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Document 62020CJ0094

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 10 de junho de 2021.
Land Oberösterreich contra KV.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landesgericht Linz.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/109/CE — Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração — Artigo 11.o — Direito à igualdade de tratamento em matéria de segurança social, assistência social e proteção social — Exceção ao princípio da igualdade de tratamento em matéria de assistência social e proteção social — Conceito de “prestações sociais de base” — Diretiva 2000/43/CE — Princípio da igualdade de tratamento entre pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica — Artigo 2.o — Conceito de discriminação — Artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Regulamentação de um Estado‑Membro que sujeita a atribuição de um subsídio de habitação aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração à condição de que estes provem, da forma determinada por essa regulamentação, que têm conhecimentos de base da língua desse Estado‑Membro.
Processo C-94/20.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:477

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

10 de junho de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/109/CE — Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração — Artigo 11.o — Direito à igualdade de tratamento em matéria de segurança social, assistência social e proteção social — Exceção ao princípio da igualdade de tratamento em matéria de assistência social e proteção social — Conceito de “prestações sociais de base” — Diretiva 2000/43/CE — Princípio da igualdade de tratamento entre pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica — Artigo 2.o — Conceito de discriminação — Artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Regulamentação de um Estado‑Membro que sujeita a atribuição de um subsídio de habitação aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração à condição de que estes provem, da forma determinada por essa regulamentação, que têm conhecimentos de base da língua desse Estado‑Membro»

No processo C‑94/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landesgericht Linz (Tribunal Regional de Linz, Áustria), por Decisão de 6 de fevereiro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de fevereiro de 2020, no processo

Land Oberösterreich

contra

KV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, M. Ilešič, E. Juhász, C. Lycourgos e I. Jarukaitis (relator), juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Land Oberösterreich, por K. Holzinger, Rechtsanwältin,

em representação de KV, por S. Scheed, Rechtsanwältin,

em representação da Comissão Europeia, por C. Cattabriga, D. Martin e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de março de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 11.o da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44), do artigo 2.o da Diretiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO 2000, L 180, p. 22), e do artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe KV ao Land Oberösterreich (Land da Alta Áustria, Áustria) a respeito de um pedido de indemnização do prejuízo que KV alega ter sofrido devido à recusa de atribuição de um subsídio de habitação (a seguir «subsídio de habitação»).

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2000/43

3

O artigo 1.o da Diretiva 2000/43, sob a epígrafe «Objetivo», enuncia:

«A presente diretiva tem por objetivo estabelecer um quadro jurídico para o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.»

4

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Conceito de discriminação», especifica:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão da origem racial ou étnica.

2.   Para os efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, em razão da origem racial ou étnica, uma pessoa seja objeto de tratamento menos favorável que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)

Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra coloque pessoas de uma dada origem racial ou étnica numa situação de desvantagem comparativamente com outras pessoas, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificada por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários.

[…]»

5

O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Âmbito», dispõe, no seu n.o 2:

«A presente diretiva não inclui as diferenças de tratamento baseadas na nacionalidade e não prejudica as disposições e condições relativas à entrada e residência de nacionais de países terceiros e pessoas apátridas no território dos Estados‑Membros, nem qualquer tratamento que decorra do estatuto jurídico dos nacionais de países terceiros e das pessoas apátridas em causa.»

Diretiva 2003/109

6

Os considerandos 2, 4, 12 e 13 da Diretiva 2003/109 enunciam:

«(2)

Aquando da reunião extraordinária de Tampere [(Finlândia)], de 15 e 16 de outubro de 1999, o Conselho Europeu proclamou que o estatuto jurídico dos nacionais de países terceiros deveria aproximar‑se do estatuto dos nacionais dos Estados‑Membros e que uma pessoa que resida legalmente num Estado‑Membro, durante um período a determinar, e seja titular de uma autorização de residência de longa duração deveria beneficiar neste Estado‑Membro de um conjunto de direitos uniformes tão próximos quanto possível dos que gozam os cidadãos da União Europeia.

[…]

(4)

A integração dos nacionais de países terceiros que sejam residentes de longa duração nos Estados‑Membros constitui um elemento‑chave para promover a coesão económica e social, que é um dos objetivos fundamentais da [União Europeia] consagrado no Tratado [FUE].

[…]

(12)

A fim de constituir um verdadeiro instrumento de integração na sociedade em que se estabeleceu o residente de longa duração, este deverá ser tratado em pé de igualdade com os cidadãos do Estado‑Membro num amplo leque de domínios económicos e sociais, de acordo com as condições relevantes definidas na presente diretiva.

(13)

No que diz respeito à assistência social, a possibilidade de limitar o acesso dos residentes de longa duração às prestações sociais de base deverá ser entendida no sentido de que este conceito abrange, pelo menos, o rendimento mínimo de subsistência, a assistência em caso de doença, a gravidez, a assistência parental e os cuidados de longo prazo. As regras em matéria de concessão destas prestações deverão ser determinadas pela legislação nacional.»

7

Nos termos do artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições»:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Nacional de um país terceiro”: qualquer pessoa que não seja um cidadão da União na aceção do n.o 1 do artigo [20.o] [TFUE];

b)

“Residente de longa duração”: qualquer nacional de um país terceiro que seja titular do estatuto de residente de longa duração estabelecido nos artigos 4.o a 7.o [desta diretiva];

[…]»

8

O artigo 11.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Igualdade de tratamento», dispõe:

«1.   O residente de longa duração beneficia de igualdade de tratamento perante os nacionais em matéria de:

[…]

d)

Segurança social, assistência social e proteção social, tal como definidas na legislação nacional;

[…]

4.   Os Estados‑Membros podem limitar às prestações sociais de base a igualdade de tratamento no que diz respeito à assistência social e à proteção social.

[…]»

Direito austríaco

OöWFG

9

O Land da Alta Áustria atribui o subsídio de habitação, cujas condições de atribuição eram reguladas pelas seguintes disposições da oberösterreichisches Wohnbauförderungsgesetz (Lei relativa ao Apoio à Construção de Habitação na Alta Áustria) (LGB1. 6/1993), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «oöWFG»). O § 6 da oöWFG previa:

«[…]

9.   O apoio previsto nesta lei é atribuído a cidadãos austríacos, a nacionais de um Estado‑Membro do [Espaço Económico Europeu (EEE)] e a cidadãos da União e aos membros das suas famílias na aceção da Diretiva 2004/38/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77)]. A menos que uma convenção internacional exija que o apoio lhes seja atribuído nas mesmas condições que aos cidadãos austríacos, o apoio apenas pode ser atribuído a outras pessoas se estas:

1)

tiverem a sua principal residência legal por um período contínuo de mais de cinco anos no território austríaco,

2)

auferirem rendimentos sujeitos a imposto sobre o rendimento na Áustria ou tiverem pago contribuições para o regime de segurança social obrigatório na Áustria pelo exercício de uma atividade profissional e atualmente receberem prestações ao abrigo desse regime, e tiverem auferido esse rendimento ou prestações por um período de 54 meses durante os últimos cinco anos, e

3)

comprovarem os seus conhecimentos de base da língua alemã nos termos do n.o 11.

[…]

11.   A condição estabelecida no n.o 9, ponto 3, deve ser considerada satisfeita quando o requerente:

1)

apresente um certificado, emitido pelo Österreichischer Integrationsfonds (ÖIF, Fundo de integração austríaco) ou por um centro de exames certificado pelo ÖIF, que comprove a aprovação num exame de integração; ou

2)

apresente um diploma de conhecimentos linguísticos geralmente reconhecido ou um certificado de conhecimentos de base do nível A 2 da língua alemã, emitido por um centro de exames certificado em conformidade com a Integrationsvereinbarungs Verordnung (Convenção de Integração) (BGBl. II, 242/2017) ou

3)

apresente prova de frequência do ensino obrigatório na Áustria por um período mínimo de cinco anos e de obtenção de uma classificação suficiente na disciplina de “Alemão” ou da conclusão com sucesso da disciplina de “Alemão” no 9.o ano de escolaridade; ou

4)

tenha sido aprovado no exame realizado no final da formação, em conformidade com a Berufsausbildungsgesetz (Lei da Formação Profissional) (BGBl. 142/1969).

[…]»

10

O § 23 da oöWFG dispunha:

«O subsídio de habitação pode ser atribuído ao inquilino principal, ao adquirente na fase de celebração do contrato promessa e ao proprietário de uma habitação que beneficiou da atribuição do apoio, quando:

1)

os custos de alojamento constituem um encargo não razoável para o requerente;

2)

o requerente vive permanentemente na habitação em causa, satisfazendo assim as suas necessidades de alojamento; e

3)

o requerente pediu outros apoios destinados a reduzir as despesas com o alojamento (§ 24, n.o 1) que tem direito a receber e

4)

a amortização empréstimo bonificado (§ 9) ou o empréstimo hipotecário subsidiado (§ 10) já tenham começado.

2.   O subsídio de habitação pode ser atribuído ao inquilino principal de uma habitação que não beneficiou de qualquer apoio se as condições estabelecidas no n.o 1, pontos 1 a 3, estiverem satisfeitas e o contrato de arrendamento não tiver sido celebrado com uma pessoa relacionada.

[…]»

Oberösterreichische Wohnbeihilfen‑Verordnung

11

Nos termos do § 2.o, n.o 3, da oberösterreichische Wohnbeihilfen‑Verordnung (Regulamento em matéria de Subsídio de Habitação da Alta Áustria), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, o montante do subsídio de habitação estava limitado a 300 euros por mês.

OöBMSG

12

As pessoas que estejam numa situação difícil no plano social podem receber um rendimento mínimo garantido para cobrirem as suas necessidades, ao abrigo da oberösterreichisches Mindestsicherungsgesetz (Lei relativa ao Rendimento Mínimo Garantido da Alta Áustria) (BGB1. 74/2011), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «oöBMSG»), cujo § 1.o especificava que esta garantia tinha por objetivo assegurar, àqueles que necessitavam da ajuda da comunidade a este respeito, condições de existência condignas e a integração sustentável na sociedade que isso implicava. Em determinadas condições, tal prestação podia ser atribuída em acréscimo ou ser parcialmente imputada ao subsídio de habitação. Em 2018, o montante de base desta prestação era de 921,30 euros por mês para uma pessoa que vivia sozinha e de 649,10 euros para pessoas maiores que viviam num agregado familiar, sendo concedidas prestações complementares para filhos.

13

O § 4 da oöBMSG dispunha:

«1.   Salvo disposição em contrário na presente lei, o rendimento mínimo garantido para cobrir necessidades apenas pode ser atribuído às pessoas que:

1)

têm a sua residência habitual na Alta Áustria […] e

2)

a)

são nacionais austríacos ou membros da família de nacionais austríacos;

b)

têm direito de asilo ou proteção subsidiária;

c)

são cidadãos da União, nacionais de um Estado‑Membro do [EEE], nacionais suíços ou membros das suas famílias, desde que a atribuição desses benefícios não implique a perda o seu direito de residência;

d)

têm um título de “residência de longa duração — [UE]” ou de “residente de longa duração — membro da família”, ou ainda um certificado de estabelecimento ou um título de residência por tempo indeterminado;

e)

têm um direito de residência permanente distinto no território austríaco, desde que a atribuição de tais prestações não implique a perda do seu direito de residência.»

14

Nos termos do § 5 da oöBMSG:

«A atribuição do rendimento mínimo garantido para cobrir necessidades depende de a pessoa preencher as condições estabelecidas no § 4, nomeadamente:

1)

estar numa situação difícil a nível social (§ 6), e

2)

estar preparada para tentar evitar, mitigar ou superar a situação difícil a nível social (§ 7).»

15

O § 6 da oöBMSG enunciava:

«1.   As pessoas estão numa situação difícil a nível social quando são incapazes de assegurar:

1)

a sua própria subsistência e necessidades de alojamento; ou

2)

a subsistência e as necessidades de alojamento de membros dependentes das suas famílias que façam parte do mesmo agregado familiar,

ou de assegurar, neste contexto, os cuidados necessários em caso de doença, gravidez e parto.

2.   As necessidades de subsistência referidas no n.o 1 incluem as despesas relativas às necessidades periódicas que pressupõem condições de existência condignas, nomeadamente, em termos de alimentação, vestuário, higiene pessoal, mobiliário e equipamento doméstico, aquecimento, eletricidade e outras necessidades pessoais, tais como a necessidade de participar de forma adequada na vida social e cultural.

3.   As necessidades de alojamento referidas no n.o 1 incluem rendas periódicas, encargos gerais e impostos necessários para garantir um alojamento adequado.

[…]»

OöADG

16

A oberösterreichisches Antidiskriminierungsgesetz (Lei Antidiscriminação da Alta Áustria) (LGB1. 50.2005), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «oöADG»), transpôs para o direito austríaco a Diretiva 2000/43. O § 1 da oöADG, com a epígrafe «Proibição da discriminação», proíbe qualquer discriminação direta ou indireta contra pessoas singulares baseada, nomeadamente, na pertença étnica. Este § 1.o não é aplicável, por força do § 3 da oöADG, a desigualdades de tratamento baseadas na nacionalidade, desde que impostas por lei ou objetivamente justificadas e as regras da União Europeia ou as convenções internacionais que fazem parte do quadro da integração europeia relativas à igualdade das pessoas não excluam tal tratamento.

17

Nos termos do § 8 da oöADG:

«1.   Em caso de violação da proibição de discriminação baseada nos motivos referidos no § 1, a pessoa em causa tem […] direito a uma indemnização adequada […]

Além da indemnização por danos materiais, a pessoa tem igualmente direito a uma indemnização adequada pelos danos pessoais sofridos. O montante da indemnização pelos danos pessoais sofridos não pode ser inferior a 1000 euros.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18

KV, de nacionalidade turca, vive desde 1997 com a sua mulher e os seus três filhos na Áustria, onde é titular do «estatuto de residente de longa duração», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2003/109. Até ao final de 2017, beneficiou do subsídio de habitação, em aplicação da oöWFG. Uma vez que a atribuição deste subsídio a nacionais de países terceiros foi sujeita, a partir de 1 de janeiro de 2018, por força do § 6, n.os 9 e 11, da oöWFG, à condição de o nacional de um país terceiro provar, da forma determinada por essa regulamentação, que possui conhecimentos de base da língua alemã, foi recusado a KV, desde essa data, o benefício do referido subsídio, com o fundamento de que não apresentou a prova exigida.

19

KV intentou então uma ação no Bezirksgericht Linz (Tribunal de Primeira Instância de Linz, Áustria) com vista a obter a condenação do Land da Alta Áustria a pagar‑lhe uma indemnização correspondente ao montante do subsídio de habitação não recebido relativamente ao período compreendido entre janeiro e novembro de 2018, no montante de 281,54 euros por mês, bem como uma indemnização pelos seus danos morais no montante de 1000 euros. Em apoio dos seus pedidos, invocou o § 8 da oöADG e alegou, por um lado, que o § 6, n.o 9, ponto 3, e o § 6, n.o 11, da oöWFG o colocavam numa situação de desvantagem em razão da sua origem étnica, sem que tal fosse justificado, e, por outro, que o subsídio de habitação constituía uma «prestação social de base», na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109.

20

Tendo estes pedidos sido julgados procedentes pelo Bezirksgericht Linz (Tribunal de Primeira Instância de Linz), o Land da Alta Áustria interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio, o Landesgericht Linz (Tribunal Regional de Linz, Áustria).

21

Esse órgão jurisdicional indica, a título preliminar, que necessita de uma resposta à sua primeira e segunda questões, de forma independente uma da outra, para resolver o litígio que lhe foi submetido. Com efeito, se o subsídio de habitação dever ser qualificado de «prestação social de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, ser‑lhe‑á, no entanto, útil uma resposta à segunda questão, uma vez que KV baseia a sua ação no seu direito a indemnização ao abrigo do § 8, n.o 1, da oöADG e reclama tanto o pagamento do montante do subsídio de habitação não recebido como a indemnização pelos seus danos morais resultantes do facto de ter sido discriminado em razão da sua pertença étnica. Se este subsídio não dever ser qualificado de «prestação social de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, é, no entanto, concebível, em seu entender, que a regra enunciada no § 6, n.os 9 e 11, da oöWFG constitua uma discriminação proibida por força da Diretiva 2000/43 ou viole a Carta. Considera que, ao exercer a faculdade de aplicar a exceção prevista no artigo 11.o, n.o 4, desta diretiva, o Land da Alta Áustria devia, na sua escolha das modalidades específicas da atribuição do subsídio de habitação, respeitar as restantes exigências do direito da União, bem como da Diretiva 2000/43 e da Carta e não devia aplicar critérios discriminatórios. Por conseguinte, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, há que examinar a eventual incompatibilidade do § 6, n.os 9 e 11, da oöWFG com a Diretiva 2000/43 ou com a Carta, independentemente do artigo 11.o da Diretiva 2003/109.

22

Procurando, antes de mais, determinar se o subsídio de habitação constitui uma «prestação social de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a Comissão «para a Habitação, Urbanismo e Proteção do Ambiente» do oberösterreichischer Landtag (Parlamento do Land da Alta Áustria, Áustria) declarou, no seu relatório sobre um projeto de lei de alteração da oöWFG em 2013, que o apoio à construção de habitação, incluindo o subsídio de habitação, não constituía tal prestação. Considera que essa comissão exprimiu assim a vontade do Parlamento do Land da Alta Áustria de utilizar a faculdade de aplicar a exceção prevista nessa disposição. Observa que os nacionais de países terceiros residentes de longa duração não foram, contudo, excluídos genericamente do benefício do subsídio de habitação, mas foram previstas condições suplementares para esses nacionais. Especifica que, no entanto, não está vinculado pela interpretação feita pela referida comissão do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109.

23

Referindo‑se ao Acórdão de 24 de abril de 2012, Kamberaj (C‑571/10, EU:C:2012:233), o órgão jurisdicional de reenvio considera que a aplicação ao subsídio de habitação dos princípios estabelecidos nesse acórdão não é evidente.

24

O órgão jurisdicional de reenvio indica que o rendimento mínimo garantido previsto pela oöBMSG visa, por seu turno, permitir que pessoas em situação difícil a nível social tenham condições de existência condignas de forma geral, o que inclui o acesso a habitação. A atribuição de tal prestação está sujeita a condições claramente mais estritas do que as do subsídio de habitação, uma vez que esta prestação apenas pode ser recebida por pessoas que não tenham rendimentos ou que tenham rendimentos extremamente baixos. A referida prestação pressupõe, por conseguinte, uma situação de necessidade social claramente mais acentuada do que a que pode justificar a atribuição do subsídio de habitação. Por este motivo, as pessoas que disponham de um rendimento baixo, mas que permita cobrir o mínimo de subsistência, podem receber o subsídio de habitação sem receber a prestação atribuída a título do rendimento mínimo garantido. Em certos casos, é possível receber simultaneamente esta última prestação e o subsídio de habitação, sendo a primeira prestação parcialmente dedutível da segunda, mas o público por elas visado não é, no entanto, idêntico.

25

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se só as prestações previstas pela oöBMSG devem ser qualificadas de «prestações sociais de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, ou se o subsídio de habitação também pode revestir essa qualificação, dado que este último visa igualmente atenuar o encargo resultante das despesas de habitação quando é excessivo, embora, diferentemente do rendimento mínimo garantido, esse subsídio não esteja sujeito à condição de o interessado se encontrar numa situação difícil a nível social.

26

No que respeita, em seguida, à discriminação alegada em razão da origem racial ou étnica, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a oöADG transpõe para o direito austríaco, na medida em que tal é pertinente para efeitos do processo principal, a Diretiva 2000/43, embora essa lei utilize a expressão «pertença étnica». Salientando que, em aplicação do artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva, uma desigualdade de tratamento baseada no critério da qualidade de nacional de um país terceiro não é abrangida, em princípio e enquanto tal, pela referida diretiva, este interroga‑se sobre a questão de saber se, em determinadas condições, um critério de nacionalidade pode, não obstante, constituir uma «discriminação indireta» em razão da origem étnica na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da mesma diretiva. Observa, a este respeito, que se deve pronunciar sobre uma regra que exige que se tenha conhecimentos de base da língua alemã e a prová‑lo de uma forma claramente determinada. Na hipótese de se dever examinar se a oöWFG estabelece uma discriminação indireta, seria necessário, adicionalmente, verificar se esta última é justificada. O objetivo do § 6, n.os 9 e 11, da oöWFG é conceder aos nacionais de países terceiros um acesso mais restrito ao subsídio de habitação e o motivo no que respeita aos conhecimentos de base da língua alemã é o facto de esses conhecimentos serem importantes para a integração social do interessado. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a exigência de provar esses conhecimentos é discutível tendo em conta as restantes condições exigidas para beneficiar do subsídio de habitação e as exigências que o nacional de país terceiro em causa deve satisfazer para adquirir o «estatuto de residente de longa duração» na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2003/109.

27

Por último, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que a Diretiva 2000/43 não é aplicável aos factos em causa no processo principal, coloca‑se, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a questão de saber se a regra enunciada no § 6, n.os 9 e 11, da oöWFG deve ser examinada à luz do artigo 21.o da Carta. Com efeito, entende que as modalidades específicas dessa regra devem ser determinadas tendo em conta as exigências da Carta, considerando que o processo principal é abrangido pelo seu âmbito de aplicação pelo facto de haver regras do direito da União que impõem o pagamento de prestações sociais aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração e que se pode considerar que o regime nacional em causa no processo principal constitui uma aplicação dessas regras.

28

Foi nestas circunstâncias que o Landesgericht Linz (Tribunal Regional de Linz) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 11.o da [Diretiva 2003/109] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a prevista no § 6, n.os 9 e 11, da [oöWFG], que atribui aos cidadãos da União, aos nacionais de um Estado do EEE e aos membros das suas famílias na aceção da [Diretiva 2004/38] a prestação social do subsídio de habitação sem exigir a prova de conhecimentos linguísticos, ao passo que, aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração na aceção da [Diretiva 2003/109], exige que tenham conhecimentos de base da língua alemã comprováveis, tendo em consideração que o referido subsídio de habitação visa atenuar o impacto de encargos excessivos com o alojamento, devendo a garantia das condições básicas de subsistência (incluindo a necessidade de habitação) ser igualmente assegurada por outra prestação social (rendimento mínimo garantido ao abrigo da [oöBMSG]) para pessoas que se encontrem numa situação de necessidade social?

2)

Deve a proibição da discriminação direta ou indireta em razão da origem racial ou étnica prevista no artigo 2.o da [Diretiva 2000/43] ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a prevista no § 6, n.os 9 e 11[, da] oöWFG, que atribui aos cidadãos da União, aos nacionais de um Estado do EEE e aos membros das suas famílias na aceção da [Diretiva 2004/38] uma prestação social (subsídio de habitação nos termos da oöWFG) sem exigir a prova de conhecimentos linguísticos, ao passo que, aos nacionais de países terceiros (incluindo os nacionais de países terceiros residentes de longa duração na aceção da [Diretiva 2003/109]), exige que tenham conhecimentos de base da língua alemã comprováveis?

3)

Em caso de resposta negativa à segunda questão:

Deve a proibição da discriminação em razão da origem étnica, consagrada no artigo 21.o da [Carta], ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a prevista no § 6, n.os 9 e 11[, da] oöWFG, que atribui aos cidadãos da União, aos nacionais de um Estado do EEE e aos membros das suas famílias na aceção da [Diretiva 2004/38] uma prestação social (subsídio de habitação nos termos da oöWFG) sem exigir a prova de conhecimentos linguísticos, ao passo que, aos nacionais de países terceiros (incluindo os nacionais de países terceiros residentes de longa duração na aceção da [Diretiva 2003/109]), exige que tenham conhecimentos de base da língua alemã comprováveis?»

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

29

Na sequência da apresentação das conclusões do advogado‑geral, o Land da Alta Áustria pediu, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de março de 2021, que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio do seu pedido, o Land da Alta Áustria alega, em substância, que a qualificação do subsídio de habitação de «prestação social de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, efetuada pelo advogado‑geral é errada. Com efeito, no seu entender esta qualificação é contrária tanto a esta disposição como à jurisprudência do Tribunal de Justiça e à finalidade dessa prestação. Além disso, as conclusões do advogado‑geral são contraditórias e baseiam‑se em elementos que não foram provados ou que não foram invocados. Por outro lado, quanto à prova dos conhecimentos de base da língua alemã que o requerente do subsídio de habitação deve apresentar, o Land da Alta Áustria contesta que possa haver outros meios de prova além dos já aceites ao abrigo da regulamentação nacional.

30

A este respeito, importa recordar, por um lado, que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de os interessados referidos no artigo 23.o deste Estatuto apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral [Acórdão de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 63 e jurisprudência referida].

31

Por outro lado, por força do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, ao advogado‑geral cabe apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado por essas conclusões nem pela fundamentação em que o advogado‑geral as baseia. Por conseguinte, o desacordo de uma parte interessada com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões que examina no decurso da sua análise, não pode constituir em si um motivo suscetível de justificar a reabertura da fase oral do processo [Acórdãos de 4 de dezembro de 2019, Consorzio Tutela Aceto Balsamico di Modena, C‑432/18, EU:C:2019:1045, n.o 21, e de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 64].

32

No entanto, em conformidade com o disposto no artigo 83.o do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase do processo, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

33

Todavia, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que dispõe, no termo da fase escrita do processo, de todos os elementos necessários para decidir. Salienta, por outro lado, que o presente processo não tem de ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre os interessados. Por último, considera que o pedido de reabertura da fase oral do processo não revela nenhum facto novo suscetível de poder exercer uma influência sobre a decisão que lhe cabe proferir neste processo. Nestas condições, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

34

Resulta da decisão de reenvio que, no âmbito da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que o subsídio de habitação é abrangido pelas prestações referidas no artigo 11.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/109 e que as autoridades competentes para a execução desta diretiva manifestaram claramente que pretendiam invocar a exceção prevista no artigo 11.o, n.o 4, desta diretiva, o que cabe a esse órgão jurisdicional verificar.

35

Nestas condições, há que considerar que, com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 11.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/109 deve ser interpretado no sentido de que se opõe, mesmo quando tenha sido exercida a faculdade de aplicar a exceção prevista no artigo 11.o, n.o 4, desta diretiva, a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual, no que respeita aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, a atribuição de um subsídio de habitação está sujeita à condição de que estes provem, da forma determinada por essa regulamentação, que têm conhecimentos de base da língua desse Estado‑Membro.

36

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, principalmente, sobre a questão de saber se o subsídio de habitação deve ser qualificado de «prestação social de base» na aceção deste artigo 11.o, n.o 4.

37

Em conformidade com esta disposição, os Estados‑Membros podem limitar às prestações sociais de base, em matéria de assistência social e de proteção social, a igualdade de tratamento entre os «residentes de longa duração» na aceção desta diretiva e os cidadãos nacionais. Uma vez que a regra geral é a integração dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração nos Estados‑Membros e o direito destes nacionais ao benefício da igualdade de tratamento nos domínios enumerados no artigo 11.o, n.o 1, da referida diretiva, a exceção prevista no artigo 11.o, n.o 4, da mesma diretiva deve ser interpretada em termos estritos (v., neste sentido, Acórdão de 24 de abril de 2012, Kamberaj, C‑571/10, EU:C:2012:233, n.o 86).

38

Quanto ao conceito de «prestação social de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, importa recordar que, na falta de definição deste conceito nesta diretiva e de remissão para o direito nacional a este respeito, o sentido e o alcance do referido conceito devem ser procurados tendo em conta o contexto em que esta disposição se insere e o objetivo prosseguido pela referida diretiva, a saber, como resulta, nomeadamente, dos seus considerandos 2, 4 e 12, a integração dos nacionais de países terceiros com residência legal e de longa duração nos Estados‑Membros. A referida disposição deve ser entendida no sentido de que permite que os Estados‑Membros limitem a igualdade de tratamento de que beneficiam os titulares do estatuto concedido pela mesma diretiva, com exceção das prestações de assistência social ou de proteção social concedidas pelas autoridades públicas, a nível nacional, regional ou local, que contribuam para permitir que o interessado faça face às suas necessidades elementares como a alimentação, a habitação e a saúde (v., neste sentido, Acórdão de 24 de abril de 2012, Kamberaj, C‑571/10, EU:C:2012:233, n.os 90 e 91).

39

Além disso, ao determinar as medidas de segurança social, de assistência social e de proteção social definidas pela sua legislação nacional e sujeitas ao princípio da igualdade de tratamento consagrado no artigo 11.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/109, os Estados‑Membros devem respeitar os direitos e observar os princípios previstos na Carta, designadamente os enunciados no seu artigo 34.o Em conformidade com este último artigo, a União reconhece e respeita o direito a uma assistência social e a um subsídio de habitação de modo a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes. Daqui decorre que, na medida em que uma prestação cumpre a finalidade enunciada no referido artigo da Carta, não se pode considerar, no direito da União, que não faz parte das «prestações sociais de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109 (Acórdão de 24 de abril de 2012, Kamberaj, C‑571/10, EU:C:2012:233, n.os 80 e 92).

40

Daqui se conclui que, como salientou o advogado‑geral no n.o 53 das suas conclusões, uma prestação destinada a permitir que pessoas que não disponham de recursos suficientes satisfaçam a necessidade de se alojarem, assegurando condições de existência condignas, constitui uma «prestação social de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109.

41

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio indica que o subsídio de habitação tem por finalidade impedir que as despesas devidas à habitação constituam um encargo excessivo. Limitada a um montante de 300 euros, trata‑se de uma contribuição para as despesas de habitação que é concebida não para cobrir integralmente as despesas de habitação do beneficiário do subsídio, mas para cobrir uma parte dessas despesas, para que pessoas com baixos rendimentos não consagrem uma percentagem demasiado significativa dos seus rendimentos para se poderem viver numa habitação adequada.

42

Resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, como salientou o advogado‑geral no n.o 59 das suas conclusões, o subsídio de habitação contribui para garantir a essas pessoas uma existência condigna, permitindo‑lhes viver numa habitação adequada, sem gastarem na habitação uma percentagem demasiado significativa dos seus rendimentos em detrimento, eventualmente, da satisfação de outras necessidades elementares. Afigura‑se, assim, constituir uma prestação que contribui para lutar contra a exclusão social e a pobreza, destinada a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes, como referido no artigo 34.o, n.o 3, da Carta. Se for esse o caso, a sua atribuição aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração é, por conseguinte, igualmente necessária para realizar o objetivo de integração prosseguido pela Diretiva 2003/109. Por conseguinte, o subsídio de habitação parece ser suscetível de constituir uma «prestação social de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, desta diretiva.

43

Competirá, porém, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar e extrair as conclusões necessárias, levando em consideração a finalidade deste subsídio de habitação, bem como as condições de atribuição e a posição deste subsídio no regime de assistência social nacional (v., neste sentido, Acórdão de 24 de abril de 2012, Kamberaj, C‑571/10, EU:C:2012:233, n.o 92).

44

A este respeito, o simples facto de os nacionais de países terceiros residentes de longa duração serem elegíveis, se preencherem as condições da respetiva atribuição, para outra ajuda social como o rendimento mínimo garantido previsto pela oöBMSG, que visa permitir que as pessoas em situação difícil a nível social tenham condições de existência dignas, incluindo no plano da habitação, e pode ser qualificado de «prestação social de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, não pode excluir que o subsídio de habitação receba a mesma qualificação se também preencher os critérios recordados nos n.os 38 a 40 do presente acórdão.

45

Na hipótese de o subsídio de habitação não dever ser qualificado de «prestação social de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, há que constatar que a Diretiva 2003/109 não prevê nenhuma obrigação específica para o caso de, tendo exercido a faculdade de aplicar a exceção prevista no artigo 11.o, n.o 4, da mesma, um Estado‑Membro atribuir, no entanto, aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, uma prestação que não pode ser qualificada de «prestação social de base».

46

Tal situação difere daquela em que um ato da União atribui aos Estados‑Membros uma liberdade de escolha entre diversas modalidades de aplicação ou um poder discricionário ou de apreciação que é parte integrante do regime estabelecido por esse ato, ou ainda da situação em que esse ato autoriza a adoção, pelos Estados‑Membros, de medidas específicas destinadas a contribuir para a realização do seu objetivo (v., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2019, TSN e AKT, C‑609/17 e C‑610/17, EU:C:2019:981, n.o 50).

47

Por conseguinte, se se considerar que o subsídio de habitação não constitui uma «prestação social de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, as condições de atribuição desta prestação, como a prova dos conhecimentos de base da língua alemã que deve ser apresentada de forma determinada, imposta pelo § 6, n.os 9 e 11, da oöWFG, são da competência dos Estados‑Membros, sem serem regulamentadas por esta diretiva nem abrangidas pelo âmbito de aplicação desta última (v., por analogia, Acórdão de 19 de novembro de 2019, TSN e AKT, C‑609/17 e C‑610/17, EU:C:2019:981, n.o 52 e jurisprudência referida).

48

Daqui resulta que, nesta hipótese, as condições de atribuição do subsídio de habitação previstas no § 6, n.os 9 e 11, da oöWFG não devem ser apreciadas à luz da Diretiva 2003/109.

49

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão submetida que o artigo 11.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/109 deve ser interpretado no sentido de que se opõe, mesmo quando tenha sido exercida a faculdade de aplicar a exceção prevista no artigo 11.o, n.o 4, desta diretiva, a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual, no que respeita aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, a atribuição de um subsídio de habitação está sujeita à condição de que estes provem, da forma determinada por essa regulamentação, que têm conhecimentos de base da língua desse Estado‑Membro, se esse subsídio de habitação constituir uma «prestação social de base» na aceção desta disposição, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

Quanto à segunda questão

50

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2000/43 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual, no que respeita aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, a atribuição de um subsídio de habitação está sujeita à condição de que estes provem, da forma determinada por essa regulamentação, que têm conhecimentos de base da língua desse Estado‑Membro.

51

Em conformidade com o artigo 1.o e o artigo 2.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/43, esta última é aplicável unicamente às discriminações, diretas ou indiretas, em razão da origem racial ou étnica. O artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva especifica que esta última não inclui as diferenças de tratamento baseadas na nacionalidade e não prejudica as disposições e condições relativas à entrada e residência de nacionais de países terceiros e pessoas apátridas no território dos Estados‑Membros, nem qualquer tratamento que decorra do estatuto jurídico dos nacionais de países terceiros e das pessoas apátridas em causa.

52

Ora, no caso em apreço, a diferença de tratamento de que são objeto os nacionais de países terceiros com o estatuto de residente de longa duração, em relação aos cidadãos nacionais, que resulta do § 6, n.os 9 e 11, da oöWFG, baseia‑se nesse estatuto.

53

Consequentemente, essa diferença de tratamento não é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/43 (v., neste sentido, Acórdão de 24 de abril de 2012, Kamberaj, C‑571/10, EU:C:2012:233, n.o 50).

54

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se, em determinadas condições, uma diferença de tratamento baseada num critério de nacionalidade ou, como no processo principal, no estatuto de nacional de um país terceiro residente de longa duração pode igualmente constituir uma «discriminação indireta» em razão da origem étnica na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/43, uma vez que o § 6, n.os 9 e 11, da oöWFG faz uma distinção não só com base no critério da qualidade de residente de longa duração mas também com base no critério dos conhecimentos de base da língua nacional.

55

A este respeito, importa recordar que, segundo o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/43, existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra coloque pessoas de uma dada origem racial ou étnica numa situação de desvantagem comparativamente com outras pessoas. A expressão «desvantagem» na aceção desta disposição deve ser entendida no sentido de que são as pessoas de determinada origem étnica que estão particularmente em desvantagem devido à medida em causa. O conceito de «discriminação indireta» na aceção da referida disposição só é aplicável se a medida pretensamente discriminatória tiver por efeito colocar em desvantagem uma origem étnica em particular (Acórdãos de 16 de julho de 2015, CHEZ Razpredelenie Bulgaria, C‑83/14, EU:C:2015:480, n.o 100; de 6 de abril de 2017, Jyske Finans, C‑668/15, EU:C:2017:278, n.os 27 e 31; e de 15 de novembro de 2018, Maniero, C‑457/17, EU:C:2018:912, n.os 47 e 48).

56

Ora, o § 6, n.os 9 e 11, da oöWFG, que se aplica indistintamente a todos os nacionais de países terceiros, não coloca em desvantagem as pessoas de uma origem étnica em particular. Por conseguinte, não pode constituir uma «discriminação indireta» em razão da origem étnica na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/43.

57

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão submetida que não é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/43 uma regulamentação de um Estado‑Membro que se aplica indistintamente a todos os nacionais de países terceiros e por força da qual, no que respeita aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, a atribuição de um subsídio de habitação está sujeita à condição de que estes provem, da forma determinada por essa regulamentação, que têm conhecimentos de base da língua desse Estado‑Membro.

Quanto à terceira questão

58

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 21.o da Carta, na medida em que proíbe qualquer discriminação em razão da origem étnica, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual, no que respeita aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, a atribuição de um subsídio de habitação está sujeita à condição de que estes provem, da forma determinada por essa regulamentação, que têm conhecimentos de base da língua desse Estado‑Membro.

59

A este respeito, há que recordar que o artigo 51.o, n.o 1, da Carta prevê que as disposições da mesma têm por destinatários os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União. O artigo 6.o, n.o 1, TUE, no mesmo sentido do artigo 51.o, n.o 2, da Carta, precisa que o disposto nesta última não pode alargar, de forma alguma, as competências da União, como definidas nos Tratados. Assim, o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar, à luz da Carta, o direito da União nos limites das competências que lhe são atribuídas e não pode, por conseguinte, apreciar, tendo em conta a Carta, uma regulamentação nacional que não se situe no âmbito de aplicação do direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de março de 2014, Siragusa, C‑206/13, EU:C:2014:126, n.os 20 e 21, e de 10 de julho de 2014, Julián Hernández e o., C‑198/13, EU:C:2014:2055, n.o 32).

60

Ora, por um lado, como resulta da resposta à segunda questão prejudicial submetida, uma regulamentação de um Estado‑Membro como a que está em causa no processo principal não é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/43.

61

Por outro lado, no caso de o subsídio de habitação não dever ser qualificado de «prestação social de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, há que recordar que esta última, como foi salientado nos n.os 45 e 47 do presente acórdão, não impõe nenhuma obrigação específica aos Estados‑Membros quando, tendo exercido a faculdade de aplicar a exceção prevista no artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, estes atribuem, todavia, aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração uma prestação social que não é de base abrangida pela assistência social ou pela proteção social. Assim, as condições de atribuição de tal prestação, como a prova de conhecimentos de base da língua alemã que deve ser apresentada da forma determinada, imposta pelo § 6, n.os 9 e 11, da oöWFG, não são abrangidas pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

62

Daqui decorre que, neste caso, uma disposição como o § 6, n.os 9 e 11, da oöWFG não é abrangida pelo âmbito de aplicação da Carta e não pode, por conseguinte, ser apreciada à luz das disposições desta última, nomeadamente do seu artigo 21.o (v., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2019, TSN e AKT, C‑609/17 e C‑610/17, EU:C:2019:981, n.o 53 e jurisprudência referida).

63

Em contrapartida, embora o subsídio de habitação constitua uma «prestação social de base» na aceção do artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, importa salientar que, como decorre do n.o 39 do presente acórdão, a Carta é aplicável. Todavia, não se pode considerar que uma disposição como o § 6, n.os 9 e 11, da oöWFG, que se aplica indistintamente a todos os nacionais de países terceiros e da qual não resulta que coloca em desvantagem pessoas de uma origem étnica particular, constitui uma discriminação em razão da origem étnica na aceção do artigo 21.o da Carta, do qual a Diretiva 2000/43 constitui a expressão concreta nos domínios materiais por ela abrangidos (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2015, CHEZ Razpredelenie Bulgaria, C‑83/14, EU:C:2015:480, n.o 58).

64

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à terceira questão submetida que, quando tenha sido exercida a faculdade de aplicar a exceção prevista no artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, o artigo 21.o da Carta não é aplicável em presença de uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual, no que respeita aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, a atribuição de um subsídio de habitação está sujeita à condição de que estes provem, da forma determinada por essa regulamentação, que têm conhecimentos de base da língua desse Estado‑Membro, se esse subsídio de habitação não constituir uma «prestação social de base» na aceção deste artigo 11.o, n.o 4. Se o referido subsídio de habitação constituir tal prestação social de base, o artigo 21.o da Carta, na medida em que proíbe qualquer discriminação em razão da origem étnica, não se opõe a essa regulamentação.

Quanto às despesas

65

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

1)

O artigo 11.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, deve ser interpretado no sentido de que se opõe, mesmo quando tenha sido exercida a faculdade de aplicar a exceção prevista no artigo 11.o, n.o 4, desta diretiva, a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual, no que respeita aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, a atribuição de um subsídio de habitação está sujeita à condição de que estes provem, da forma determinada por essa regulamentação, que têm conhecimentos de base da língua desse Estado‑Membro, se esse subsídio de habitação constituir uma «prestação social de base» na aceção dessa disposição, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

 

2)

Não é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica, uma regulamentação de um Estado‑Membro que se aplica indistintamente a todos os nacionais de países terceiros e por força da qual, no que respeita aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, a atribuição de um subsídio de habitação está sujeita à condição de que estes provem, da forma determinada por essa regulamentação, que têm conhecimentos de base da língua desse Estado‑Membro.

 

3)

Quando tenha sido exercida a faculdade de aplicar a exceção prevista no artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2003/109, o artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia não é aplicável em presença de uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual, no que respeita aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, a atribuição de um subsídio de habitação está subordinada à condição de que estes provem, da forma determinada por essa regulamentação, que têm conhecimentos de base da língua desse Estado‑Membro, se esse subsídio de habitação não constituir uma «prestação social de base» na aceção desse artigo 11.o, n.o 4. Se o referido subsídio de habitação constituir tal prestação social de base, o artigo 21.o da Carta, na medida em que proíbe qualquer discriminação em razão da origem étnica, não se opõe a essa regulamentação.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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