de transporte de eletricidade não conhece, em tempo real, a fração de resíduos biodegradáveis utilizados por uma instalação de produção de eletricidade quando deve escolher a ordem pela qual as instalações devem ser fazer paragens e que, aliás, os próprios operadores dessas instalações nem sempre sabem qual é a quota de energia produzida a partir de fontes renováveis. A 50 Hertz sublinhou, por seu turno, que a decisão de prioridade é uma medida de urgência tomada quase imediatamente e tem repercussões sobre os operadores a jusante, o que implica que os critérios de prioridade devem permitir dar orientações concretas ao operador da rede. Além disso, a Comissão alega que, em determinados casos, pode ser impossível, de um ponto visto técnico, aplicar a prioridade de acesso à rede apenas a uma parte da eletricidade produzida por uma instalação, neste caso, a parte obtida por fontes de energia renováveis.

51.

Neste contexto jurídico e técnico, sou de entendimento que não compete ao Tribunal de Justiça indicar de forma detalhada de que modo deve ser aplicada a prioridade de acesso à rede elétrica, cabendo esta tarefa, em conformidade com a redação do artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28, aos Estados‑Membros, que melhor podem conhecer as especificidades da rede de transporte de eletricidade nacional ( 23 ). Na audiência, a MNG Strom indicou, assim, que, na Alemanha, existem orientações relativas à gestão da rede de transporte de eletricidade que, tendo por objetivo a fiabilidade e a segurança dessa rede, fixaram a ordem de desconexão das instalações para permitir reduzir o congestionamento físico da referida rede.

52.

No entanto, atendendo às observações escritas das partes interessadas, o Tribunal de Justiça continua a ser competente para dar indicações, extraídas das disposições da Diretiva 2009/28, quanto aos elementos a ter em conta pelos Estados‑Membros para a aplicação da prioridade de acesso à rede elétrica.

53.

A este respeito, em primeiro lugar, resulta do disposto no artigo 16.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva que a prioridade de acesso deve ser aplicada se o funcionamento seguro da rede nacional de energia o permitir. A este título, como indica o considerando 60 da referida diretiva, os requisitos relativos à manutenção da fiabilidade e segurança da rede e à mobilização podem variar consoante as características da rede nacional e da segurança do respetivo funcionamento.

54.

Em segundo lugar, decorre igualmente do artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da mesma diretiva que a prioridade de acesso à rede elétrica deve ser efetuada com base em critérios transparentes e não discriminatórios, o que implica que sejam claros, previamente comunicados pelos Estados‑Membros e que a sua aplicação seja previsível para todas as partes em causa.

55.

Em terceiro lugar, resulta dos objetivos da Diretiva 2009/28 que os Estados‑Membros devem conceder uma prioridade máxima de acesso à rede elétrica às instalações que produzam exclusivamente energia proveniente de fontes renováveis, o que implica que a recusa de acesso à rede em relação às mesmas seja efetuada em último lugar.

56.

Em quarto lugar, no que respeita às instalações cuja eletricidade é obtida por tratamento de resíduos mistos que contenham uma fração de resíduos biodegradáveis, considero que as mesmas devem ser tidas em conta quando esta fração for estável no tempo, calculável e significativa. Caso contrário, existe um risco de abuso, em especial na hipótese em que seja tecnicamente impossível aplicar a prioridade de acesso à rede a apenas uma parte da eletricidade produzida por uma instalação e em que esta última beneficie dessa prioridade quando, na prática, a eletricidade é, essencialmente, produzida a partir de fontes de energia convencionais. É esse o caso, por exemplo, quando a parte da energia proveniente de fontes renováveis evolua consideravelmente no tempo, havendo, consequentemente, períodos em que esta parte é inexistente ou reduzida.

57.

Em quinto lugar, a EEW alega que recebeu sistematicamente da Umweltbundesamt (Agência Federal do Ambiente, Alemanha), durante o período em causa no processo principal, as garantias de origem previstas no artigo 15.o da Diretiva 2009/28, que lhe permitiram estabelecer que cerca de 50 % da sua produção de eletricidade provinha de fontes de energia renováveis. No entanto, como decorre do artigo 2.o, alínea j), desta diretiva, a «garantia de origem» é definida como um documento eletrónico com a única função de provar ao consumidor final que uma dada quota ou quantidade de energia foi produzida a partir de fontes renováveis. Por conseguinte, esta garantia é fixada a título retrospetivo e não permite conhecer em tempo real a quota dessas fontes de energia, isto é, no momento em que o operador da rede deve tomar a decisão de reduzir temporariamente a alimentação devido a congestionamentos ( 24 ). Assim, em meu entender, uma «garantia de origem» não pode servir de referência, enquanto tal, no âmbito da determinação dos critérios da prioridade de acesso à rede de eletricidade.

58.

Em sexto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio questiona se a ratio legis do artigo 5.o, n.o 3, segundo parágrafo da Diretiva 2009/28 pode ser invocada para a eletricidade da qual que só uma parte é produzida a partir de resíduos biodegradáveis. Recordo que, nos termos desta disposição, nas instalações multicombustíveis que utilizam fontes renováveis e convencionais, só é tida em consideração a parte de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis e que, para efeitos deste cálculo, a contribuição de cada fonte de energia é calculada com base no seu teor energético. Tendo em conta a importante margem conferida aos Estados‑Membros, considero, na falta de indicação contrária nesta diretiva, que estes últimos podem tomar como referência o artigo 5.o, n.o 3, segundo parágrafo, para atribuir a prioridade de acesso à rede elétrica ( 25 ). Neste contexto, um pedido de indemnização apresentado pelo operador de uma instalação de produção de eletricidade, na sequência da recusa de acesso à rede devido a congestionamentos, incide unicamente sobre a parte da eletricidade produzida a partir da fração biodegradável da mistura de resíduos.

59.

Tendo em conta tudo o que precede, proponho que se responda à segunda a quinta questões prejudiciais que o artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28 deve ser interpretado no sentido de que as instalações de produção de eletricidade beneficiam de prioridade de acesso à rede apenas para a eletricidade produzida a partir da fração biodegradável dos resíduos industriais e urbanos utilizados. Cabe aos Estados‑Membros, se o funcionamento seguro da rede nacional de energia o permitir, fixar critérios transparentes e não discriminatórios para efeitos de determinação das modalidades de aplicação dessa prioridade de acesso a essas instalações.

V. Conclusão

60.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha) do seguinte modo:

1)

O artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE,

deve ser interpretado no sentido de que:

a prioridade de acesso à rede elétrica de que beneficiam as instalações de produção de eletricidade que utilizam fontes de energia renováveis deve ser concedida não só às instalações que produzam eletricidade exclusivamente a partir de fontes de energia renováveis mas também àquelas cuja eletricidade é obtida por tratamento térmico de resíduos mistos que contenham uma fração de resíduos biodegradáveis industriais e urbanos.

2)

O artigo 16.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2009/28

deve ser interpretado no sentido de que:

as instalações de produção de eletricidade beneficiam de prioridade de acesso à rede apenas para a eletricidade produzida a partir da fração biodegradável dos resíduos industriais e urbanos utilizados. Cabe aos Estados‑Membros, se o funcionamento seguro da rede nacional de energia o permitir, fixar critérios transparentes e não discriminatórios para efeitos de determinação das modalidades de aplicação dessa prioridade de acesso a essas instalações.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Sobre a evolução da regulamentação da União relativa às energias renováveis, v. Johnston, A., e Block, G., EU Energy Law, Oxford University Press, Oxford, 2012, n.os 12.01 a 12.185.

( 3 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE (JO 2009, L 140, p. 16). Esta diretiva foi revogada e substituída pela Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis (JO 2018, L 328, p. 82). No entanto, tendo em conta a data dos factos em causa, a Diretiva 2009/28 continua a ser aplicável ao litígio no processo principal.

( 4 ) V., igualmente, Acórdão de 20 de setembro de 2017, Elecdey Carcelen e o. (C‑215/16, C‑216/16, C‑220/16 e C‑221/16, EU:C:2017:705, n.o 38 e jurisprudência referida).

( 5 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de setembro de 2001, relativa à promoção da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no mercado interno da eletricidade (JO 2001, L 283, p. 33). Esta diretiva foi revogada e substituída pela Diretiva 2009/28.

( 6 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 96/92/CE (JO 2003, L 176, p. 37).

( 7 ) BGBl. 2011 I, p. 1634.

( 8 ) BGBl. 2008 I, p. 2074.

( 9 ) BGBl. 2014 I, p. 1066. Como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, no período referido na decisão de reenvio, estas três versões da EEG eram sucessivamente aplicáveis. Uma vez que a redação ou o teor das disposições pertinentes eram idênticos nestas três versões da EEG, por razões de simplificação, apenas será feita referência à EEG de 2012.

( 10 ) Nos termos do artigo 27.o da Diretiva 2009/28, os Estados‑Membros deviam transpor esta diretiva até 5 de dezembro de 2010.

( 11 ) V. Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Fondul Proprietatea (C‑179/20, EU:C:2021:731, n.o 51). V., igualmente, Acórdão de 27 de janeiro de 2022, Fondul Proprietatea (C‑179/20, EU:C:2022:58, n.os 59 e 60), segundo o qual o acesso à rede de transporte não é ilimitado, uma vez que depende da capacidade máxima que a rede pode suportar. O «redespacho» é doravante regulado pelo Regulamento (UE) 2019/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativo ao mercado interno da eletricidade (JO 2019, L 158, p. 54), e é definido pelo artigo 2.o, ponto 26, deste regulamente como «uma medida, incluindo o deslastre, ativada por um ou mais operadores das redes de transporte ou das redes de distribuição, que altera o padrão de produção, de carga, ou ambos, com o objetivo de mudar os fluxos físicos na rede de eletricidade e aliviar os congestionamentos físicos ou assegurar de outro modo a segurança do sistema».

( 12 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO 2009, L 211, p. 55). Esta diretiva foi revogada e substituída pela Diretiva (UE) 2019/944 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativa a regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que altera a Diretiva 2012/27/UE (JO 2019, L 158, p. 125).

( 13 ) Acórdão de 28 de novembro de 2018, Solvay Chimica Italia e o. (C‑262/17, C‑263/17 e C‑273/17, EU:C:2018:961, n.o 60).

( 14 ) Acórdão de 2 de junho de 2022, T.N. e N.N. (Declaração de repúdio da herança) (C‑617/20, EU:C:2022:426, n.o 35 e jurisprudência referida).

( 15 ) O sublinhado é meu. A Diretiva 2001/77 não definia o conceito de «central híbrida», que podia ser objeto de várias interpretações.

( 16 ) Quanto à biomassa na União, v., em inglês, European Commission, Joint Research Centre, Brief on biomass for energy in the European Union, Serviço das Publicações da União Europeia, 2019.

( 17 ) Recordo que os Estados‑Membros devem respeitar a hierarquia dos resíduos prevista no artigo 4.o da Diretiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa aos resíduos e que revoga certas diretivas (JO 2008, L 312, p. 3), havendo eliminação em último lugar.

( 18 ) V., nomeadamente, Acórdão de 3 de março de 2021, Promociones Oliva Park (C‑220/19, EU:C:2021:163, n.o 62).

( 19 ) V. Acórdão de 27 de janeiro de 2022, Fondul Proprietatea (C‑179/20, EU:C:2022:58, n.o 62).

( 20 ) V. Acórdão de 27 de janeiro de 2022, Fondul Proprietatea (C‑179/20, EU:C:2022:58, n.o 65).

( 21 ) Esta consideração é precisada no n.o 56 das presentes conclusões.

( 22 ) Acórdão de 4 de outubro de 2018, L.E.G.O. (C‑242/17, EU:C:2018:804, n.o 53 e jurisprudência referida).

( 23 ) Saliento que o Regulamento 2019/943 indicou de forma detalhada as regras do redespacho, enunciando, nomeadamente, no seu artigo 13.o, n.o 6, alínea a), que, quando se utilizar o redespacho descendente não baseado no mercado, as instalações de produção de energia que utilizam fontes de energia renovável só devem ser objeto de redespacho descendente se não existir outra alternativa, ou se as outras soluções resultassem em custos significativamente desproporcionados ou riscos graves para a segurança da rede. No entanto, este regulamento não é aplicável aos factos do processo principal.

( 24 ) V., igualmente, Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft (C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.o 90).

( 25 ) V., igualmente, considerando 11 da Diretiva 2009/28.

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