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Document 62020CJ0145

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 14 de julho de 2022.
DS contra Porsche Inter Auto GmbH & Co KG e Volkswagen AG.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof.
Reenvio prejudicial – Aproximação das legislações – Regulamento (CE) n.° 715/2007 – Homologação dos veículos a motor – Artigo 5.°, n.° 2 – Dispositivo manipulador – Veículos a motor – Motor diesel – Sistema de controlo das emissões – Programa informático integrado na calculadora de controlo do motor – Válvula para recirculação dos gases de escape (válvula EGR) – Redução das emissões de óxido de azoto (NOx) limitada por uma “janela térmica” – Proibição da utilização de dispositivos manipuladores que reduzem a eficácia dos sistemas de controlo das emissões – Artigo 5.°, n.° 2, alínea a) – Exceção a esta proibição – Proteção dos consumidores – Diretiva 1999/44/CE – Venda bens de consumo e garantias a ela relativas – Artigo 2.°, n.° 2, alínea d) – Conceito de “bem que apresenta as qualidades e o desempenho habituais que o consumidor pode razoavelmente esperar em bens do mesmo tipo, atendendo à natureza do bem” – Veículo abrangido por uma homologação CE – Artigo 3.°, n.° 6 – Conceito de “falta de conformidade insignificante”.
Processo C-145/20.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:572

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

14 de julho de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Regulamento (CE) n.o 715/2007 — Homologação dos veículos a motor — Artigo 5.o, n.o 2 — Dispositivo manipulador — Veículos a motor — Motor diesel — Sistema de controlo das emissões — Programa informático integrado na calculadora de controlo do motor — Válvula para recirculação dos gases de escape (válvula EGR) — Redução das emissões de óxido de azoto (NOx) limitada por uma “janela térmica” — Proibição da utilização de dispositivos manipuladores que reduzem a eficácia dos sistemas de controlo das emissões — Artigo 5.o, n.o 2, alínea a) — Exceção a esta proibição — Proteção dos consumidores — Diretiva 1999/44/CE — Venda de bens de consumo e garantias a ela relativas — Artigo 2.o, n.o 2, alínea d) — Conceito de “bem que apresenta as qualidades e o desempenho habituais que o consumidor pode razoavelmente esperar em bens do mesmo tipo, atendendo à natureza do bem” — Veículo abrangido por uma homologação CE — Artigo 3.o, n.o 6 — Conceito de “falta de conformidade insignificante”»

No processo C‑145/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria), por Decisão de 17 de março de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de março de 2020, no processo

DS

contra

Porsche Inter Auto GmbH & Co. KG,

Volkswagen AG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, K. Jürimäe, C. Lycourgos e I. Ziemele, presidentes de secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot, F. Biltgen, P. G. Xuereb (relator), N. Piçarra e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de DS, por M. Poduschka, Rechtsanwalt,

em representação da Porsche Inter Auto GmbH & Co KG e da Volkswagen AG, por H. Gärtner, F. Gebert, F. Gonsior, C. Harms, N. Hellermann, F. Kroll, M. Lerbinger, S. Lutz‑Bachmann, L.‑K. Mannefeld, K.‑U. Opper, H. Posser, J. Quecke, K. Schramm, P. Schroeder, W. F. Spieth, J. von Nordheim, K. Vorbeck, B. Wolfers e B. Wollenschläger, Rechtsanwälte,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e D. Klebs, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Huttunen, M. Noll‑Ehlers e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de setembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 715/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2007, relativo à homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões dos veículos ligeiros de passageiros e comerciais (Euro 5 e Euro 6) e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção de veículos (JO 2007, L 171, p. 1), bem como do artigo 2.o, n.o 2, alínea d), e do artigo 3.o, n.o 6, da Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas (JO 1999, L 171, p. 12).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe DS à Porsche Inter Auto GmbH & Co. KG e à Volkswagen AG, a propósito do pedido de anulação de um contrato de compra e venda relativo a um veículo a motor equipado com um programa informático que reduz a recirculação dos gases poluentes desse veículo em função, nomeadamente, da temperatura detetada.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 1999/44

3

A Diretiva 1999/44 foi revogada pela Diretiva (UE) 2019/771 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019, relativa a certos aspetos dos contratos de compra e venda de bens, que altera o Regulamento (UE) 2017/2394 e a Diretiva 2009/22/CE e que revoga a Diretiva 1999/44/CE (JO 2019, L 136, p. 28), com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2022. Tendo em conta a data do litígio no processo principal, a Diretiva 1999/44 continua, no entanto, a ser‑lhe aplicável.

4

Os considerandos 1 e 10 a 12 da Diretiva 1999/44 enunciavam:

«(1)

Considerando que o [artigo 153.o, n.os 1 e 3, CE] estabelece que a Comunidade deve contribuir para a realização de um nível elevado de defesa dos consumidores através de medidas adotadas nos termos do artigo 95.o [CE];

[…]

(10)

Considerando que, em caso de não conformidade do bem com o contrato, os consumidores devem ter o direito de obter que os bens sejam tornados conformes com ele sem encargos, podendo escolher entre a reparação ou a substituição, ou, se isso não for possível, a redução do preço ou a rescisão do contrato;

(11)

Considerando desde logo que os consumidores podem exigir do vendedor a reparação ou a substituição do bem, a menos que isso se revele impossível ou desproporcionado; que a desproporção deve ser determinada objetivamente; que uma solução é desproporcionada se impuser custos excessivos em relação à outra solução; que, para que os custos sejam excessivos, devem ser significativamente mais elevados que os da outra forma de reparação do prejuízo;

(12)

Considerando que, em caso de falta de conformidade, o vendedor pode sempre oferecer ao consumidor, como solução, qualquer outra forma de reparação possível; que compete ao consumidor decidir se aceita ou rejeita essa proposta.»

5

O artigo 1.o, n.o 2, alínea f), desta diretiva previa:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

f)

“Reparação”: em caso de falta de conformidade, a reposição do bem de consumo em conformidade com o contrato de compra e venda.»

6

O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Conformidade com o contrato», dispunha, nos seus n.os 1 a 3:

«1.   O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.

2.   Presume‑se que os bens de consumo são conformes com o contrato, se:

a)

Forem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor e possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;

b)

Forem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceite;

c)

Forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;

d)

Apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.

3.   Não se considera existir falta de conformidade, na aceção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá‑la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.»

7

O artigo 3.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Direitos do consumidor», tinha a seguinte redação:

«1.   O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.

2.   Em caso de falta de conformidade, o consumidor tem direito a que a conformidade do bem seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, nos termos do n.o 3, a uma redução adequada do preço, ou à rescisão do contrato no que respeita a esse bem, nos termos dos n.os 5 e 6.

3.   Em primeiro lugar, o consumidor pode exigir do vendedor a reparação ou a substituição do bem, em qualquer dos casos sem encargos, a menos que isso seja impossível ou desproporcionado.

Presume‑se que uma solução é desproporcionada se implicar para o vendedor custos que, em comparação com a outra solução, não sejam razoáveis, tendo em conta:

o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade,

a importância da falta de conformidade,

e

a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.

A reparação ou substituição deve ser realizada dentro de um prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor o destina.

4.   A expressão “sem encargos” constante dos n.os 2 e 3 reporta‑se às despesas necessárias incorridas para repor o bem em conformidade, designadamente as despesas de transporte, de mão‑de‑obra e material.

5.   O consumidor pode exigir uma redução adequada do preço, ou a rescisão do contrato:

se o consumidor não tiver direito a reparação nem a substituição, ou

se o vendedor não tiver encontrado uma solução num prazo razoável, ou

se o vendedor não tiver encontrado uma solução sem grave inconveniente para o consumidor.

6.   O consumidor não tem direito à rescisão do contrato se a falta de conformidade for insignificante.»

Regulamento n.o 715/2007

8

Nos termos dos considerandos 1 e 4 a 7 do Regulamento n.o 715/2007:

«(1)

[…] Os requisitos técnicos para a homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões deverão […] ser harmonizados a fim de evitar que os Estados‑Membros apliquem requisitos divergentes e de assegurar um nível elevado de proteção do ambiente.

[…]

(4)

[São necessárias] novas reduções das emissões procedentes do setor dos transportes (aéreos, marítimos e rodoviários), dos agregados familiares e dos setores energético, agrícola e industrial para se atingirem os objetivos da [União Europeia] em matéria de qualidade do ar. Cumpre, neste contexto, abordar a questão da redução das emissões dos veículos como parte de uma estratégia global. As normas Euro 5 e Euro 6 são uma das medidas que visam a redução das emissões de partículas e de precursores do ozono, como sejam o óxido de azoto e os hidrocarbonetos.

(5)

Para atingir os objetivos da [União Europeia] em matéria de qualidade do ar, é necessário um esforço contínuo de redução das emissões dos veículos. […]

(6)

A fim de melhorar a qualidade do ar e de respeitar os valores-limite de poluição atmosférica, afigura‑se, sobretudo, necessária uma redução considerável das emissões de óxido de azoto dos veículos equipados com motor diesel. […]

(7)

Ao estabelecer normas para as emissões, é importante ter em conta as repercussões nos mercados e na competitividade dos fabricantes, os custos diretos e indiretos impostos às empresas e os benefícios que se obtêm em termos de incentivo à inovação, melhoria da qualidade do ar, redução das despesas com a saúde e aumento da esperança de vida, bem como as implicações para o balanço total das emissões de dióxido de carbono.»

9

O artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento prevê:

«O presente regulamento estabelece requisitos técnicos comuns para a homologação de veículos a motor (“veículos”) e de peças de substituição, tais como dispositivos de controlo da poluição de substituição, no que respeita às respetivas emissões.»

10

O artigo 3.o, ponto 10, do referido regulamento enuncia:

«Para efeitos do presente regulamento e das respetivas medidas de execução, entende‑se por:

[…]

10)

“Dispositivo manipulador” (defeat device), qualquer elemento sensível à temperatura, à velocidade do veículo, à velocidade do motor (RPM), às mudanças de velocidade, à força de aspiração ou a qualquer outro parâmetro e destinado a ativar, modular, atrasar ou desativar o funcionamento de qualquer parte do sistema de controlo das emissões, de forma a reduzir a eficácia desse sistema em circunstâncias que seja razoável esperar que se verifiquem durante o funcionamento e a utilização normais do veículo.»

11

O artigo 4.o, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento tem a seguinte redação:

«1.   Os fabricantes devem demonstrar que todos os novos veículos vendidos, matriculados ou postos em circulação na Comunidade estão homologados em conformidade com o disposto no presente regulamento e nas respetivas medidas de execução. Os fabricantes devem igualmente demonstrar que todos os novos dispositivos de controlo da poluição de substituição sujeitos a homologação e que sejam vendidos ou entrem em circulação na Comunidade estão homologados em conformidade com o disposto no presente regulamento e respetivas medidas de execução.

Estas obrigações abrangem a observância dos limites de emissão definidos no anexo I e das medidas de execução referidas no artigo 5.o

2.   Os fabricantes devem garantir que sejam respeitados os procedimentos de homologação destinados a verificar a conformidade da produção, a durabilidade dos dispositivos de controlo da poluição e a conformidade em circulação.

Além disso, as medidas técnicas adotadas pelos fabricantes deverão ser adequadas para garantir que as emissões do tubo de escape e resultantes da evaporação sejam eficazmente limitadas, nos termos do presente regulamento, ao longo da vida normal dos veículos e em condições de uso normais. […]

[…]»

12

O artigo 5.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 715/2007 dispõe:

«1.   O fabricante deve equipar os veículos de forma a que os componentes suscetíveis de afetar as emissões sejam concebidos, construídos e montados de modo a permitir que o veículo cumpra, em utilização normal, o disposto no presente regulamento e nas respetivas medidas de execução.

2.   A utilização de dispositivos manipuladores que reduzam a eficácia dos sistemas de controlo das emissões é proibida. A proibição não se aplica:

a)

Se se justificar a necessidade desse dispositivo para proteger o motor de danos ou acidentes e para garantir um funcionamento seguro do veículo;

b)

Se esse dispositivo não funcionar para além do necessário ao arranque do motor;

ou

c)

Se as condições estiverem substancialmente incluídas nos processos de ensaio para verificação das emissões por evaporação e da média das emissões pelo tubo de escape.»

13

O anexo I deste regulamento, intitulado «Limites de emissão», prevê, nomeadamente, os valores-limite de emissão de óxido de azoto (NOx).

Regulamento n.o 692/2008

14

O Regulamento (CE) n.o 692/2008 da Comissão, de 18 de julho de 2008, que executa e altera o Regulamento n.o 715/2007 (JO 2008, L 199, p. 1), foi alterado pelo Regulamento (UE) n.o 566/2011 da Comissão, de 8 de junho de 2011 (JO 2011, L 158, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 692/2008»). A partir de 1 de janeiro de 2022, o Regulamento n.o 692/2008 foi revogado pelo Regulamento (UE) 2017/1151 da Comissão, de 1 de junho de 2017, que completa o Regulamento n.o 715/2007, que altera a Diretiva 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, o Regulamento n.o 692/2008 e o Regulamento (UE) n.o 1230/2012 da Comissão e revoga o Regulamento n.o 692/2008 (JO 2017, L 175, p. 1). No entanto, tendo em conta a data dos factos do litígio no processo principal, o Regulamento n.o 692/2008 continua a ser‑lhe aplicável.

15

O artigo 10.o do Regulamento n.o 692/2008, sob a epígrafe «Dispositivos de controlo da poluição», previa, no seu n.o 1:

«O fabricante deve garantir que os dispositivos de substituição para controlo da poluição destinados a equiparem veículos com homologação CE abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.o 715/2007 também recebam a homologação CE, enquanto unidades técnicas na aceção do n.o 2 do artigo 10.o da Diretiva 2007/46/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que estabelece um quadro para a homologação dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos (“Diretiva‑Quadro”) (JO 2007, L 263, p. 1)], nos termos dos artigos 12.o e 13.o e do anexo XIII do presente regulamento.

Para efeitos do presente regulamento, os catalisadores e os filtros de partículas são considerados dispositivos de controlo da poluição.

[…]»

16

O anexo I do Regulamento n.o 692/2008, intitulado «Disposições administrativas relativas à homologação CE», enunciava, no ponto 3.3, intitulado «Extensões relativas à durabilidade dos dispositivos de controlo da poluição (ensaio de tipo 5)»:

«3.3.1.

A homologação deve ser objeto de extensão a diferentes modelos de veículos, desde que os parâmetros abaixo enunciados relativos ao veículo, ao motor ou ao sistema de controlo da poluição sejam idênticos ou respeitem as tolerâncias previstas:

3.3.1.1.

Veículo:

[…]

3.3.1.2.

Motor

[…]

3.3.1.3.

Parâmetros relativos ao sistema de controlo da poluição:

a)

Catalisadores e filtros de partículas:

[…]

[…]

c)

Recirculação dos gases de escape (EGR):

com ou sem

Tipo (arrefecidos ou não, controlo ativo ou passivo, alta pressão ou baixa pressão).

[…]»

Diretiva 2007/46

17

A Diretiva 2007/46, conforme alterada pelo Regulamento (UE) n.o 1229/2012 da Comissão, de 10 de dezembro de 2012 (JO 2012, L 353, p. 1) (a seguir «Diretiva 2007/46») foi revogada pelo Regulamento (UE) 2018/858 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, relativo à homologação e à fiscalização do mercado dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a esses veículos, que altera os Regulamentos (CE) n.o 715/2007 e (CE) n.o 595/2009, e revoga a Diretiva 2007/46/CE (JO 2018, L 151, p. 1), com efeitos a 1 de setembro de 2020. No entanto, tendo em conta a data dos factos do litígio no processo principal, esta diretiva continua a ser‑lhe aplicável.

18

Nos termos do considerando 3 da referida diretiva:

«Os requisitos técnicos aplicáveis a sistemas, componentes, unidades técnicas e veículos deverão ser harmonizados e especificados em atos regulamentares, que deverão ter como principal objetivo assegurar um elevado nível de segurança rodoviária, de proteção da saúde e do ambiente, de eficiência energética e de proteção contra a utilização não autorizada.»

19

O artigo 1.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Objeto», enunciava:

«A presente diretiva estabelece um quadro harmonizado que contém as disposições administrativas e os requisitos técnicos gerais aplicáveis à homologação de todos os veículos novos que sejam abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, bem como à homologação de sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a esses veículos, no intuito de facilitar a respetiva matrícula, venda e entrada em circulação na Comunidade.

[…]

Os requisitos técnicos específicos relativos ao fabrico e ao funcionamento dos veículos devem ser estabelecidos em aplicação da presente diretiva em atos regulamentares, cuja lista exaustiva consta do anexo IV.»

20

O artigo 3.o da Diretiva 2007/46, sob a epígrafe «Definições», previa, nos seus pontos 5 e 36:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva e nos atos regulamentares enumerados no anexo IV, salvo disposição em contrário neles prevista, entende‑se por:

[…]

5.

“Homologação CE”, o procedimento através do qual um Estado‑Membro certifica que um modelo de veículo ou tipo de sistema, de componente ou de unidade técnica cumpre as disposições administrativas e os requisitos técnicos aplicáveis constantes da presente diretiva e dos atos regulamentares enumerados nos anexos IV ou XI;

[…]

36.

“Certificado de conformidade”, o documento constante do anexo IX, emitido pelo fabricante, que certifica que um determinado veículo de uma série de um modelo homologado nos termos da presente diretiva está conforme com todos os atos regulamentares aquando da sua produção.»

21

O artigo 4.o desta diretiva, sob a epígrafe «Obrigações dos Estados‑Membros», dispunha:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que os fabricantes que apresentem um pedido de homologação cumpram as obrigações que sobre eles impendem por força da presente diretiva.

2.   Os Estados‑Membros devem homologar apenas os veículos, sistemas, componentes ou unidades técnicas que cumpram os requisitos da presente diretiva.

3.   Os Estados‑Membros só devem matricular e autorizar a venda ou entrada em circulação dos veículos, componentes e unidades técnicas que cumpram os requisitos da presente diretiva.

[…]»

22

O artigo 8.o, n.o 6, da referida diretiva tinha a seguinte redação:

«A entidade homologadora deve informar, de imediato, as entidades homologadoras dos outros Estados‑Membros de qualquer decisão de recusa ou de revogação da homologação de um veículo e respetivos fundamentos.»

23

Nos termos do artigo 13.o, n.o 1, da mesma diretiva:

«O fabricante deve informar, de imediato, o Estado‑Membro que concedeu a homologação CE de qualquer alteração das informações registadas no dossier de homologação. Esse Estado‑Membro deve decidir, nos termos das regras previstas no presente capítulo, qual o procedimento a seguir. Caso seja necessário, o Estado‑Membro pode decidir, em consulta com o fabricante, que tem de ser concedida uma nova homologação CE.»

24

O artigo 18.o da Diretiva 2007/46, sob a epígrafe «Certificado de conformidade», enunciava, no seu n.o 1:

«O fabricante, na sua qualidade de titular de um certificado de homologação CE de um veículo, deve entregar um certificado de conformidade a acompanhar cada veículo completo, incompleto ou completado, fabricado em conformidade com o modelo do veículo homologado.

[…]»

25

O artigo 26.o desta diretiva, sob a epígrafe «Matrícula, venda e entrada em circulação de veículos», previa, no n.o 1:

«Sem prejuízo do disposto nos artigos 29.o e 30.o, os Estados‑Membros só autorizam a matrícula, a venda ou a entrada em circulação de veículos se estes estiverem acompanhados de um certificado de conformidade válido emitido nos termos do artigo 18.o

[…]»

26

O anexo IV desta diretiva, intitulado «Requisitos para efeitos de homologação CE de veículos», referia‑se, na parte I, intitulada «Atos regulamentares para efeitos de homologação CE de veículos produzidos em séries não‑limitadas», ao Regulamento n.o 715/2007 no que respeita às «[e]missões (Euro 5 e 6) veículos ligeiros/acesso à informação».

Direito austríaco

27

O § 922, n.o 1, do Allgemeines bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Geral), na sua versão aplicável ao processo principal (a seguir «ABGB»), dispõe:

«Quem transmitir um bem a outrem a título oneroso garante que o bem está em conformidade com o contrato. Assume, portanto, a responsabilidade de que o bem apresente as características contratadas ou habitualmente previstas, corresponda à sua descrição, a uma amostra ou a um modelo e que possa ser utilizado em conformidade com a natureza do negócio ou do compromisso assumido.»

28

O § 932, n.os 1 e 4, do ABGB enuncia:

«(1)   Em caso de defeito do bem, o comprador pode exigir a correção do defeito (reparação ou entrega do que estiver em falta), a substituição do bem, uma redução adequada da contrapartida (redução do preço) ou a anulação do contrato (redibição).

[…]

(4)   Se a reparação ou a substituição do bem não forem possíveis ou implicarem um custo desproporcionado para o vendedor, o comprador tem o direito de reduzir o preço e, se o defeito não for de menor importância, pode anular o contrato. […]»

Direito alemão

29

O § 25, n.o 2, da Verordnung über die EG‑Genehmigung für Kraftfahrzeuge und ihre Anhänger sowie für Systeme, Bauteile und selbstständige technische Einheiten für diese Fahrzeuge (EG‑Fahrzeuggenehmigungsverordnung) [Regulamento relativo à homologação CE para os veículos a motor e seus reboques, bem como para os sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos (Regulamento sobre a homologação CE dos veículos a motor)] (a seguir «EG‑FGV») tem a seguinte redação:

«A fim de sanar deficiências que se tenham manifestado e de garantir a conformidade de veículos já em circulação, de unidades técnicas autónomas ou de componentes, o Organismo Federal dos veículos a motor pode impor a posteriori disposições acessórias.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

30

Em 21 de dezembro de 2013, DS, um consumidor, adquiriu um veículo da marca Volkswagen, equipado com um motor diesel de tipo EA 189 da geração Euro 5, na Porsche Inter Auto, um concessionário automóvel independente da Volkswagen.

31

Esse veículo estava equipado com um programa informático que fazia funcionar o sistema de recirculação dos gases de escape segundo dois modos (a seguir «sistema de comutação»). O primeiro modo era unicamente ativado durante o teste de homologação, denominado «New European Driving Cycle» (NEDC), efetuado em laboratório. Neste modo, a percentagem de recirculação dos gases de escape era mais elevada do que no segundo modo, ativado em condições reais de condução. O tipo de veículo em causa foi homologado pelo Kraftfahrt‑Bundesamt (Organismo Federal para a circulação de veículos a motor, Alemanha, a seguir «KBA»), autoridade competente em matéria de homologação na Alemanha. Esta autoridade não foi informada da existência do sistema de comutação.

32

Resulta da decisão de reenvio que se o KBA tivesse tido conhecimento deste sistema, não teria homologado esse tipo de veículo. Resulta igualmente da decisão de reenvio que DS teria adquirido o veículo em causa mesmo que tivesse tido conhecimento do referido sistema.

33

Por Decisão de 15 de outubro de 2015, adotada com fundamento no § 25, n.o 2, do EG‑FGV, o KBA ordenou à Volkswagen que retirasse o sistema de comutação a fim de restabelecer a conformidade dos motores de tipo EA 189 da geração Euro 5 com o Regulamento n.o 715/2007. Por carta de 20 de dezembro de 2016, o KBA informou a Volkswagen de que a atualização proposta do programa informático referido no n.o 31 do presente acórdão (a seguir «atualização do programa informático») era suscetível de restabelecer essa conformidade. Subsequentemente, a homologação CE do veículo em causa não foi revogada nem retirada pelo KBA.

34

Em 15 de fevereiro de 2017, DS procedeu à atualização do programa informático no seu veículo. Esta atualização substituiu o sistema de comutação por uma programação que ativava o modo de redução das emissões não só durante o teste de homologação referido no n.o 31 do presente acórdão mas também em caso de utilização do veículo na estrada. Todavia, a recirculação dos gases de escape só era plenamente eficaz quando a temperatura exterior se situava entre 15 e 33 graus Celsius (a seguir «janela térmica»).

35

DS intentou uma ação no Landesgericht Linz (Tribunal Regional de Linz, Áustria) destinada a obter, a título principal, o reembolso do preço de aquisição do veículo em causa em contrapartida da sua restituição, a título subsidiário, uma redução do preço desse veículo e, a título ainda mais subsidiário, a declaração da responsabilidade da Porsche Inter Auto e da Volkswagen pelos danos decorrentes da instalação de um dispositivo manipulador ilícito, na aceção do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007.

36

Por Sentença de 12 de dezembro de 2018, esse órgão jurisdicional julgou a referida ação improcedente.

37

Por Acórdão de 4 de abril de 2019, o Oberlandesgericht Linz (Tribunal Regional Superior de Linz, Áustria) confirmou essa sentença.

38

DS interpôs recurso de Revision desse acórdão no Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria), o órgão jurisdicional de reenvio, com o fundamento de que o veículo em causa tinha um defeito, dado que o sistema de comutação constituía um dispositivo manipulador ilícito na aceção do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007. Segundo DS, uma vez que a atualização do programa informático não corrigiu esse defeito, o veículo corria o risco de perder o seu valor e de sofrer danos resultantes dessa atualização.

39

A Porsche Inter Auto e a Volkswagen alegam que a janela térmica constitui um dispositivo manipulador lícito em aplicação do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007. Esta apreciação é partilhada pelo KBA.

40

O órgão jurisdicional de reenvio considera que o sistema de comutação é um dispositivo manipulador ilícito na aceção do artigo 3.o, ponto 10, e do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007. Em todo o caso, o veículo em causa tinha um defeito na aceção do § 922 do ABGB, pelo facto de não ter sido dado conhecimento desse dispositivo manipulador ao KBA.

41

Neste contexto, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se, tendo em conta a obrigação de entregar um veículo sem o referido dispositivo de manipulação, o veículo em causa apresentava uma falta de conformidade na aceção da Diretiva 1999/44. Se assim fosse, seria necessário, em seu entender, verificar se esse veículo ainda estava equipado com dispositivo manipulador ilícito após a atualização do programa informático que fazia funcionar o sistema de recirculação dos gases de escape e precisar os efeitos jurídicos da eventual persistência de tal defeito após a atualização do programa informático.

42

Mais precisamente, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre se, na hipótese de o veículo em causa, apesar de dispor de uma homologação CE, estar equipado com um dispositivo manipulador cuja utilização é proibida por força do artigo 3.o, ponto 10, e do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, o referido veículo apresenta as qualidades que o consumidor pode razoavelmente esperar em bens do mesmo tipo, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 1999/44 e, assim, deve presumir‑se que é conforme com o contrato. A este respeito, o referido órgão jurisdicional entende que, tratando‑se de um produto, como um veículo, que deve cumprir exigências regulamentares, o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, espera efetivamente que essas exigências sejam respeitadas. O facto de os veículos deverem ser objeto de um procedimento de homologação não obsta necessariamente a esta interpretação do referido artigo 2.o, n.o 2, alínea d).

43

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a janela térmica pode estar abrangida pela exceção prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007, que a Porsche Inter Auto e a Volkswagen invocam, ou se, em todo o caso, essa possibilidade está excluída, como alega a DS. A este respeito, esse órgão jurisdicional declara que, tendo em conta o objetivo de proteção do ambiente decorrente dos considerandos 1 e 6 do Regulamento n.o 715/2007, as exceções previstas nesse artigo 5.o, n.o 2, devem ser objeto de uma interpretação estrita. Ora, segundo o referido órgão jurisdicional, na medida em que é notório que, numa parte do território da União, que inclui a Áustria, a temperatura média é inferior a 15 graus Celsius durante vários meses por ano, a temperatura exterior em que a recirculação dos gases de escape de um veículo como o que está em causa no processo principal é plenamente eficaz não é, assim, atingida, em média, durante uma grande parte do ano. Nestas condições, afigura‑se impossível justificar a abrigo de uma dessas exceções um dispositivo manipulador que funciona de modo tão frequente.

44

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se a presença, num veículo, de um dispositivo manipulador na aceção do artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento n.o 715/2007, cuja utilização é proibida por força do artigo 5.o, n.o 2, deste regulamento, pode ser qualificada de falta de conformidade insignificante na aceção do artigo 3.o, n.o 6, da Diretiva 1999/44, uma vez que, mesmo que tivesse tido conhecimento da existência e do funcionamento desse dispositivo, o consumidor em causa teria, ainda assim, adquirido esse veículo.

45

Nestas condições, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva [1999/44] ser interpretado no sentido de que um veículo a motor abrangido pelo âmbito de aplicação do [Regulamento n.o 715/2007] apresenta as qualidades habituais que o consumidor pode razoavelmente esperar em bens do mesmo tipo, quando o veículo está equipado com um dispositivo manipulador proibido, na aceção do artigo 3.o, ponto 10, e do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, mas o tipo do veículo dispõe de uma homologação CE válida, de modo que pode ser usado no tráfego rodoviário?

2)

Deve o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento [n.o 715/2007] ser interpretado no sentido de que um dispositivo manipulador na aceção do artigo 3.o, ponto 10, deste regulamento, construído de modo que a recirculação dos gases de escape, fora do funcionamento em ensaios e em condições laboratoriais, só é completamente utilizada em condições normais de funcionamento se as temperaturas exteriores se situarem [dentro da janela térmica], pode ser permitido nos termos do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento, ou a referida disposição derrogatória não é aplicável à partida porque a eficácia plena da recirculação dos gases de escape só é atingida em condições que, em certas partes da União Europeia, só se verificam eventualmente em metade do ano?

3)

Deve o artigo 3.o, n.o 6, da Diretiva 1999/44 ser interpretado no sentido de que uma falta de conformidade com o contrato que consiste em equipar um veículo a motor com um dispositivo manipulador proibido pelo artigo 3.o, ponto 10, conjugado com o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, deve ser considerada insignificante na aceção da referida disposição[,] quando o adquirente, tendo conhecimento da sua existência e do seu modo de funcionamento, teria, apesar disso, adquirido o veículo?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

46

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que um veículo a motor abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 715/2007 apresenta as qualidades habituais que o consumidor pode razoavelmente esperar em bens do mesmo tipo e deve, assim, presumir‑se que é conforme com o contrato de compra e venda de que foi objeto, se, apesar de dispor de uma homologação CE válida e poder, por conseguinte, ser utilizado no tráfego rodoviário, esse veículo estiver equipado com um dispositivo manipulador cuja utilização é proibida por força do artigo 5.o, n.o 2, do referido regulamento.

47

O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 1999/44 impõe ao vendedor a obrigação de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.

48

Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea d), desta diretiva, presume‑se que os bens de consumo são conformes com o contrato, se apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, nomeadamente, atendendo à natureza do bem.

49

No que respeita a um bem como o que está em causa no processo principal, designadamente, um veículo a motor, importa recordar que o artigo 3.o, ponto 5, da Diretiva 2007/46 define «[h]omologação CE» como o «procedimento através do qual um Estado‑Membro certifica que um modelo de veículo ou tipo de sistema, de componente ou de unidade técnica cumpre as disposições administrativas e os requisitos técnicos aplicáveis constantes da presente diretiva e dos atos regulamentares enumerados nos anexos IV ou XI». O referido anexo IV, intitulado «Requisitos para efeitos de homologação CE de veículos», refere, na sua parte I, intitulada «Atos regulamentares para efeitos de homologação CE de veículos produzidos em séries não‑limitadas», o Regulamento n.o 715/2007 no que respeita às «[e]missões (Euro 5 e 6) de veículos ligeiros/acesso à informação».

50

Importa igualmente recordar que o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da referida diretiva enuncia que os Estados‑Membros só devem matricular e autorizar a venda ou entrada em circulação dos veículos que cumpram os requisitos da mesma diretiva.

51

Por último, o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 715/2007 prevê que os fabricantes devem demonstrar que todos os novos veículos vendidos, matriculados ou postos em circulação na União estão homologados em conformidade com o disposto no referido regulamento e nas respetivas medidas de execução.

52

Decorre das disposições referidas nos n.os 49 a 51 do presente acórdão, por um lado, que os veículos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2007/46 devem ser objeto de homologação e, por outro, que esta homologação só pode ser concedida se o tipo de veículo em causa cumprir as disposições do Regulamento n.o 715/2007, nomeadamente, as relativas às emissões, das quais faz parte o artigo 5.o deste regulamento.

53

Além disso, nos termos do artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2007/46, o fabricante, na sua qualidade de titular de um certificado de homologação CE, deve entregar um certificado de conformidade a acompanhar cada veículo completo, incompleto ou completado, fabricado em conformidade com o modelo do veículo homologado. Em conformidade com o artigo 26.o, n.o 1, desta diretiva, este certificado é obrigatório para efeitos de matrícula e venda ou entrada em circulação de um veículo.

54

Quando adquire um veículo que pertence à série de um modelo de veículo homologado e, assim, acompanhado de um certificado de conformidade, um consumidor pode razoavelmente esperar que o Regulamento n.o 715/2007 e, nomeadamente, o seu artigo 5.o seja respeitado no que se refere a esse veículo, mesmo na falta de cláusulas contratuais específicas.

55

Por conseguinte, o artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que um veículo que não seja conforme aos requisitos do referido artigo 5.o não apresenta as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza desse bem na aceção do referido artigo 2.o, n.o 2, alínea d).

56

Como salientou o advogado‑geral no n.o 149 das suas conclusões, esta interpretação não é posta em causa pelo facto de o tipo de veículo em questão ter sido objeto de uma homologação CE, que lhe permite ser utilizado no tráfego rodoviário. Com efeito, a Diretiva 2007/46 prevê a situação em que a ilicitude de um elemento de um veículo, à luz, por exemplo, dos requisitos do artigo 5.o do Regulamento n.o 715/2007, só é descoberta após essa homologação. Assim, o artigo 8.o, n.o 6, desta diretiva prevê que a autoridade competente em matéria de homologação pode anular a homologação de um veículo. Além disso, decorre do artigo 13.o, n.o 1, primeiro e terceiro períodos, da referida diretiva que, quando um fabricante informe um Estado‑Membro que concedeu a homologação CE de uma alteração das informações registadas no dossier de homologação, esse Estado‑Membro, caso seja necessário, pode decidir, em consulta com o fabricante, que tem de ser concedida uma nova homologação CE.

57

Parece ser o que sucede no caso em apreço, uma vez que resulta da decisão de reenvio que o tipo de veículo em causa no processo principal foi inicialmente homologado pelo KBA sem que este tivesse sido informado da existência do sistema de comutação. Além disso, resulta dessa decisão que se o KBA tivesse tido conhecimento deste sistema, não teria procedido à homologação CE deste tipo de veículo.

58

Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que um veículo a motor abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 715/2007 não apresenta as qualidades habituais que o consumidor pode razoavelmente esperar em bens do mesmo tipo, se, apesar de dispor de uma homologação CE válida e poder, por conseguinte, ser utilizado no tráfego rodoviário, esse veículo estiver equipado com um dispositivo manipulador cuja utilização é proibida pelo artigo 5.o, n.o 2, do referido regulamento.

Quanto à segunda questão

59

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo manipulador, que só garante, nomeadamente, o respeito dos valores-limite de emissão previstos por esse regulamento dentro da janela térmica, de modo que, numa parte do território da União, essa recirculação apenas está plenamente operacional durante cerca de seis meses por ano, pode ser justificado ao abrigo da referida disposição.

60

Nos termos do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, a utilização de dispositivos manipuladores que reduzam a eficácia dos sistemas de controlo das emissões é proibida. No entanto, há três exceções a esta proibição, entre as quais a que figura nesse artigo 5.o, n.o 2, alínea a), designadamente, «[s]e se justificar a necessidade desse dispositivo para proteger o motor de danos ou acidentes e para garantir um funcionamento seguro do veículo».

61

Na medida em que enuncia uma exceção à proibição de utilização de dispositivos manipuladores que reduzem a eficácia dos sistemas de controlo das emissões, esta disposição deve ser objeto de interpretação estrita [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.os 111 e 112].

62

No que respeita, antes de mais, ao conceito de «motor», como salientou o advogado‑geral nos n.os 118 e 119 das suas conclusões, o anexo I do Regulamento n.o 692/2008 estabelece uma diferenciação explícita entre o motor e o sistema de controlo da poluição. Com efeito, os requisitos relativos ao «[m]otor» são enunciados no ponto 3.3.1.2 deste anexo, ao passo que os requisitos relativos aos «[p]arâmetros do sistema de controlo da poluição» são enunciados no ponto 3.3.1.3 do referido anexo. Este último ponto, alíneas a) e c), inclui expressamente os filtros de partículas e a recirculação dos gases de escape. Além disso, segundo o artigo 10.o, n.o 1, segundo parágrafo, deste regulamento, para efeitos deste último, os filtros de partículas são considerados dispositivos de controlo da poluição.

63

Por conseguinte, a válvula EGR, o refrigerador EGR e o filtro de partículas diesel, que a janela térmica visa proteger, segundo a Porsche Inter Auto, constituem componentes distintos do motor. Com efeito, a válvula EGR situa‑se à saída do motor, a seguir ao coletor de escape. Quando é aberta, esta válvula permite que os gases de escape passem para o coletor de admissão, para serem queimados uma segunda vez e arrefecidos através de um permutador térmico, o refrigerador EGR. O filtro de partículas, que se situa antes do tubo de escape, permite, por sua vez, filtrar o ar a fim de reter partículas finas poluentes.

64

No que respeita, em seguida, aos conceitos de «acidente» e de «danos», que figuram no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007, o Tribunal de Justiça declarou que, para poder ser justificado em conformidade com esta disposição, um dispositivo manipulador que reduz a eficácia do sistema de controlo das emissões deve permitir proteger o motor de danos súbitos e excecionais [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 109)].

65

Por conseguinte, a acumulação de sujidade e o envelhecimento do motor não podem, em todo o caso, ser considerados um «acidente» ou um «dano» na aceção da referida disposição, uma vez que esses acontecimentos são, em princípio, previsíveis e inerentes ao funcionamento normal de um veículo [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 110].

66

Esta interpretação é corroborada pelo objetivo visado pelo Regulamento n.o 715/2007, que consiste em assegurar um nível elevado de proteção do ambiente e melhorar a qualidade do ar na União, o que implica uma redução efetiva das emissões de óxido de azoto (NOx) ao longo da vida normal dos veículos. Com efeito, a proibição prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do referido regulamento ficaria esvaziada da sua substância e privada de todo o efeito útil se os fabricantes fossem autorizados a equipar os veículos automóveis com tais dispositivos manipuladores com o único objetivo de proteger o motor contra a acumulação de sujidade e o envelhecimento [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 113].

67

Apenas os riscos imediatos de danos ou de acidente no motor que geram um perigo concreto durante a condução de um veículo são, assim, suscetíveis de justificar a utilização de um dispositivo manipulador, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007.

68

A interpretação do termo «dano», dada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel) (C‑693/18, EU:C:2020:1040), não é posta em causa pelo argumento do Governo alemão e da Porsche Inter Auto segundo o qual resulta das versões deste termo nas línguas inglesa («damage») e alemã («Beschädigung») que o referido termo não abrange apenas acontecimentos súbitos e imprevisíveis.

69

Com efeito, por um lado, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 115 das suas conclusões, embora, diferentemente da definição desse termo na língua francesa, as definições do mesmo nas línguas inglesa e alemã não impliquem necessariamente que o dano seja devido a um acontecimento «súbito», não infirmam a interpretação do termo «dano» adotada pelo Tribunal de Justiça. Por outro lado, importa recordar que a interpretação estrita adotada pelo Tribunal de Justiça se baseia nos motivos recordados nos n.os 61 e 66 do presente acórdão.

70

No entanto, o Governo alemão, a Porsche Inter Auto e a Volkswagen alegam que o dispositivo manipulador em causa é justificado uma vez que, em caso de temperaturas demasiado baixas ou demasiado elevadas, podem formar‑se depósitos, durante a recirculação dos gases de escape, suscetíveis de conduzir a um mau posicionamento da válvula EGR, a saber, por exemplo, uma válvula que deixa de abrir ou de fechar corretamente, ou mesmo a um bloqueio total dessa válvula. Ora, uma válvula EGR danificada ou mal posicionada pode causar danos ao próprio motor e conduzir, nomeadamente, a perdas de potência do veículo. Além disso, é impossível prever e calcular o momento em que o limiar de falha da válvula EGR é atingido, dado que este limiar pode ser ultrapassado de forma súbita e imprevisível, mesmo que se efetue uma manutenção regular dessa válvula. As perdas de potência do veículo, que ocorram de modo súbito e imprevisível, afetam o seu funcionamento seguro, por exemplo, aumentando consideravelmente o risco de acidente grave da circulação durante uma manobra de ultrapassagem.

71

Além disso, a Porsche Inter Auto e a Volkswagen alegam que a acumulação de sujidade nos componentes do sistema de recirculação dos gases de escape, ao provocar um mau funcionamento da válvula EGR que pode ir até ao seu bloqueio, é suscetível de causar a combustão do filtro de partículas e o incêndio do motor, ou mesmo, consequentemente, o incêndio de todo o veículo, o que comprometeria o funcionamento seguro do veículo.

72

A este respeito, há que salientar que resulta da própria redação do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 que, para ser abrangida pela exceção prevista nesta disposição, a necessidade de um dispositivo manipulador deve ser justificada não só em termos de proteção do motor contra danos ou acidentes mas também para garantir um funcionamento seguro do veículo. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 106 das suas conclusões, tendo em conta a utilização, na referida disposição, da conjunção «e», esta deve ser interpretada no sentido de que as condições que prevê são cumulativas.

73

Por conseguinte, e tendo em conta, conforme foi sublinhado no n.o 61 do presente acórdão, a interpretação estrita que deve ser dada a esta exceção, um dispositivo manipulador como o que está em causa no processo principal só pode ser justificado ao abrigo da referida exceção caso se demonstre que esse dispositivo responde estritamente à necessidade de evitar os riscos imediatos de danos ou de acidente no motor, ocasionados por um mau funcionamento de um componente do sistema de recirculação dos gases de escape, de uma gravidade tal, que gerem um perigo concreto durante a condução do veículo equipado com o referido dispositivo. No entanto, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 126 das suas conclusões, essa verificação está abrangida, no litígio no processo principal, pela apreciação dos factos que incumbe exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio.

74

Além disso, embora seja verdade que o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 não impõe formalmente outros requisitos para efeitos da aplicação da exceção prevista nesta disposição, não é menos verdade que um dispositivo manipulador que deva, em condições normais de circulação, funcionar durante a maior parte do ano para que o motor seja protegido de danos ou de um acidente e para que seja garantido um funcionamento seguro do veículo, seria manifestamente contrário ao objetivo prosseguido por este regulamento, que a referida disposição apenas permite derrogar em circunstâncias muito específicas, e conduziria a uma violação desproporcionada do próprio princípio da limitação das emissões de óxido de azoto (NOx) pelos veículos.

75

Tendo em conta a interpretação estrita que deve ser dada a este artigo 5.o, n.o 2, alínea a), tal dispositivo manipulador não pode, portanto, ser justificado ao abrigo desta disposição.

76

Admitir que um dispositivo manipulador como o descrito no n.o 74 do presente acórdão possa estar abrangido pela exceção prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 acabaria por tornar esta exceção aplicável durante a maior parte do ano nas condições reais de condução existentes no território da União, de modo que o princípio da proibição desses dispositivos manipuladores, estabelecido neste artigo 5.o, n.o 2, poderia, na prática, ser aplicado menos frequentemente do que a referida exceção.

77

Por outro lado, a Porsche Inter Auto, a Volkswagen e o Governo alemão alegam que o conceito de «necessidade» de um dispositivo manipulador não exige a melhor técnica disponível e que há que ter em conta o estado da técnica à data da homologação CE para apreciar se essa necessidade se justifica em termos de proteção do motor e de funcionamento seguro do veículo na aceção do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007. Ora, não é contestado que a utilização de um sistema EGR que funciona segundo uma janela térmica, numa medida diferente consoante a data de homologação, corresponde ao estado da técnica. Além disso, a interpretação do termo «necessidade», que figura nesta disposição, deve ter em conta a necessidade de ponderar os interesses em matéria de ambiente com os interesses económicos dos fabricantes.

78

A este respeito, importa sublinhar, como salientou o advogado‑geral no n.o 129 das suas conclusões, por um lado, que resulta do considerando 7 do Regulamento n.o 715/2007 que quando o legislador da União determinou os valores-limite da emissão de poluentes, teve em conta os interesses económicos dos fabricantes, nomeadamente, os custos impostos às empresas pela necessidade de respeitarem esses valores. Assim, incumbe aos fabricantes adaptarem‑se e aplicarem os dispositivos técnicos adequados para respeitar os referidos valores, sendo que este regulamento não impõe o recurso a uma tecnologia específica.

79

Por outro lado, conforme foi referido no n.o 66 do presente acórdão, o objetivo visado pelo Regulamento n.o 715/2007, que consiste em assegurar um nível elevado de proteção do ambiente e melhorar a qualidade do ar na União, implica uma redução efetiva das emissões de óxido de azoto (NOx) ao longo da vida normal dos veículos [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, CLCV e o. (Dispositivo manipulador em motor diesel), C‑693/18, EU:C:2020:1040, n.o 113]. Ora, autorizar um dispositivo manipulador ao abrigo do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento apenas porque, por exemplo, as despesas de investigação são elevadas, o dispositivo técnico é dispendioso ou as operações de manutenção do veículo são mais frequentes e mais caras para o utilizador, poria em causa esse objetivo.

80

Nestas circunstâncias, e tendo em conta o facto de que esta disposição deve, conforme recordado nos n.os 61 e 73 do presente acórdão, ser objeto de uma interpretação estrita, há que considerar que a «necessidade» de um dispositivo manipulador, na aceção da referida disposição, só existe quando, no momento da homologação CE desse dispositivo ou do veículo com ele equipado, nenhuma outra solução técnica permite evitar riscos imediatos de danos ou de acidente no motor geradores de um perigo concreto durante a condução do veículo.

81

Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo manipulador, que só garante, nomeadamente, o respeito dos valores-limite de emissão previstos por este regulamento dentro da janela térmica, não pode ser justificado, por força desta disposição, a menos que se demonstre que esse dispositivo responde estritamente à necessidade de evitar os riscos imediatos de danos ou de acidente no motor, ocasionados por um mau funcionamento de um componente do sistema de recirculação dos gases de escape, de uma gravidade tal, que gerem um perigo concreto durante a condução do veículo equipado com o mesmo dispositivo. Em todo o caso, um dispositivo manipulador que deva, em condições normais de circulação, funcionar durante a maior parte do ano para que o motor seja protegido de danos ou de um acidente e o funcionamento seguro do veículo seja assegurado não pode ser abrangido pela exceção prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007.

Quanto à terceira questão

82

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 6, da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que uma falta de conformidade que consiste em equipar um veículo com um dispositivo manipulador cuja utilização é proibida por força do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007 pode ser qualificada de «insignificante» quando o consumidor, tendo conhecimento da existência e do modo de funcionamento desse dispositivo, tenha, apesar disso, adquirido esse veículo.

83

Nos termos do artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 1999/44, não se considera existir falta de conformidade se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá‑la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.

84

No entanto, como salientou o advogado‑geral no n.o 158 das suas conclusões, esta disposição não é aplicável ao litígio no processo principal, uma vez que não é contestado que, no momento da venda do veículo em causa, DS não conhecia a alegada falta de conformidade nem podia razoavelmente conhecê‑la.

85

Em contrapartida, o caráter «insignificante» ou não de uma falta de conformidade na aceção do artigo 3.o, n.o 6, da Diretiva 1999/44, do qual depende a questão de saber se o consumidor está autorizado a pedir a resolução do contrato, não está subordinado a esse elemento subjetivo.

86

Por conseguinte, a circunstância de, após ter adquirido um bem, um consumidor admitir que teria adquirido esse bem mesmo que tivesse tido conhecimento de tal falta de conformidade não é pertinente para efeitos de determinar se uma falta de conformidade deve ser qualificada de «insignificante».

87

É à luz desta precisão que há que determinar se o artigo 3.o, n.o 6, da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que uma falta de conformidade que consiste em equipar um veículo com um dispositivo manipulador cuja utilização é proibida pelo artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007 pode ser qualificada de «insignificante».

88

Uma vez que a Diretiva 1999/44 não define o conceito de «falta de conformidade insignificante», há que determinar o seu significado e alcance de acordo com o seu sentido habitual na linguagem comum, tendo em conta o contexto em que é utilizado e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de julho de 2020, Constantin Film Verleih, C‑264/19, EU:C:2020:542, n.o 29, e de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento, C‑650/18, EU:C:2021:426, n.o 83).

89

Tendo em conta, antes de mais, o sentido habitual do termo «insignificante», o conceito de «falta de conformidade insignificante» remete para uma falta de conformidade de pouca importância.

90

Em seguida, no que respeita ao contexto em que este conceito é utilizado, há que salientar que o artigo 3.o, n.os 3, 5 e 6, da Diretiva 1999/44 estabelece uma sequência clara da aplicação dos modos de ressarcimento a que o consumidor tem direito em caso de não conformidade do bem (Acórdão de 23 de maio de 2019, Fülla, C‑52/18, EU:C:2019:447, n.o 58).

91

Assim, nos termos do artigo 3.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da referida diretiva, o consumidor, num primeiro momento, pode exigir do vendedor a reparação ou a substituição do bem, a menos que isso seja impossível ou desproporcionado (Acórdão de 23 de maio de 2019, Fülla, C‑52/18, EU:C:2019:447, n.o 59).

92

Unicamente no caso de o consumidor não ter direito à reparação nem à substituição do bem não conforme ou de o vendedor não ter procedido a uma dessas soluções num prazo razoável ou sem grave inconveniente para o consumidor é que este pode, nos termos do artigo 3.o, n.o 5, da referida diretiva, exigir a resolução do contrato, salvo se, de acordo com o artigo 3.o, n.o 6, da mesma diretiva, a falta de conformidade do bem for insignificante (Acórdão de 23 de maio de 2019, Fülla, C‑52/18, EU:C:2019:447, n.o 60).

93

Por último, no que respeita às finalidades da Diretiva 1999/44, há que salientar que resulta dos considerandos 1 e 10 a 12 desta diretiva, que a mesma visa estabelecer um justo equilíbrio entre os interesses do consumidor e os do vendedor, garantindo ao primeiro, enquanto parte fraca no contrato, uma proteção completa e eficaz contra uma má execução pelo vendedor das suas obrigações contratuais, permitindo simultaneamente atender a considerações de ordem económica invocadas por este último (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de junho de 2011, Gebr. Weber e Putz, C‑65/09 e C‑87/09, EU:C:2011:396, n.o 75, e de 23 de maio de 2019, Fülla, C‑52/18, EU:C:2019:447, n.o 41 e 52).

94

Por conseguinte, como salientou o advogado‑geral no n.o 160 das suas conclusões, a resolução do contrato, que constitui a solução jurídica mais incisiva de que o consumidor dispõe, só pode ser pedida quando uma falta de conformidade é suficientemente importante.

95

No caso em apreço, no que respeita à presença, num veículo, de um dispositivo manipulador cuja utilização é proibida pelo artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007, resulta dos n.os 49 a 52 do presente acórdão que um tipo de veículo equipado com esse dispositivo não pode ser homologado. Além disso, há que salientar que tal veículo não está em condições de respeitar os valores-limite de emissão previstos no anexo I deste regulamento. Ora, os considerandos 1 e 4 a 6 do referido regulamento sublinham a importância da proteção do ambiente e a necessidade de reduzir consideravelmente as emissões de óxido de azoto (NOx) dos veículos com motor diesel a fim de melhorar a qualidade do ar e respeitar os valores-limite de poluição atmosférica.

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Assim, a presença, num veículo, de um dispositivo manipulador cuja utilização é proibida pelo artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007 não pode ser considerada uma falta de conformidade insignificante na aceção do artigo 3.o, n.o 6, da Diretiva 1999/44.

97

Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 3.o, n.o 6, da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que uma falta de conformidade que consiste em equipar um veículo com um dispositivo manipulador cuja utilização é proibida pelo artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007 não pode ser qualificada de «insignificante», mesmo quando o consumidor, tendo conhecimento da existência e do modo de funcionamento desse dispositivo, tenha, apesar disso, adquirido esse veículo.

Quanto às despesas

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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, deve ser interpretado no sentido de que um veículo a motor abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.o 715/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2007, relativo à homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões dos veículos ligeiros de passageiros e comerciais (Euro 5 e Euro 6) e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção de veículos, não apresenta as qualidades habituais que o consumidor pode razoavelmente esperar em bens do mesmo tipo, se, apesar de dispor de uma homologação CE válida e poder, por conseguinte, ser utilizado no tráfego rodoviário, esse veículo estiver equipado com um dispositivo manipulador cuja utilização é proibida pelo artigo 5.o, n.o 2, do referido regulamento.

 

2)

O artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007 deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo manipulador, que só garante, nomeadamente, o respeito dos valores-limite de emissão previstos por este regulamento quando a temperatura exterior se situa entre 15 e 33 graus Celsius, não pode ser justificado, por força desta disposição, a menos que se demonstre que esse dispositivo responde estritamente à necessidade de evitar os riscos imediatos de danos ou de acidente no motor, ocasionados por um mau funcionamento de um componente do sistema de recirculação dos gases de escape, de uma gravidade tal, que gerem um perigo concreto durante a condução do veículo equipado com o referido dispositivo. Em todo o caso, um dispositivo manipulador que deva, em condições normais de circulação, funcionar durante a maior parte do ano para que o motor seja protegido de danos ou de um acidente e o funcionamento seguro do veículo seja assegurado não pode ser abrangido pela exceção prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 715/2007.

 

3)

O artigo 3.o, n.o 6, da Diretiva 1999/44 deve ser interpretado no sentido de que uma falta de conformidade que consiste em equipar um veículo com um dispositivo manipulador cuja utilização é proibida pelo artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 715/2007 não pode ser qualificada de «insignificante», mesmo quando o consumidor, tendo conhecimento da existência e do modo de funcionamento desse dispositivo, tenha, apesar disso, adquirido esse veículo.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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