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Document 62020CJ0463

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 24 de fevereiro de 2022.
    Namur-Est Environnement ASBL contra Région wallonne.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d'État (Bélgica).
    Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 2011/92/UE — Avaliação dos efeitos de determinados projetos no ambiente — Diretiva 92/43/CEE — Preservação dos habitats naturais — Articulação entre o processo de avaliação e de aprovação referido no artigo 2.o da Diretiva 2011/92/UE e um processo nacional de derrogação das medidas de proteção das espécies previstas na Diretiva 92/43/CEE — Conceito de “aprovação” — Processo decisório complexo — Obrigação de avaliação — Alcance material — Fase processual em que deve ser garantida a participação do público no processo decisório.
    Processo C-463/20.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:121

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    24 de fevereiro de 2022 ( *1 )

     «Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 2011/92/UE — Avaliação dos efeitos de determinados projetos no ambiente — Diretiva 92/43/CEE — Preservação dos habitats naturais — Articulação entre o processo de avaliação e de aprovação referido no artigo 2.o da Diretiva 2011/92/UE e um processo nacional de derrogação das medidas de proteção das espécies previstas na Diretiva 92/43/CEE — Conceito de “aprovação” — Processo decisório complexo — Obrigação de avaliação — Alcance material — Fase processual em que deve ser garantida a participação do público no processo decisório»

    No processo C‑463/20,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica), por Decisão de 4 de junho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de setembro de 2020, no processo

    Namur‑Est Environnement ASBL

    contra

    Région wallonne,

    sendo interveniente:

    Cimenteries CBR SA,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: A. Prechal, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, J. Passer (relator), F. Biltgen, L. S. Rossi e N. Wahl, juízes,

    advogado‑geral: J. Kokott,

    secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

    vistos os autos e após a audiência de 9 de setembro de 2021,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Namur‑Est Environnement ASBL, por J. Sambon, avocat,

    em representação da Cimenteries CBR SA, por L. de Meeûs e C.‑H. Born, avocats,

    em representação do Governo belga, por C. Pochet, M. Van Regemorter e S. Baeyens, na qualidade de agentes, assistidos por P. Moërynck, avocat,

    em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e L. Dvořáková, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por C. Hermes, M. Noll‑Ehlers e F. Thiran, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 21 de outubro de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 1.o, 2.o e 5.o a 8.o da Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2012, L 26, p. 1; retificação no JO 2015, L 174, p. 44).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Namur‑Est Environnement ASBL à Région wallonne (Região da Valónia, Bélgica) a respeito de uma decisão pela qual esta concedeu à Sagrex SA uma derrogação das medidas de proteção das espécies animais e vegetais previstas na regulamentação aplicável, com vista à exploração de uma pedreira de granulados de calcário (a seguir «decisão de derrogação»).

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 92/43/CEE

    3

    A Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7), prevê, nos seus artigos 12.o e 13.o, que os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para instituir um sistema de proteção rigorosa das espécies animais e vegetais constantes do anexo IV, alíneas a) e b), desta diretiva.

    4

    O artigo 16.o da referida diretiva enuncia, no seu n.o 1, que, desde que não exista outra solução satisfatória e que a derrogação não prejudique a manutenção das espécies em causa na sua área de repartição natural, num estado de conservação favorável, os Estados‑Membros poderão, por diferentes fundamentos enunciados nas alíneas a) a e) da mesma disposição, derrogar, nomeadamente, os artigos 12.o e 13.o da mesma diretiva.

    Diretiva 2011/92

    5

    O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2011/92 contém, nomeadamente, as seguintes definições:

    «a)

    “Projeto”:

    a realização de obras de construção ou de outras instalações ou obras,

    outras intervenções no meio natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração dos recursos do solo;

    […]

    c)

    “Aprovação”: a decisão da autoridade ou das autoridades competentes que confere ao dono da obra o direito de realizar o projeto;

    […]»

    6

    O artigo 2.o desta diretiva prevê, nos seus n.os 1 e 2:

    «1.   Os Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para garantir que, antes de concedida a aprovação, os projetos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensão ou localização, fiquem sujeitos a um pedido de aprovação e a uma avaliação dos seus efeitos. Esses projetos são definidos no artigo 4.o

    2.   A avaliação do impacto no ambiente pode ser integrada nos processos de aprovação dos projetos existentes nos Estados‑Membros […]»

    7

    O artigo 3.o da referida diretiva enuncia:

    «A avaliação de impacto ambiental identificará, descreverá e avaliará de modo adequado, em função de cada caso particular […], os efeitos diretos e indiretos de um projeto sobre os seguintes fatores:

    a)

    O homem, a fauna e a flora;

    b)

    O solo, a água, o ar, o clima e a paisagem;

    c)

    Os bens materiais e o património cultural;

    d)

    A interação entre os fatores referidos nas alíneas a), b) e c).»

    8

    O artigo 5.o da mesma diretiva prevê, no seu n.o 1, que, «[n]o caso de projetos que, em conformidade com o disposto no artigo 4.o, devem ser submetidos a uma avaliação de impacto no ambiente, nos termos do presente artigo e dos artigos 6.o a 10.o, os Estados‑Membros adotarão as medidas necessárias para assegurar que o dono da obra forneça, de uma forma adequada, as informações especificadas no anexo IV», na medida em que essas informações sejam consideradas adequadas num determinado caso e que se afigure razoável exigir ao dono da obra que as reúna. Por força deste anexo, as informações a fornecer devem incluir, nomeadamente, «[u]ma descrição dos elementos do ambiente suscetíveis de serem consideravelmente afetados pelo projeto proposto, nomeadamente […] a fauna, a flora, […] bem como a inter‑relação entre os fatores mencionados».

    9

    O artigo 6.o da Diretiva 2011/92 tem a seguinte redação:

    «1.   Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que as autoridades a quem o projeto possa interessar, em virtude da sua responsabilidade específica em matéria de ambiente, tenham a possibilidade de emitir o seu parecer sobre as informações fornecidas pelo dono da obra e sobre o pedido de aprovação. […]

    2.   O público deve ser informado […] dos elementos a seguir referidos, no início dos processos de tomada de decisão no domínio do ambiente a que se refere o artigo 2.o, n.o 2, e, o mais tardar, logo que seja razoavelmente possível disponibilizar a informação:

    a)

    Pedido de aprovação;

    b)

    O facto de o projeto estar sujeito a um processo de avaliação de impacto ambiental e, se for o caso, o facto de ser aplicável o artigo 7.o;

    […]

    d)

    A natureza de possíveis decisões ou o projeto de decisão, caso exista;

    e)

    Indicação da disponibilidade da informação recolhida nos termos do artigo 5.o;

    f)

    Indicação da data e dos locais em que a informação relevante será disponibilizada, bem como os respetivos meios de disponibilização;

    g)

    Informações pormenorizadas sobre as regras de participação do público decorrentes do n.o 5 do presente artigo.

    3.   Os Estados‑Membros devem assegurar que seja disponibilizado ao público em causa, em prazos razoáveis, o acesso:

    a)

    A toda a informação recolhida nos termos do artigo 5.o;

    b)

    De acordo com a legislação nacional, aos principais relatórios e pareceres apresentados à autoridade ou autoridades competentes no momento em que o público em causa deve ser informado nos termos do n.o 2 do presente artigo;

    c)

    De acordo com o disposto na Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente […], a outra informação não referida no n.o 2 do presente artigo que seja relevante para a decisão nos termos do artigo 8.o desta diretiva e que só esteja disponível depois de o público em causa ser informado nos termos do n.o 2 do presente artigo.

    4.   Ao público em causa deve ser dada a oportunidade efetiva de participar suficientemente cedo nos processos de tomada de decisão no domínio do ambiente a que se refere o artigo 2.o, n.o 2, devendo ter, para esse efeito, o direito de apresentar as suas observações e opiniões, quando estão ainda abertas todas as opções, à autoridade ou autoridades competentes antes de ser tomada a decisão sobre o pedido de aprovação.

    […]»

    10

    O artigo 7.o da Diretiva 2011/92 prevê regras específicas de avaliação do impacto ambiental no caso de um projeto poder vir a ter efeitos significativos no ambiente em vários Estados‑Membros.

    11

    O artigo 8.o da referida diretiva enuncia que «[o]s resultados das consultas e as informações obtidas nos termos dos artigos 5.o, 6.o e 7.o serão tomados em consideração no âmbito do processo de aprovação».

    12

    O anexo I da Diretiva 2011/92 enumera os projetos que devem ser submetidos, por força do artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva, a uma avaliação nos termos dos artigos 5.o a 10.o da mesma. O ponto 19 deste anexo menciona as «[p]edreiras e minas a céu aberto numa área superior a 25 hectares».

    Direito belga

    13

    A Diretiva 92/43 foi transposta para o direito belga pela loi du 12 juillet 1973 sur la conservation de la nature (Lei de 12 de julho de 1973 Relativa à Conservação da Natureza) (Moniteur belge de 11 de setembro de 1973, p. 10306), conforme alterada pelo décret de la Région wallonne du 6 décembre 2001 relatif à la conservation des sites Natura 2000 ainsi que de la faune et de la flore sauvages (Decreto da Região da Valónia de 6 de dezembro de 2001 Relativo à Conservação das Zonas Natura 2000, bem como da Fauna e da Flora Selvagens) (Moniteur belge de 22 de janeiro de 2002, p. 2017) (a seguir «Lei de 12 de julho de 1973»).

    14

    Os artigos 2.obis, 3.o e 3.obis desta lei instituem um regime de proteção de um conjunto de espécies de aves, de espécies mamíferas e de espécies vegetais que são protegidas ao abrigo da Diretiva 92/43 ou ameaçadas na Valónia. Este regime assenta em medidas como a proibição, consoante os casos, da armadilhagem, captura e abate ou da apanha, corte e desenraizamento das espécies em causa, a proibição de as perturbar intencionalmente, a proibição de as deter, transportar, trocar, vender, comprar e oferecer ou ainda a proibição de destruir ou deteriorar os seus habitats naturais.

    15

    O artigo 5.o da referida lei enuncia que o Governo da Região da Valónia pode conceder derrogações dessas medidas, sob determinadas condições e por determinados motivos.

    16

    O artigo 5.obis da mesma lei prevê a possibilidade de apresentar um pedido destinado a obter uma derrogação às referidas medidas, remetendo para o Governo da Região da Valónia a decisão sobre a forma e o conteúdo desse pedido, bem como os requisitos e as modalidades de concessão da derrogação solicitada.

    17

    É facto assente que nem a Lei de 12 de julho de 1973 nem o despacho adotado pelo Governo da Região da Valónia para a sua aplicação preveem, por um lado, que se deva proceder a uma avaliação do impacto ambiental da derrogação solicitada e, por outro, que o público em causa deva ser consultado antes da sua concessão.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    18

    Em 4 de novembro de 2008, a Sagrex apresentou à autoridade competente da Região da Valónia um pedido de licença única relativo a um projeto que previa o reinício da exploração de uma pedreira com uma área superior a 50 hectares localizada no sítio de Bossimé (Bélgica) e a realização de instalações, bem como de obras relacionadas com esta, nomeadamente na margem do Mosa.

    19

    Em 12 de maio de 2010, a direction extérieure de Namur du département de la nature et des forêts de la Région wallonne (Direção Externa de Namur do Departamento da Natureza e das Florestas da Região da Valónia) emitiu um parecer desfavorável sobre esse pedido, no qual, em primeiro lugar, salientou que o projeto em causa no processo principal era adjacente a um sítio da rede Natura 2000 e cobria dois sítios de grande interesse biológico, e que causaria a destruição, total ou parcial, destes dois últimos sítios e o desaparecimento, total ou parcial, do habitat natural das diferentes espécies protegidas de aves, insetos, répteis e plantas que aí se encontram. Em segundo lugar, constatou que, apesar desta situação, o processo que acompanhava esse projeto não mencionava a existência de nenhuma autorização de derrogação das medidas de conservação das espécies protegidas impostas pela regulamentação aplicável. Em terceiro e último lugar, considerou que as alterações previstas pelo dono da obra antes, durante e depois da construção ligada à realização do referido projeto não eram suscetíveis, tendo em conta a natureza e a dimensão deste último, de minimizar e de compensar os efeitos nos habitats naturais em causa.

    20

    Em 1 de setembro de 2010, a autoridade competente da Região da Valónia convidou a Sagrex a apresentar‑lhe planos de alteração e uma avaliação complementar do impacto ambiental do projeto em causa no processo principal.

    21

    Em 15 de abril de 2016, a Sagrex apresentou ao inspecteur général du département de la nature et des forêts de la Région wallonne (Inspetor‑Geral do Departamento da Natureza e das Florestas da Região da Valónia) um pedido de derrogação das medidas de proteção das espécies animais e vegetais previstas na Lei de 12 de julho de 1973, relacionadas com esse projeto.

    22

    Em 27 de junho de 2016, esse inspetor adotou a decisão de derrogação referida no n.o 2 do presente acórdão. Esta decisão autoriza a Sagrex a perturbar um determinado número de espécies animais e vegetais protegidas, bem como a deteriorar ou destruir determinadas zonas do respetivo habitat natural, relacionadas com o projeto em causa no processo principal, na condição de implementarem um conjunto de medidas de minimização.

    23

    Em 30 de setembro de 2016, a Sagrex apresentou à autoridade competente da Região da Valónia os planos de alteração e a avaliação complementar desse projeto que lhe tinham sido pedidos em 1 de setembro de 2010.

    24

    Entre 21 de novembro e 21 de dezembro de 2016, teve lugar um inquérito público sobre o referido projeto, conforme alterado e completado, que suscitou numerosas reclamações relativas ao impacto do projeto em causa nas espécies protegidas e no seu habitat.

    25

    Em 21 de dezembro de 2016, a Direção Externa de Namur do Departamento da Natureza e das Florestas da Região da Valónia emitiu um parecer favorável, sujeito a determinadas condições, sobre o pedido de licença única apresentado pela Sagrex, no qual salientou, em primeiro lugar, que o projeto em causa no processo principal era parcialmente adjacente a um sítio Natura 2000, mas que a existência de risco de impacto significativo neste sítio estava excluída. No que respeita, em segundo lugar, aos dois sítios de grande interesse biológico igualmente adjacentes a este projeto, esta direção considerou, antes de mais, que, na falta de medidas cautelares especiais, este último tinha provavelmente um impacto significativo nas espécies animais e vegetais protegidas que aí se encontram, bem como no seu respetivo habitat natural. Em seguida, considerou que, através da implementação das medidas de minimização e de compensação previstas pela Sagrex e especificadas pela decisão de derrogação, o referido projeto, por um lado, não afetava essas espécies e, por outro, apenas provocava uma destruição progressiva do respetivo habitat natural, que, além disso, seria compensado pela criação de novos habitats naturais. Por último, concluiu que, tendo em conta todos estes elementos, podia razoavelmente presumir‑se que, no termo do período de exploração de 30 anos previsto pela Sagrex, os sítios em causa na pedreira explorada por esta continuariam a apresentar um interesse biológico significativo, pelo que se podia considerar que o impacto ambiental do projeto em causa no processo principal na conservação da natureza era reduzido para um nível aceitável.

    26

    Por Despacho de 25 de setembro de 2017, o ministro da Região da Valónia responsável pelo Ambiente e Ordenamento do Território recusou, no entanto, a concessão da licença única requerida pela Sagrex. Foi posteriormente negado provimento ao recurso de anulação interposto deste despacho pela Cimenteries CBR SA, que detém o controlo da Sagrex, por Acórdão do Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica) de 14 de maio de 2020.

    27

    Entretanto, a Namur‑Est Environnement apresentou, no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), um pedido de anulação da decisão de derrogação, no qual alega, nomeadamente, que essa decisão está abrangida pela aprovação de um projeto, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2011/92, e que não foi precedida de um processo que cumpre as exigências previstas nos artigos 2.o e seguintes desta diretiva. Em especial, esta associação sustenta, em substância, que, para estarem em conformidade com essas exigências e permitir tanto ao público em causa participar utilmente no processo como à autoridade competente ter em conta essa participação, a avaliação do impacto ambiental de um projeto como o projeto em causa no processo principal e a consulta pública que o acompanha devem ocorrer antes da adoção de um ato como a decisão de derrogação e não depois desta, como no caso em apreço.

    28

    A Região da Valónia contrapõe, em substância, que a decisão de derrogação não pode ser considerada abrangida pela aprovação de um projeto, na aceção da Diretiva 2011/92, na medida em que o Inspetor‑Geral do Departamento da Natureza e das Florestas da Região da Valónia se limitou, não apenas de maneira orientada e prévia à avaliação do projeto em causa no processo principal por outra autoridade mas também sem de modo nenhum fazer um juízo antecipado relativamente a essa avaliação, a autorizar a Sagrex a derrogar as medidas de proteção das espécies animais e vegetais previstas na regulamentação aplicável, em resposta ao pedido da interessada neste sentido. De um modo mais geral, este pedido de derrogação e o pedido de licença única igualmente apresentado pela Sagrex enquadram‑se em dois regimes jurídicos e dois processos decisórios distintos, ainda que ligados, e não num único regime jurídico ou processo decisório.

    29

    A Cimenteries CBR alega igualmente que a decisão de derrogação constitui apenas um ato acessório que não pode, por si só, ser considerado equivalente a uma aprovação do projeto em causa no processo principal. Além disso, esta sociedade considera que a avaliação imposta pela Diretiva 2011/92 e a consulta pública que a deve acompanhar podem, ou mesmo devem, ocorrer apenas após a decisão de derrogação, para permitir que esse público participe utilmente no processo, exprimindo‑se do modo mais completo possível sobre esse projeto, e que posteriormente a autoridade competente tenha plenamente em conta essa participação.

    30

    Atendendo a estes diferentes argumentos, o órgão jurisdicional de reenvio observa, antes de mais, no seu pedido de decisão prejudicial, que um projeto como o que está em causa no processo principal não pode ser objeto de uma aprovação sob a forma de licença única sem que o dono da obra tenha obtido uma derrogação como a que figura na decisão de derrogação, de modo que esta pode ser considerada um pré‑requisito necessário mas não suficiente para ser concedida uma aprovação dessa natureza. Especifica, por outro lado, que a decisão principal que confere ao dono da obra o direito de realizar o seu projeto é a licença única, que, após inquérito público, pode ser recusada ou submetida a condições mais rigorosas do que as previstas na decisão de derrogação, devendo a autoridade encarregada da emissão da referida licença examinar todos os aspetos ambientais do projeto e, a este título, podendo apreciar mais estritamente o seu impacto em relação aos parâmetros determinados pelo autor da decisão de derrogação.

    31

    Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se, neste contexto jurídico e factual, atos como a decisão de derrogação e a decisão subsequente pela qual é concedida uma licença única ao dono da obra devem ser considerados, em conjunto, parte de um processo decisório complexo que tem como ponto de chegada a aprovação ou a recusa da aprovação de um projeto, na aceção da Diretiva 2011/92. Por último, interroga‑se sobre a questão de saber se, em caso afirmativo, a participação do público em causa neste processo decisório complexo deve ser assegurada antes da adoção de um ato como a decisão de derrogação ou se esta pode ocorrer apenas entre esta adoção e o momento em que a autoridade competente se pronuncia sobre a licença única requerida pelo dono da obra.

    32

    Quanto a estes dois últimos aspetos, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o contexto jurídico e factual que caracteriza o litígio no processo principal lhe parece diferente das situações processuais de aprovação que decorrem em várias fases que o Tribunal de Justiça apreciou até à data, a partir do Acórdão de 7 de janeiro de 2004, Wells (C‑201/02, EU:C:2004:12).

    33

    Nestas condições, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Uma decisão “que aprova a perturbação de animais e a deterioração das zonas de habitat dessas espécies com vista à exploração de uma pedreira” e a decisão que aprova ou indefere essa exploração (licença única) estão abrangidas por uma mesma aprovação [na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea c)], da Diretiva [2011/92], respeitante a um mesmo projeto, [na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da mesma diretiva], na hipótese de, por um lado, essa exploração não poder ocorrer sem a primeira delas e, por outro, a autoridade encarregada da emissão das licenças únicas manter a possibilidade de apreciar mais estritamente o impacto ambiental dessa exploração em relação aos parâmetros determinados pelo autor da primeira decisão?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, são as exigências estabelecidas nesta diretiva, em especial nos seus artigos 2.o, 5.o, 6.o, 7.o e 8.o, suficientemente respeitadas quando a fase de participação do público tem lugar após a adoção da decisão “que aprova a perturbação de animais e a deterioração das zonas de habitat dessas espécies com vista à exploração de uma pedreira”, mas antes da adoção da decisão principal que confere ao dono da obra o direito de explorar a pedreira?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    34

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2011/92 deve ser interpretada no sentido de que uma decisão adotada ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 92/43, que autoriza o dono da obra a derrogar as medidas aplicáveis em matéria de proteção das espécies, com vista à realização de um projeto, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/92, está abrangida pelo processo de aprovação desse projeto, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva, na hipótese de, por um lado, a realização do referido projeto não poder ocorrer sem que o dono da obra tenha obtido essa decisão e de, por outro, a autoridade competente para aprovar esse projeto manter a possibilidade de apreciar os seus efeitos ambientais mais rigorosamente do que foi feito na referida decisão.

    Quanto à admissibilidade

    35

    Nas suas observações escritas e orais, o Governo belga alegou, em substância, que a primeira questão deve ser julgada inadmissível pelo facto de se basear em dois postulados jurídicos errados e de a correta interpretação das disposições do direito da União e do direito nacional a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio levar a considerar esta questão manifestamente desprovida de relação com a realidade e com o objeto do litígio no processo principal. Com efeito, a concessão de uma derrogação das medidas de proteção das espécies previstas nas disposições de direito nacional que transpuseram a Diretiva 92/43 pode ser pedida, ao abrigo destas disposições, tanto antes como depois da obtenção da licença única que materializa essa autorização, pelo que a decisão de derrogação não constitui um pré‑requisito dessa obtenção, mas sim um ato juridicamente independente. Esta interpretação está em conformidade com o direito da União, uma vez que nenhuma disposição desse direito impõe que uma decisão como a decisão de derrogação, que concede uma derrogação dessas medidas, deva necessariamente preceder a aprovação de um projeto como o que está em causa no processo principal, na aceção da Diretiva 2011/92.

    36

    A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, em primeiro lugar, que os argumentos que dizem respeito ao mérito da questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional não podem, por natureza, conduzir à inadmissibilidade desta questão [Acórdãos de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 80, e de 13 de janeiro de 2022, Minister Sprawiedliwości, C‑55/20, EU:C:2022:6, n.o 83].

    37

    Ora, no caso em apreço, há que constatar que uma parte da argumentação do Governo belga sintetizada no n.o 35 do presente acórdão assenta numa interpretação das disposições do direito da União a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio no âmbito da sua primeira questão e que, por conseguinte, diz respeito ao mérito desta questão.

    38

    Em segundo lugar, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades desse litígio, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça (Acórdãos de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 26, e de 19 de dezembro de 2019, Junqueras Vies, C‑502/19, EU:C:2019:1115, n.o 55). Consequentemente, desde que estas questões sejam relativas ao direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se [Acórdãos de 24 de novembro de 2020, Openbaar Ministerie (Falsificação de documentos), C‑510/19, EU:C:2020:953, n.o 25, e de 18 de maio de 2021, Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 115].

    39

    Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais gozam de uma presunção de pertinência e que o Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre essas questões se for manifesto que a interpretação solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, se o problema suscitado for hipotético ou ainda se o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil a essas questões (Acórdãos de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 27, e de 19 de dezembro de 2019, Junqueras Vies, C‑502/19, EU:C:2019:1115, n.o 56).

    40

    Por outro lado, o processo previsto no artigo 267.o TFUE baseia‑se numa clara separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, uma vez que este último está habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação ou a validade dos atos da União visados neste artigo, tendo em conta o contexto factual e regulamentar no qual se inserem as questões que lhe são submetidas, conforme definido pelo órgão jurisdicional de reenvio, e não a apreciar se a interpretação das disposições do direito nacional feita por esse órgão jurisdicional está correta. Assim, o exame de um reenvio prejudicial não pode ser realizado à luz da interpretação do direito nacional invocada pelo Governo de um Estado‑Membro [v., neste sentido, Acórdãos de 26 de setembro de 2013, Texdata Software, C‑418/11, EU:C:2013:588, n.os 28 e 29, e de 15 de abril de 2021, État belge (Elementos posteriores à decisão de transferência), C‑194/19, EU:C:2021:270, n.o 26].

    41

    Ora, no caso em apreço, por um lado, a primeira questão tem por objeto, claramente, a interpretação do direito da União, como indicado no n.o 37 do presente acórdão. Por outro lado, as considerações subjacentes a esta questão, conforme resumidas nos n.os 30 a 32 do presente acórdão, comprovam tanto a pertinência da mesma, no contexto factual específico que caracteriza o litígio no processo principal, como a necessidade, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, de uma resposta do Tribunal de Justiça.

    42

    Tendo em conta todos estes elementos, a primeira questão não é manifestamente desprovida de relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal. Por conseguinte, esta questão deve ser considerada admissível.

    Quanto ao mérito

    43

    Em primeiro lugar, o artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/92 e o artigo 1.o, n.o 2, alínea c), da mesma, definem, respetivamente, os termos «projeto» e «aprovação», para efeitos desta diretiva, especificando que remetem, o primeiro, para a realização de obras de construção ou de outras instalações ou obras, bem como para outras intervenções no meio natural ou na paisagem, e, o segundo, para a decisão da autoridade ou das autoridades competentes que confere ao dono da obra o direito de realizar esse projeto.

    44

    Ora, estes elementos textuais não permitem, por si só, responder à primeira questão, através da qual o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se uma decisão como a decisão de derrogação deve ser considerada, embora não constitua uma «decisão da autoridade ou das autoridades competentes que confere ao dono da obra o direito de realizar o projeto» a que diz respeito, abrangida pela aprovação desse projeto, tendo em conta as ligações que mantém com essa decisão. É certo que os referidos elementos definem o conceito de «aprovação» remetendo para uma decisão de natureza diferente da decisão de derrogação e excluem, por conseguinte, que esta última possa ser considerada, isoladamente e enquanto tal, uma «aprovação» do projeto a que diz respeito, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2011/92. No entanto, nem por isso excluem a possibilidade de essa decisão, juntamente com a decisão subsequente na qual é decidido sobre o direito do dono da obra de realizar o projeto, ser considerada abrangida pela aprovação ou, se for caso disso, pela recusa da aprovação do mesmo.

    45

    Nestas condições, há que, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, interpretar esta diretiva tendo em conta, em complemento dos termos das disposições referidas nos dois números anteriores do presente acórdão, o contexto no qual estas se inscrevem, bem como os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdãos de 7 de junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, EU:C:2005:362, n.o 41, e de 21 de janeiro de 2021, Alemanha/Esso Raffinage, C‑471/18 P, EU:C:2021:48, n.o 81).

    46

    No que respeita, em segundo lugar, ao contexto em que se inscrevem as definições que figuram no artigo 1.o, n.o 2, alíneas a) e c), da referida diretiva, há que observar, antes de mais, que, como resulta do conjunto de disposições da mesma, a decisão sobre a aprovação deve ocorrer no final de todo o processo de avaliação dos projetos visados no artigo 2.o, n.o 1, da mesma diretiva, que possam ter um impacto significativo no ambiente.

    47

    Estas disposições revelam, portanto, que a aprovação de um projeto constitui o ponto de chegada de um processo decisório iniciado com a apresentação de um pedido nesse sentido pelo dono da obra e que, do ponto de vista processual, abrange todas as operações necessárias ao tratamento desse pedido.

    48

    Em seguida, as referidas disposições revelam que, do ponto de vista material e já não processual, esse processo decisório deve levar a autoridade competente a ter em conta, de modo completo, os efeitos que os projetos sujeitos à dupla obrigação de avaliação e de aprovação prevista no artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2011/92 podem ter no ambiente, como salientou a advogada‑geral no n.o 44 das suas conclusões.

    49

    Assim, o artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva visa, de modo geral, o «impacto significativo no ambiente» que esses projetos podem ter, sem se referir especificamente a um ou outro tipo de impacto significativo nem excluir explicitamente um ou outro tipo de impacto significativo do seu âmbito de aplicação. Do mesmo modo, o artigo 3.o da referida diretiva refere‑se, de modo geral, aos efeitos «diretos e indiretos» dos referidos projetos no ambiente.

    50

    Daqui decorre que o processo decisório previsto na Diretiva 2011/92 deve incidir, nomeadamente, sobre o impacto significativo que um projeto sujeito a este pode ter na fauna e na flora presentes nas diversas zonas que podem ser afetadas por esse projeto, como a zona de implantação ou as zonas adjacentes a esta última, como já resulta, aliás, da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 24 de novembro de 2011, Comissão/Espanha, C‑404/09, EU:C:2011:768, n.os 84 a 87).

    51

    É, de resto, por esta razão que o artigo 5.o da Diretiva 2011/92 impõe ao dono da obra que forneça informações específicas sobre esta matéria à autoridade competente.

    52

    Daqui decorre que, no caso específico em que a realização de um projeto sujeito à dupla obrigação de avaliação e de aprovação prevista no artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2011/92 exige que o dono da obra solicite e obtenha uma derrogação das medidas de proteção das espécies animais e vegetais previstas nas disposições do direito interno que asseguram a transposição dos artigos 12.o e 13.o da Diretiva 92/43 e em que, por conseguinte, esse projeto pode ter impacto nessas espécies, a avaliação do referido projeto deve incidir, nomeadamente, sobre esse impacto.

    53

    Por conseguinte, é indiferente que a própria Diretiva 92/43 não preveja a obrigação de avaliação dos efeitos que essa derrogação pode ter nas espécies em causa, uma vez que esta diretiva tem um alcance autónomo em relação ao da Diretiva 2011/92 e se aplica sem prejuízo da obrigação de avaliação do impacto ambiental prevista nesta última, cujo âmbito de aplicação é geral, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de setembro de 1999, Comissão/Irlanda, C‑392/96, EU:C:1999:431, n.o 71; de 31 de maio de 2018, Comissão/Polónia, C‑526/16, não publicado, EU:C:2018:356, n.o 72; e de 12 de junho de 2019, CFE, C‑43/18, EU:C:2019:483, n.o 52).

    54

    Por último, o exame do contexto no qual se inscrevem as disposições a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio na sua primeira questão revela que a avaliação do impacto ambiental de um determinado projeto pode ocorrer não só no âmbito do processo conducente à decisão de aprovação referida no artigo 1.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2011/92 mas igualmente no de um processo conducente a uma decisão prévia a esta decisão de aprovação, caso em que estas diferentes decisões podem ser consideradas parte de um processo decisório complexo, no sentido em que este se desenrola em várias fases (v., por analogia, Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Wells, C‑201/02, EU:C:2004:12, n.os 47, 52 e 53, e de 17 de março de 2011, Brussels Hoofdstedelijk Gewest e o., C‑275/09, EU:C:2011:154, n.o 32).

    55

    Com efeito, o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2011/92 prevê expressamente que esta avaliação do impacto ambiental pode ser integrada nos processos de aprovação nacionais existentes, de onde resulta, por um lado, que a referida avaliação não tem necessariamente de ser conduzida no âmbito de um processo especialmente criado para esse efeito e, por outro, que também não tem necessariamente de ser conduzida no âmbito de um processo único.

    56

    Por conseguinte, os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação que lhes permite determinar os requisitos processuais em que essa avaliação é realizada e repartir as diferentes competências relativas à mesma entre várias autoridades, nomeadamente atribuindo a cada uma delas um poder de decisão na matéria, conforme o Tribunal de Justiça já salientou (v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2011, Comissão/Irlanda, C‑50/09, EU:C:2011:109, n.os 72 a 74).

    57

    No entanto, o exercício dessa margem de apreciação deve cumprir as exigências impostas pela Diretiva 2011/92 e garantir o pleno respeito pelos objetivos por esta prosseguidos (Acórdão de 3 de março de 2011, Comissão/Irlanda, C‑50/09, EU:C:2011:109, n.o 75).

    58

    A este respeito, há que observar, em primeiro lugar, que a avaliação do impacto ambiental de um projeto deve, em todo o caso, por um lado, ser completa e, por outro, ocorrer antes de ser tomada uma decisão de aprovação desse projeto (v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2011, Comissão/Irlanda, C‑50/09, EU:C:2011:109, n.os 76 e 77).

    59

    Daqui decorre que, no caso de um Estado‑Membro atribuir o poder de avaliar uma parte dos efeitos ambientais de um projeto e de tomar uma decisão no final desta avaliação parcial a uma autoridade diferente daquela à qual confia o poder de aprovar esse projeto, esta decisão deve necessariamente ser adotada antes da aprovação do referido projeto. Com efeito, caso contrário, esta aprovação assentaria numa base incompleta e, por conseguinte, não cumpriria as exigências aplicáveis (v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2011, Comissão/Irlanda, C‑50/09, EU:C:2011:109, n.os 81 e 84).

    60

    Em segundo lugar, resulta expressamente do artigo 3.o da Diretiva 2011/92 que a obrigação de realizar uma avaliação completa dos efeitos ambientais de um projeto, referida nos n.os 48 e 58 do presente acórdão, implica ter em conta não só cada um desses efeitos, considerados individualmente, mas também a interação entre si e, por conseguinte, o impacto global desse projeto no ambiente. Do mesmo modo, o anexo IV da Diretiva 2011/92 impõe ao dono da obra que forneça informações, nomeadamente, sobre a inter‑relação dos efeitos que um projeto pode simultaneamente ter em diferentes componentes do ambiente, como a fauna e a flora.

    61

    Ora, esta avaliação global pode levar a autoridade competente a considerar que, tendo em conta a interação ou a inter‑relação que existe entre os diferentes efeitos ambientais de um projeto, estes devem ser apreciados mais rigorosamente ou, consoante o caso, menos rigorosamente do que um ou outro efeito, considerado isoladamente, o foi previamente.

    62

    Daqui resulta que, no caso de um Estado‑Membro atribuir o poder de avaliar uma parte dos efeitos ambientais de um projeto e de tomar uma decisão no final desta avaliação parcial a uma autoridade diferente daquela à qual atribui o poder de aprovar esse projeto, esta avaliação parcial e esta decisão prévia não podem prejudicar, a primeira, a avaliação global que a autoridade competente deve, em todo o caso, levar a cabo para aprovar o projeto e, a segunda, a decisão adotada na sequência dessa avaliação global, como a advogada‑geral salientou, em substância, nos n.os 73 e 74 das suas conclusões.

    63

    No caso em apreço, as afirmações que figuram na decisão de reenvio, nomeadamente as resumidas no n.o 30 do presente acórdão, e os termos em que está redigida a primeira questão revelam que estas exigências parecem ser cumpridas, sem prejuízo das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, daqui resulta, por um lado, que a aprovação de um projeto como o que está em causa no processo principal não pode ocorrer sem que o dono da obra tenha obtido uma decisão que o autorize a derrogar as medidas aplicáveis em matéria de proteção das espécies, de que se deduz que essa decisão deve necessariamente ser adotada antes dessa aprovação. Por outro lado, a autoridade competente para aprovar esse projeto mantém a possibilidade de apreciar os seus efeitos ambientais mais rigorosamente do que foi feito na referida decisão.

    64

    No que respeita, em terceiro e último lugar, aos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2011/92 e, em especial, ao objetivo essencial da mesma, que consiste em assegurar um elevado nível de proteção do ambiente e da saúde humana através da aplicação de exigências mínimas para a avaliação do impacto ambiental dos projetos, a interpretação que decorre dos elementos contextuais analisados nos n.os 46 a 63 do presente acórdão contribui para a realização desse objetivo, permitindo aos Estados‑Membros confiar a uma determinada autoridade a responsabilidade de tomar uma decisão, de modo prévio e orientado, sobre certos efeitos ambientais dos projetos que devem ser avaliados, reservando, ao mesmo tempo, à autoridade competente para aprovar esses projetos a realização de uma avaliação completa e final.

    65

    Com efeito, em caso de resultado negativo dessa avaliação parcial, o dono da obra pode renunciar ao seu projeto, sem que seja necessário prosseguir o processo complexo de avaliação e de aprovação instituído pela Diretiva 2011/92, ou alterar esse projeto de modo a corrigir os efeitos negativos salientados por essa avaliação parcial, cabendo à autoridade competente pronunciar‑se, em definitivo, sobre esse projeto alterado. Pelo contrário, em caso de resultado positivo, esta autoridade pode ter em conta a decisão tomada previamente, ainda que não a vincule na sua avaliação final nem nas consequências jurídicas a retirar desta última. A existência de uma avaliação parcial que dá lugar a uma decisão prévia é, assim, suscetível de constituir, em todos os casos, um fator de qualidade, eficácia e coerência reforçada do processo de avaliação e de aprovação.

    66

    Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder à primeira questão que a Diretiva 2011/92 deve ser interpretada no sentido de que uma decisão adotada ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 92/43, que autoriza o dono da obra a derrogar as medidas aplicáveis em matéria de proteção das espécies, com vista à realização de um projeto, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/92, está abrangida pelo processo de aprovação desse projeto, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva, na hipótese de, por um lado, a realização do referido projeto não poder ocorrer sem que o dono da obra tenha obtido essa decisão e de, por outro, a autoridade competente para aprovar esse projeto manter a possibilidade de apreciar os seus efeitos ambientais mais rigorosamente do que foi feito na referida decisão.

    Quanto à segunda questão

    67

    Com a sua segunda questão, submetida em caso de resposta afirmativa à sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2011/92 deve ser interpretada, tendo em conta, em especial, os seus artigos 6.o e 8.o, no sentido de que a adoção de uma decisão prévia que autoriza o dono da obra a derrogar as medidas aplicáveis em matéria de proteção das espécies, com vista à realização de um projeto, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva, não tem necessariamente de ser precedida da participação do público, desde que essa participação seja assegurada antes da adoção da decisão a tomar pela autoridade competente para a eventual aprovação desse projeto.

    68

    A este respeito, o artigo 6.o da Diretiva 2011/92 prevê, nomeadamente, nos seus n.os 2 e 3, que um conjunto de informações relativas aos projetos sujeitos à dupla obrigação de avaliação e de aprovação imposta por esta diretiva deve ser, consoante o caso, comunicado ao público ou colocado à disposição deste «no início dos processos de tomada de decisão […] e, o mais tardar, logo que seja razoavelmente possível disponibilizar a informação». Este artigo enuncia, ainda, no seu n.o 4, que, «[a]o público em causa deve ser dada a oportunidade efetiva de participar suficientemente cedo nos processos de tomada de decisão […], devendo ter, para esse efeito, o direito de apresentar as suas observações e opiniões, quando estão ainda abertas todas as opções, à autoridade ou autoridades competentes antes de ser tomada a decisão sobre o pedido de aprovação».

    69

    Por seu turno, o artigo 8.o desta diretiva enuncia que os resultados das consultas e as informações obtidas, nomeadamente, graças à participação do público serão tidos em conta pela autoridade competente aquando da sua decisão de aprovar ou não o projeto em causa.

    70

    Como decorre destas disposições, estas obrigam os Estados‑Membros a adotarem as medidas necessárias para assegurar, no âmbito do processo de avaliação e de aprovação dos projetos sujeitos à Diretiva 2011/92, uma participação do público que cumpre um conjunto de exigências.

    71

    Em primeiro lugar, tanto a comunicação ao público ou a colocação à disposição do público das informações que servem de base a essa participação como a possibilidade dada ao público de apresentar observações e pareceres sobre essas informações, bem como, de um modo mais geral, sobre o projeto em causa e sobre os seus efeitos ambientais, devem ocorrer no início do processo e, em todo o caso, antes da adoção de uma decisão relativa à aprovação desse projeto.

    72

    Em segundo lugar, a referida participação deve ser efetiva, o que implica que o público possa pronunciar‑se não apenas de maneira útil e completa sobre o projeto em causa, bem como sobre os seus efeitos ambientais, mas igualmente num momento em que estão abertas todas as opções.

    73

    Em terceiro lugar, o resultado dessa mesma participação deve ser tido em conta pela autoridade competente aquando da sua decisão de aprovar ou não o projeto em causa.

    74

    Ora, estas diferentes exigências podem revelar‑se mais dificilmente conciliáveis no âmbito de um processo decisório complexo, em função das diferentes fases deste e da repartição das competências entre as diferentes autoridades que são chamadas a participar no mesmo.

    75

    É o que sucede, em especial, na hipótese de uma determinada autoridade ser chamada a avaliar, numa fase prévia ou intermédia desse processo decisório, apenas uma parte dos efeitos ambientais do projeto em causa. Com efeito, nesta hipótese, a participação do público pode incidir apenas sobre a parte dos efeitos ambientais desse projeto que é da competência dessa autoridade, com exclusão não só da parte que não é da sua competência mas igualmente da interação ou da inter‑relação entre uma e outra.

    76

    Em tal hipótese, há que considerar que a exigência de participação do público no início do processo decisório deve ser interpretada e aplicada de maneira compatível com a exigência igualmente importante da participação efetiva do público nesse processo.

    77

    A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, no caso de um projeto ser objeto de um processo decisório com várias fases, caracterizado pela adoção sucessiva de uma decisão principal e, em seguida, de uma decisão de execução da mesma, a obrigação de avaliar os efeitos ambientais desse projeto imposta pela Diretiva 2011/92 deve, em princípio, ser cumprida antes da adoção da decisão principal, salvo se não for possível identificar e avaliar todos esses efeitos nessa fase, caso em que uma avaliação global dos referidos efeitos deve então ter lugar antes da adoção da decisão de execução (Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Wells, C‑201/02, EU:C:2004:12, n.os 52 e 53; de 28 de fevereiro de 2008, Abraham e o., C‑2/07, EU:C:2008:133, n.o 26; e de 29 de julho de 2019, Inter‑Environnement Wallonie e Bond Beter Leefmilieu Vlaanderen, C‑411/17, EU:C:2019:622, n.os 85 e 86).

    78

    Ora, a obrigação de participação do público prevista nesta diretiva está intimamente ligada a esta obrigação de avaliação, como decorre dos n.os 47 e 68 do presente acórdão.

    79

    Tendo em conta este nexo, há que considerar, por analogia, que, na hipótese referida no n.o 75 do presente acórdão, a exigência de participação do público no início do processo decisório prevista no artigo 6.o da Diretiva 2011/92 não exige que essa participação preceda a adoção da decisão prévia relativa a uma parte dos efeitos ambientais do projeto em causa, desde que essa participação seja efetiva, exigência que implica, em primeiro lugar, que ocorra antes da adoção da decisão a tomar pela autoridade competente para aprovar esse projeto, em segundo lugar, que permita ao público pronunciar‑se de maneira útil e completa sobre todos os efeitos ambientais do referido projeto e, em terceiro lugar, que a autoridade competente para aprovar esse projeto possa ter plenamente em conta a referida participação.

    80

    Cabe exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se esses requisitos foram cumpridos no caso em apreço e, por conseguinte, se o público se pôde pronunciar, de maneira útil e completa, sobre todos os efeitos ambientais do projeto em causa no processo principal entre a data de adoção da decisão prévia que autorizou o dono da obra a derrogar as medidas aplicáveis em matéria de proteção das espécies, com vista à realização desse projeto, e a data em que a autoridade competente para aprovar o referido projeto se pronunciou a esse propósito.

    81

    Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à segunda questão que a Diretiva 2011/92 deve ser interpretada, tendo em conta, em especial, os seus artigos 6.o e 8.o, no sentido de que a adoção de uma decisão prévia que autoriza o dono da obra a derrogar as medidas aplicáveis em matéria de proteção das espécies, com vista à realização de um projeto, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva, não tem necessariamente de ser precedida da participação do público, desde que essa participação seja assegurada de maneira efetiva antes da adoção da decisão a tomar pela autoridade competente para a eventual aprovação desse projeto.

    Quanto às despesas

    82

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    1)

    A Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente, deve ser interpretada no sentido de que uma decisão adotada ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, que autoriza o dono da obra a derrogar as medidas aplicáveis em matéria de proteção das espécies, com vista à realização de um projeto, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/92, está abrangida pelo processo de aprovação desse projeto, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva, na hipótese de, por um lado, a realização do referido projeto não poder ocorrer sem que o dono da obra tenha obtido essa decisão e de, por outro, a autoridade competente para aprovar esse projeto manter a possibilidade de apreciar os seus efeitos ambientais mais rigorosamente do que foi feito na referida decisão.

     

    2)

    A Diretiva 2011/92 deve ser interpretada, tendo em conta, em especial, os seus artigos 6.o e 8.o, no sentido de que a adoção de uma decisão prévia que autoriza o dono da obra a derrogar as medidas aplicáveis em matéria de proteção das espécies, com vista à realização de um projeto, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva, não tem necessariamente de ser precedida da participação do público, desde que essa participação seja assegurada de maneira efetiva antes da adoção da decisão a tomar pela autoridade competente para a eventual aprovação desse projeto.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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