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Document 62021CC0554

Conclusões do advogado-geral P. Pikamäe apresentadas em 26 de outubro de 2023.
Financijska agencija contra Hann-Invest d.o.o. e.o.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Visoki trgovački sud.
Reenvio prejudicial — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União — Independência dos juízes — Tribunal previamente estabelecido por lei — Processo equitativo — Serviço do registo das decisões judiciais — Regulamentação nacional que prevê a instauração de um juiz responsável pelo registo, nos órgãos jurisdicionais de segunda instância, com o poder, na prática, de suspender a prolação de uma decisão, de dar instruções às formações de julgamento e de solicitar a convocação de uma reunião do Pleno — Regulamentação nacional que prevê o poder, nas reuniões do Pleno ou de todos os juízes de um órgão jurisdicional, de emitir “posições jurídicas” vinculativas, incluindo para os processos já deliberados.
Processos apensos C-554/21, C-622/21 e C-727/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:816

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PRIIT PIKAMÄE

apresentadas em 26 de outubro de 2023 ( 1 )

Processos apensos C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21

Financijska agencija

contra

HANN‑INVEST d.o.o. (C‑554/21)

e

Financijska agencija

contra

MINERAL‑SEKULINE d.o.o. (C‑622/21)

e

UDRUGA KHL MEDVEŠČAK ZAGREB (C‑727/21)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Visoki trgovački sud Republike Hrvatske (Tribunal de Comércio de Recurso, Croácia)]

«Reenvio prejudicial — Artigo 19.o, n.o1, segundo parágrafo, TUE — Estado de direito — Tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Competência do Tribunal de Justiça — Admissibilidade — Interpretação necessária para que o órgão jurisdicional de reenvio possa proferir a sua decisão — Mecanismo interno destinado a assegurar a coerência da jurisprudência de um órgão jurisdicional de segunda instância — Princípio da segurança jurídica — Princípio da independência dos juízes — Exigência de acesso a um tribunal instituído por lei e de um processo equitativo»

1.

Uma vez recordada a máxima evidente de que a jurisprudência é fonte de Direito, revela‑se em toda a sua extensão e complexidade a responsabilidade do juiz, dado que este último está na confluência de imperativos contraditórios, sendo chamado a garantir a segurança jurídica mas também a inovar, para adaptar o direito às mudanças da sociedade que pretende reger. A questão foi aliás corretamente colocada pela doutrina: «Quanta insegurança pode um sistema jurídico tolerar?» ( 2 ).

2.

Sob reserva de uma resposta positiva à questão da admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial, os presentes processos dão uma oportunidade ao Tribunal de Justiça para buscar o ponto de equilíbrio entre as exigências acima referidas, no contexto da apreciação da compatibilidade de um mecanismo processual interno destinado a assegurar a coerência da jurisprudência de um órgão jurisdicional, apreciação esta que implica a tomada em conta da indispensável independência dos juízes.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

3.

No âmbito do presente processo é pertinente o artigo 19.o, n.o 1, TUE.

B.   Direito croata

4.

O artigo 37.o da Zakon o sudovima (Lei Orgânica dos Tribunais) (Narodne novine, br. 28/13, 33/15, 82/15, 82/16, 67/18, 126/19, 130/20) prevê:

«1)   Os órgãos jurisdicionais com várias secções ou formações, incluindo de juiz singular, que decidem questões decorrentes de um ou de vários domínios conexos do direito, [formam o Pleno] que agrup[a] os juízes que decidem destas questões.

2)   [O Pleno é formado a partir da lista] anual de afetação dos juízes, [na qual é designado o Presidente do Pleno], encarregado de conduzir os respetivos trabalhos. […]»

5.

O artigo 38.o desta lei dispõe:

«1.   As reuniões [do Pleno] são consagradas à apreciação de questões que apresentam interesse para os [seus] trabalhos, a saber, a organização da atividade interna, as questões jurídicas controversas, a uniformização da jurisprudência e as questões pertinentes para a aplicação da legislação em cada domínio jurídico, bem como o acompanhamento do trabalho e da formação dos juízes, dos assessores jurídicos e dos juízes estagiários afetos [ao Pleno].

2.   Nas reuniões [do Pleno] do Županijski sud (Tribunal Regional, Croácia), do Visoki trgovački sud Republike Hrvatske (Tribunal de Comércio de Recurso, Croácia), do Visoki upravni sud Republike Hrvatske (Tribunal Administrativo de Recurso, Croácia), do Visoki kazneni sud Republike Hrvatske (Tribunal Administrativo de Recurso, Croácia), do Visoki kazneni sud Republike Hrvatske (Tribunal Criminal de Recurso, Croácia), do Visoki prekršajni sud Republike Hrvatske (Tribunal Correcional de Recurso, Croácia), são igualmente examinadas questões de interesse comum para os órgãos jurisdicionais inferiores [que pertencem à área de jurisdição] destes [tribunais].

3.   As reuniões [do Pleno] do Vrhovni sud Republike Hrvatske (Supremo Tribunal, Croácia) são consagradas ao exame de questões de interesse comum para alguns ou todos os órgãos jurisdicionais do território da República da Croácia, bem como ao exame e à elaboração de um parecer sobre os projetos de regulamentação num domínio jurídico específico.»

6.

Nos termos do artigo 39.o da referida lei:

«1.   [Sempre que necessário, e, pelo menos uma vez, por trimestre, o] presidente [do Pleno], ou o presidente do [tribunal em causa], convoca [o Pleno] e preside aos [respetivos] trabalhos. Quando o presidente do [tribunal em causa] participa nos trabalhos [do Pleno], preside à reunião e participa no processo decisório.

2.   Quando [o Pleno] do [tribunal em causa] ou um quarto do coletivo dos juízes o solicitarem, deve ser convocada uma reunião em que participem todos os juízes [desse tribunal].

3.   Nas reuniões dos juízes do [tribunal em causa] ou [do Pleno], as decisões são tomadas por maioria dos votos dos juízes, ou dos juízes [do Pleno].

4.   É lavrada uma ata dos trabalhos da reunião.

5.   O presidente do [tribunal em causa] ou [do Pleno], pode também convidar académicos eminentes e peritos num domínio jurídico específico a participarem na reunião [do Plenário ou do Pleno].»

7.

O artigo 40.o da Lei Orgânica dos Tribunais dispõe:

«1.   Quando se verifique que existem diferenças de interpretação entre [o Pleno], as secções ou juízes quanto às questões relativas à aplicação da lei ou quando uma secção ou um juiz [do Pleno] se afasta da posição jurídica anteriormente adotada, é convocada uma reunião [do Plenário ou do Pleno das secções].

2.   A posição jurídica adotada [pelo Plenário ou pelo Pleno] do Vrhovni sud Republike Hrvatske (Supremo Tribunal, Croácia), do Visoki trgovački sud Republike Hrvatske (Tribunal de Comércio de Recurso, Croácia), do Visoki upravni sud Republike Hrvatske (Tribunal Administrativo de Recurso, Croácia), do Visoki kazneni sud Republike Hrvatske (Tribunal Criminal de Recurso, Croácia), do Visoki prekršajni sud Republike Hrvatske (Tribunal Correcional de Recurso, Croácia) e [pelo Pleno de um] Županijski sud (Tribunal Regional, Croácia), é vinculativa para todas as secções ou juízes de segunda instância [deste Pleno ou deste tribunal].

3.   O presidente [do Pleno] pode, se for caso disso, convidar professores da Faculdade de Direito, académicos eminentes ou peritos num determinado domínio do direito a participar [na reunião do Pleno].»

8.

O artigo 41.o desta lei enuncia:

«1)   O presidente do órgão jurisdicional designa, no programa anual de afetação dos juízes, um ou mais juízes encarregados de acompanhar e de estudar a jurisprudência […]».

9.

O artigo 177.o, n.o 3, do Sudski poslovnik (Regulamento de Processo dos Tribunais, Narodne novine, br. 37/14, 49/14, 8/15, 35/15,123/15, 45/16, 29/17, 33/17, 34/17, 57/17, 101/18, 119/18, 81/19, 128/19, 39/20 e 47/20) (a seguir «Regulamento de Processo dos Tribunais») prevê:

«Perante um órgão jurisdicional de segunda instância, o processo é considerado encerrado [na] data do envio da decisão pelo gabinete do juiz, após a devolução pelo serviço de acompanhamento e registo da jurisprudência. A contar da data de receção dos autos, o serviço de acompanhamento e registo da jurisprudência deve reenviá‑los ao gabinete do juiz o mais rapidamente possível. Em seguida, deve proceder‑se [à notificação] da decisão num novo prazo de oito dias».

II. Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

10.

O Visoki trgovački sud Republike Hrvatske (Tribunal de Comércio de Recurso, Croácia), órgão jurisdicional de reenvio nos processos principais, foi chamado a pronunciar‑se em três recursos. Nos processos C‑554/21 e C‑622/21, os recursos têm por objeto o indeferimento do pedido da Financijska agencija (Agência Financeira) no sentido de que lhe fossem reembolsadas as despesas relacionadas com a sua intervenção em processos de insolvência. No Processo C‑727/21, o recurso diz respeito a um despacho de indeferimento do pedido de abertura de um processo de insolvência apresentado pela recorrente no processo principal.

11.

Nestes três processos, o órgão jurisdicional de reenvio, reunindo em formações de julgamento de três juízes, apreciou os recursos e negou‑lhes provimento por unanimidade, confirmando assim as decisões da primeira instância. Estas decisões foram assinadas e transmitidas ao serviço de acompanhamento e de registo da jurisprudência, em conformidade com o artigo 177.o, n.o 3, do Regulamento de Processo dos Tribunais.

12.

Segundo esta disposição, e como expôs o órgão jurisdicional de reenvio, num processo decidido em segunda instância, o trabalho jurisdicional só está concluído quando o processo é registado pelo referido serviço e, em seguida, devolvido à formação de julgamento para notificação da decisão às partes. O processo só fica encerrado na data da notificação da decisão. Por conseguinte, a decisão judicial só é considerada definitiva, apesar de ter sido adotada por uma formação de julgamento, quando é confirmada por um juiz do referido serviço (a seguir «juiz responsável pelo registo»), que é designado pelo presidente do tribunal em causa, na sua qualidade de órgão da administração judiciária, no quadro do programa anual de afetação dos juízes. Este procedimento não está previsto por lei como condição para a adoção de uma decisão judicial, mas corresponde a uma prática dos órgãos jurisdicionais de segunda instância que tem por base o Regulamento de Processo dos Tribunais.

13.

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, nos três processos principais, o juiz responsável pelo registo recusou registar as decisões adotadas e devolveu‑as acompanhadas de uma carta justificativa. Nos processos C‑554/21 e C‑622/21, esta carta constatava uma contradição com outras decisões em litígios semelhantes, ao passo que, no processo C‑727/21, exprimia o desacordo deste juiz com a interpretação jurídica adotada pela secção no processo principal, sem fazer referência a qualquer contradição jurisprudencial.

14.

Na sequência destas recusas de registo, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu, nos processos C‑554/21 e C‑622/21, submeter pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, tendo em conta as dúvidas suscitadas a respeito da compatibilidade do artigo 177.o, n.o 3, do Regulamento de Processo dos Tribunais com o direito da União. Quanto ao processo C‑727/21, tendo o órgão jurisdicional de reenvio mantido a sua decisão inicial e comunicado novamente a mesma ao juiz responsável pelo registo, este último transmitiu‑a ao Pleno das secções do contencioso comercial e outros litígios do órgão jurisdicional de reenvio, para que a questão jurídica controvertida fosse examinada numa reunião do Pleno. Reunido o Pleno, foi adotada uma «posição jurídica» que seguiu a solução preconizada pelo juiz responsável pelo registo. Em seguida, o processo foi novamente remetido à secção para que, em aplicação do artigo 40.o, n.o 2, da Lei Orgânica dos Tribunais, a mesma decidisse em conformidade com essa «posição jurídica», circunstância que conduziu à decisão de reenvio no processo C‑727/21.

15.

Tendo em conta a tramitação dos processos principais, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o juiz responsável pelo registo, que é desconhecido das partes, cujo papel não está previsto nas regras processuais aplicáveis aos recursos e que, apesar de não ser uma instância superior, é suscetível de levar a secção competente a alterar a sua decisão, pode, com a sua atuação, violar a exigência de independência judicial. O órgão jurisdicional de reenvio indica que a existência desta forma de registo das decisões judiciais se justificava, até agora, pela necessidade de uniformização da jurisprudência. Contudo, no entender do órgão jurisdicional de reenvio, a atuação deste serviço de registo após a adoção de uma decisão judicial é contrária ao direito fundamental que constitui a independência do poder judicial, uma vez que é o próprio serviço que escolhe as decisões que o órgão jurisdicional notificará às partes.

16.

Além disso, no processo C‑727/21, a propósito das reuniões do Pleno de um determinado tribunal, o órgão jurisdicional de reenvio esclarece que se trata de um órgão que não está previsto no Código de Processo Civil e que só os juízes responsáveis pelo registo e os presidentes dos diferentes Plenos decidem sobre os pontos da ordem de trabalhos dessas reuniões. As partes nos diferentes processos não têm conhecimento do papel do Pleno e não podem participar nele. Ora, a decisão proferida por uma formação de julgamento só pode ser revista e alterada na sequência de recursos interpostos pelas partes perante o órgão jurisdicional competente, no âmbito de um processo judicial de que tenham conhecimento, e não na sequência do parecer de um juiz que não faz parte desta formação ou de uma formação alargada de juízes.

17.

Nestas condições, o Visoki trgovački sud Republike Hrvatske (Tribunal de Comércio de Recurso) decidiu, em cada um dos três processos apensos, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Pode a regra enunciada na segunda parte do primeiro período e no segundo período do artigo 177.o, n.o 3, [Regulamento de Processo dos Tribunais], que prevê que “[p]erante um órgão jurisdicional de segunda instância, [o] processo é considerado encerrado na data do envio da decisão pelo gabinete do juiz, após a devolução do processo pelo serviço de registo, [a] contar da data da receção dos autos, o serviço de registo deve reenviá‑lo ao gabinete do juiz o mais rapidamente possível [procedendo‑se, em] seguida, [à notificação] da decisão num novo prazo de oito dias”, está em conformidade com o artigo 19.o, n.o 1, TUE e com o artigo 47.o da [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir, “Carta”)]?»

18.

Além disso, no processo C‑727/21, o Visoki trgovački sud Republike Hrvatske (Tribunal de Comércio de Recurso) decidiu submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«2) A disposição do artigo 40.o, n.o 2, [da Lei Orgânica dos Tribunais], que prevê que “[a] posição jurídica adotada [pelo Plenário ou pelo Pleno] do Vrhovni sud Republike Hrvatske (Supremo Tribunal, Croácia), do Visoki trgovački sud Republike Hrvatske (Tribunal de [Comércio de Recurso], Croácia), do Visoki upravni sud Republike Hrvatske (Tribunal Administrativo de Recurso, Croácia), do Visoki kazneni sud Republike Hrvatske (Tribunal Criminal de Recurso, Croácia), do Visoki prekršajni sud Republike Hrvatske (Tribunal Correcional de Recurso, Croácia) e [pelo Pleno de um] Županijski sud (Tribunal Regional, Croácia), é vinculativa para todas as secções ou juízes de segunda instância [deste Pleno ou deste tribunal]”, é conforme com o artigo 19.o, n.o 1, TUE e com o artigo 47.o da [Carta]?»

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

19.

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de março de 2022, os processos C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21 foram apensados para efeitos das fases escrita e da fase oral, bem como para efeitos do acórdão.

20.

O Governo Croata e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas nos processos C‑554/21, C‑622/21 e C‑727/21. Foram apresentadas observações escritas pela recorrente no processo principal no processo C‑554/21. Na audiência realizada em 5 de junho de 2023, foram ouvidas as observações orais do Governo Croata e da Comissão.

IV. Análise

21.

Como resulta dos pedidos de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio considera que deve obter do Tribunal de Justiça uma interpretação do artigo 19.o, n.o 1, TUE e do artigo 47.o da Carta, atendendo às dúvidas com que se depara quanto à conformidade do artigo 177.o, n.o 3, do Regulamento de Processo dos Tribunais e do artigo 40.o, n.o 2, da Lei Orgânica dos Tribunais, que regulam o processo decisório nos órgãos jurisdicionais croatas de segunda instância, com aquelas disposições do direito da União.

22.

Embora nenhuma das partes tenha apresentado observações quanto à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade destes pedidos, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, cabe ao próprio Tribunal de Justiça examinar as condições em que o pedido lhe é submetido pelo juiz nacional, com vista a verificar a sua própria competência ou a admissibilidade do pedido que lhe é submetido ( 3 ).

A.   Quanto à competência do Tribunal de Justiça

23.

Há que sublinhar que, no âmbito de um reenvio prejudicial ao abrigo do artigo 267.o do TFUE, o Tribunal de Justiça só pode interpretar o direito da União nos limites das competências que lhe são atribuídas ( 4 ).

24.

Em primeiro lugar, no que se refere à aplicação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, importa recordar que, nos termos desta disposição, os Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar aos particulares o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. Assim, compete aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de processos que permita assegurar uma fiscalização jurisdicional efetiva nos referidos domínios. Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no que diz respeito ao âmbito de aplicação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, a referida disposição visa os «domínios abrangidos pelo direito da União», independentemente da situação em que os Estados‑Membros apliquem este direito, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta ( 5 ).

25.

O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE é nomeadamente aplicável a todas as instâncias nacionais que, enquanto órgãos jurisdicionais, possam ser chamadas a decidir de questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União e que pertençam a domínios abrangidos por este direito. Ora é este o caso do órgão jurisdicional de reenvio, que pode, com efeito, na sua qualidade de tribunal comum croata, ser chamado a decidir de questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação do direito da União e que, enquanto «órgão jurisdicional» na aceção deste direito, se insere no sistema croata de vias de recurso nos «domínios abrangidos pelo direito da União» ( 6 ), na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, pelo que o referido órgão jurisdicional deve satisfazer as exigências da tutela jurisdicional efetiva. Por outro lado, cabe recordar que, embora a organização judiciária nos Estados‑Membros seja da competência destes últimos, a verdade é que, no exercício desta competência, os Estados‑Membros estão obrigados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União, especialmente do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE ( 7 ).

26.

Resulta das considerações precedentes que, nos presentes processos, o Tribunal de Justiça é competente para interpretar o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

27.

Em segundo lugar, o âmbito de aplicação da Carta no que respeita à atuação dos Estados‑Membros está definido no seu artigo 51.o, n.o 1, nos termos do qual as disposições da Carta têm por destinatários os Estados‑Membros, quando apliquem o direito da União, sendo que esta disposição confirma a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União são aplicáveis em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora delas. Como resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando uma situação jurídica não está abrangida pelo direito da União, o Tribunal de Justiça não tem competência para dela conhecer e as disposições da Carta eventualmente invocadas não podem, por si próprias, servir de base a esta competência ( 8 ).

28.

No caso vertente, no que respeita, mais concretamente, ao artigo 47.o da Carta, visado pelos presentes pedidos de decisão prejudicial, cabe observar que os litígios submetidos ao órgão jurisdicional de reenvio têm por objeto, no essencial, o reembolso de despesas efetuadas por um organismo público na sequência da sua intervenção em processos de insolvência e o mérito de uma decisão de primeira instância que indeferiu o pedido de abertura de um processo de insolvência apresentado por uma associação com sede em Zagreb (Croácia). No que respeita, precisamente, aos processos de insolvência, é pacífico que foram adotados pelo legislador da União vários atos neste domínio ( 9 ). Impõe‑se contudo constatar que o órgão jurisdicional de reenvio não menciona nenhuma disposição do direito da União relativa a este domínio que seja aplicável aos litígios em causa e nem sequer apresenta nenhum elemento que indique que os processos principais, evocados laconicamente nas decisões de reenvio, estão abrangidos pelo direito da União. Importa sublinhar que o reconhecimento do direito à ação consagrado no artigo 47.o da Carta, pressupõe que, num determinado caso, a pessoa que o invoca se baseie em direitos ou em liberdades garantidos pelo direito da União. Ora, não resulta da decisão de reenvio que os recorrentes nos processos principais tenham invocado um direito de que estejam investidos ao abrigo de uma disposição do direito da União ( 10 ).

29.

Decorre das considerações precedentes que nada permite considerar que os litígios nos processos principais dizem respeito à interpretação ou à aplicação de uma norma de direito da União transposta a nível nacional. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o artigo 47.o da Carta nos presentes processos.

B.   Quanto à admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial

30.

Em meu entender esta questão assume particular importância tendo em conta o alcance muito amplo do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, e a correlativa competência deste último ( 11 ). Desde a prolação do Acórdão Associação Sindical dos Juízes Portugueses ( 12 ), o Tribunal de Justiça recebeu numerosos reenvios prejudiciais nos quais era pedida a interpretação daquela disposição em processos que, no mínimo, podem ser descritos como variados, revelando alguns deles graves violações do Estado de Direito e, particularmente, da independência dos juízes, sendo que outros diziam respeito à questão da não promoção de um juiz, à sua classificação na grelha salarial, às regras que regulam a distribuição dos processos num órgão jurisdicional, ao estatuto de um signatário de uma contestação ou ao momento da prolação de uma decisão, sem ligação evidente com o objeto do litígio no processo principal ( 13 ). O rigor na apreciação da admissibilidade afigura‑se, neste contexto, como o único limite possível à análise de pedidos de decisão prejudicial que são contrários ao espírito e à finalidade desta via processual, a saber, a construção conjunta, pelo Tribunal de Justiça e pelo órgão jurisdicional nacional, no respeito das respetivas competências, de uma solução para o litígio submetido a este último.

31.

À luz da jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça e, mais especificamente, da sua expressão consolidada no Acórdão Miasto Łowicz, importa sublinhar que o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União necessários para resolver os litígios de que aqueles órgãos jurisdicionais são chamados a conhecer e que o reenvio prejudicial não encontra justificação na emissão de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas sim nas necessidades inerentes à efetiva solução de um litígio. Decorre dos próprios termos do artigo 267.o TFUE, que a decisão prejudicial solicitada deve ser «necessária ao julgamento da causa» pelo órgão jurisdicional de reenvio. Assim, o Tribunal de Justiça tem repetidamente recordado que resulta simultaneamente dos termos e da sistemática do artigo 267.o TFUE que o processo de reenvio prejudicial pressupõe, nomeadamente, que esteja efetivamente pendente perante os órgãos jurisdicionais nacionais um litígio no âmbito do qual estes sejam chamados a proferir uma decisão em que o acórdão prejudicial possa ser tomado em consideração. A missão do Tribunal de Justiça no âmbito de um processo prejudicial consiste em dar apoio ao órgão jurisdicional de reenvio na solução do litígio concreto perante ele pendente. No âmbito de um processo desta natureza, deve existir um nexo entre o referido litígio e as disposições do direito da União cuja interpretação é solicitada de molde a que referida interpretação responda a uma necessidade objetiva para a decisão a tomar pelo órgão jurisdicional de reenvio ( 14 ).

32.

Resulta do Acórdão Miasto Łowicz que este nexo pode ser direto ou indireto, segundo as três hipóteses de admissibilidade aí enunciadas. O nexo será direto quando o órgão jurisdicional nacional é chamado a aplicar o direito da União cuja interpretação é solicitada para resolver quanto ao mérito o litígio no processo principal (primeira hipótese). O referido nexo será indireto quando a decisão prejudicial puder fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio uma interpretação de disposições processuais do direito da União que este está obrigado a aplicar para proferir a sua decisão (segunda hipótese) ou quando a referida decisão puder fornecer uma interpretação do direito da União que permita ao órgão jurisdicional de reenvio resolver questões processuais de direito nacional antes de decidir do mérito do litígio de que foi chamado a conhecer (a seguir «terceira hipótese») ( 15 ).

33.

Como salientado acima, os litígios nos processos principais apresentam um certo nexo material com o direito da União em matéria de processos de insolvência, cuja interpretação pelo Tribunal de Justiça não é solicitada pelo órgão jurisdicional nacional, nexo este que é manifestamente insuficiente para satisfazer o critério da necessidade. Os pedidos de decisão prejudicial também não mostram que o órgão jurisdicional de reenvio seja chamado a aplicar o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, sobre o qual incidem as questões prejudiciais, a fim de obter uma solução de mérito dos referidos litígios no que diz respeito à repartição das despesas ou às condições de abertura de um processo de insolvência.

34.

Na realidade, através das questões prejudiciais que submeteu ao Tribunal de Justiça e da interpretação do direito da União que solicita, o órgão jurisdicional de reenvio parece não pretender ser esclarecido quanto ao mérito dos litígios que lhe são submetidos, mas sobre uma questão de natureza processual, entendida em sentido amplo ( 16 ), de direito nacional, que in limine litis deve ser resolvida por ele, uma vez que diz respeito à faculdade de este órgão jurisdicional decidir sobre os referidos litígios com total independência no âmbito de um mecanismo interno destinado a assegurar a coerência da jurisprudência do órgão jurisdicional e que envolve outras instâncias judiciais. O órgão jurisdicional de reenvio expôs adequadamente as razões que, no caso em apreço, o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, e, especialmente, o nexo que estabelece entre a referida disposição do Tratado e as disposições nacionais que, em seu entender, podem influenciar o processo judicial no termo do qual proferirá as suas decisões. Segundo este órgão jurisdicional, dependendo da resposta do Tribunal de Justiça acerca da conformidade do mecanismo acima referido, o órgão jurisdicional de reenvio poderá, ou não, vir a afastar‑se das posições jurídicas adotadas pelo Pleno relativamente aos litígios no processo principal.

35.

No entanto, estas considerações em nada alteram o objeto destes litígios e a constatação feita anteriormente de que não resulta dos pedidos de decisão prejudicial que os mesmos digam respeito a questões de direito da União. O facto de, atendendo à natureza da problemática processual suscitada nos pedidos de decisão prejudicial, a interpretação que o Tribunal de Justiça faz do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE poder ter influência na forma como o órgão jurisdicional de reenvio vai resolver os litígios nos processos principais, não significa que tal interpretação responda a uma necessidade inerente à solução, quanto ao mérito, de litígios que estão relacionados com o direito da União.

36.

Por conseguinte, deve o Tribunal de Justiça responder às questões do órgão jurisdicional de reenvio que são efetivamente necessárias para permitir que este último resolva, in limine litis, uma problemática processual nacional que pode ter impacto negativo na obrigação dos Estados‑Membros prevista no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, antes de resolver, quanto ao mérito, litígios que não apresentam nenhum nexo com o direito da União? Esta é, a meu ver, uma questão delicada.

37.

Recordo, em primeiro lugar, que, no Acórdão Miasto Łowicz, o Tribunal de Justiça examinou sucessivamente a admissibilidade das questões prejudiciais submetidas à luz de três situações distintas e autónomas que satisfaziam o critério da necessidade, para concluir pela sua inadmissibilidade, sublinhando, no que se refere à terceira hipótese, a diferença em relação aos processos que deram lugar ao Acórdão A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) ( 17 ), nos quais a interpretação prejudicial solicitada ao Tribunal de Justiça era suscetível de influenciar a determinação do órgão jurisdicional competente para resolver, quanto ao mérito, os litígios «relacionados com o direito da União» ( 18 ).

38.

Em segundo lugar, a formulação, no Acórdão Miasto Łowicz, da terceira hipótese de admissibilidade, além da hipótese mais habitual em que existe um nexo direto, quanto ao mérito, entre o litígio no processo principal e o direito da União, não significa que, para que adquira um sentido, esta hipótese deva necessariamente ser entendida como aplicável a um processo em que este nexo direto não existe. Com efeito, na verdade, há que ter em conta a multiplicidade dos reenvios prejudiciais e raciocinar à luz de cada questão prejudicial submetida. As decisões de reenvio podem conter, como no caso em apreço, questões que digam exclusivamente respeito a um problema relacionado com o processo nacional, ou misturar questões prejudiciais de natureza diversa, algumas com um nexo direto com o processo principal quanto ao mérito e outras relacionadas com uma problemática processual nacional, podendo as primeiras ser declaradas admissíveis, ao contrário das segundas ( 19 ).

39.

Em terceiro lugar, a competência do Tribunal de Justiça à luz da formulação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, que visa, de forma geral, os «domínios abrangidos pelo direito da União», independentemente da situação em que os Estados‑Membros aplicam este direito, não pode encontrar justificação na admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial, sob pena de serem confundidos dois conceitos jurídicos distintos e de se perder toda a utilidade desta última exigência.

40.

É verdade que a independência dos juízes é juridicamente indivisível e que, como salientou o advogado‑geral M. Bobek ( 20 ), não existe, no essencial, «independência judicial no âmbito do direito da União» por oposição à «independência judicial em casos exclusivamente nacionais». Esta observação, por muito pertinente que possa ser, não permite ultrapassar a fase de admissibilidade das questões prejudiciais submetidas e, por conseguinte, dispensar o Tribunal de Justiça de se interrogar se o direito da União é efetivamente aplicável no litígio no processo principal a decidir pelo órgão jurisdicional de reenvio ( 21 ).

41.

O facto de o problema suscitado pelo órgão jurisdicional de reenvio parecer revestir alguma gravidade, devido ao carácter sistémico das normas em causa no sistema judicial nacional, não decorre da apreciação da admissibilidade, mas sim do mérito, ou seja, da conformidade destas normas nacionais com as exigências do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. Uma certa relutância em deixar o órgão jurisdicional de reenvio sem resposta e, por conseguinte, em não examinar uma regulamentação e uma prática que podem potencialmente afetar a independência dos juízes croatas e que, mediante o estabelecimento deste mecanismo de unificação da jurisprudência, podem interessar a muitos outros sistemas jurídicos nacionais, não pode constituir a fundamentação, neste caso subjacente, de uma decisão de admissibilidade ( 22 ).

42.

Por conseguinte, há que considerar que, quando o Tribunal de Justiça admite ser interrogado sobre uma disposição do direito da União para resolver uma questão de ordem processual nacional, de forma que os processos principais possam ser conduzidos no respeito do direito da União, fá‑lo apenas na ótica da decisão do órgão jurisdicional de reenvio que decide quanto ao mérito do litígio no processo principal relacionado com o direito da União. Devo, no entanto, reconhecer que, quanto a este último ponto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça posterior ao Acórdão Miasto Łowicz não se caracteriza pela sua homogeneidade, uma vez que algumas decisões de inadmissibilidade ou de admissibilidade das questões prejudiciais se inscrevem na sua linha ( 23 ), ao passo que outras parecem afastar‑se dela, adotando, além do mais, soluções aparentemente contraditórias ( 24 ).

43.

Num acórdão recente, o Tribunal de Justiça declarou, em termos gerais, que as questões prejudiciais que visam permitir a um órgão jurisdicional de reenvio resolver, in limine litis, dificuldades de ordem processual como as relativas à sua própria competência para conhecer de um processo nele pendente, ou ainda os efeitos jurídicos que devem ou não ser reconhecidos a uma decisão jurisdicional que potencialmente obsta ao prosseguimento da apreciação deste processo pelo referido órgão jurisdicional, são admissíveis por força do artigo 267.o TFUE ( 25 ). Esta abordagem parece autonomizar a problemática processual, enquanto tal, no sentido de que a mesma é suscetível de preencher, por si só, o critério da necessidade ao abrigo do artigo 267.o TFUE. Todavia, o Tribunal de Justiça referiu‑se clara e exclusivamente a dois casos específicos, distintos da situação do órgão jurisdicional de reenvio cujos pedidos de decisão prejudicial não suscitem nenhuma interrogação quanto à sua competência material para resolver os litígios no processo principal, nem se refiram a decisões judiciais que obstem ao prosseguimento da apreciação destes litígios.

44.

Por último, parece‑me necessário evocar a segunda hipótese referida no Acórdão Miasto Łowicz. A este respeito, embora o Tribunal de Justiça já tenha declarado admissíveis questões prejudiciais relativas à interpretação de disposições processuais do direito da União que o órgão jurisdicional nacional tinha de aplicar para proferir a sua decisão, não é este, em minha opinião, o âmbito das questões submetidas nos presentes processos apensos, a não ser que se deva classificar o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE na categoria de normas acima referidas. A análise da jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça revela que esta categoria de normas diz respeito a atos de direito derivado que estabelecem regras específicas de natureza processual, situações específicas que ditam a solução adotada pelo Tribunal de Justiça quanto à admissibilidade ( 26 ).

45.

A este propósito, importa salientar que o Tribunal de Justiça declarou admissível uma questão prejudicial respeitante à interpretação do Regulamento (CE) n.o 1206/2001 ( 27 ), relativamente à qual foi previamente constatado que não tinha influência direta no resultado do processo principal, relativo à atribuição de uma indemnização com base numa cláusula contratual de não concorrência ( 28 ). A transposição desta decisão para os presentes processos, conjugada com a interpretação que o Tribunal de Justiça faz do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE para declarar a sua competência, conduziria a uma aplicação extensiva, para não dizer ilimitada, desta disposição num domínio que deve ser da competência dos Estados‑Membros, a saber, o da organização da justiça nestes últimos.

46.

À luz das observações acima expostas, importa considerar que as questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça não dizem respeito a uma interpretação do direito da União que responda a uma necessidade objetiva para a solução dos litígios nos processos principais, revestindo, ao invés, carácter geral, o que justifica concluir pela respetiva inadmissibilidade.

47.

Por uma questão de exaustividade no exercício da missão de assistência do Tribunal de Justiça que incumbe ao advogado‑geral, passo no entanto a expor a minha análise das referidas questões quanto ao mérito.

C.   Quanto ao mérito

48.

Resulta dos pedidos de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à conformidade de uma regulamentação e prática nacionais que, no processo decisório em segunda instância, preveem a intervenção do juiz responsável pelo registo e do Pleno, a respeito dos quais o referido órgão jurisdicional interroga separada e especificamente o Tribunal de Justiça. Dado que estas intervenções fazem parte do mesmo mecanismo destinado a assegurar a coerência da jurisprudência de um órgão jurisdicional, há que apreciar a compatibilidade deste mecanismo à luz do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, examinando conjuntamente as questões prejudiciais submetidas ( 29 ).

49.

A apreciação da conformidade deste mecanismo implica que, a título preliminar, e no contexto da prevenção de divergências jurisprudenciais, seja salientada a importância do princípio da segurança jurídica.

1. Quanto à exigência de segurança jurídica

50.

O princípio da segurança jurídica, que constitui um princípio fundamental do direito da União, visa garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas resultantes do direito da União ( 30 ). Exige, nomeadamente, que as normas jurídicas sejam claras e precisas e que a sua aplicação seja previsível para os particulares, a fim de permitir aos interessados conhecer com exatidão o alcance das obrigações que a regulamentação em causa lhes impõe, e que estes possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade ( 31 ).

51.

A coerência da jurisprudência que interpreta o direito da União, fonte de previsibilidade e, portanto, de segurança jurídica, constitui evidentemente uma preocupação fundamental do Tribunal de Justiça, incluindo no seu modo de funcionamento interno, uma vez que tal coerência corresponde à sua missão original. Segundo jurisprudência constante, o mecanismo de reenvio prejudicial estabelecido pelo artigo 267.o TFUE visa assegurar que, em quaisquer circunstâncias, o direito da União tem o mesmo efeito em todos os Estados‑Membros e, assim, evitar divergências na interpretação deste direito, cuja aplicação incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais, e destina‑se a garantir esta aplicação. Para este efeito, o referido artigo oferece ao juiz nacional um meio de eliminar as dificuldades que poderia suscitar a exigência de aplicação plena do direito da União no âmbito dos sistemas jurisdicionais dos Estados‑Membros ( 32 ).

52.

Por outro lado, o Tribunal de Justiça considera que um mecanismo vertical de uniformização da jurisprudência, através da intervenção dos órgãos jurisdicionais supremos dos Estados‑Membros, não é, em si mesmo, contrário ao direito da União, mesmo que as decisões destes órgãos jurisdicionais sejam vinculativas para os órgãos jurisdicionais inferiores. Uma conclusão no sentido da sua incompatibilidade só se imporia se o direito nacional não garantisse a independência dos órgãos jurisdicionais supremos ou se este mecanismo fosse suscetível de impedir um órgão jurisdicional nacional de submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça ( 33 ).

53.

No entanto, como observa acertadamente o TEDH no âmbito da sua fiscalização de conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), as eventuais divergências de jurisprudência entre órgãos jurisdicionais nacionais ou no interior de um mesmo órgão jurisdicional são inerentes a qualquer sistema judicial. Embora esta situação não seja, em si mesma, contrária à CEDH, o TEDH precisa que o princípio da segurança jurídica, implícito em todos os artigos da CEDH, tem por objetivo, nomeadamente, garantir uma certa estabilidade das situações jurídicas e promover a confiança do público na administração da justiça. A persistência de divergências jurisprudenciais é suscetível de criar um estado de incerteza jurídica suscetível de reduzir a confiança dos cidadãos no sistema judicial, quando esta confiança é um dos elementos fundamentais do Estado de Direito. Nestas circunstâncias, o TEDH considerou que os Estados Contratantes têm a obrigação de organizar os seus sistemas judiciais, para evitar decisões divergentes e de verificar a criação de mecanismos capazes de assegurar a coerência das práticas dos tribunais e a uniformidade da jurisprudência ( 34 ).

54.

É interessante observar, por um lado, que o mecanismo destinado a assegurar a coerência da jurisprudência visado nos presentes processos, diz respeito aos órgãos jurisdicionais croatas de segunda instância, ao passo que a solução de eventuais contradições ou incertezas decorrentes de acórdãos que contenham interpretações divergentes é, em princípio, da competência de um órgão jurisdicional supremo ( 35 ). No entanto, na minha opinião, tal competência em nada exclui a necessidade de uma jurisprudência harmonizada em segunda instância, especialmente atendendo ao caráter extraordinário das vias de recurso disponíveis contra as decisões destes órgãos jurisdicionais ( 36 ). A previsibilidade do direito e a segurança jurídica que daí resultam devem ser uma preocupação de todas as instâncias judiciais, independentemente da sua posição no sistema judicial, a fim de garantir a igualdade de todos os litigantes perante a lei, em todo o território. Por outro lado, o mecanismo em causa visa assegurar uma coerência horizontal, devendo cada órgão jurisdicional de segunda instância velar, através deste meio, pela unidade da sua própria jurisprudência, situação a que o TEDH atribui especial importância ( 37 ).

55.

A necessária implementação de mecanismos destinados a assegurar a coerência da jurisprudência não pode, no entanto, ser feita ignorando o acesso a um tribunal independente e imparcial estabelecido por lei.

2. Quanto ao respeito do direito a uma tutela jurisdicional efetiva

56.

Recorde‑se que a União agrupa Estados que aderiram livre e voluntariamente aos valores comuns referidos no artigo 2.o TUE, que respeitam estes valores e que estão empenhados em promover os mesmos. Decorre, especialmente, do artigo 2.o TUE que a União se funda em valores, como o Estado de Direito, que são comuns aos Estados‑Membros, numa sociedade caracterizada, designadamente, pela justiça. A este respeito, cumpre salientar que a confiança mútua entre os Estados‑Membros e, designadamente, os seus órgãos jurisdicionais assenta na premissa fundamental segundo a qual os Estados‑Membros partilham de uma série de valores comuns em que a União se funda, como indicado neste artigo. Por outro lado, o respeito por parte de um Estado‑Membro dos valores consagrados no artigo 2.o TUE constitui uma condição para o gozo de todos os direitos decorrentes da aplicação dos Tratados a este Estado‑Membro. Um Estado‑Membro não pode, portanto, alterar a sua legislação de modo a implicar um retrocesso da proteção do valor do Estado de Direito, valor este que é concretizado, nomeadamente, pelo artigo 19.o TUE. Os Estados‑Membros devem, assim, evitar qualquer retrocesso, à luz deste valor, da sua legislação em matéria de organização da justiça, abstendo‑se de adotar regras que venham a prejudicar a independência dos juízes ( 38 ).

57.

Como prevê o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, cabe aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de processos que permita assegurar aos particulares o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. O princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, a que se refere, assim, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, constitui um princípio geral do direito da União que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, que foi consagrado pelos artigos 6.o e 13.o da CEDH e que é atualmente afirmado no artigo 47.o da Carta ( 39 ).

58.

Uma vez que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE impõe que todos os Estados‑Membros estabeleçam as vias de recurso necessárias para assegurar, nos domínios abrangidos pelo direito da União, uma tutela jurisdicional efetiva, na aceção, nomeadamente, do artigo 47.o da Carta, esta última disposição deve ser devidamente tomada em conta para efeitos da interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, devendo igualmente ser tida em conta a jurisprudência do TEDH relativa ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH ( 40 ). Ora, para garantir que as instâncias que podem ser chamadas a pronunciar‑se sobre questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação do direito da União possam assegurar esta proteção jurisdicional efetiva, é fundamental a preservação da sua independência, como confirma o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, que menciona o acesso a um tribunal «independente» entre as exigências ligadas ao direito fundamental à ação ( 41 ).

59.

Embora a questão da independência da formação de julgamento chamada a conhecer do processo seja essencial nos presentes processos, a questão do respeito dos direitos de defesa e da garantia de acesso a um tribunal previamente estabelecido por lei deve igualmente ser tida em conta.

a) Quanto à exigência de independência dos órgãos jurisdicionais

60.

A exigência de independência dos órgãos jurisdicionais, inerente à missão de julgar, faz parte do conteúdo essencial do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e do direito fundamental a um processo equitativo, o qual reveste uma importância crucial enquanto garante da proteção dos direitos conferidos pelo direito da União aos litigantes e da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros, enunciados no artigo 2.o TUE, designadamente do valor do Estado de Direito ( 42 ).

61.

De acordo com jurisprudência constante, o referido conceito de independência comporta dois aspetos. O primeiro aspeto, de ordem externa, requer que a instância em causa exerça as suas funções com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a qualquer entidade e sem receber ordens ou instruções de nenhuma proveniência, estando assim protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. O segundo aspeto, de ordem interna, está ligado ao conceito de imparcialidade e visa o igual distanciamento em relação às partes no litígio e aos respetivos interesses, tendo em conta o objeto deste. Este aspeto exige o respeito pela objetividade e que não exista nenhum interesse na solução do litígio além da estrita aplicação das normas de direito. Estas garantias de independência e de imparcialidade postulam a existência de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração das funções, bem como às causas de abstenção, de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto ( 43 ).

62.

A este respeito, importa que os juízes estejam ao abrigo de intervenções ou de pressões externas que possam pôr em risco a sua independência. As regras aplicáveis ao estatuto dos juízes e ao exercício da sua função devem, especialmente, não só permitir afastar qualquer influência direta, sob a forma de instruções, mas também formas de influência mais indireta, suscetíveis de orientar as decisões dos juízes em causa, e permitir afastar, assim, qualquer falta de aparência de independência ou de imparcialidade destes juízes que possa pôr em causa a confiança que a justiça deve inspirar aos particulares numa sociedade democrática e num Estado de Direito ( 44 ).

63.

Embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima recordada tenha como objetivo principal preservar a independência dos órgãos jurisdicionais em relação aos poderes legislativo e executivo, em conformidade com o princípio da separação de poderes que caracteriza o funcionamento de um Estado de Direito, é plenamente aplicável, nomeadamente tendo em conta a generalidade das formulações utilizadas, num outro contexto que pode ser qualificado de puramente interno. No caso em apreço, as dúvidas expressas nas decisões de reenvio acerca do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, do TUE dizem respeito, essencialmente, a disposições e a uma prática nacional relativa a um mecanismo destinado a assegurar a coerência da jurisprudência e que prevê a intervenção, a este título, de dois órgãos do mesmo tribunal que o dos juízes autores destas decisões. Saliento, a este respeito, que, no âmbito de um litígio resultante de uma decisão emanada do presidente de um tribunal, no sentido de transferir um juiz, sem o seu consentimento, da secção do referido órgão jurisdicional, onde aquele exercia anteriormente funções, para outra secção deste mesmo órgão jurisdicional, o Tribunal de Justiça considerou que a exigência de independência dos juízes, decorrente do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido à luz do artigo 47.o da Carta, impõe que o regime aplicável às transferências não consentidas apresente, à semelhança das regras em matéria disciplinar, nomeadamente, as garantias necessárias para evitar o risco de que esta independência seja posta em causa por intervenções externas diretas ou indiretas ( 45 ).

64.

Esta abordagem é apoiada pela jurisprudência expressa do TEDH relativa ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, segundo a qual a independência da justiça exige que os juízes não estejam sujeitos a influências indevidas, não só provenientes do exterior do sistema judicial mas também do seu interior. Esta independência interna dos juízes exige que estes não possam ser sujeitos a instruções ou pressões de outros juízes ou de pessoas com responsabilidades administrativas dentro do tribunal, como o presidente do tribunal ou o presidente de um serviço do tribunal. Na falta de garantias suficientes de independência dos juízes dentro do sistema judicial e, especialmente, em relação aos seus superiores hierárquicos dentro do seu órgão jurisdicional, há razões para duvidar da independência e imparcialidade deste último ( 46 ).

65.

No caso em apreço, poderá considerar‑se que a intervenção do juiz responsável pelo registo e que a intervenção do Pleno, duas instâncias jurisdicionais do mesmo nível que a formação de julgamento inicialmente chamada a conhecer do processo, é suscetível de pôr em causa a exigência de independência dos membros desta última? Parece‑me que a resposta a esta questão deve ser negativa ( 47 ).

66.

Em primeiro lugar, é importante centrarmo‑nos na interpretação literal das disposições pertinentes da regulamentação nacional relativas ao funcionamento do «Pleno», que, em conformidade com o artigo 37.o da Lei Orgânica dos Tribunais, agrupa os juízes que compõem as diferentes secções ou formações do órgão jurisdicional em causa, incluindo o juiz singular, e que decidem questões relativas a um ou mais domínios jurídicos conexos. Nos termos do artigo 38.o desta lei, os debates numa reunião do Pleno incidem sobre «questões» de interesse para o Pleno, incluindo «questões jurídicas controversas» e «a uniformização da jurisprudência». Estes debates conduzem à adoção de uma «posição jurídica», nos termos do artigo 40.o, n.o 2, da referida lei, expressão que é significativa, uma vez que se contrapõe à solução ou decisão num determinado processo.

67.

Em segundo lugar, as explicações fornecidas pelo Governo Croata e a apreciação dos autos apresentados no Tribunal de Justiça confirmam esta análise exegética do funcionamento desta instância jurisdicional colegial, a qual inclui os juízes da formação consultada, que debatem, em termos gerais, a interpretação das normas em causa e a jurisprudência a elas relativa, com a adoção in fine, por maioria, de uma posição comum dos juízes quanto à interpretação a adotar. Assim, é pacífico que, por iniciativa do seu presidente, foi realizada uma reunião por videoconferência do Pleno da Secções de Contencioso Comercial, em 26 de outubro de 2021, na presença de 28 juízes, incluindo os três membros que compõem a formação de julgamento chamada a conhecer do processo e o juiz responsável pelo registo. Esta reunião dizia, nomeadamente, respeito às duas questões jurídicas, enunciadas de forma abstrata na ordem de trabalhos, que tinham dado lugar a trocas de impressões entre aquele juiz e aquela formação de julgamento. A ata da referida reunião continha a menção inicial de que a presença de 28 dos 31 juízes que compõem o Tribunal de Comércio de Recurso é suficiente para tomar decisões válidas, «concretamente, posições jurídicas», e relata as várias intervenções dos juízes, um dos quais pertencente à formação de julgamento chamada a conhecer do processo, e o conteúdo da posição jurídica relativa a cada uma das questões abordadas. Esta última caracteriza‑se pelo seu teor abstrato e por não serem feitas referências aos processos principais submetidos à formação de julgamento inicial. Além disso, decorre das observações do Governo Croata que o Pleno não dispõe dos autos destes processos, dos quais constam as alegações escritas das partes, sendo que apenas a primeira deliberação da formação de julgamento chamada a conhecer do processo é comunicada aos participantes, juntamente com elementos de jurisprudência.

68.

Em terceiro lugar, cabe à secção chamada a conhecer do processo ter em conta a interpretação, de caráter geral, das normas jurídicas aplicáveis, a fim de adotar, tendo em conta os factos e os elementos de prova constantes dos autos, a solução jurídica adequada nos processos que lhe são submetidos ( 48 ). Esta distinção entre interpretação e aplicação da norma jurídica é conhecida de outros ordenamentos jurídicos nacionais e corresponde à própria essência do mecanismo de qualquer reenvio prejudicial e, naturalmente, ao referido no artigo 267.o TFUE. A este respeito, importa recordar que, ao instituir um diálogo de juiz para juiz, entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, este último mecanismo tem por objetivo assegurar a unidade de interpretação do direito da União ( 49 ). A função confiada ao Tribunal de Justiça pelo artigo 267.o TFUE consiste em fornecer a qualquer órgão jurisdicional da União os elementos de interpretação do direito da União necessários para a solução do litígio de que são chamados a decidir ( 50 ). Esta disposição não confere ao Tribunal de Justiça poderes para aplicar as regras do direito da União a um caso concreto, mas apenas para se pronunciar sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União. Por conseguinte, não é ao Tribunal de Justiça, mas aos órgãos jurisdicionais nacionais, que compete aplicar o direito da União à luz dos elementos de interpretação fornecidos pelo Tribunal ( 51 ).

69.

A análise acima desenvolvida é fundamental para a apreciação do artigo 40.o, n.o 2, da Lei da Organização Judiciária, segundo o qual a posição jurídica adotada numa reunião do Pleno é vinculativa para todas as secções ou para todos os juízes de segunda instância que integram este Pleno. Se aceitarmos a distinção entre interpretação e aplicação da norma jurídica, o facto de a formação de julgamento chamada a conhecer do processo, que é parte integrante de uma instância colegial que debateu e votou por maioria a posição jurídica, ser obrigada a aplicar esta posição, à semelhança de um acórdão de um órgão jurisdicional supremo que apenas versa sobre matéria de direito, satisfaz o objetivo de segurança jurídica, sem violar a exigência de independência do órgão jurisdicional ( 52 ). Aceitar um mecanismo destinado a assegurar a coerência da jurisprudência, sob reserva do carácter não vinculativo da posição jurídica, como sugere a Comissão, equivaleria a conferir‑lhe um carácter de mero incentivo e, por conseguinte, uma utilidade totalmente aleatória.

70.

Em quarto lugar, importa circunscrever o papel que o juiz responsável pelo registo desempenha no mecanismo controvertido ( 53 ). Embora este juiz tenha, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o poder de bloquear o processo decisório e impedir que o resultado da deliberação da formação de julgamento chamada a conhecer do processo se transforme formalmente num ato judicial notificado às partes, não pode, em caso algum, substituir a apreciação desta formação pela sua. O juiz responsável pelo registo apenas pode remeter os autos à referida formação para reapreciação, acompanhados das suas observações sobre a problemática jurídica suscitada, e, caso continue a haver desacordo, alertar o presidente do órgão jurisdicional ou o presidente do Pleno encarregado de dirigir os trabalhos, os únicos com competência para submeter o processo a esta formação alargada, «[q]uando se verifique que há diferenças de interpretação entre [o Pleno], as secções ou juízes quanto às questões relativas à aplicação da lei ou quando uma secção ou um juiz [do Pleno] se afasta da posição jurídica anteriormente adotada» ( 54 ). A apreciação destes fundamentos cabe, portanto, exclusivamente a estes dois órgãos, os únicos competentes para chamar o Pleno a pronunciar‑se ( 55 ), sendo que este último, se for caso disso, adotará uma posição jurídica contrária à do juiz responsável pelo registo, que por sua vez será vinculativa para este último enquanto juiz do Pleno em causa ( 56 ). Não pode, portanto, considerar‑se que juiz responsável pelo registo tem a «última palavra» no processo de deliberação que termina com a adoção de uma posição jurídica, com força vinculativa no que diz respeito à interpretação da norma jurídica, e com a subsequente decisão da formação de julgamento chamada a conhecer do processo.

71.

Assim sendo, foi desenhado um mecanismo processual interno, familiar a diferentes ordens jurídicas nacionais, que prevê a intervenção de uma formação alargada sem transferência do processo em causa, sendo que esta formação não se pronuncia sobre o litígio em substituição da secção inicialmente chamada a conhecer do processo, limitando‑se a decidir uma questão de direito e a remeter o processo para a formação de julgamento inicial a fim de que esta se pronuncie sobre o litígio tendo em conta a resposta dada pela formação alargada. Consoante o sistema jurídico, a posição desta última poderá ser consultiva ou, como no caso em apreço, ter força vinculativa ( 57 ), limitada à formação de julgamento inicial ou extensiva a outras formações.

72.

Embora em várias ordens jurídicas nacionais a consulta, a título facultativo ou obrigatório, da formação alargada esteja reservada à secção inicialmente chamada a conhecer do processo, na hipótese de esta tencionar afastar‑se da jurisprudência anterior ou quando se verificar uma divergência na jurisprudência ou existir o risco de uma divergência desta natureza, esta consulta pode ser feita por um terceiro órgão jurisdicional, como o presidente do órgão jurisdicional ou do Pleno em causa, o qual, no caso vertente, é simplesmente alertado pelo juiz responsável pelo registo.

b) Quanto à exigência do respeito dos direitos de defesa

73.

Nas suas observações, a Comissão salientou que as reuniões do Pleno não são abertas ao público e que as partes não podem apresentar os seus argumentos. Foi observado na audiência que as atas destas reuniões não são divulgadas e que nelas participam juízes que não leram as alegações escritas das partes nem ouviram estas últimas, o que levanta a questão da equidade do processo. O mesmo se passa com a intervenção do juiz responsável pelo registo.

74.

Cabe recordar que o princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva dos direitos, reafirmado no artigo 47.o da Carta, e o conceito de «processo equitativo», referido no artigo 6.o da CEDH, são constituídos por diversos elementos, que incluem, nomeadamente, o respeito pelos direitos de defesa e o direito de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo. Decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o direito de ser ouvido em qualquer processo faz parte integrante do respeito pelos direitos de defesa assim consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta e que este direito garante que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do referido processo ( 58 ).

75.

No caso em apreço, importa sublinhar que, nos termos do artigo 334.o do Código de Processo Civil croata, «o órgão jurisdicional fica vinculado pela sua decisão desde que esta é publicada, e, se a decisão não tiver sido publicada, a partir do seu envio. A decisão só produz efeitos em relação às partes a partir do dia em que lhes é notificada». Nos termos do artigo 177.o, n.o 3, do Regulamento de Processo dos Tribunais, «[p]erante um órgão jurisdicional de segunda instância, [o] processo é considerado encerrado na data do envio da decisão pelo gabinete do juiz, após a devolução do processo pelo serviço de registo».

76.

Resulta das disposições acima referidas que o mecanismo processual em causa se enquadra na fase da deliberação do processo perante a formação consultada, uma vez que nenhuma decisão judicial é formalmente proferida após os debates no seio desta formação, e tal independentemente do acordo maioritário ou da unanimidade dos juízes que a compõem numa primeira deliberação. Esta fase da deliberação segue‑se a uma outra durante o qual as partes puderam apresentar as suas alegações e argumentos com respeito pelo contraditório e tem como único objetivo permitir que os juízes levem a cabo um trabalho de reflexão e de análise sobre o litígio submetido e sobre a sua resolução em conformidade com as normas jurídicas aplicáveis.

77.

No caso vertente, esta deliberação inclui uma reflexão colegial por parte dos juízes que integram o Pleno em causa, que não têm acesso aos autos examinados pela secção chamada a conhecer do processo, e respeita unicamente à interpretação abstrata da ou das normas jurídicas em causa, discutidas durante o processo contraditório prévio. Neste contexto, não podem, em princípio, ser adotadas posições jurídicas com fundamento em elementos sobre os quais as partes não tenham tido a possibilidade de se pronunciar. Se os debates no Pleno acabarem por levar à conclusão de que o litígio deve ser resolvido em conformidade com uma norma jurídica que não tenha sido referida nem debatida pelas partes durante o processo contraditório, a aplicação desta posição jurídica implica a reabertura dos debates a fim de respeitar o princípio do contraditório, que faz parte dos direitos de defesa. Isto não significa que o debate entre juízes que integram o Pleno não possa incidir sobre jurisprudência não citada pelas partes ou assumir a forma de um raciocínio por analogia com uma disposição diferente da que está em causa no processo tratado pela secção chamada a conhecer do processo. O trabalho do juiz é, por essência, constituído por este debate sobre questões de direito puras.

78.

Se aceitarmos a distinção entre interpretação e aplicação da norma jurídica, não podemos dizer que, nas circunstâncias acima descritas, não foi respeitada a exigência de um processo equitativo.

c) Quanto ao acesso a um tribunal estabelecido por lei

79.

Baseando‑se na jurisprudência constante do TEDH, o Tribunal de Justiça sublinhou que a introdução da expressão «estabelecido por lei» no artigo 6.o, n.o 1, primeira frase, da CEDH tem por objetivo evitar que a organização do sistema judicial seja deixada à discricionariedade do executivo e assegurar que esta matéria seja regulada por uma lei adotada pelo poder legislativo em conformidade com as regras que enquadram o exercício da sua competência. Esta expressão reflete, nomeadamente, o princípio do Estado de direito e diz respeito não só à base legal da própria existência do tribunal mas também à composição da formação em cada processo e ainda a qualquer outra disposição de direito interno cujo desrespeito leve à irregularidade da participação de um ou mais juízes no exame do processo, o que inclui, particularmente, disposições relativas à independência e à imparcialidade dos membros do tribunal em causa ( 59 ).

80.

A este respeito, segundo o TEDH, embora o direito a um «tribunal instituído por lei» garantido no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH constitua um direito autónomo, este último não deixa de ter ligações muito estreitas com as garantias de «independência» e de «imparcialidade», na aceção desta disposição. Assim, o referido órgão jurisdicional declarou, nomeadamente, que, embora as exigências institucionais do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH prossigam um objetivo preciso que fazem delas garantias específicas de um processo equitativo, têm em comum o facto de visarem como fim último o respeito dos princípios fundamentais que são a preeminência do direito e a separação de poderes, precisando, a este respeito, que na base de cada uma destas exigências está o imperativo de preservar a confiança que o poder judicial deve inspirar ao particular e a independência deste poder em relação a outros poderes ( 60 ).

81.

No presente processo, as disposições da regulamentação nacional referidas nas decisões de reenvio não dizem respeito à própria existência e competências do Visoki trgovački sud Republike Hrvatske (Tribunal de Comércio de Recurso), que têm uma base jurídica comprovada, mas ao seu processo decisório, após o encerramento da fase contraditória escrita e, eventualmente, oral, que conduz à adoção do ato judicial definitivo que põe termo ao litígio entre as partes, e, mais particularmente, às condições em que o Pleno e o juiz responsável pelo registo intervêm neste processo. Tendo em conta as consequências fundamentais que o referido processo acarreta para o bom funcionamento e a legitimidade do poder judicial num Estado democrático regido pela preeminência do direito, este processo constitui necessariamente um elemento inerente ao conceito de «tribunal estabelecido pela lei», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH ( 61 ).

82.

Além disso, cabe também observar que a problemática suscitada pelos pedidos de decisão prejudicial não é a da inobservância de regras internas que permitem afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos litigantes, quanto à impermeabilidade a elementos externos da formação de julgamento chamada a conhecer do processo ( 62 ), mas sim a da existência de disposições que regulam a fase de deliberação do processo que podem suscitar esta dúvida.

83.

A este respeito, sublinho que todas as regras de funcionamento do Pleno têm origem na Lei da Organização Judiciária. A participação do Pleno na fase de deliberação da formação de julgamento chamada a conhecer do processo assenta, por conseguinte, numa base jurídica incontestável que confere o grau de previsibilidade e de certeza necessário para satisfazer a exigência em causa ( 63 ). Além disso, como já foi constatado, as modalidades desta participação não são suscetíveis de criar, no espírito dos litigantes, dúvidas legítimas quanto à independência dos membros da formação de julgamento chamada a conhecer do processo.

84.

A própria existência do juiz responsável pelo registo também está prevista na Lei da Organização Judiciária, sendo que a descrição da função contém a definição do seu objetivo, a saber, o acompanhamento e o estudo da jurisprudência. A remessa dos processos a este último serviço, antes do envio das decisões a partir do gabinete do juiz, resulta claramente do artigo 177.o, n.o 3, do Regulamento de Processo dos Tribunais, que regulamenta a aplicação daquela lei e foi adotado pelo ministro dos assuntos judiciais ao abrigo do poder que lhe é conferido pelo artigo 76.o da referida lei ( 64 ). No entanto, o conteúdo exato desta função não figura nem nesta lei nem neste regulamento, especialmente no que diz respeito ao poder de suspender o registo de uma deliberação de uma formação de julgamento. Esta competência corresponde a uma prática judicial ou tem, segundo o Governo Croata, uma base textual num ato judicial interno do órgão jurisdicional.

85.

No entanto, há que recordar que o papel do juiz responsável pelo registo é monitorizar a jurisprudência, detetar processos semelhantes para garantir que são tratados de forma uniforme e, se não for este o caso, a sua ação culmina na informação do presidente do Pleno, o que constitui um simples ato de administração judicial, para convocação do Pleno e adoção de uma posição jurídica vinculativa, após discussão e votação por maioria. Durante o tempo necessário a esta adoção, o processo decisório está, logicamente, suspenso.

86.

Além disso, a função do juiz responsável pelo registo deve estar estritamente relacionada com os motivos de convocação do Pleno, que, nos termos do artigo 40.o, n.o 1, da Lei da Organização Judiciária, se prendem com a existência de diferenças de interpretação entre [o Pleno], as secções ou juízes quanto às questões relativas à aplicação da lei ou quando uma secção ou um juiz [do Pleno] se afasta da posição jurídica anteriormente adotada. A intervenção do juiz responsável pelo registo contribui para a coerência e a eficácia de um mecanismo capaz de assegurar a unidade da jurisprudência do órgão jurisdicional em causa.

87.

Nestas circunstâncias, a intervenção específica do juiz responsável pelo registo no processo decisório não é, de modo algum, no seu alcance, comparável à do Pleno, no que diz respeito ao conteúdo do ato judicial que põe termo ao litígio, e, contrariamente a este último, parece‑me dever escapar à exigência contida na expressão «estabelecido por lei» ( 65 ).

3. Conclusão intermédia

88.

Pelas razões expostas, considero que o artigo 19.o, n.o 1, TUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um mecanismo destinado a assegurar a coerência da jurisprudência de um órgão jurisdicional, como o que está em causa nos processos principais. Esta conclusão parece‑me igualmente fundamentada à luz de duas observações.

89.

Primeiro, importa sublinhar que nem o artigo 2.o nem o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, nem nenhuma outra disposição do direito da União, impõem aos Estados‑Membros um modelo constitucional preciso que regule as relações e a interação entre os diferentes poderes estatais, nomeadamente quanto à definição e à delimitação das suas competências, ou um modelo institucional de organização da justiça ( 66 ). A determinação deste último, incluindo a condução da fase de deliberação de um processo, é da competência dos Estados‑Membros, que dispõem de uma certa margem de apreciação para assegurar a aplicação dos princípios do Estado de Direito ( 67 ), nomeadamente no que diz respeito à conciliação entre as exigências de segurança jurídica, aplicadas aos órgãos jurisdicionais de segunda instância, e de independência destes órgãos. Como salientou o advogado‑geral M. Bobek, a jurisprudência do Tribunal de Justiça procura identificar os requisitos mínimos a que os sistemas nacionais devem obedecer ( 68 ).

90.

Por seu lado, o TEDH declarou que, nos países de direito codificado, a organização do sistema judicial não pode ser deixada à discricionariedade das autoridades judiciárias, o que não exclui, no entanto, que lhes seja reconhecido um certo poder de interpretação da legislação nacional nesta matéria. Aliás, a delegação de poderes em questões relativas à organização judiciária é aceitável, desde que esta possibilidade se inscreva no âmbito do direito interno do Estado em causa, incluindo as disposições pertinentes da sua Constituição ( 69 ).

91.

Segundo, resulta claramente da jurisprudência do TEDH que as exigências de segurança jurídica e de proteção das expectativas legítimas dos litigantes não consagram um direito adquirido a uma jurisprudência constante. Uma evolução da jurisprudência não é, em si mesma, contrária à boa administração da justiça, uma vez que o abandono de uma abordagem dinâmica e evolutiva correria o risco de entravar qualquer reforma ou avanço ( 70 ). Ora, no caso vertente, parece‑me que o mecanismo em causa concilia de forma relativamente adequada estas exigências e a necessária adaptabilidade do direito às mudanças da sociedade através de avanços jurisprudenciais. Recorde‑se que as posições jurídicas adotadas na reunião dos juízes dos órgãos jurisdicionais de segunda instância não são vinculativas para os órgãos jurisdicionais de primeira instância, podem ser contrárias à abordagem seguida pelo juiz responsável pelo registo e não impedem de modo algum o órgão jurisdicional supremo de exercer o seu papel regulador na aplicação do direito nacional, se necessário anulando a decisão do órgão jurisdicional de segunda instância e procedendo a uma mudança da orientação jurisprudencial.

V. Conclusão

92.

Caso considere admissíveis os pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Visoki trgovački sud Republike Hrvatske (Tribunal de Comércio de Recurso, Croácia), proponho que o Tribunal de Justiça responda a este órgão jurisdicional da seguinte forma:

O artigo 19.o, n.o 1, TUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação e a uma prática nacionais que, durante a fase de deliberação de um processo judicial em segunda instância, relativo a um litígio que foi objeto de decisão por parte da formação de julgamento chamada a conhecer do processo, preveem:

‑ que o presidente do órgão jurisdicional ou o presidente do Pleno de secções especializadas, tendo em vista a referida decisão e numa situação de risco ou de prejuízo para a coerência da jurisprudência do órgão jurisdicional, consulte uma formação alargada para que esta adote, por maioria de votos, uma posição comum sobre a interpretação de caráter geral e abstrato da norma jurídica aplicável, previamente debatida pelas partes, que a formação de julgamento inicialmente chamada a conhecer do processo deve tomar em conta para a solução do mérito do litígio;

‑ que o presidente do órgão jurisdicional ou o presidente do Pleno de secções especializadas sejam informados, por um juiz encarregado do acompanhamento da jurisprudência do órgão jurisdicional em causa, de uma situação de risco ou de prejuízo para a coerência desta jurisprudência, pelo facto de a formação de julgamento chamada a conhecer do processo ter mantido a sua decisão inicial, e que, enquanto se aguarda a adoção da posição jurídica acima referida, seja suspendida a prolação da decisão do litígio por esta formação e a sua notificação às partes.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Huglo, J‑G, «Le principe de sécurité juridique», Cahier du Conseil constitutionnel n.o 11, dezembro de 2001.

( 3 ) Acórdão de 22 de março de 2022, Prokurator Generalny e o. (Conselho de Disciplina do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑508/19, EU:C:2022:201, n.o 59).

( 4 ) V., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A.K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 77).

( 5 ) Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, a seguir Acórdão Miasto Łowicz, EU:C:2020:234, n.os 32 e 33).

( 6 ) Segundo as indicações da Comissão, o Visoki trgovački sud Republike Hrvatske (Tribunal de Comércio de Recurso, Croácia), na qualidade de tribunal de segunda instância, conhece, nomeadamente, dos litígios em matéria de direito comercial, dos litígios relativos ao direito das sociedades e ao direito de propriedade intelectual, bem como dos litígios relativos a aeronaves e navios. Em conformidade com os artigos 21.o e 24.o da Lei Orgânica dos Tribunais, o órgão jurisdicional de reenvio decide dos recursos interpostos das decisões dos tribunais de comércio, que decidem dos pedidos de abertura de processos de insolvência e tramitam os processos de liquidação judicial.

( 7 ) V., neste sentido, Acórdão, Miasto Łowicz (n.os 34 a 36).

( 8 ) Acórdãos de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 78), e de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 22).

( 9 ) Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência (JO 2015, L 141, p. 19) e Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, sobre os regimes de reestruturação preventiva, o perdão de dívidas e as inibições, e sobre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas, e que altera a Diretiva (UE) 2017/1132 (Diretiva sobre reestruturação e insolvência) (JO 2019, L 172, p. 18). Note‑se que este regulamento diz respeito a processos de insolvência transfronteiriços e que o mesmo se centra na resolução de conflitos de jurisdição e de leis em processos de insolvência transfronteiriços e assegura o reconhecimento das decisões judiciais em matéria de insolvência em toda a União. O referido regulamento não harmoniza o direito substantivo da insolvência dos Estados‑Membros. A Diretiva 2019/1023 não põe em causa o âmbito de aplicação do Regulamento 2015/848, mas visa completá‑lo estabelecendo normas substantivas mínimas para os processos de reestruturação preventiva, bem como para os processos conducentes a um perdão das dívidas dos empresários (considerandos 12 e 13).

( 10 ) V., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional) (C‑430/21, EU:C:2022:99, n.os 34 e 35).

( 11 ) Tendo em conta que na ordem jurídica dos Estados‑Membros é incorporado um direito da União cada vez mais fecundo e atendendo à missão do juiz nacional, juiz da União de direito comum, de assegurar a aplicação efetiva das normas do direito da União, parece‑me que o critério de aplicação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, a saber, que compete ao órgão jurisdicional nacional decidir de questões sobre a aplicação ou a interpretação do direito da União, deve considerar‑se quase sistematicamente preenchido.

( 12 ) Acórdão de 27 de fevereiro de 2018 (C‑64/16, EU:C:2018:117).

( 13 ) Na minha opinião, em alguns casos, o reenvio prejudicial parece não ser mais do que um pretexto processual para submeter ao Tribunal de Justiça, mediante a simples invocação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, a insatisfação/crítica do seu autor quanto ao funcionamento do sistema judicial nacional.

( 14 ) Acórdão Miasto Łowicz (n.os 44 a 46 e 48).

( 15 ) V. Acórdão Miasto Łowicz (n.os 49 a 51).

( 16 ) A meu ver, basta constatar que o mecanismo de unificação da jurisprudência em causa determina o processo decisório durante a fase de deliberação no órgão jurisdicional de reenvio, independentemente do facto de as disposições controvertidas não fazerem parte do Código de Processo Civil croata.

( 17 ) Acórdão de 19 de novembro de 2019 (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982).

( 18 ) Acórdão Miasto Łowicz (n.o 51).

( 19 ) V. Acórdão de 23 de novembro de 2021, IS (Ilegalidade do despacho de reenvio) (C‑564/19, EU:C:2021:949), no que respeita à primeira e segunda questões prejudiciais.

( 20 ) Conclusões do advogado‑geral M. Bobek nos processos apensos Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:403, n.o 136).

( 21 ) É isso, porém, que considera, em substância, o órgão jurisdicional de reenvio, segundo o qual o mecanismo de unificação da jurisprudência é suscetível de ter uma incidência significativa no respeito do Estado de Direito e na independência dos juízes, designadamente por ser aplicável a todos os processos que correm termos perante todos os órgãos jurisdicionais de segunda instância na Croácia, «independentemente da questão de saber se o direito da União é ou não aplicado no caso em apreço» (página 4 da decisão de reenvio no Processo C‑554/21).

( 22 ) Será, por outro lado, possível considerar que este mecanismo nunca será posto em causa no futuro por um órgão jurisdicional croata de segunda instância num litígio relacionado com o direito da União? Além desta hipótese, existe a possibilidade de a Comissão vir a intentar uma ação por incumprimento ou de o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (a seguir «TEDH») levar a cabo uma fiscalização convencional.

( 23 ) Despacho de 6 de outubro de 2020, Prokuratura Rejonowa w Słubicach (C‑623/18, EU:C:2020:800); Acórdãos de 6 de outubro de 2021, W.Ż. [Supremo Tribunal (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público) — Nomeação] (C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 94); de 23 de novembro de 2021, IS (Ilegalidade da decisão de reenvio) (C‑564/19, EU:C:2021:949, n.os 58 a 66 e 87), e de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank (C‑132/20, EU:C:2022:235, n.os 67, 92 e 99).

( 24 ) Despacho de 2 de julho de 2020, S.A.D. Maler und Anstreicher (C‑256/19, EU:C:2020:523), no qual, embora tenha reproduzido o raciocínio do Acórdão Miasto Łowicz, o Tribunal de Justiça fundamentou especificamente a não aplicação da terceira hipótese de admissibilidade, apesar da constatação prévia da inexistência de um nexo do litígio no processo principal com o direito da União. Neste processo, relativo à distribuição dos processos no órgão jurisdicional, o Tribunal de Justiça reconheceu que o órgão jurisdicional de reenvio tinha esgotado as vias de recurso à sua disposição e que estava na impossibilidade de decidir, no âmbito do processo principal, a questão de saber se o processo lhe tinha sido legalmente atribuído. V., igualmente, Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.os 48 e 49), no qual o nexo, quanto ao mérito, dos litígios nos processos principais (processos penais em fase de julgamento) com o direito da União não é explicado, e Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.os 113 a 121), que declara admissível uma questão relativa a uma exceção processual relativa à qualidade de representante do autor de uma contestação no quadro do litígio no processo principal que tinha por objeto a obtenção, por uma associação de juízes, de dados estatísticos que estavam na posse da Inspeção Judicial.

( 25 ) Acórdão de 13 de julho de 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz) (C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562, n.os 46 e 47), sendo que nenhum elemento permite considerar que os litígios no processo principal, sobre os quais o órgão jurisdicional de reenvio se deve pronunciar quanto ao mérito, estão relacionados com o direito da União.

( 26 ) Acórdãos de 17 de fevereiro de 2011, Weryński (C‑283/09, EU:C:2011:85); de 13 de junho de 2013, Versalis/Comissão (C‑511/11 P, EU:C:2013:386); e de 11 de junho de 2015, Fahnenbrock e o. (C‑226/13, C‑245/13 e C‑247/13, EU:C:2015:383).

( 27 ) Regulamento de 28 de maio de 2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados‑Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial (JO L 174, p. 1).

( 28 ) Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, Weryński (C‑283/09, EU:C:2011:85, n.o 38). Para este efeito, considerou‑se que o conceito de «julgamento da causa», na aceção do artigo 267.o, n.o 2, TFUE, deve ser entendido no sentido de que abrange todo o processo conducente à decisão do órgão jurisdicional de reenvio, de modo que o Tribunal de Justiça possa interpretar o conjunto das disposições processuais do direito da União que o órgão jurisdicional de reenvio deve aplicar para julgar a causa, sendo irrelevante o facto de a interpretação do Regulamento n.o 1206/2001 não ser necessária à resolução do litígio no processo principal (n.o 42 do acórdão).

( 29 ) As dúvidas exprimidas pelo órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito ao próprio mecanismo, que se aplica «independentemente da questão de saber se o direito da União é ou não aplicado no caso em apreço», segundo este órgão jurisdicional. O presente processo demonstra, além disso, que nada parece impedir os órgãos jurisdicionais croatas de segunda instância de submeterem um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 267.o TFUE, para obterem uma interpretação das disposições aplicáveis do direito da União.

( 30 ) Acórdão de 2 de fevereiro de 2023, Espanha e o./Comissão (C‑649/20 P, C‑658/20 P e C‑662/20 P, EU:C:2023:60, n.o 81).

( 31 ) Acórdão de 17 de novembro de 2022, Avicarvil Farms (C‑443/21, EU:C:2022:899, n.o 46).

( 32 ) Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional) (C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 64).

( 33 ) Acórdãos de 7 de agosto de 2018, Banco Santander e Escobedo Cortés (C‑96/16 e C‑94/17, EU:C:2018:643); de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional) (C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 44); e Despacho de 17 de julho de 2023, Jurtukała (C‑55/23, EU:C:2023:599, n.o 38 e jurisprudência aí referida).

( 34 ) TEDH, 29 de novembro de 2016, Lupeni Greek Catholic Parish e o. c. Roménia, (EC:ECHR:2016:1129JUD007694311, §§ 116 e 129). Um exame dos diferentes sistemas jurídicos nacionais da União mostra que, perante a inexistência de um mecanismo de precedentes, na aceção do direito comum, muitas ordens jurídicas da Europa Continental recorrem a mecanismos internos destinados a assegurar a coerência da jurisprudência nos seus órgãos jurisdicionais.

( 35 ) TEDH, 29 de novembro de 2016, Lupeni Greek Catholic Parish e o. c. Romania (EC:ECHR:2016:1129JUD007694311, § 123). Nos sistemas que preveem mecanismos destinados a assegurar a coerência da jurisprudência aquando do tratamento de um determinado processo, as ordens jurídicas da União tendem preferencialmente a dotar os tribunais supremos de tais mecanismos, existindo no entanto um mecanismo de remessa a uma formação alargada nos tribunais de segunda instância, por exemplo na Alemanha, aplicável aos órgãos jurisdicionais administrativos de recurso quando decidem em última instância de uma questão específica, e na Finlândia.

( 36 ) De acordo com as informações fornecidas pelo Governo Croata na audiência, essa mesma qualificação aplica‑se ao processo de revisão que pode ser interposto para o Vrhovni sud Republike Hrvatske (Supremo Tribunal, Croácia). O Governo Croata precisou também que as posições jurídicas adotadas pelos órgãos jurisdicionais superiores não são vinculativas para os órgãos jurisdicionais de primeira instância.

( 37 ) TEDH, 1 de julho de 2010, Vusić c. Croácia (CE:CEDH:2010:0701JUD004810107); TEDH, 29 de novembro de 2016, Lupeni Greek Catholic Parish e o. c. Roménia (CE:CEDH:2016:1129JUD007694311); e TEDH, 23 de maio de 2019, Sine Tsaggarakis A.E.E. c. Grécia (CE:CEDH:2019:0523JUD001725713).

( 38 ) Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (C‑791/19, a seguir Acórdão Comissão/Polónia, EU:C:2021:596, n.os 50 e 51).

( 39 ) Acórdão Comissão/Polónia, n.o 52.

( 40 ) V., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos do Tribunal Constitucional) (C‑430/21, EU:C:2022:99, n.o 37).

( 41 ) Acórdão Comissão/Polónia, n.o 57 e jurisprudência aí referida.

( 42 ) Acórdão Comissão/Polónia, n.o 58.

( 43 ) Ver, neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A.K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal)C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, (EU:C:2019:982, n.os 121 a 123).

( 44 ) Acórdão Comissão/Polónia, n.o 60.

( 45 ) Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. [Supremo Tribunal (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público) — Nomeação] (C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 117).

( 46 ) TEDH, 22 de dezembro de 2009, Parlov‑Tkalčić c. Croácia, EC:ECHR:2009:1222JUD002481006, §§ 86 a 88).

( 47 ) Incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio, em última análise, pronunciar‑se a este propósito, após ter procedido às apreciações exigidas para o efeito. Importa recordar que o artigo 267.o TFUE não habilita o Tribunal de Justiça a aplicar as regras do direito da União a uma situação determinada, mas apenas a pronunciar‑se sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União. Em conformidade com jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça pode, no âmbito da cooperação judiciária estabelecida por este artigo, a partir dos elementos dos autos, fornecer ao órgão jurisdicional nacional os elementos de interpretação do direito da União que lhe possam ser úteis na apreciação dos efeitos de uma determinada disposição deste [Acórdão de 19 de novembro de 2019, A.K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 132)].

( 48 ) Nos n.os 42 e 43 das suas observações, o Governo Croata remete para despachos do Ustavni sud (Tribunal Constitucional, Croácia) nos quais se afirma que a questão de saber se as condições de aplicação das posições jurídicas estão preenchidas é resolvida pelos próprios juízes, que decidem de forma autónoma e independente no processo em causa e têm o direito e a obrigação de fundamentar todos os aspetos do processo sobre o qual se pronunciam, incluindo a questão da aplicabilidade ou inaplicabilidade de uma posição jurídica vinculativa ao fundamento jurídico da ação.

( 49 ) Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158, n.os 35 e 37).

( 50 ) V., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2015, Ferreira da Silva e Brito e o. (C‑160/14, EU:C:2015:565, n.o 37).

( 51 ) V., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2015, CHEZ Razpredelenie Bulgaria (C‑83/14, EU:C:2015:480, n.o 71), e de 5 de abril de 2016, PFE (C‑689/13, EU:C:2016:199, n.o 33). É verdade que, em certos casos em que o grau de precisão/tecnicidade da legislação em causa é elevado, a linha divisória entre os conceitos de interpretação e de aplicação da regra de direito pode ser ténue. No entanto, não me parece possível avaliar, de jure, a conformidade do mecanismo croata apenas à luz da peculiaridade concreta de certos processos, a qual não é suscetível de esvaziar de relevância a distinção conceptual em causa.

( 52 ) O facto de os membros da formação de julgamento não terem a faculdade de acrescentar pontos à ordem de trabalhos da reunião do Pleno não é suscetível de anular, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, a independência desses juízes.

( 53 ) Saliento que, na página 8 do pedido de decisão prejudicial no Processo C‑727/21, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que as dúvidas resultam do facto de a independência do juiz responsável pelo registo estar «reduzida a nada» na sequência da sua nomeação pelo presidente do órgão jurisdicional, alegação que não é de modo algum fundamentada.

( 54 ) A redação é, também neste caso, particularmente sintomática.

( 55 ) Esta constatação parece‑me responder ao facto de o órgão jurisdicional de reenvio pôr em causa a escolha dos processos feita pelo juiz responsável pelo registo no exercício das suas competências, ao indicar, mais concretamente, que o interessado não tinha encontrado verdadeiramente nenhuma contradição jurisprudencial nos autos correspondentes ao processo C‑727/21.

( 56 ) Recordo que resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça no Processo C‑727/21 que o juiz responsável pelo registo, autor do ofício, de 23 de junho de 2021, que convida a secção chamada a decidir a um reexame da sua posição, era um dos 28 juízes presentes dos 31 que compõem o Pleno em causa, como revela a ata desta reunião.

( 57 ) Importa recordar que o juiz nacional, tendo exercido a faculdade que lhe é conferida pelo artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE, está vinculado, para a resolução do litígio no processo principal, pela interpretação das disposições em causa feita pelo Tribunal de Justiça e deve, se for este o caso, afastar as apreciações de um tribunal superior se considerar, à luz desta interpretação, que estas não são conformes com o direito da União [Despacho de 17 de julho de 2023, Jurtukała EU, C‑55/23:C:2023:599, n.o 36 e jurisprudência aí referida)].

( 58 ) Acórdão Comissão/Polónia, n.os 203 e 205.

( 59 ) Acórdão de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão (C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.o 73 e jurisprudência citada).

( 60 ) Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. [Supremo Tribunal (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público) — Nomeação) (C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 124, citando o acórdão do TEDH, de 1 de dezembro de 2020, Ástráðsson c. Islândia, CE:ECHR:2020:1201JUD002637418, §§ 231 e 233).

( 61 ) V., por analogia, Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. [Supremo Tribunal (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público) — Nomeação] (C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 125, citando TEDH, 1 de dezembro de 2020, Ástráðsson c. Islândia, CE:ECHR:2020:1201JUD002637418, §§ 227 e 232).

( 62 ) Acórdão de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão (C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.o 71).

( 63 ) V., por analogia, Acórdão Comissão/Polónia, n.o 171.

( 64 ) N.o 11 das observações do Governo Croata.

( 65 ) É interessante observar que, no Acórdão de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson Review/Conselho e HG/Comissão (C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232), o Tribunal de Justiça declarou que as ilegalidades que afetam o processo de nomeação de um juiz não constituem uma violação do princípio do juiz legal, que corresponde à exigência de um tribunal estabelecido por lei, uma vez que não são analisadas como uma violação das regras fundamentais relativas a este processo. Como salientou uma autora, o Tribunal de Justiça limitou assim o alcance da referida exigência (ver D. Dero‑Bugny, «Le principe du juge légal en droit de l'Union européenne», Journal du droit européen, p. 154, 2022).

( 66 ) V., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional) (C‑430/21, EU:C:2022:99, n.os 38 e 43).

( 67 ) Acórdão de 5 de junho de 2023, Comissão/Polónia (Independência e privacidade dos juízes) (C‑204/21, EU:C:2023:442).

( 68 ) Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o. (C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19 e C‑355/19, EU:C:2020:746, n.o 230).

( 69 ) TEDH, 28 de abril de 2009, Savino e o. c. Itália (EC:ECHR:2009:0428JUD001721405, § 94), citado no Acórdão Comissão/Polónia, n.o 168.

( 70 ) TEDH, 18 de dezembro de 2008, Unédic c. França, (CE:ECHR:2008:1218JUD002015304, § 74); 29 de novembro de 2016, Lupeni Greek Catholic Parish e o. c. Roménia (CE:ECHR:2016:1129JUD007694311, § 116; e 20 de outubro de 2011, Nejdet Sahin e Perihan Sahin (CE:ECHR:2011:1020JUD001327905, § 58).

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