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Document 62020CJ0190

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 15 de julho de 2021.
    DocMorris NV contra Apothekerkammer Nordrhein.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof.
    Reenvio prejudicial — Medicamentos para uso humano sujeitos a prescrição médica — Diretiva 2001/83/CE — Âmbito de aplicação — Publicidade feita por uma farmácia de venda por correspondência que não visa influenciar a escolha de um determinado medicamento pelo cliente, mas a escolha da farmácia — Concurso promocional — Livre circulação de mercadorias — Regulamentação nacional — Proibição de oferecer, de anunciar ou de dar benefícios e outros prémios publicitários no domínio dos produtos terapêuticos — Modalidades de venda que escapam ao âmbito de aplicação do artigo 34.o TFUE.
    Processo C-190/20.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:609

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    15 de julho de 2021 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Medicamentos para uso humano sujeitos a prescrição médica — Diretiva 2001/83/CE — Âmbito de aplicação — Publicidade feita por uma farmácia de venda por correspondência que não visa influenciar a escolha de um determinado medicamento pelo cliente, mas a escolha da farmácia — Concurso promocional — Livre circulação de mercadorias — Regulamentação nacional — Proibição de oferecer, de anunciar ou de dar benefícios e outros prémios publicitários no domínio dos produtos terapêuticos — Modalidades de venda que escapam ao âmbito de aplicação do artigo 34.o TFUE»

    No processo C‑190/20,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha), por Decisão de 20 de fevereiro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de maio de 2020, no processo

    DocMorris NV

    contra

    Apothekerkammer Nordrhein,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: M. Vilaras (relator), presidente de secção, N. Piçarra, D. Šváby, S. Rodin e K. Jürimäe, juízes,

    advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da DocMorris NV, por A. Feissel e K. Wodarz, Rechtsanwältinnen,

    em representação da Apothekerkammer Nordrhein, por M. Douglas, Rechtsanwalt,

    em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por A. Sipos e M. Noll‑Ehlers, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 87.o, n.o 3, da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67), conforme alterada pela Diretiva 2012/26/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012 (JO 2012, L 299, p. 1) (a seguir «Diretiva 2001/83»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a DocMorris NV, uma sociedade de direito neerlandês que explora uma farmácia de venda por correspondência estabelecida nos Países Baixos, à Apotherkerkammer Nordrhein (Câmara dos Farmacêuticos da Renânia do Norte, Alemanha), a respeito de um prospeto publicitário distribuído pela DocMorris junto dos seus clientes na Alemanha relativo a um «grande concurso promocional», que previa, como condição para participar no concurso, o envio de uma receita médica de um medicamento sujeito a prescrição médica.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 98/34

    3

    O artigo 1.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 1998, L 204, p. 37), conforme alterada pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998 (JO 1998, L 217, p. 18) (a seguir «Diretiva 98/34»), previa:

    «Para efeitos da presente diretiva entende‑se por:

    […]

    2)

    “Serviço”: qualquer serviço da sociedade da informação, isto é, qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços.»

    Diretiva 2000/31/CE

    4

    O artigo 1.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o Comércio Eletrónico») (JO 2000, L 178, p. 1), tem a seguinte redação:

    «1.   A presente diretiva tem por objetivo contribuir para o correto funcionamento do mercado interno, garantindo a livre circulação dos serviços da sociedade da informação entre Estados‑Membros.

    2.   A presente diretiva aproxima, na medida do necessário à realização do objetivo previsto no n.o 1, certas disposições nacionais aplicáveis aos serviços da sociedade da informação que dizem respeito ao mercado interno, ao estabelecimento dos prestadores de serviços, às comunicações comerciais, aos contratos celebrados por via eletrónica, […]»

    5

    O artigo 2.o, alínea a), desta diretiva define os «serviços da sociedade da informação» como os serviços referidos no n.o 1, primeiro parágrafo, ponto 2, da Diretiva 98/34.

    Diretiva 2001/83

    6

    Integrado no título VIII, intitulado «Publicidade», da Diretiva 2001/83, o artigo 86.o desta prevê:

    «1.   Para efeitos do presente título, entende‑se por “publicidade dos medicamentos”: qualquer ação de informação, de prospeção ou de incentivo destinada a promover a prescrição, o fornecimento, a venda ou o consumo de medicamentos; abrange, em especial:

    a publicidade dos medicamentos junto do público em geral,

    a publicidade dos medicamentos junto das pessoas habilitadas a receitá‑los ou a fornecê‑los,

    a visita de delegados de propaganda médica a pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos,

    o fornecimento de amostras de medicamentos,

    o incentivo à prescrição ou ao fornecimento de medicamentos, através da concessão, oferta ou promessa de benefícios pecuniários ou em espécie, exceto quando o seu valor intrínseco seja insignificante,

    o patrocínio de reuniões de promoção a que assistam pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos,

    o patrocínio de congressos científicos em que participem pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos, nomeadamente a tomada a cargo das respetivas despesas de deslocação e estadia nessa ocasião.

    2.   O presente título não abrange:

    a rotulagem e a bula dos medicamentos que são abrangidos pelo título V,

    a correspondência, eventualmente acompanhada de qualquer documento não publicitário, necessária para dar resposta a uma pergunta específica sobre determinado medicamento,

    as informações concretas e os documentos de referência relativos por exemplo, às mudanças de embalagem, às advertências sobre os efeitos secundários no âmbito da farmacovigilância, bem como aos catálogos de venda e às listas de preços, desde que não contenham qualquer informação sobre o medicamento,

    as informações relativas à saúde humana ou a doenças humanas, desde que não façam referência, ainda que indireta, a um medicamento.»

    7

    O artigo 87.o, n.o 3, desta diretiva dispõe:

    «A publicidade dos medicamentos:

    deve fomentar a utilização racional dos medicamentos, apresentando‑os de modo objetivo e sem exagerar as suas propriedades,

    não pode ser enganosa.»

    8

    Nos termos do artigo 88.o, n.os 1 a 3, da referida diretiva:

    «1.   Os Estados‑Membros devem proibir a publicidade junto do público em geral dos medicamentos que:

    a)

    Só possam ser obtidos mediante receita médica, nos termos do título VI,

    […]

    2.   Podem ser objeto de publicidade junto do público em geral os medicamentos que, dada a sua composição e finalidade, sejam previstos e concebidos para serem utilizados sem intervenção médica para efeitos de diagnóstico, prescrição ou vigilância do tratamento, e se necessário com o conselho do farmacêutico.

    3.   Os Estados‑Membros podem proibir no seu território a publicidade junto do público em geral dos medicamentos reembolsáveis.»

    Direito alemão

    9

    O § 7, n.o 1, primeiro período, da Gesetz über die Werbung auf dem Gebiete des Heilwesens (Heilmittelwerbegesetz) (Lei relativa à Publicidade dos Medicamentos), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «HWG»), prevê:

    «É proibido oferecer, anunciar ou dar benefícios e outros prémios publicitários (produtos ou serviços) ou, aos profissionais de saúde, aceitá‑los, exceto se:

    1.

    Esses benefícios e esses prémios publicitários tiverem um valor mínimo […] Os benefícios e os prémios publicitários a título de medicamentos são proibidos se forem concedidos em violação das disposições em matéria de preços aplicáveis ao abrigo da [Arzneimittelgesetz (Lei sobre os Medicamentos)].

    2.

    Esses benefícios e esses prémios publicitários

    a)

    forem concedidos num montante em dinheiro determinado ou a calcular de forma determinada […]

    […]

    Os benefícios e os prémios publicitários a título de medicamentos, previstos na alínea a), são proibidos se forem concedidos em violação das disposições em matéria de preços aplicáveis ao abrigo da Lei sobre os Medicamentos […]

    […]»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    10

    A DocMorris explora uma farmácia de venda por correspondência estabelecida nos Países Baixos, a qual vende a clientes que estão na Alemanha medicamentos sujeitos a prescrição médica. Em março de 2015, a DocMorris distribuiu, em toda a Alemanha, um prospeto publicitário para um «grande concurso promocional» no qual era anunciado, como prémio principal, um vale para uma bicicleta no valor de 2500 euros e, do segundo ao décimo prémio, uma escova de dentes elétrica. Para participar no sorteio, bastava enviar à DocMorris, num envelope pré‑franqueado, uma nota de encomenda de um medicamento sujeito a prescrição médica, à qual devia ser anexada a respetiva receita médica.

    11

    Em 16 de junho de 2015, a Câmara dos Farmacêuticos da Renânia do Norte, responsável pela fiscalização, nesta circunscrição, do cumprimento das obrigações profissionais dos farmacêuticos, intentou uma ação contra a DocMorris no Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main, Alemanha), em cujo âmbito pediu que deixasse de ser feita a publicidade em causa, por apresentar uma natureza anticoncorrencial.

    12

    Tendo a sua ação sido julgada improcedente pelo Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main), a Câmara dos Farmacêuticos da Renânia do Norte interpôs recurso daquela decisão no Oberlandesgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional Superior de Frankfurt am Main, Alemanha), que lhe deu provimento. A DocMorris interpôs então recurso de «Revision» no órgão jurisdicional de reenvio, o Bundesgerichshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha), por meio do qual esta sociedade pede que seja reposta a decisão proferida em primeira instância.

    13

    O órgão jurisdicional de reenvio indica que só a publicidade que diga respeito a um determinado produto é abrangida pelo âmbito de aplicação da HWG, ao contrário do que sucede com a publicidade geral para uma empresa. Ora, também se pode considerar que uma publicidade para toda a gama de produtos de uma farmácia, como a que está em causa no processo principal, é uma publicidade centrada num produto. Por outro lado, resulta do artigo 86.o, n.o 1, e do artigo 88.o, n.os 1 a 3, da Diretiva 2001/83 que esta não abrange unicamente a publicidade que se refere a certos medicamentos determinados, abrangendo também a publicidade para medicamentos em geral.

    14

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a conformidade da proibição dos prémios publicitários prevista no § 7, n.o 1, primeiro período, da HWG com os objetivos e as disposições da Diretiva 2001/83. Considera que tal proibição se pode justificar à luz do artigo 87.o, n.o 3, desta diretiva, uma vez que visa prevenir o risco de que, através da sua decisão de recorrer a um medicamento, o consumidor seja influenciado pela perspetiva de prémios publicitários associados à compra desse medicamento. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a decisão do paciente de adquirir um medicamento sujeito a prescrição médica junto de uma farmácia de venda por correspondência nacional ou estrangeira em vez de o adquirir nas instalações físicas de uma farmácia, na qual pode ser dado o aconselhamento objetivamente necessário, deve assentar em motivos objetivos e não deve ser sujeita a semelhantes incentivos.

    15

    O órgão jurisdicional de reenvio constata, no entanto, que a Diretiva 2001/83 não contém nenhuma disposição específica relativa à publicidade de um medicamento que revista a forma de um concurso que inclua um sorteio. Por outro lado, resulta do Acórdão de 19 de outubro de 2016, Deutsche Parkinson Vereinigung (C‑148/15, EU:C:2016:776), que as farmácias de venda por correspondência que estejam estabelecidas noutros Estados‑Membros não podem ser proibidas de fazer, relativamente às farmácias convencionais estabelecidas no território do Estado‑Membro em causa, concorrência através dos preços destinada a compensar a limitação das suas ofertas de serviços, a qual decorre da impossibilidade de darem aconselhamento individual in loco aos pacientes.

    16

    Ora, devido ao quadro jurídico aplicável na Alemanha à venda de medicamentos sujeitos a prescrição médica, nomeadamente devido ao facto de a maior parte do custo destes medicamentos ser comparticipada pelos organismos de seguro de doença, não existe, entre as farmácias convencionais estabelecidas na Alemanha, concorrência através dos preços comparável à concorrência que existe noutros setores de vendas. As farmácias de venda por correspondência estabelecidas noutros Estados‑Membros praticam, desta forma, uma outra forma de concorrência através dos preços, oferecendo aos seus clientes benefícios com valor pecuniário, sob a forma de vales ou de prémios.

    17

    Nestas condições, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «É compatível com as disposições do título VIII e, em especial, com o artigo 87.o, n.o 3, da Diretiva [2001/83] a interpretação de uma disposição nacional (neste caso, o § 7, n.o 1, primeiro período, da HWG) no sentido de que uma farmácia de venda por correspondência [estabelecida] noutro Estado‑Membro não pode atrair clientes mediante a organização de um sorteio, se a participação no [concurso promocional] depender da apresentação de uma receita médica de um medicamento para uso humano sujeito a [prescrição] médica, o prémio anunciado não for um medicamento[,] mas outro objeto (neste caso, uma bicicleta elétrica no valor de 2500 euros e escovas de dentes elétricas)[,] e não for de recear que esteja a ser promovida a utilização irracional ou excessiva de medicamentos?»

    Quanto à questão prejudicial

    18

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições constantes do título VIII da Diretiva 2001/83, em especial o artigo 87.o, n.o 3, desta, se opõem a uma regulamentação nacional que proíbe uma farmácia que vende medicamentos por correspondência de organizar uma campanha publicitária sob a forma de um concurso promocional por meio do qual os participantes podem ganhar objetos da vida corrente que não são medicamentos, estando a participação neste concurso subordinada ao envio de um pedido de encomenda de um medicamento para uso humano sujeito a prescrição médica, acompanhado dessa prescrição.

    19

    A este respeito, há que salientar que esta questão se baseia na premissa segundo a qual a Diretiva 2001/83 é aplicável ao litígio no processo principal.

    20

    O título VIII da Diretiva 2001/83, relativo à publicidade aos medicamentos, que comporta o artigo 87, n.o 3, desta, destina‑se a regulamentar o conteúdo da mensagem publicitária e as modalidades de publicidade para medicamentos determinados, mas não rege a publicidade para os serviços de venda por correspondência de medicamentos [v., neste sentido, Acórdão de 1 de outubro de 2020, A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) (C‑649/18, EU:C:2020:764, n.os 49 e 50)].

    21

    Ora, a questão submetida visa a proibição de um concurso promocional destinado a incitar os clientes a comprar, a uma determinada farmácia, não um medicamento determinado, mas qualquer medicamento que lhes tenha sido prescrito pelo seu médico. Por outras palavras, como a Câmara dos Farmacêuticos da Renânia do Norte salientou nas suas observações escritas, uma campanha publicitária como a que foi levada a cabo no presente caso pela DocMorris não visa influenciar a escolha de um determinado medicamento pelo cliente, mas a escolha da farmácia na qual esse cliente compra esse medicamento, escolha essa que se situa a jusante da escolha do medicamento. Não se trata, assim, de uma publicidade a um determinado medicamento, mas de uma publicidade a uma gama inteira de medicamentos sujeitos a prescrição médica e que a farmácia em questão coloca à venda.

    22

    Daqui resulta que uma campanha publicitária, como a que está em causa no processo principal, não é abrangida pelo âmbito de aplicação das disposições do título VIII da Diretiva 2001/83.

    23

    No entanto, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Por conseguinte, ainda que, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado a sua questão à interpretação de uma disposição específica do direito da União, essa circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (Acórdão de 18 de setembro de 2019, VIPA, C‑222/18, EU:C:2019:751, n.o 50 e jurisprudência referida).

    24

    No presente caso, contrariamente àquilo que vários interessados sustentaram nas suas respostas à questão para resposta escrita que o Tribunal de Justiça enviou às partes no processo e aos outros interessados, na aceção do artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, há que salientar que dos elementos fornecidos na decisão de reenvio não resulta que a interpretação da Diretiva 2000/31 seja pertinente para resolver o litígio no processo principal.

    25

    Com efeito, conforme resulta dos seus artigos 1.o e 2.o, esta diretiva visa os «serviços da sociedade da informação», definidos no seu artigo 2.o, alínea a), com referência ao artigo 1.o, primeiro parágrafo, ponto 2, da Diretiva 98/34, precisando esta última disposição que se trata de «qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços».

    26

    Ora, a questão colocada visa uma campanha publicitária para serviços de venda de medicamentos que não são fornecidos por via eletrónica, mas através de vendas por correspondência. Com efeito, resulta do prospeto publicitário em causa no processo principal, reproduzido no pedido de decisão prejudicial, que, para participar no concurso promocional em causa no processo principal, o cliente tinha de fazer a encomenda à DocMorris enviando‑lhe, num envelope pré‑franqueado, um formulário de encomenda impresso num suporte em papel, acompanhado da receita médica que prescrevia o medicamento encomendado, pelo que esta encomenda não era realizada através de um sítio de venda em linha.

    27

    É neste facto que, conforme, em substância, a Comissão Europeia salientou nas suas observações escritas, o presente processo se distingue daquele que deu origem ao Acórdão de 1 de outubro de 2020, A (Publicidade e venda de medicamentos em linha) (C‑649/18, EU:C:2020:764), que dizia respeito a uma campanha publicitária para serviços de venda em linha de medicamentos não sujeitos a prescrição médica obrigatória, efetuada tanto através de suportes físicos como por intermédio do sítio Internet da farmácia em causa.

    28

    Resulta das considerações precedentes que a proibição de organizar concursos promocionais que visem promover serviços de venda de medicamentos vendidos por correspondência não foi objeto de harmonização a nível da União Europeia, continuando a determinação das regras na matéria a ser da competência dos Estados‑Membros, sob reserva, nomeadamente, das liberdades fundamentais consagradas no Tratado FUE.

    29

    A este respeito, há que salientar que uma regulamentação nacional que proíbe a organização de um concurso destinado a promover a venda de medicamentos, como o que está em causa no processo principal, é suscetível de se reportar tanto à livre prestação de serviços, na medida em que tal regulamentação se aplica às farmácias que têm nomeadamente por atividade a venda a retalho de medicamentos e limita as formas que têm de dar a conhecer os seus serviços, incluindo a venda por correspondência, como à livre circulação de mercadorias, na medida em que enquadra uma certa forma de comercialização de medicamentos, em relação aos quais é facto assente que são abrangidos pelo conceito de «mercadorias», na aceção das disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação das mercadorias (v., neste sentido, Acórdão de 18 de setembro de 2019, VIPA, C‑222/18, EU:C:2019:751, n.os 57 e 60).

    30

    Quando uma medida nacional se reporta tanto à livre circulação de mercadorias como à livre prestação de serviços, o Tribunal de Justiça aprecia‑a, em princípio, à luz de apenas uma das duas liberdades fundamentais, se se verificar que uma delas é completamente secundária em relação à outra e lhe pode estar associada (Acórdão de 18 de setembro de 2019, VIPA, C‑222/18, EU:C:2019:751, n.o 58 e jurisprudência referida).

    31

    No presente caso, a HWG não diz respeito ao exercício da atividade de farmacêutico nem ao serviço de venda por correspondência enquanto tais, antes enquadrando uma certa forma de campanha publicitária para os medicamentos cuja venda é proposta. Além disso, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, a difusão de mensagens publicitárias relativas ao serviço de venda por correspondência de medicamentos, embora não vise promover medicamentos determinados, constitui um elemento secundário relativamente à promoção da venda destes medicamentos que é o objetivo final da campanha publicitária.

    32

    Na medida em que o aspeto da livre circulação das mercadorias prevalece, no presente caso, sobre o da livre prestação de serviços, há que atender às disposições do Tratado FUE relativas à primeira destas liberdades (v., por analogia, Acórdão de 25 de março de 2004, Karner, C‑71/02, EU:C:2004:181, n.o 47).

    33

    A livre circulação de mercadorias é um princípio fundamental do Tratado FUE que encontra a sua expressão na proibição, enunciada no artigo 34.o TFUE, das restrições quantitativas à importação entre os Estados‑Membros, bem como de quaisquer medidas de efeito equivalente (Acórdão de 19 de outubro de 2016, Deutsche Parkinson Vereinigung, C‑148/15, EU:C:2016:776, n.o 20).

    34

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a proibição, estabelecida no artigo 34.o TFUE, de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas visa qualquer medida dos Estados‑Membros suscetível de colocar entraves, direta ou indiretamente, atual ou potencialmente, às importações entre os Estados‑Membros (v., designadamente, Acórdãos de 11 de julho de 1974, Dassonville, 8/74, EU:C:1974:82, n.o 5, e de 19 de outubro de 2016, Deutsche Parkinson Vereinigung, C‑148/15, EU:C:2016:776, n.o 22 e jurisprudência referida).

    35

    A este respeito, há que recordar que não é suscetível de colocar entraves, direta ou indiretamente, atual ou potencialmente, ao comércio entre os Estados‑Membros, na aceção da jurisprudência referida no número anterior do presente acórdão, a aplicação a produtos provenientes de outros Estados‑Membros de disposições nacionais que limitam ou proíbem certas modalidades de venda, na dupla condição de, por um lado, se aplicarem a todos os operadores em causa que exercem a sua atividade no território nacional e, por outro, afetarem de maneira idêntica, tanto juridicamente como de facto, a comercialização dos produtos nacionais e a dos produtos provenientes de outros Estados‑Membros. Com efeito, desde que estas condições estejam preenchidas, a aplicação de regulamentações deste tipo à venda de produtos provenientes de outro Estado‑Membro e que obedeçam às regras aprovadas por esse Estado não é suscetível de impedir o seu acesso ao mercado ou de o dificultar mais do que dificulta o acesso dos produtos nacionais (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de novembro de 1993, Keck e Mithouard, C‑267/91 e C‑268/91, EU:C:1993:905, n.o 16, e de 21 de setembro de 2016, Etablissements Fr. Colruyt, C‑221/15, EU:C:2016:704, n.o 35 e jurisprudência referida).

    36

    O Tribunal de Justiça qualificou de «disposições que regulam modalidades de venda», na aceção do Acórdão de 24 de novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, EU:C:1993:905), as disposições que restringem, nomeadamente, as possibilidades de uma empresa fazer publicidade (v., neste sentido, Acórdão de 25 de março de 2004, Karner, C‑71/02, EU:C:2004:181, n.o 38 e jurisprudência referida).

    37

    Há que recordar que o § 7, n.o 1, primeiro período, da HWG, que está na base da proibição da campanha publicitária em causa no processo principal, visa regulamentar a oferta de benefícios e de outros prémios publicitários que tenham um valor pecuniário no domínio da venda de medicamentos. Daqui resulta que se deve considerar que tal disposição de direito nacional «regula modalidades de venda», na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    38

    Conforme resulta do Acórdão de 24 de novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, EU:C:1993:905), semelhante modalidade de venda só pode no entanto escapar ao âmbito de aplicação do artigo 34.o TFUE se preencher as duas condições enunciadas no n.o 35 do presente acórdão.

    39

    No que respeita à primeira destas condições, há que salientar que, no presente caso, a HWG se aplica indistintamente a todas as farmácias que vendam medicamentos no território alemão, independentemente de estarem estabelecidas no território da República Federal da Alemanha ou noutro Estado‑Membro.

    40

    Relativamente à segunda condição, há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou diversas vezes que disposições nacionais que proíbam certos tipos de publicidade em setores específicos afetam da mesma forma, tanto juridicamente como de facto, a comercialização dos produtos nacionais e a dos produtos provenientes de outros Estados‑Membros, pelo que constituem modalidades de venda que escapam ao âmbito de aplicação do artigo 34.o TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de dezembro de 1993, Hünermund e o., C‑292/92, EU:C:1993:932, n.os 21 e 22; de 9 de fevereiro de 1995, Leclerc‑Siplec, C‑412/93, EU:C:1995:26, n.os 21 a 24; e de 25 de março de 2004, Karner, C‑71/02, EU:C:2004:181, n.o 42). Foi o que sucedeu, em especial, com uma regra deontológica que proibia os farmacêuticos de fazerem publicidade, fora do seu local de trabalho, aos produtos parafarmacêuticos que estavam autorizados a comercializar (Acórdão de 15 de dezembro de 1993, Hünermund e o., C‑292/92, EU:C:1993:932, n.os 22 a 24).

    41

    É certo que o Tribunal de Justiça já declarou que não se pode excluir que uma proibição total, num Estado‑Membro, de uma forma de promoção de um produto, que nele é vendido de forma legal, tenha um impacto mais significativo nos produtos provenientes de outros Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de julho de 1997, De Agostini e TV‑Shop, C‑34/95 a C‑36/95, EU:C:1997:344, n.o 42, e de 8 de março de 2001, Gourmet International Products, C‑405/98, EU:C:2001:135, n.o 19).

    42

    No entanto, conforme resulta do n.o 21 do presente acórdão, uma proibição como a que foi criada pela HWG não visa a promoção de um produto determinado, no caso concreto de um medicamento, mas a promoção da venda por correspondência de todo o tipo de medicamentos, provenientes tanto da Alemanha como de outros Estados‑Membros.

    43

    Daqui resulta que as duas condições para a aplicação da jurisprudência decorrente do Acórdão de 24 de novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, EU:C:1993:905), conforme recordadas no n.o 35 do presente acórdão, estão plenamente preenchidas no que se refere a uma modalidade de venda como a que está em causa no processo principal.

    44

    Esta conclusão não contradiz as considerações que figuram no n.o 24 do Acórdão de 19 de outubro de 2016, Deutsche Parkinson Vereinigung (C‑148/15, EU:C:2016:776), evocado pelo órgão jurisdicional de reenvio. Uma proibição dos concursos que visem promover a venda de medicamentos tem consequências muito menos significativas para as farmácias de venda por correspondência do que a proibição total da concorrência através dos preços, que era o que estava em causa naquele acórdão. Além disso, tal proibição também afeta as farmácias convencionais, que também teriam interesse em promover a venda dos seus medicamentos através de concursos publicitários.

    45

    Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que, por um lado, a Diretiva 2001/83 deve ser interpretada no sentido de que não se aplica a uma regulamentação nacional que proíbe uma farmácia que vende medicamentos por correspondência de organizar uma campanha publicitária sob a forma de um concurso promocional por meio do qual os participantes podem ganhar objetos da vida corrente que não são medicamentos, estando a participação neste concurso subordinada ao envio de um pedido de encomenda de um medicamento para uso humano sujeito a prescrição médica, acompanhado dessa prescrição, e, por outro, o artigo 34.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a tal regulamentação nacional.

    Quanto às despesas

    46

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    1)

    A Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, conforme alterada pela Diretiva 2012/26/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, deve ser interpretada no sentido de que não se aplica a uma regulamentação nacional que proíbe uma farmácia que vende medicamentos par correspondência de organizar uma campanha publicitária sob a forma de um concurso promocional por meio do qual os participantes podem ganhar objetos da vida corrente que não são medicamentos, estando a participação neste concurso subordinada ao envio de um pedido de encomenda de um medicamento para uso humano sujeito a prescrição médica, acompanhado dessa prescrição.

     

    2)

    O artigo 34.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a tal regulamentação nacional.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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