Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62020CJ0515

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 3 de fevereiro de 2022.
B AG contra Finanzamt A.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof.
Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 122.o — Taxa reduzida para entregas de lenha — Diferenciação em função das características e das propriedades objetivas dos produtos — Formas de madeira destinadas à combustão que satisfazem a mesma necessidade do consumidor e que se encontram em concorrência — Princípio da neutralidade fiscal.
Processo C-515/20.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:73

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

3 de fevereiro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 122.o — Taxa reduzida para entregas de lenha — Diferenciação em função das características e das propriedades objetivas dos produtos — Formas de madeira destinadas à combustão que satisfazem a mesma necessidade do consumidor e que se encontram em concorrência — Princípio da neutralidade fiscal»

No processo C‑515/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Tributário Federal, Alemanha), por Decisão de 10 de junho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de outubro de 2020, no processo

B AG

contra

Finanzamt A,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, N. Jääskinen e J.‑C. Bonichot (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da B AG, por T. Hammer, Wirtschaftsprüfer, Steuerberater e C. Hammer, Steuerberater,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e S. Costanzo, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e R. Pethke, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 98.o e 122.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a B AG ao Finanzamt A (Serviço de Finanças A, Alemanha; a seguir «Autoridade Tributária») a respeito da aplicação da taxa reduzida de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) às entregas de aparas de madeira.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva IVA

3

Nos termos do considerando 4 da Diretiva IVA:

«A realização do objetivo de criação de um mercado interno pressupõe a aplicação, nos Estados‑Membros, de legislações respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios que não falseiem as condições de concorrência e não impeçam a livre circulação de mercadorias e serviços. Por conseguinte, é necessário realizar uma harmonização das legislações respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios mediante um sistema de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), a fim de eliminar, tanto quanto possível, os fatores que possam falsear as condições de concorrência, tanto no plano nacional como no plano comunitário.»

4

O considerando 7 desta diretiva tem a seguinte redação:

«O sistema comum do IVA deverá, ainda que as taxas e isenções não sejam completamente harmonizadas, conduzir a uma neutralidade concorrencial, no sentido de que, no território de cada Estado‑Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de distribuição.»

5

O artigo 96.o da referida diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros aplicam uma taxa normal de IVA fixada por cada Estado‑Membro numa percentagem do valor tributável que é idêntica para a entrega de bens e para a prestação de serviços.»

6

O artigo 98.o da Diretiva IVA prevê:

«1.   Os Estados‑Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas.

2.   As taxas reduzidas aplicam‑se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do Anexo III.

[…]

3.   Ao aplicarem as taxas reduzidas previstas no n.o 1 às categorias relativas a bens, os Estados‑Membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exatidão cada categoria.»

7

O anexo III desta diretiva, que fixa a lista das entregas de bens e das prestações de serviços que podem ser objeto das taxas reduzidas referidas no artigo 98.o desta, não contém uma categoria de produtos «lenha».

8

Os artigos 109.o a 122.o da referida diretiva fixam as condições em que os Estados‑Membros podem aplicar taxas reduzidas de IVA enquanto o regime definitivo não tiver sido introduzido.

9

O artigo 122.o da mesma diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros podem aplicar uma taxa reduzida às […] entregas de lenha.»

NC

10

A Nomenclatura Combinada (a seguir «NC») figura no anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 1101/2014 da Comissão, de 16 de outubro de 2014 (JO 2014, L 312, p. 1).

11

Inclui, nomeadamente, as seguintes posições pautais:

Código NC

Designação das mercadorias

4401

Lenha em qualquer forma; madeira em estilhas ou em partículas; serradura (serragem), desperdícios e resíduos, de madeira, mesmo aglomerados em toros (toras), briquetes, pellets ou em formas semelhantes:

4401 10 00

— Lenha em qualquer estado

 

— Madeira em estilhas ou em partículas

4401 21 00

— — De coníferas

4401 22 00

— — De não coníferas

 

— Serradura, desperdícios e resíduos, de madeira, mesmo aglomerados em toros, briquetes, pellets ou em formas semelhantes

4401 31 00

— — Pellets de madeira

4401 39

— — Outros

4401 39 20

— — — Aglomerados (por exemplo, em briquetes)

 

— — — Outros

4401 39 30

— — — — Serradura

Direito alemão

12

O § 12 da Umsatzsteuergesetz (Lei Relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado) dispõe:

«(1)   A taxa do imposto ascende a 19 % da base tributável para todas as operações tributáveis (§§ 10 e 11, § 25, n.o 3, e § 25a, n.os 3 e 4).

(2)   A taxa do imposto é reduzida para 7 % para as seguintes operações:

1. a entrega, a importação ou a aquisição intracomunitária dos bens referidos no anexo 2, com exceção dos bens mencionados no n.o 49, alínea f), e nos n.os 53 e 54;

[…]»

13

O n.o 48 do anexo 2 desta lei tem a seguinte redação:

[Número de ordem]

Designação das mercadorias

Pauta aduaneira (capítulo, posição, subposição)

48

Madeira, ou seja:

 

 

a) Lenha em qualquer estado

Subposição 4401 10 00

 

b) Serradura, desperdícios e resíduos, de madeira, mesmo aglomerados em toros, briquetes, pellets ou em formas semelhantes

Subposição 4401 30

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

O litígio tem por objeto a aplicação da taxa reduzida de IVA às entregas de aparas de madeira.

15

Em 2015, a recorrente no processo principal comercializou aparas de madeira sob as denominações protegidas «Flokets weiss» (aparas de madeira, ditas «industriais») e «Flokets natur» (aparas de madeira, ditas «florestais») e assegurou a manutenção de instalações de aquecimento que utilizassem aparas de madeira como combustível.

16

As aparas de madeira industriais provêm da queda de resíduos provocados pelo corte de troncos e que são reduzidos a aparas de madeira através de trituradoras. As aparas de madeira florestais provêm das copas e da talhadia resultantes da manutenção das florestas. Os resíduos de madeira são triturados na floresta por uma máquina e são depois secos pela recorrente no processo principal.

17

Durante o exercício fiscal de 2015, a recorrente no processo principal entregou aparas de madeira florestais e industriais ao município A e à freguesia B. Entregou igualmente nesse período, no âmbito de um acordo celebrado com o município C relativo ao «acompanhamento do funcionamento de uma instalação de aquecimento a aparas de madeira que inclui a manutenção e a limpeza», aparas de madeira como combustível.

18

Na declaração provisória de IVA relativa ao exercício de 2015, a recorrente no processo principal aplicou às prestações acima referidas a taxa normal (19 %), em conformidade com o parecer da Autoridade Tributária expresso por ocasião de uma inspeção fiscal anterior.

19

A recorrente no processo principal contestou essa taxa no Finanzgericht (Tribunal Tributário, Alemanha), que concedeu provimento parcial ao recurso. Esse órgão jurisdicional declarou que as entregas de aparas de madeira ao município A e à freguesia B deviam ser sujeitas à taxa reduzida, mas que o conjunto de serviços fornecidos ao município C devia, por sua vez, ser tributado à taxa normal, uma vez que constituía uma prestação global única.

20

Tanto a recorrente no processo principal como a Autoridade Tributária interpuseram recurso de «Revision» da decisão do Finanzgericht (Tribunal Tributário) no Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Tributário Federal, Alemanha).

21

Esse órgão jurisdicional interroga‑se, em primeiro lugar, sobre o conceito de «lenha», que figura no artigo 122.o da Diretiva IVA, em especial sobre a questão de saber se este conceito inclui as aparas de madeira.

22

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, no exercício da faculdade prevista no artigo 122.o da Diretiva IVA, os Estados‑Membros estão habilitados a delimitar com exatidão o âmbito de aplicação de uma taxa reduzida de imposto para entregas de lenha recorrendo à NC ou se a habilitação neste sentido, prevista no artigo 98.o, n.o 3, desta diretiva, se limita aos casos de aplicação de uma taxa reduzida de imposto à entrega de bens abrangidos pelas categorias enumeradas no anexo III da referida diretiva.

23

Em terceiro lugar, na hipótese de os Estados‑Membros estarem habilitados a precisar o âmbito de aplicação da taxa reduzida de IVA para entregas de lenha recorrendo à NC, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o princípio da neutralidade fiscal se opõe à aplicação de diferentes taxas de imposto a formas diferentes de lenha.

24

Nestas condições, o Bundesfinanzhof (Supremo Tribunal Tributário Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Deve o conceito de “lenha” previsto no artigo 122.o da [Diretiva IVA] ser interpretado no sentido de que abrange qualquer tipo de madeira que, de acordo com as suas propriedades objetivas, se destina exclusivamente à combustão?

2.

Um Estado‑Membro que aplica uma taxa reduzida para as entregas de lenha com base no artigo 122.o da [Diretiva IVA] pode utilizar a [NC] para delimitar com exatidão o seu âmbito de aplicação em conformidade com o artigo 98.o, n.o 3, da [Diretiva IVA]?

3.

Em caso de resposta afirmativa à segunda questão: um Estado‑Membro pode exercer a faculdade que lhe é conferida pelo artigo 122.o e pelo artigo 98.o, n.o 3, da [Diretiva IVA], de utilizar a [NC] para delimitar o âmbito de aplicação da taxa reduzida de imposto aplicável às entregas de lenha de forma a, respeitando o princípio da neutralidade fiscal, submeter a diferentes taxas de imposto as entregas das diferentes formas de lenha, que se distinguem de acordo com as suas características e propriedades objetivas mas que, do ponto de vista de um consumidor médio, segundo o critério de comparabilidade na utilização, satisfazem a mesma necessidade (neste caso, o aquecimento) e, por conseguinte, estão em concorrência entre si?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

25

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 122.o da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «lenha» engloba qualquer madeira cujas propriedades objetivas a destinem exclusivamente a ser queimada.

26

Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União Europeia, de uma interpretação autónoma e uniforme, independentemente das qualificações utilizadas nos Estados‑Membros [Acórdão de 9 de setembro de 2021, Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl (Pedido subsequente de proteção internacional), C‑18/20, EU:C:2021:710, n.o 32].

27

Daqui resulta que, na falta de remissão para o artigo 122.o da Diretiva IVA, o conceito de «lenha» que figura nesta disposição deve ser considerado um conceito autónomo do direito da União cujo sentido e alcance devem ser idênticos em todos os Estados‑Membros. Por conseguinte, cabe ao Tribunal de Justiça dar a este conceito uma interpretação uniforme na ordem jurídica da União.

28

A este respeito, na falta de uma definição da «lenha» que figura nesta diretiva, há que fazer referência, por um lado, ao sentido habitual da expressão na linguagem comum (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Phantasialand, C‑406/20, EU:C:2021:720, n.o 29), ou seja, a uma madeira destinada a ser queimada para assegurar o aquecimento de instalações públicas ou privadas.

29

Por outro lado, há que salientar que o artigo 122.o da Diretiva IVA apresenta um caráter derrogatório. Com efeito, segundo o artigo 96.o desta diretiva, é aplicada uma taxa de IVA idêntica, a saber, a taxa normal fixada por cada Estado‑Membro, para a entrega de bens e para a prestação de serviços. Por conseguinte, é a título de exceção a esta regra que a possibilidade de aplicar, a título provisório, uma taxa reduzida de IVA, designadamente à lenha, está prevista no artigo 122.o da referida diretiva.

30

Enquanto disposição derrogatória, este artigo deve ser objeto de interpretação estrita [Acórdão de 29 de julho de 2019, Inter‑Environnement Wallonie e Bond Beter Leefmilieu Vlaanderen (C‑411/17, EU:C:2019:622, n.o 147), e Acórdão de 16 de julho de 2020, JE (Lei aplicável em matéria de divórcio), C‑249/19, EU:C:2020:570, n.o 23], bem como, consequentemente, o conceito de «lenha» que determina o seu âmbito de aplicação. Por conseguinte, há que considerar como «lenha», em conformidade com a definição proposta pelo órgão jurisdicional de reenvio, qualquer madeira cujas propriedades objetivas, como um grau predeterminado de secagem, a destinem exclusivamente a ser queimada.

31

Resulta do exposto que o artigo 122.o da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «lenha», na aceção deste artigo, designa qualquer madeira cujas propriedades objetivas a destinem exclusivamente a ser queimada.

Quanto à segunda questão

32

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 122.o da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro que, em aplicação desta disposição, institui uma taxa reduzida de IVA para as entregas de lenha, pode delimitar o seu âmbito de aplicação, em conformidade com o artigo 98.o, n.o 3, da referida diretiva, fazendo referência à NC.

33

Importa recordar que, no que se refere às categorias de entregas de bens enumeradas no anexo III da Diretiva IVA, que podem ser objeto de uma taxa reduzida de IVA ao abrigo do artigo 98.o, n.os 1 e 2, desta diretiva, o n.o 3 deste artigo permite expressamente aos Estados‑Membros delimitar com exatidão essas categorias fazendo referência à NC.

34

Em contrapartida, a mesma possibilidade não se pode inferir da própria redação do artigo 122.o da Diretiva IVA, que se limita a enunciar que os Estados‑Membros podem aplicar uma taxa reduzida, designadamente às entregas de lenha, enquanto o regime definitivo não tiver sido introduzido.

35

Todavia, há que sublinhar, por um lado, que, como foi exposto no n.o 30 do presente acórdão, o artigo 122.o da Diretiva IVA representa uma disposição derrogatória e deve, consequentemente, ser objeto de interpretação estrita. Por conseguinte, os Estados‑Membros não podem conceder o benefício de uma taxa reduzida a outras entregas de madeira que não sejam a de lenha, em aplicação desta disposição.

36

Por outro lado, uma vez que o artigo 122.o da Diretiva IVA concede aos Estados‑Membros a faculdade, durante um período transitório, de aplicarem uma taxa reduzida às entregas de lenha, esses Estados podem renunciar a aplicar essa taxa a essas entregas e optar por lhes aplicar a taxa normal prevista no artigo 96.o desta diretiva. Tal faculdade inclui também a possibilidade de aplicar uma taxa reduzida apenas a certas entregas de lenha, desde que essa faculdade seja exercida dentro dos limites estritos da derrogação, como foi recordado no número anterior.

37

Com efeito, à semelhança do que resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça no que diz respeito ao artigo 98.o da Diretiva IVA (Acórdão de 27 de junho de 2019, Belgisch Syndicaat van Chiropraxie e o., C‑597/17, EU:C:2019:544, n.o 44), há que salientar que o legislador da União, no artigo 122.o desta diretiva, previu unicamente a faculdade de os Estados‑Membros aplicarem, a título derrogatório e transitório, uma taxa reduzida de IVA às entregas, designadamente, de lenha. Por conseguinte, os Estados‑Membros têm a possibilidade de reservar o benefício dessa taxa reduzida apenas a uma parte dessas entregas.

38

Assim, cabe aos Estados‑Membros que pretendam fazer um uso restrito e, por conseguinte, seletivo da faculdade que lhes é conferida pelo artigo 122.o da Diretiva IVA precisar, por qualquer meio, no seu direito nacional, quais as entregas de lenha a que reservam o benefício de uma taxa reduzida. Nenhuma disposição de direito da União os proíbe de recorrerem, para esse efeito, a um instrumento deste direito e, em especial, de fazerem referência à NC, mesmo que este artigo 122.o, contrariamente ao artigo 98.o desta diretiva, não o preveja expressamente.

39

No entanto, a faculdade, que decorre do artigo 122.o da Diretiva IVA, de reservar o benefício de uma taxa reduzida apenas a certas entregas de lenha está subordinada ao respeito do princípio da neutralidade fiscal. Com efeito, como resulta de jurisprudência constante, os Estados‑Membros podem determinar mais precisamente as categorias de entregas de bens ou de prestações de serviços às quais a referida diretiva lhes permite aplicar uma taxa reduzida, sob reserva do respeito pelo princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA (Acórdãos de 22 de abril de 2021, Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Katowicach, C‑703/19, EU:C:2021:314, n.o 38, e de 9 de setembro de 2021, Phantasialand, C‑406/20, EU:C:2021:720, n.o 25 e jurisprudência referida).

40

À luz das considerações precedentes, há que responder à segunda questão, que o artigo 122.o da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro que, em aplicação deste artigo, institui uma taxa reduzida de IVA para as entregas de lenha, pode limitar o seu âmbito de aplicação a certas categorias de entregas de lenha fazendo referência à NC, sob reserva do respeito pelo princípio da neutralidade fiscal.

Quanto à terceira questão

41

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio da neutralidade fiscal deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a entrega de aparas de madeira seja excluída do benefício da taxa reduzida aplicável à entrega de outras formas de lenha.

42

Como foi recordado no n.o 40 do presente acórdão, quando um Estado‑Membro opta por aplicar de maneira seletiva a taxa reduzida de IVA às entregas de bens ou prestações de serviços às quais a Diretiva IVA permite aplicar essa taxa, incumbe‑lhe respeitar o princípio da neutralidade fiscal.

43

Este princípio opõe‑se a que, do ponto de vista do IVA, os bens ou as prestações de serviços semelhantes, que se encontram em concorrência uns com os outros, sejam tratados de maneira diferente (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Phantasialand, C‑406/20, EU:C:2021:720, n.o 37 e jurisprudência referida).

44

Segundo jurisprudência constante, para determinar se os bens ou as prestações de serviços são semelhantes, há que ter principalmente em conta o ponto de vista do consumidor médio. Os bens ou as prestações de serviços são semelhantes quando apresentem propriedades análogas e satisfaçam as mesmas necessidades do consumidor, em função de um critério de comparabilidade na utilização, e quando as diferenças existentes não influenciem de forma considerável a decisão do consumidor médio de recorrer a um ou a outro dos referidos bens ou prestações de serviços (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Phantasialand, C‑406/20, EU:C:2021:720, n.o 38 e jurisprudência referida).

45

Por outras palavras, trata‑se de examinar se os bens ou as prestações de serviços em causa se encontram, do ponto de vista do consumidor médio, numa relação de substituição. Com efeito, nesta hipótese, a aplicação de taxas de IVA diferentes é suscetível de afetar a escolha do consumidor, o que indica, consequentemente, uma violação do princípio da neutralidade fiscal (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Phantasialand, C‑406/20, EU:C:2021:720, n.o 39 e jurisprudência referida).

46

Cabe, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio proceder a um exame concreto a fim de determinar se as aparas de madeira são substituíveis pelas outras formas de lenha do ponto de vista do consumidor médio.

47

Consequentemente, há que responder à terceira questão, que o princípio da neutralidade fiscal deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que o direito nacional exclua do benefício da taxa reduzida de IVA a entrega de aparas de madeira, embora dela faça beneficiar as entregas de outras formas de lenha, desde que, no espírito do consumidor médio, as aparas de madeira não sejam substituíveis por essas outras formas de lenha, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

48

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

1)

O artigo 122.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «lenha», na aceção deste artigo, abrange qualquer madeira cujas propriedades objetivas a destinem exclusivamente a ser queimada.

 

2)

O artigo 122.o da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro que, em aplicação deste artigo, institui uma taxa reduzida de imposto sobre o valor acrescentado para as entregas de lenha, pode limitar o seu âmbito de aplicação a certas categorias de entregas de lenha fazendo referência à Nomenclatura Combinada, sob reserva do respeito pelo princípio da neutralidade fiscal.

 

3)

O princípio da neutralidade fiscal deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que o direito nacional exclua do benefício da taxa reduzida de imposto sobre o valor acrescentado a entrega de aparas de madeira, embora dela faça beneficiar as entregas de outras formas de lenha, desde que, no espírito do consumidor médio, as aparas de madeira não sejam substituíveis por essas outras formas de lenha, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

Top