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Document 62020CC0614

    Conclusões do advogado-geral Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 10 de março de 2022.
    AS Lux Express Estonia contra Majandus- ja Kommunikatsiooniministeerium.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tallinna Halduskohus.
    Reenvio prejudicial — Regulamento (CE) n.o 1370/2007 — Serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros — Regras gerais que impõem uma obrigação de transporte gratuito de determinadas categorias de passageiros — Obrigação da autoridade competente de conceder aos operadores uma compensação de serviço público — Método de cálculo.
    Processo C-614/20.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:180

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

    apresentadas em 10 de março de 2022 ( 1 )

    Processo C‑614/20

    AS Lux Express Estonia

    contra

    Majandus‑ ja Kommunikatsiooniministeerium

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tallinna Halduskohus (Tribunal Administrativo de Taline, Estónia)]

    «Reenvio prejudicial — Serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros — Regulamento (CE) n.o 1370/2007 — Regra geral que impõe uma obrigação de transporte gratuito de determinadas categorias de pessoas — Artigo 2.o, alínea e), e artigo 3.o, n.o 2 — Obrigação de serviço público — Direito a uma compensação — Artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i) — Faculdade de um Estado‑Membro excluir a compensação — Artigo 3.o, n.o 3 — Âmbito de aplicação — Exclusão»

    1.

    A legislação estónia obriga as empresas de transporte rodoviário a transportarem de forma gratuita determinadas categorias de passageiros (em resumo, crianças em idade pré‑escolar e pessoas com deficiência).

    2.

    O Tallinna Halduskohus (Tribunal Administrativo de Taline, Estónia) pergunta, no essencial, se essa imposição legal se enquadra no conceito de obrigação de serviço público definido no Regulamento (CE) n.o 1370/2007 ( 2 ) e, em caso afirmativo, se as empresas em causa têm direito a uma compensação pela falta de rendimento correspondente.

    I. Quadro jurídico

    A.   Direito da União — Regulamento n.o 1370/2007

    3.

    Nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 1370/2007 («Objetivo e âmbito de aplicação»):

    «1.   O presente regulamento tem por objetivo definir o modo como, no respeito das regras do direito comunitário, as autoridades competentes podem intervir no domínio do transporte público de passageiros para assegurar a prestação de serviços de interesse geral que sejam, designadamente, mais numerosos, mais seguros, de melhor qualidade e mais baratos do que aqueles que seria possível prestar apenas com base nas leis do mercado.

    Para este fim, o presente regulamento define as condições em que as autoridades competentes, ao imporem obrigações de serviço público ou ao celebrarem contratos relativos a obrigações de serviço público, compensam os operadores de serviços públicos pelos custos incorridos e/ou concedem direitos exclusivos em contrapartida da execução de obrigações de serviço público.

    [...]»

    4.

    O artigo 2.o do Regulamento n.o 1370/2007 («Definições») prevê:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    a)

    “Transporte público de passageiros”, os serviços de transporte de passageiros de interesse económico geral prestados ao público numa base não discriminatória e regular;

    [...]

    e)

    “Obrigação de serviço público”, a imposição definida ou determinada por uma autoridade competente com vista a assegurar serviços públicos de transporte de passageiros de interesse geral que um operador, caso considerasse o seu próprio interesse comercial, não assumiria, ou não assumiria na mesma medida ou nas mesmas condições sem contrapartidas;

    f)

    “Direito exclusivo”, um direito que autoriza um operador de serviço público a explorar determinados serviços de transporte público de passageiros numa linha, rede ou zona específica, com exclusão de outros operadores de serviços públicos;

    g)

    “Compensação por serviço público”, qualquer vantagem, nomeadamente financeira, concedida direta ou indiretamente por uma autoridade competente através de recursos públicos durante o período de execução de uma obrigação de serviço público ou ligada a esse período;

    [...]

    l)

    “Regra geral”, a medida que é aplicável sem discriminação a todos os serviços de transporte público de passageiros de um mesmo tipo numa determinada zona geográfica da responsabilidade de uma autoridade competente;

    [...]»

    5.

    Nos termos do artigo 3.o do Regulamento n.o 1370/2007 («Contratos de serviço público e regras gerais»):

    «1.   Quando uma autoridade competente decida conceder ao operador da sua escolha um direito exclusivo e/ou uma compensação, qualquer que seja a sua natureza, em contrapartida da execução de obrigações de serviço público, deve fazê‑lo no âmbito de um contrato de serviço público.

    2.   Em derrogação do n.o 1, as obrigações de serviço público destinadas a estabelecer tarifas máximas para o conjunto dos passageiros ou para determinadas categorias de passageiros podem também ser objeto de regras gerais. A autoridade competente compensa os operadores de serviços públicos, de acordo com os princípios definidos nos artigos 4.o e 6.o e no anexo, do efeito financeiro líquido, positivo ou negativo, sobre os custos e as receitas decorrentes do cumprimento das obrigações tarifárias estabelecidas mediante regras gerais por forma a evitar sobrecompensações. Esta disposição não prejudica o direito de as autoridades competentes incluírem obrigações de serviço público que estabeleçam tarifas máximas em contratos de serviço público.

    3.   Sem prejuízo dos artigos 73.o, 86.o, 87.o e 88.o do Tratado, os Estados‑Membros podem excluir do âmbito de aplicação do presente regulamento as regras gerais sobre a compensação financeira pelas obrigações de serviço público que fixem tarifas máximas para estudantes, formandos e pessoas com mobilidade reduzida. Tais regras gerais devem ser notificadas nos termos do artigo 88.o do Tratado. Essas notificações devem conter informações completas sobre as medidas em causa e, em particular, dados pormenorizados sobre o método de cálculo.»

    6.

    O artigo 4.o do Regulamento n.o 1370/2007 («Conteúdo obrigatório dos contratos de serviço público e das regras gerais») tem a seguinte redação:

    «1.   Os contratos de serviço público e as regras gerais devem:

    a)

    Estabelecer claramente as obrigações de serviço público, definidas no presente regulamento e especificadas nos termos do artigo 2.o‑A, que os operadores de serviço público devem cumprir, e as zonas geográficas abrangidas;

    b)

    Estabelecer, antecipadamente e de modo objetivo e transparente:

    i)

    os parâmetros com base nos quais a compensação deve ser calculada, se for caso disso, e

    ii)

    a natureza e a extensão dos direitos exclusivos concedidos, por forma a evitar sobrecompensações.

    [...]»

    7.

    O artigo 6.o do Regulamento n.o 1370/2007 («Compensações pelo serviço público») dispõe:

    «1.   Qualquer compensação ligada a uma regra geral ou a um contrato de serviço público deve cumprir o disposto no artigo 4.o [...]»

    8.

    De acordo com o anexo do Regulamento n.o 1370/2007 («Regras aplicáveis à compensação nos casos referidos no n.o 1 do artigo 6.o»):

    «1.   As compensações ligadas a contratos de serviço público adjudicados por ajuste direto ao abrigo dos n.os 2, 4, 5 ou 6 do artigo 5.o ou ligadas a uma regra geral devem ser calculadas de acordo com as regras estabelecidas no presente anexo.

    2.   A compensação não pode exceder um montante que corresponda ao efeito financeiro líquido decorrente da soma das incidências, positivas ou negativas, da execução da obrigação de serviço público sobre os custos e as receitas do operador de serviço público. As incidências devem ser avaliadas comparando a situação em que é executada a obrigação de serviço público com a situação que teria existido se a obrigação não tivesse sido executada. Para calcular as incidências financeiras líquidas, a autoridade competente deve tomar como referencial as seguintes regras:

    […]

    3.   A execução da obrigação de serviço público pode ter um impacto sobre as eventuais atividades de transporte de um operador para além da obrigação ou obrigações de serviço público em causa. Para evitar a sobrecompensação ou a falta de compensação, devem por conseguinte ser tidos em conta, ao proceder ao cálculo da incidência financeira líquida, os efeitos financeiros quantificáveis sobre as redes do operador.

    [...]»

    B.   Direito estónio — Ühistranspordiseadus ( 3 )

    9.

    O artigo 34.o da ÜTS dispõe:

    «No âmbito do serviço regular de transporte rodoviário, marítimo e ferroviário de passageiros, o transportador é obrigado a transportar a título gratuito crianças que em 1 de outubro do ano escolar em curso ainda não concluíram o sétimo aniversário, bem como as crianças cujo início da escolaridade obrigatória foi adiado, as pessoas até aos 16 anos completos com deficiência, as pessoas a partir dos 16 anos de idade com graves deficiências, as pessoas com uma deficiência visual significativa, bem como os acompanhantes de uma pessoa com uma deficiência visual grave ou significativa e ainda o cão‑guia ou o cão de apoio de uma pessoa com deficiência. O transportador não obtém nenhuma compensação pelo transporte gratuito dos passageiros destas categorias.»

    II. Matéria de facto, litígio e questões prejudiciais

    10.

    Em 5 de junho de 2019, a Eesti Buss OÜ e a AS Lux Express Estonia, empresas que efetuam transporte comercial rodoviário de passageiros ( 4 ), pediram ao ministro da Economia e das Infraestruturas da Estónia uma indemnização pelo montante dos bilhetes não recebidos por força do artigo 34.o da ÜTS.

    11.

    Em 10 de julho de 2019, o ministro da Economia e das Infraestruturas indeferiu os pedidos com o fundamento de que, nos termos do artigo 34.o da ÜTS, as empresas não tinham direito a receber qualquer compensação pelo transporte gratuito dos passageiros pertencentes às categorias aí especificadas.

    12.

    Em 12 de agosto de 2019, a Lux Express Estonia intentou no Tallinna Halduskohus (Tribunal Administrativo de Taline) uma ação destinada, a título principal, à indemnização e ( 5 ), a título subsidiário, à condenação no pagamento de uma compensação financeira num montante razoável, acrescido de juros, fixada pelo órgão jurisdicional.

    13.

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio:

    o artigo 34.o da ÜTS estabelece uma regra geral, na aceção dos artigos 2.o, alínea l), e 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1370/2007, ao fixar uma tarifa máxima (transporte gratuito) para determinadas categorias de passageiros. Essa disposição visa assegurar que esses passageiros têm acesso a um transporte económico. Não é provável que um profissional assegure o transporte gratuito de passageiros sem a intervenção dos poderes públicos;

    parece resultar dos artigos 3.o, n.o 2, e 4.o do Regulamento n.o 1370/2007 que o transportador desse ser compensado, mas o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do mesmo regulamento confere aos Estados‑Membros o poder de excluir, através do direito nacional, a compensação;

    o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1370/2007 permite aos Estados‑Membros excluírem do seu âmbito de aplicação as regras gerais sobre a compensação financeira pelas obrigações de serviço público que fixem tarifas máximas para estudantes, formandos e pessoas com mobilidade reduzida.

    14.

    Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, caso o Regulamento n.o 1370/2007 não seja aplicável, se a compensação se pode basear noutro ato da União [por exemplo, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»)] ou se o litígio deve ser decidido exclusivamente com base no direito nacional.

    15.

    Por último, caso se devesse conceder uma compensação ao transportador, as suas dúvidas estendem‑se às condições de determinação do seu montante em conformidade com as regras da União relativas aos auxílios de Estado.

    16.

    Neste contexto, o Tallinna Halduskohus (Tribunal Administrativo de Taline) submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve a imposição legal a todas as empresas de direito privado que asseguram no território nacional os serviços comerciais regulares de transporte rodoviário, marítimo e ferroviário de passageiros da mesma obrigação de transportar gratuitamente os passageiros de um grupo determinado (crianças em idade pré‑escolar, pessoas até aos 16 anos completos com deficiência, pessoas a partir dos 16 anos completos com graves deficiências, pessoas com uma deficiência visual significativa, bem como os acompanhantes de uma pessoa com uma deficiência visual grave ou significativa e ainda o cão‑guia ou o cão de apoio de uma pessoa com deficiência), ser considerada a imposição de uma obrigação de serviço público na aceção do artigo 2.o, alínea e), e do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 […]?

    2)

    Caso se trate de uma obrigação de serviço público na aceção do Regulamento n.o 1370/2007: um Estado‑Membro tem o direito, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007, de excluir, através de uma lei nacional, o pagamento de uma compensação ao transportador pelo cumprimento dessa obrigação?

    Caso um Estado‑Membro tenha o direito de excluir o pagamento de uma compensação ao transportador, em que condições o pode fazer?

    3)

    O artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1370/2007 permite excluir do âmbito de aplicação deste regulamento as regras gerais que estabelecem as tarifas máximas para categorias de passageiros diferentes das previstas nesta disposição?

    A obrigação de comunicação à Comissão Europeia, prevista no artigo 108.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, também se aplica quando as regras gerais que estabelecem as tarifas máximas não preveem nenhuma compensação para o transportador?

    4)

    Caso o Regulamento n.o 1370/2007 não seja aplicável ao caso em apreço: pode a concessão de uma compensação basear‑se noutro ato da União Europeia (como a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia)?

    5)

    Que condições deve satisfazer a eventual compensação a conceder ao transportador para cumprir as regras em matéria de auxílios de Estado?»

    III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    17.

    O pedido de decisão prejudicial foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de novembro de 2020.

    18.

    Apresentaram observações escritas a Lux Express Estonia, o Governo estónio e a Comissão Europeia.

    19.

    Não foi considerada necessária a realização de audiência.

    IV. Apreciação

    A.   Primeira questão prejudicial

    20.

    Na Estónia, a organização dos transportes públicos de passageiros é regulada pela ÜTS. O seu âmbito de aplicação abrange o transporte rodoviário de passageiros, que pode assumir a forma de serviços regulares, ocasionais e de táxis.

    21.

    Os serviços regulares, que incluem os meios de transporte público por via terrestre, são prestados ou no âmbito de contratos de serviço público ou sob a forma de serviços comerciais ( 6 ).

    22.

    A tarifa aplicável aos serviços regulares comerciais é fixada pelo transportador. Para os serviços regulares disponibilizados no âmbito de contratos de serviço público, a tarifa máxima por quilómetro ou o preço máximo do título de transporte é fixado pela autoridade competente.

    23.

    O artigo 34.o da ÜTS obriga qualquer operador que preste um serviço regular nacional a transportar a título gratuito determinadas categorias de passageiros, como as crianças em idade pré‑escolar e as pessoas com deficiência, nos termos já referidos ( 7 ). O operador não recebe nenhuma compensação pelo transporte gratuito desses passageiros.

    24.

    Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a obrigação de transporte gratuito prevista na legislação estónia está abrangida pelo conceito de obrigação de serviço público, na aceção do Regulamento n.o 1370/2007.

    25.

    O Regulamento n.o 1370/2007 entende por «obrigação de serviço público» a «imposição definida ou determinada por uma autoridade competente com vista a assegurar serviços públicos de transporte de passageiros de interesse geral que um operador, caso considerasse o seu próprio interesse comercial, não assumiria, ou não assumiria na mesma medida ou nas mesmas condições sem contrapartidas» ( 8 ).

    26.

    A imposição de obrigações de serviço público constitui um modo de intervenção das autoridades competentes no setor do transporte de passageiros que o próprio Regulamento n.o 1370/2007 qualifica de serviço de interesse económico geral [artigo 2.o, alínea a)]. Destina‑se a «[…] assegurar a prestação de serviços de interesse geral que sejam, designadamente, mais numerosos, mais seguros, de melhor qualidade e mais baratos do que aqueles que seria possível prestar apenas com base nas leis do mercado» ( 9 ).

    27.

    Para estabelecer uma obrigação de serviço público, o Regulamento n.o 1370/2007 permite recorrer a dois tipos de instrumentos jurídicos: os contratos de serviço público e as regras gerais ( 10 ).

    28.

    Uma das obrigações de serviço público referidas a título de exemplo pelo Regulamento n.o 1370/2007 é precisamente a «[destinada] a estabelecer tarifas máximas para […] determinadas categorias de passageiros» através de regras gerais (artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1370/2007).

    29.

    O Governo estónio reconhece que o artigo 34.o da ÜTS ( 11 ) impõe aos transportadores comerciais a obrigação controvertida, com o objetivo de «permitir às famílias com crianças de tenra idade e às pessoas com deficiência a utilização dos transportes públicos, tornando‑os mais comportáveis e acessíveis a estes» ( 12 ).

    30.

    Estas afirmações do Governo estónio revelam, sem ambiguidade, que a imposição de uma tarifa «zero» em benefício de determinados grupos sociais nas linhas de autocarro comerciais prossegue um objetivo de interesse geral, segundo critérios sociais.

    31.

    Esse interesse social não seria coberto a título gratuito por um operador que tivesse apenas em consideração os lucros da sua exploração comercial. A prestação de um serviço sem retribuição não obedece à lógica do mercado e, por esse motivo, a lei transforma a obrigação de transporte gratuito numa obrigação de serviço público que tem necessariamente de ser cumprida (imposta por uma «regra geral», no caso em apreço).

    32.

    Assim, o artigo 34.o da ÜTS reflete uma verdadeira obrigação de serviço público, que se impõe aos operadores que prestam um serviço regular nacional, que consiste em transportar a título gratuito determinadas categorias de passageiros ( 13 ).

    33.

    Como a ÜTS leva ao extremo a limitação tarifária (montante «zero»), o seu resultado consiste em que, através de uma regra geral, sujeita os transportadores a uma verdadeira obrigação de serviço público destinada a favorecer «determinadas categorias de passageiros».

    34.

    Questão diferente é a que consiste em saber se, por força do Regulamento n.o 1370/2007, essa obrigação deve ser acompanhada de uma compensação ( 14 ) à transportadora, que constitui o objeto da segunda questão prejudicial.

    B.   Segunda questão prejudicial

    35.

    O órgão jurisdicional de reenvio considera, com razão, que, se a ÜTS comporta uma obrigação de serviço público na aceção do Regulamento n.o 1370/2007, em princípio e em conformidade com os artigos 3.o, n.o 2, e 4.o deste regulamento, o transportador que a cumpre deve ser compensado.

    36.

    Todavia, interroga‑se sobre se um Estado‑Membro pode, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007, contornar, através de uma lei nacional, o pagamento dessa compensação ao transportador e, se for o caso, em que condições.

    37.

    No âmbito desta questão, importa analisar, em primeiro lugar, o que diz respeito à compensação e, em segundo lugar, a sua eventual exclusão em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007.

    1. Contrapartida das obrigações de serviço público

    38.

    O Regulamento n.o 1370/2007 prevê uma contrapartida ( 15 ) para o cumprimento das obrigações de serviço público que sejam onerosas para as empresas afetadas. O operador de transporte que assume essas obrigações tem direito a uma compensação ( 16 ) ou à concessão de um direito exclusivo ( 17 ).

    39.

    O conceito de «compensação de serviço público» associa uma vantagem, nomeadamente financeira, à execução de uma obrigação de serviço público que implique a realização de prestações sem interesse comercial.

    40.

    Os antecedentes do Regulamento n.o 1370/2007 vão na mesma linha, que se poderia denominar «retributiva»:

    nos termos do artigo 6.o da Decisão 65/271/CEE do Conselho ( 18 ), os encargos decorrentes de aplicação aos transportes de passageiros de preços e condições de transporte impostos por um Estado‑Membro a favor de uma ou de várias categorias sociais especiais devem ser objeto de compensações;

    o Regulamento (CEE) n.o 1191/69 ( 19 ) incluía essa previsão nos seus artigos 1.o, n.o 4, e 9.o Nos termos do artigo 1.o, n.o 4, «[o]s encargos que decorram para as empresas de transporte, em resultado da manutenção das obrigações referidas no n.o 2, bem como da aplicação dos preços e condições de transporte referidas no n.o 3 [impostos por um Estado‑Membro no interesse de uma ou várias categorias sociais específicas], serão objeto de compensações de acordo com os procedimentos comuns estabelecidos no presente regulamento» ( 20 );

    nos termos do Regulamento n.o 1191/69, a obrigação tarifária cujo custo tinha de ser compensado ao transportador era a que preenchia a dupla condição de introduzir medidas tarifárias «especiais», aplicáveis a determinadas categorias de passageiros, e de ser contrária ao interesse comercial da empresa ( 21 ).

    41.

    O princípio da compensação dos encargos decorrentes das obrigações de serviço público encontra atualmente expressão em diversas disposições do Regulamento n.o 1370/2007:

    o artigo 3.o, n.o 2, pronuncia‑se em termos imperativos: «[a] autoridade competente compensa» as obrigações de serviço público impostas unilateralmente pela autoridade pública;

    o artigo 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, é também explícito quando visa «as condições em que as autoridades competentes, ao imporem obrigações de serviço público [...] compensam os operadores de serviços públicos pelos custos incorridos [...]»;

    o anexo relativo às regras aplicáveis à compensação tem em consideração, no seu n.o 3, os efeitos financeiros quantificáveis sobre as redes do operador «[p]ara evitar [...] a falta de compensação»;

    o novo artigo 2.o‑A, n.o 2 ( 22 ), refere as «especificações das obrigações de serviço público e a correspondente compensação do efeito financeiro líquido dessas obrigações».

    42.

    Isto assegura que as obrigações de serviço público, quando sejam onerosas, não sejam financeiramente prejudiciais para os operadores que as devem cumprir: ou, repito, são compensados pelos custos que delas decorrem, ou são‑lhes concedidos direitos exclusivos.

    43.

    Por conseguinte, o Regulamento n.o 1370/2007 não prevê que o custo decorrente das obrigações de serviço público estabelecidas em benefício de determinadas categorias de passageiros deva ser suportado apenas pelos operadores de transporte (caso em que, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, é provável que nenhum aceitasse prestar o serviço, desprovido de interesse comercial por si só).

    44.

    Em suma, tais obrigações, que poderiam ser traduzidas num contrato de prestação de serviços públicos ou, como no caso em apreço, numa regra geral, devem ser acompanhadas de uma compensação financeira adequada ou da concessão de um direito exclusivo.

    45.

    Importa precisar que as regras gerais em matéria tarifária como a controvertida no presente caso não têm a mesma natureza que as normas relativas à segurança dos passageiros, à proteção do ambiente e do trabalho ou à qualidade do serviço de transportes ( 23 ). O respeito destas últimas, na medida em que constituem o quadro regulamentar — diferente do da tarifação — em que a atividade é prestada, não confere direito a compensação.

    2. Eventual exclusão da contrapartida?

    46.

    O artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007 faz referência aos «parâmetros com base nos quais deve ser calculada a compensação, se for caso disso» ( 24 ).

    47.

    Essa subalínea, cuja interpretação é pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio, não deve ser lida no sentido de que confere aos Estados‑Membros o poder de concederem ou não a compensação. Faz antes eco da possibilidade de que, quando um contrato de prestação de serviços públicos seja celebrado, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007, «uma autoridade competente decida conceder ao operador da sua escolha um direito exclusivo», como alternativa à compensação financeira.

    48.

    Se, por força do artigo 3.o, n.o 1, para a «contrapartida da execução de obrigações de serviço público», deve ser celebrado um contrato de serviço público ( 25 ), tal não sucede quando a obrigação destinada a estabelecer tarifas máximas seja imposta pelas «regras gerais» (artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1370/2007).

    49.

    Nesta última hipótese (que corresponde à do presente caso), já recordei que, nos termos do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1370/2007, «[a] autoridade competente compensa os operadores de serviços públicos […] do efeito financeiro líquido, positivo ou negativo, sobre os custos e as receitas decorrentes do cumprimento das obrigações tarifárias estabelecidas mediante regras gerais por forma a evitar sobrecompensações».

    50.

    Poder‑se‑ia sustentar que, como a obrigação de serviço público afeta igualmente todos os transportadores, não deve ser suscetível de compensação, uma vez que não acarreta desvantagens concorrenciais para alguns em benefício de outros.

    51.

    Todavia, não creio que o Regulamento n.o 1370/2007 sustente essa tese.

    52.

    O Tribunal de Justiça declarou que o Regulamento n.o 1191/69, antecessor do atual, autorizava «os Estados‑Membros a imporem obrigações de serviço público a uma empresa pública encarregada de assegurar o transporte público de passageiros num município e [previa], relativamente aos encargos decorrentes dessas obrigações, a atribuição de uma compensação determinada de acordo com as disposições do referido regulamento» ( 26 ).

    53.

    O Regulamento n.o 1370/2007 fornece uma base equivalente para a manutenção desta posição. O facto de, no processo que foi decidido no Acórdão Antrop, o operador ser uma empresa pública e, neste caso, ser uma empresa privada, não constitui um obstáculo ( 27 ). Pelo contrário, impor uma pesada obrigação de serviço público a entidades privadas, de natureza comercial, que deixam de receber uma parte da remuneração inerente à sua atividade ( 28 ) justifica a introdução de compensações para equilibrar os efeitos negativos suscetíveis de afetar a sua competitividade no mercado.

    54.

    É certo que o Regulamento n.o 1370/2007 assegura a inexistência de sobrecompensação, que constituiria um auxílio de Estado, facto a que farei referência mais adiante. Por esse motivo, prevê um conjunto de mecanismos de contenção ( 29 ), mas não permite impor sem compensação obrigações de serviço público como a que está aqui em causa.

    55.

    O Tribunal de Justiça teve em conta a intensidade das compensações e a sua conformidade com as regras em matéria de auxílios de Estado ( 30 ). Salvo erro da minha parte, não se pronunciou sobre uma legislação nacional que, no setor dos transportes de passageiros, exclui simplesmente a compensação pelo cumprimento de obrigações de serviço público como a que está aqui em análise.

    56.

    No Acórdão Altmark ( 31 ), o Tribunal de Justiça analisou a legalidade de determinadas subvenções públicas destinadas a permitir a exploração de serviços regulares de transporte. Ao examinar se essas subvenções caíam sob a alçada do artigo 107.o TFUE, teve que ponderar se podiam ser «considerada[s] […] compensaç[ões] que representa[m] a contrapartida das prestações efetuadas pelas empresas beneficiárias para cumprir obrigações de serviço público» ( 32 ).

    57.

    Por conseguinte, o Acórdão Altmark pressupunha que a empresa incumbida do cumprimento de obrigações de serviço público, claramente definidas, tinha direito a uma contrapartida (reembolso), cujo montante não podia ultrapassar o que é necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público ( 33 ).

    58.

    O Acórdão Altmark corroborou assim o princípio geral (compensar o transportador pelo cumprimento de uma obrigação de serviço público que lhe causa prejuízo), tendo tido o cuidado, simultaneamente, de precisar as condições «para que num caso concreto tal compensação possa escapar à qualificação de auxílio estatal» ( 34 ).

    59.

    Como já referi, a particularidade do presente litígio reside no facto de a lei nacional suprimir a compensação. Neste contexto, discute‑se se o Regulamento n.o 1370/2007 confere fundamento ao prestador de serviços para que este a exija às autoridades do Estado‑Membro.

    60.

    Na minha opinião, o direito à cobrança dos serviços prestados aos utentes é indissociável do exercício de uma atividade comercial no setor do transporte rodoviário de passageiros, quando a empresa de transporte não disponha de outras receitas para além das tarifas ( 35 ). O pagamento desses serviços será assegurado, quer pelos utilizadores quer pelas autoridades que impõem o seu transporte a título gratuito.

    61.

    Além disso, a limitação imposta não tem por objeto «meros interesses ou oportunidades de índole comercial, cujo caráter aleatório [seja] inerente à própria essência das atividades económicas, mas direitos que têm um valor patrimonial do qual decorre, tendo em conta a ordem jurídica, uma posição jurídica adquirida que permite o exercício autónomo destes direitos pelo e a favor do seu titular» ( 36 ).

    62.

    Consequentemente, o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007 não permite excluir uma compensação adequada numa situação como a do presente caso.

    C.   Terceira questão prejudicial

    63.

    Com a terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1370/2007 permite excluir do âmbito de aplicação deste regulamento as regras gerais que estabelecem as tarifas máximas para categorias de passageiros diferentes das previstas nessa disposição ( 37 ).

    64.

    Nos termos do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1370/2007 os Estados‑Membros podem excluir do seu âmbito de aplicação «as regras gerais sobre a compensação financeira pelas obrigações de serviço público que fixem tarifas máximas para estudantes, formandos e pessoas com mobilidade reduzida».

    65.

    Tal possibilidade está subordinada à notificação dessas regras gerais à Comissão pelo Estado‑Membro, fornecendo «informações completas sobre as medidas em causa e, em particular, dados pormenorizados sobre o método de cálculo».

    66.

    A regulamentação anterior, contida no Regulamento n.o 1191/69 ( 38 ), previa igualmente uma opção análoga, aplicável às empresas cuja atividade se limitasse à exploração de serviços urbanos, suburbanos ou regionais.

    67.

    Ora, tal como noutros processos já examinados pelo Tribunal de Justiça ( 39 ), também neste não estão preenchidas as condições do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1370/2007, se nos ativermos às informações constantes do despacho de reenvio e às observações dos intervenientes no processo prejudicial.

    68.

    Com base nessas informações e observações, nada indica que a República da Estónia tenha manifestado a vontade de excluir as suas regras gerais (relativas às tarifas máximas aplicáveis a determinadas categorias de pessoas) da aplicação do Regulamento n.o 1370/2007, nem que as tenha comunicado à Comissão.

    69.

    Nestas condições, a terceira questão prejudicial tem uma natureza bastante hipotética (sendo, por conseguinte, inadmissível), uma vez que, no litígio, o pressuposto factual a que se vincula a aplicação do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1370/2007 não se verifica.

    70.

    Em todo o caso, a faculdade de excluir essas regras gerais da aplicação do Regulamento n.o 1370/2007 não autoriza os Estados‑Membros a ignorar as exigências decorrentes de outras regras e princípios do direito da União. Não creio que seja necessário debruçar‑me sobre este aspeto, uma vez que, como já referi, a República da Estónia não fez uso dessa faculdade.

    D.   Quarta questão prejudicial

    71.

    A quarta questão prejudicial é colocada «[c]aso o Regulamento n.o 1370/2007 não seja aplicável ao caso em apreço». Nessa hipótese, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a concessão de uma compensação pode basear‑se noutro ato da União, como a Carta.

    72.

    A resposta a essa questão não é necessária, uma vez que o Regulamento n.o 1370/2007 é aplicável ao litígio e concretiza o regime aplicável às compensações inerentes às obrigações de serviço público impostas através de regras gerais.

    73.

    Por conseguinte, não é necessário recorrer à Carta para dar cobertura jurídica às compensações em causa neste litígio.

    74.

    A Carta poderia ser utilizada como instrumento hermenêutico uma vez que, como reconhece o Governo estónio, o artigo 34.o da ÜTS implica uma limitação dos direitos fundamentais dos operadores de transportes. Esse governo repete, insistentemente ( 40 ), que o referido artigo não restringe excessivamente a liberdade de empresa ( 41 ) e o direito de propriedade, pelo que aceita o facto de que essa restrição existe.

    75.

    As restrições aos direitos fundamentais podem ser admitidas se forem conformes com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta ( 42 ). Para os setores em que a União exerce as suas competências, como o dos transportes rodoviários de passageiros, o equilíbrio entre o reconhecimento do direito fundamental e as restrições admissíveis (baseadas em objetivos legítimos de interesse geral), nos termos desse artigo da Carta, é fixado pelo legislador da União ( 43 ).

    76.

    O equilíbrio é alcançado, no que respeita às compensações exigíveis a título das obrigações de serviço público no setor dos transportes rodoviários de passageiros, pelas disposições do Regulamento n.o 1370/2007.

    E.   Quinta questão prejudicial

    77.

    O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber «[q]ue condições deve satisfazer a eventual compensação a conceder ao transportador para cumprir as regras em matéria de auxílios de Estado».

    78.

    Redigida nestes termos, a questão assemelha‑se mais a uma consulta do que a uma verdadeira questão prejudicial que vise a interpretação de disposições específicas do direito da União com incidência no litígio.

    79.

    Inevitavelmente, a resposta deve colocar‑se no mesmo nível de abstração, limitando‑se a recordar que:

    nos termos do artigo 93.o TFUE, incluído no título VI («Transportes»), «[s]ão compatíveis com os Tratados os auxílios que [...] correspondam ao reembolso de certas prestações inerentes à noção de serviço público»;

    o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1370/2007 dispõe que a autoridade competente «compensa os operadores de serviços públicos […] do efeito financeiro líquido, positivo ou negativo, sobre os custos e as receitas decorrentes do cumprimento das obrigações tarifárias estabelecidas mediante regras gerais por forma a evitar sobrecompensações»;

    essas compensações devem ser conformes com o disposto nos artigos 4.o e 6.o e no anexo do Regulamento n.o 1370/2007. O anexo contém as regras aplicáveis à compensação nos casos referidos no artigo 6.o, n.o 1 (obrigações de serviço público impostas por regras gerais), de modo que não seja excessiva ( 44 );

    na medida em que as compensações para cumprir as obrigações tarifárias estabelecidas por força das regras gerais sejam pagas em conformidade com o Regulamento n.o 1370/2007, são compatíveis com o mercado interno e não carecem de notificação prévia à Comissão ( 45 );

    só se a compensação fosse excessiva, em relação aos parâmetros de cálculo previstos nas disposições acima recordadas, é que poderia constituir um auxílio de Estado que o Estado‑Membro deveria notificar à Comissão, em conformidade com o artigo 108.o TFUE ( 46 );

    em última análise, importa ter em consideração os critérios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Altmark ( 47 ) para constatar a existência de um auxílio de Estado, previsto no artigo 107.o TFUE. Deve ser entendida como tal o que confira uma vantagem, e não o estritamente compensatório. Os «auxílios de Estado», na aceção do artigo 107.o TFUE, não se identificam com os meramente compensatórios pelo cumprimento de obrigações de serviço público ( 48 ).

    80.

    A função consistente na aplicação desses critérios ao litígio ultrapassa a tarefa de interpretação do direito da União, que o artigo 267.o TFUE atribui ao Tribunal de Justiça. Por conseguinte, compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se, no presente caso, o montante da compensação se deve basear no lucrum cessans que a empresa transportadora poderia ter sofrido, calculado a partir da tarifa de base do bilhete ou de outros parâmetros que considere adequados. As disposições do anexo do Regulamento n.o 1370/2007, às quais o juiz recorre na parte final do despacho de reenvio, fornecem‑lhe indicações para esse efeito.

    V. Conclusão

    81.

    Atendendo ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao Tallinna Halduskohus (Tribunal Administrativo de Taline, Estónia) nos seguintes termos:

    1)

    O artigo 2.o, alínea e), e o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho, devem ser interpretados no sentido de que a regra geral que impõe a todas as empresas prestadoras de serviços regulares de transporte rodoviário de passageiros o transporte, a título gratuito, de determinadas categorias de passageiros, constitui uma obrigação de serviço público.

    2)

    O artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007 não autoriza a exclusão, através de uma lei nacional, do pagamento ao transportador da compensação devida por essa obrigação de serviço público.

    3)

    Nos termos do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1370/2007, um Estado‑Membro pode excluir do âmbito de aplicação deste regulamento as regras gerais relativas às compensações financeiras pelas obrigações de serviço público que estabeleçam tarifas máximas para determinadas categorias de passageiros, notificando‑as à Comissão com informações completas sobre a medida.

    4)

    As compensações devidas pela execução das obrigações de serviço público devem ser conformes com os artigos 4.o e 6.o e com o anexo do Regulamento n.o 1370/2007. Quando, para cumprir as obrigações tarifárias estabelecidas por regras gerais, as compensações sejam pagas em conformidade com o Regulamento n.o 1370/2007, não são consideradas auxílios de Estado, são compatíveis com o mercado interno e não carecem de notificação prévia à Comissão.


    ( 1 ) Língua original: espanhol.

    ( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n n.o 1107/70 do Conselho (JO 2007, L 315, p. 1).

    ( 3 ) Lei Relativa aos Transportes de Passageiros (RT I, 23 de março de 2015, 2), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (RT I 2020, 24) (a seguir «ÜTS»).

    ( 4 ) Estas empresas eram titulares, desde agosto de 2013 e março de 2015, respetivamente, de duas licenças para o transporte de passageiros, ao abrigo das quais asseguraram serviços regulares de transporte comerciais com autocarros no território estónio. Após a sua fusão, em 29 de julho de 2019, a Lux Express Estonia prosseguiu a atividade.

    ( 5 ) Desde o pedido por via administrativa, o montante reclamado variou, quanto ao seu alcance temporal, até ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2020.

    ( 6 ) Segundo o Governo estónio (n.os 7 a 9 das suas observações), quando os serviços regulares de transporte são livremente assegurados por empresas privadas, estas assumem o seu próprio risco comercial, escolhem o itinerário da linha regular que lhes interessa e, para a sua exploração, apresentam um pedido de licença. Se uma linha não for economicamente atrativa para os transportadores comerciais e for de interesse para os utilizadores, a autoridade competente estabelece uma obrigação de serviço público mediante a celebração de um contrato de serviço público. Este é normalmente adjudicado por concurso e enuncia as condições da sua prestação e as respetivas subvenções.

    ( 7 ) N.o 9 das presentes conclusões.

    ( 8 ) Artigo 2.o, alínea e), do Regulamento n.o 1370/2007. O considerando 5 deste regulamento é formulado em termos semelhantes: «[...] numerosos serviços de transporte terrestre de passageiros que constituem uma necessidade em termos de interesse económico geral não são passíveis de exploração comercial. As autoridades competentes dos Estados‑Membros devem ter a possibilidade de intervir para garantir a prestação desses serviços. Entre os mecanismos que as autoridades competentes podem utilizar para garantir a prestação de serviços públicos de transporte de passageiros contam‑se a atribuição de direitos exclusivos aos operadores de serviços públicos, a concessão de uma compensação financeira aos operadores de serviços públicos e a definição de regras gerais para a exploração de serviços de transporte público aplicáveis a todos os operadores [...]».

    ( 9 ) Artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007.

    ( 10 ) Definidos, respetivamente, nas alíneas i) e l), do artigo 2.o do Regulamento n.o 1370/2007. O contrato de serviço público reflete um «acordo entre uma autoridade competente e um operador de serviço público». A regra geral implica uma «medida que é aplicável sem discriminação a todos os serviços de transporte público de passageiros de um mesmo tipo numa determinada zona geográfica».

    ( 11 ) A qualificação do legislador estónio como autoridade competente, na aceção do artigo 2.o, alínea b), do Regulamento n.o 1370/2007, deixa pouco lugar a dúvidas.

    ( 12 ) Observações do Governo estónio, n.o 11. Segundo este governo, a ÜTS faz «eco da Constituição estónia» e da «atenção particular que a sociedade presta às famílias com filhos menores e a pessoas com deficiência, pelo que as restrições aos direitos fundamentais devem, para esse efeito, ser consideradas legítimas. O legislador dispõe de uma ampla margem de apreciação quando restringe direitos fundamentais para efeitos de política social». O reconhecimento de que ocorre uma restrição desses direitos é reiterado: não apenas no n.o 11 (duas vezes) mas também nos n.os 12, 22, 49 e 50 das suas observações.

    ( 13 ) No Acórdão de 14 de outubro de 2021, Viesgo Infraestructuras Energéticas (C‑683/19, EU:C:2021:847), o Tribunal de Justiça qualificou como obrigação de serviço público [na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO 2009, L 211, p. 55)] uma obrigação com características semelhantes: a imposta às empresas comercializadoras de fornecerem energia elétrica a uma tarifa reduzida a consumidores vulneráveis.

    ( 14 ) No Acórdão de 14 de outubro de 2021, Viesgo Infraestructuras Energéticas (C‑683/19, EU:C:2021:847), o Tribunal de Justiça declarou que a Diretiva 2009/72 não se opunha a «que o regime de financiamento de uma obrigação de serviço público, que consiste no fornecimento de energia elétrica a uma tarifa reduzida a determinados consumidores vulneráveis, seja instaurado […] sem medidas de compensação» (n.o 61).

    ( 15 ) O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007 refere‑se especificamente à «contrapartida da execução de obrigações de serviço público».

    ( 16 ) Nos termos do artigo 2.o, alínea g), do Regulamento n.o 1370/2007, a compensação é identificada com «qualquer vantagem, nomeadamente financeira, concedida direta ou indiretamente por uma autoridade competente através de recursos públicos durante o período de execução de uma obrigação de serviço público ou ligada a esse período».

    ( 17 ) O artigo 2.o, alínea f), do Regulamento n.o 1370/2007 considera como tal o «direito que autoriza um operador de serviço público a explorar determinados serviços de transporte público de passageiros numa linha, rede ou zona específica, com exclusão de outros operadores de serviços públicos».

    ( 18 ) Decisão de 13 de maio de 1965, relativa à harmonização de certas disposições com incidência na concorrência no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO 1965, 88, p. 1500; EE 07 F1 p. 91).

    ( 19 ) Regulamento do Conselho, de 26 de junho de 1969, relativo à ação dos Estados‑Membros em matéria de obrigações inerentes à noção de serviço público no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO 1969, L 156, p. 1; EE 08 F1 p. 131).

    ( 20 ) Embora a reforma operada pelo Regulamento (CEE) n.o 1893/91 do Conselho, de 20 de junho de 1991, que altera o Regulamento n.o 1191/69 (JO 1991, L 169, p. 1), tenha eliminado o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1191/69, manteve o artigo 9.o, permanecendo assim a compensação dos encargos das empresas que decorram da aplicação aos transportes de passageiros de preços e condições impostos no interesse de uma ou de várias categorias sociais específicas.

    ( 21 ) Por conseguinte, a obrigação de compensação não abrangia as «medidas gerais de políticas de preços» nem as «medidas tomadas em matéria de preços e condições gerais de transporte tendo em vista a organização do mercado de transportes ou de uma parte deste». V. Acórdão de 27 de novembro de 1973, Nederlandse Spoorwegen (36/73, EU:C:1973:130, n.os 11 a 13).

    ( 22 ) Aditado pelo Regulamento (UE) 2016/2338 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2016 (JO 2016, L 354, p. 22).

    ( 23 ) A elas se refere o considerando 17 do Regulamento n.o 1370/2007.

    ( 24 ) O sublinhado é meu.

    ( 25 ) V. Comunicação da Comissão Relativa a Orientações para a Interpretação do Regulamento (CE) n.o 1370/2007, Relativo aos Serviços Públicos de Transporte Ferroviário e Rodoviário de Passageiros (JO 2014, C 92, p. 1; a seguir «Comunicação da Comissão»), n.o 2.2.3, segundo parágrafo.

    ( 26 ) Acórdão de 7 de maio de 2009, Antrop e o. (C‑504/07, a seguir «Acórdão Antrop, EU:C:2009:290, n.o 21).

    ( 27 ) Nos termos do considerando 12 do Regulamento n.o 1370/2007, «[p]ara o direito comunitário, é irrelevante se os serviços públicos de transporte de passageiros são operados por empresas públicas ou privadas».

    ( 28 ) O Governo estónio e a Lux Express Estónia divergem quanto à determinação do efeito económico real da medida. Para o Governo estónio, esse efeito é «reduzido» (n.o 15 das suas observações), ao passo que, para o operador, onera consideravelmente o seu volume de negócios.

    ( 29 ) Artigo 4.o, artigo 6.o e anexo.

    ( 30 ) Acórdão Antrop, n.o 23: «[O] artigo 73.o CE institui, no domínio dos transportes, uma derrogação às regras gerais aplicáveis aos auxílios de Estado, ao prever que os auxílios que vão ao encontro das necessidades de coordenação dos transportes ou que correspondam ao reembolso de certas prestações inerentes à noção de serviço público são compatíveis com o Tratado».

    ( 31 ) Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, a seguir «Acórdão Altmark, EU:C:2003:415).

    ( 32 ) Acórdão Altmark, n.o 87.

    ( 33 ) As condições estabelecidas no Acórdão Altmark parecem ter inspirado a redação de determinadas disposições do Regulamento n.o 1370/2007.

    ( 34 ) Acórdão Altmark, n.o 88.

    ( 35 ) A Lux Express Estonia salienta (n.o 3 das suas observações) que a sua única fonte de receitas consiste na venda de bilhetes, uma vez que não recebe subvenções do Estado. Acrescenta (n.o 28 dessas observações) que também não beneficia de outros elementos compensatórios, como a concessão de direitos exclusivos.

    ( 36 ) Acórdão de 3 de setembro de 2015, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Comissão (C‑398/13 P, EU:C:2015:535, n.o 60). Questão diferente, como já referi, consiste em saber como é que este direito é quantificado em cada caso. Determinadas obrigações impostas (por exemplo, a relativa às crianças de tenra idade que não ocupem lugares) podem não ter efeitos negativos nas contas do operador.

    ( 37 ) Na lista dos beneficiários do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1370/2007 (estudantes, formandos e pessoas com mobilidade reduzida) poderiam incluir‑se, por analogia, as categorias do artigo 34.o da ÜTS. Este último diz respeito a crianças em idade pré‑escolar, e a outras pessoas, menores e maiores de idade, com deficiência. Como afirma o Governo estónio (n.o 41 das suas observações), as regras gerais que fixam tarifas máximas para categorias de passageiros semelhantes às do referido artigo 3.o, n.o 3, deveriam beneficiar deste, pelas mesmas razões de interesse geral.

    ( 38 ) Artigo 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, na redação que lhe foi dada pelo Regulamento n.o 1893/91.

    ( 39 ) Acórdão de 3 de abril de 2014, CTP (C‑516/12 a C‑518/12, EU:C:2014:220, n.o 20): «[N]ada nos elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça sugere que a República Italiana tenha feito uso da possibilidade prevista no artigo 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1191/69, de excluir do âmbito de aplicação deste as empresas cuja atividade se limite exclusivamente à exploração de serviços urbanos, suburbanos ou regionais. Por conseguinte, as disposições desse regulamento são plenamente aplicáveis nos processos principais, e a questão prejudicial deve ser examinada à luz dessas disposições». V., também, Acórdão Antrop, n.o 17.

    ( 40 ) V. nota 12 das presentes conclusões.

    ( 41 ) Ao fazer impender sobre o transportador «uma restrição suscetível de afetar a sua atividade económica», entra em jogo o direito à liberdade de empresa, protegido pelo artigo 16.o da Carta (Acórdão de 15 de setembro de 2016, Mc Fadden, C‑484/14, EU:C:2016:689, n.o 82), simultaneamente com o direito de propriedade.

    ( 42 ) Acórdão de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Usufruto sobre terrenos agrícolas) (C‑235/17, EU:C:2019:432, n.o 88): «[S]egundo [o artigo 52.o, n.o 1, da Carta,] podem ser introduzidas restrições ao exercício dos direitos reconhecidos pela Carta desde que estas restrições estejam previstas na lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e que, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e das liberdades de terceiros».

    ( 43 ) Sem prejuízo, logicamente, da fiscalização pelo Tribunal de Justiça da validade das normas do direito derivado da União.

    ( 44 ) A compensação não deve colocar o operador numa posição mais favorável do que a dos seus concorrentes no mercado. Assim, em conformidade com o n.o 2 do anexo do Regulamento n.o 1370/2007, o efeito financeiro é avaliado «comparando a situação em que é executada a obrigação de serviço público com a situação que teria existido se a obrigação não tivesse sido executada». Se o limite do efeito financeiro líquido for excedido, o excesso constitui um auxílio de Estado.

    ( 45 ) Comunicação da Comissão, n.o 2.4.1: «Tratando‑se de serviços de transporte público ferroviário ou rodoviário de passageiros, e de acordo com o artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007, desde que sejam pagas nas condições estabelecidas no regulamento, as compensações por esses serviços são consideradas compatíveis com o mercado interno e não carecem da notificação prévia exigida pelo artigo 108.o, n.o 3, do TFUE».

    ( 46 ) Comunicação da Comissão, n.o 2.2.4.

    ( 47 ) Comunicação da Comissão, n.o 2.4.1: «Para […] não serem [auxílios de Estado], as compensações terão de satisfazer as quatro condições estabelecidas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Altmark».

    ( 48 ) Acórdão Altmark, n.o 87.

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