Välj vilka experimentfunktioner du vill testa

Det här dokumentet är ett utdrag från EUR-Lex webbplats

Dokument 62020CC0289

    Conclusões do advogado-geral M.Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 8 de julho de 2021.
    IB contra FA.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d'appel de Paris.
    Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Competência para conhecer de um pedido de divórcio — Artigo 3.o, n.o 1, alínea a) — Conceito de “residência habitual” do requerente.
    Processo C-289/20.

    Rättsfallssamlingen – allmänna delen ; Rättsfallssamlingen – allmänna delen – avdelningen ”Upplysningar om opublicerade avgöranden”

    ECLI-nummer: ECLI:EU:C:2021:561

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

    apresentadas em 8 de julho de 2021 ( 1 )

    Processo C‑289/20

    IB

    contra

    FA

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França)]

    «Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Competência judiciária internacional, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Conceito de residência habitual»

    1.

    Nos últimos anos do século XX, a União Europeia abordou, no quadro da cooperação judiciária em matéria civil, fomentada primeiro pelo Tratado de Maastricht ( 2 ) e posteriormente pelo Tratado de Amesterdão ( 3 ), os problemas de direito da família relacionados com o fenómeno da integração.

    2.

    No que respeita à competência judiciária em matéria matrimonial, a uma primeira convenção que não chegou a entrar em vigor ( 4 ) seguiu‑se o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 ( 5 ), revogado pelo Regulamento (CE) n.o 2201/2003 ( 6 ), que é o instrumento em vigor ( 7 ).

    3.

    O Tribunal de Justiça interpretou o artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003 no âmbito de diversos reenvios prejudiciais ( 8 ). Salvo erro da minha parte, nenhum incidia sobre as consequências que a aceitação de uma dupla, ou mesmo múltipla, «residência habitual» de um dos cônjuges (ou dos dois) poderia ter na sua interpretação.

    4.

    Por conseguinte, este reenvio prejudicial permitirá ao Tribunal de Justiça fazer face a uma questão que, suscitada noutros domínios ( 9 ), ainda não foi apreciada neste. A resposta exigirá que, a título prévio, se delimite o conceito de «residência habitual» quando serve para determinar a competência judiciária internacional nos litígios em matéria de divórcio, separação ou anulação do casamento.

    I. Quadro jurídico. Regulamento n.o 2201/2003

    5.

    Nos termos do considerando 1:

    «A Comunidade Europeia fixou o objetivo de criar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça em que será garantida a livre circulação das pessoas. Para o efeito, a Comunidade deve adotar, nomeadamente, medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil necessárias para o correto funcionamento do mercado interno.»

    6.

    O considerando 8 enuncia:

    «Quanto às decisões de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, o presente regulamento apenas deve ser aplicável à dissolução do vínculo matrimonial e não deve abranger questões como as causas do divórcio, os efeitos patrimoniais do casamento ou outras eventuais medidas acessórias.»

    7.

    Nos termos do artigo 3.o:

    «1.   São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento, os tribunais do Estado‑Membro:

    a)

    Em cujo território se situe:

    a residência habitual dos cônjuges, ou

    a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida, ou

    a residência habitual do requerido, ou

    em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, ou

    a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, no ano imediatamente anterior à data do pedido, ou

    a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, nos seis meses imediatamente anteriores à data do pedido, quer seja nacional do Estado‑Membro em questão quer, no caso do Reino Unido e da Irlanda, aí tenha o seu “domicílio”;

    b)

    Da nacionalidade de ambos os cônjuges ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, do “domicílio” comum.

    […]»

    II. Matéria de facto, litígio e questão prejudicial

    8.

    FA, nacional irlandesa, e IB, de nacionalidade francesa, casaram‑se na Irlanda, em 1994. Têm três filhos já maiores de idade.

    9.

    Em 28 de dezembro de 2018, IB propôs uma ação de divórcio no tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris, França).

    10.

    Por Despacho de 11 de julho de 2019, o juiz de família do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris) declarou incompetentes os tribunais franceses para decidir sobre o divórcio. Baseou a sua decisão nos seguintes factos:

    O domicílio familiar situava‑se na Irlanda, local onde a família se tinha estabelecido em 1999 e adquirido um bem imóvel que constituía a sua casa de morada de família; os filhos residiam igualmente na Irlanda onde prosseguiam os seus estudos.

    Não tinha havido qualquer separação entre os cônjuges, e nada indicava uma vontade comum de transferir a casa de morada de família para França.

    Em contrapartida, existiam vários dados que confirmavam a ligação pessoal e familiar de IB à Irlanda, para onde se deslocava todos os fins de semana para aí se reunir com a mulher e os filhos e praticar atividades desportivas e de lazer habituais.

    Nos seis meses anteriores à propositura da ação (ou seja, depois de 27 de junho de 2018) não se verificou qualquer alteração no estilo de vida de IB da qual se pudesse concluir que ele teria abandonado a sua residência na Irlanda. Pelo contrário, prosseguiu com a mesma vida familiar nesse país até às férias de Natal de 2018, as quais foram passadas junto da mulher e dos filhos no domicílio familiar.

    A ligação de IB à Irlanda não impede uma ligação a França, país para onde se desloca semanalmente, por motivos profissionais, desde 2017. Tem, de facto, duas residências, uma durante a semana, situada em Paris, por motivos profissionais, e outra, onde permanecia o resto do tempo, junto da mulher e dos filhos, na Irlanda.

    11.

    IB interpôs recurso do despacho do juiz de primeira instância na cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França), pedindo que fosse anulado e que se declarasse serem os tribunais franceses competentes em razão do território para decidir sobre o pedido de divórcio. Em especial, negou que não tivesse a intenção de instalar em França «o centro permanente ou habitual dos seus interesses com o propósito de lhe conferir um caráter estável».

    12.

    FA pediu ao tribunal de recurso a confirmação do despacho recorrido.

    13.

    Segundo a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris), pelo menos seis meses antes de propor a ação de divórcio, IB tinha estabelecido em França uma residência estável e permanente sem, todavia, abandonar a sua residência na Irlanda, onde conservava laços familiares e para onde se deslocava, por motivos pessoais, com a mesma regularidade que antes.

    14.

    Por conseguinte, o tribunal de recurso entende que IB conserva uma residência em França com as características de estabilidade e permanência que lhe conferem a natureza de residência habitual, e, em simultâneo, uma residência com as mesmas características na Irlanda.

    15.

    Daí retira que os tribunais franceses e os tribunais irlandeses podem ser igualmente competentes para conhecer do divórcio, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), quinto e sexto travessões, do Regulamento n.o 2201/2003.

    16.

    Neste contexto, entende ser indispensável a interpretação do conceito de «residência habitual», pelo que submete ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Quando, como no caso em apreço, resulte das circunstâncias de facto que um dos cônjuges divide a sua vida entre dois Estados‑Membros, pode considerar‑se, na aceção do artigo 3.o do Regulamento [n.o 2201/2003] e para efeitos da sua aplicação, que esse cônjuge tem a sua residência habitual em dois Estados‑Membros, de modo que, se os requisitos estabelecidos nesse artigo estiverem preenchidos relativamente a dois Estados‑Membros, os tribunais desses dois Estados são igualmente competentes para decidir sobre o divórcio?»

    III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    17.

    O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de junho de 2020.

    18.

    Apresentaram observações escritas FA, os Governos alemão, francês, irlandês e português, bem como a Comissão Europeia.

    19.

    Em 17 de fevereiro de 2021, IB apresentou um pedido fundamentado de audiência de alegações. Todavia, deu o seu consentimento para que, devido à crise sanitária, fosse substituída por observações escritas, o que foi acordado. Apresentaram essas observações, em substituição da audiência, além de IB, os Governos francês e irlandês, bem como a Comissão.

    IV. Análise

    A. Observações preliminares

    20.

    A questão prejudicial parte do pressuposto de que uma pessoa «divide a sua vida entre dois Estados‑Membros» ( 10 ). O órgão de reenvio pretende saber qual é a incidência dessa circunstância de facto na determinação da jurisdição competente para decidir uma ação de divórcio.

    21.

    A resposta impõe tomar posição sobre o que se deve entender por «residência habitual» de um adulto, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003. Se se confirmasse que IB pode ter a sua residência habitual, para efeitos dessa disposição, em dois Estados‑Membros, seria necessário analisar se os tribunais de ambos são igualmente competentes para decidir do divórcio.

    22.

    Para melhor compreender a norma aplicável, evocarei, antes de mais, os seus antecedentes.

    23.

    O Regulamento n.o 2201/2003 regula a competência judiciária internacional em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, o reconhecimento e a execução de decisões e a cooperação entre autoridades para todos os Estados da União Europeia, com exceção da Dinamarca.

    24.

    Não é o primeiro instrumento na matéria. Como já referi, em 1998, foi celebrada uma convenção sobre os mesmos aspetos (embora mais limitada no que respeita à responsabilidade parental). Foi acompanhada de um relatório explicativo que dava conta da razão de ser das suas regras ( 11 ).

    25.

    A Convenção de 1998 não entrou em vigor. Quando, pouco tempo depois, a Comunidade adquiriu competência no domínio da cooperação judiciária civil, o seu articulado foi incorporado no Regulamento n.o 1347/2000, cujo considerando 6 faz apelo à continuidade entre instrumentos.

    26.

    Três anos mais tarde, o Regulamento n.o 2201/2003 substituiu o Regulamento n.o 1347/2000, alargando o seu âmbito de aplicação a processos e decisões relativas à responsabilidade parental não relacionados com processos matrimoniais. Em contrapartida, manteve inalteradas as regras relativas à competência judiciária internacional para os litígios respeitantes ao divórcio, à separação e à anulação do casamento.

    27.

    O período de vigência do Regulamento n.o 2201/2003 terminará em 1 de agosto de 2022, uma vez que em 25 de junho de 2019 foi adotado o Regulamento (UE) 2019/1111 ( 12 ), concebido para fazer face a deficiências na sua aplicação no que respeita aos processos que envolvem uma criança. Os foros de competência judiciária internacional para situações de crise matrimonial não são alterados.

    28.

    O facto de as regras de competência em matéria de divórcio, separação e anulação do casamento serem idênticas nos instrumentos sucessivos, acompanhado da falta de explicação a seu respeito no Regulamento n.o 2201/2003, torna os instrumentos anteriores (consequentemente, em especial, o Relatório Borrás) em elemento central, mas não único, para a compreensão do conceito de «residência habitual» utilizado no artigo 3.o daquele regulamento ( 13 ).

    B. A «residência habitual» na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003

    29.

    O artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003 integra‑se num instrumento que visa assegurar, no seu domínio específico, a liberdade de circulação das pessoas no espaço europeu de liberdade, segurança e justiça ( 14 ).

    30.

    Uma boa compreensão da liberdade de movimentos impõe aos Estados‑Membros que se abstenham tanto de impor restrições diretas ao seu exercício como de criar obstáculos que, indiretamente, tenham efeitos dissuasivos semelhantes.

    31.

    As divergências entre os Estados‑Membros em matéria de direito da família ou as dificuldades que uma pessoa enfrente para que o seu estado civil lhe seja reconhecido fora do Estado‑Membro onde se constituiu são suscetíveis de produzir esses efeitos dissuasivos.

    32.

    Consciente desta realidade, o legislador europeu instituiu um quadro regulamentar uniforme a fim de facilitar o acesso aos tribunais dos Estados‑Membros nos litígios em matéria de divórcio, separação e anulação do casamento com um elemento estrangeiro, bem como para o reconhecimento mútuo das decisões que sejam proferidas ( 15 ).

    33.

    O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003 recorre, repetidamente, à residência habitual de um ou de ambos os cônjuges, a fim de precisar quais os tribunais competentes para dirimir esses litígios.

    1.   Interpretação autónoma

    a)   Abordagem do conceito de residência habitual noutros textos normativos

    1) Em geral

    34.

    Diversos instrumentos da União Europeia para a cooperação judiciária em matéria de direito da família, em consonância com certas convenções internacionais multilaterais ( 16 ), recorrem à residência habitual da(s) parte(s) interessada(s) como critério de competência judiciária internacional (direta ou no âmbito do reconhecimento das decisões) e elemento de conexão das regras de conflito ( 17 ).

    35.

    A residência habitual constitui igualmente um critério frequente noutros domínios do direito da União ( 18 ) e em convenções internacionais ( 19 ). Uma tendência comum dos textos respetivos consiste no facto de geralmente não definirem esse conceito nem remeterem, no âmbito da sua interpretação, para os ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros (ou Estados partes) ( 20 ).

    36.

    Na linguagem corrente, a expressão «residência habitual» denota uma permanência regular ou estável num local determinado. Todavia, a sua utilização em termos jurídicos requer mais do que uma interpretação circunscrita ao sentido comum dos termos ( 21 ).

    37.

    Os preâmbulos, os relatórios explicativos, os trabalhos preparatórios e a jurisprudência do Tribunal de Justiça revelam a tendência para identificar a residência habitual com o «centro de interesses» da pessoa. Para o identificar, em abstrato, recorre‑se ao agrupamento de determinados fatores de conexão; e, mais especificamente, à apreciação desses fatores à luz das circunstâncias de cada caso concreto ( 22 ).

    38.

    A natureza dos interesses, bem como os aspetos e indícios pertinentes (em suma, os fatores de conexão) que determinarão a residência habitual de uma pessoa, serão precisados no contexto da disposição que prevê esse critério de atribuição de competência. Será também necessário atender ao objetivo dessa disposição, bem como ao conjunto normativo em que se insere.

    39.

    No âmbito do Regulamento n.o 2201/2003, o conceito de residência habitual e a sua interpretação são autónomas, como o Tribunal de Justiça recordou ( 23 ). Por conseguinte, o contexto e a finalidade das disposições desse regulamento indicarão os limites à utilização da analogia e das extrapolações entre setores jurídicos ( 24 ).

    2) Noutros setores da cooperação judiciária em matéria civil

    i) Residência habitual da criança

    40.

    O Tribunal de Justiça, no que se refere à residência habitual das crianças nos litígios em matéria de responsabilidade parental, equipara‑a ao centro dos interesses vitais, que reconhece através do agrupamento de indícios:

    selecionados pela sua aptidão ou correspondência com o contexto da norma que prevê o critério ( 25 ) e com os objetivos do Regulamento n.o 2201/2003, definidos em função do superior interesse da criança ( 26 ); e

    aplicados (e ponderados) tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto específicas do caso ( 27 ).

    41.

    Em contrapartida, o Tribunal de Justiça exclui a simples aplicação das definições ou das interpretações desse conceito noutros domínios do direito da União (em especial, em matéria de segurança social e de função pública). Precisamente porque o contexto é diferente, «não pode[m] ser diretamente aplicada[s] no quadro da apreciação da residência habitual das crianças, na aceção do artigo 8.o, n.o 1, do [Regulamento n.o 2201/2003]» ( 28 ).

    ii) Residência habitual do falecido

    42.

    A mesma abordagem aplica‑se, mutatis mutandis, à determinação da residência habitual do falecido, utilizada pelo Regulamento (UE) n.o 650/2012 ( 29 ).

    43.

    Nos seus considerandos, este último regulamento refere‑se à residência enquanto «centro de interesses da […] família e […] vida social» do falecido; e propõe que seja identificada através de «uma avaliação global das circunstâncias da vida do falecido durante os anos anteriores ao óbito e no momento do óbito, tendo em conta todos os elementos factuais pertinentes, em particular a duração e a regularidade da permanência do falecido no Estado em causa, bem como as condições e as razões dessa permanência». A residência habitual assim determinada «deverá revelar uma relação estreita e estável com o Estado em causa tendo em conta os objetivos específicos do presente regulamento» ( 30 ).

    iii) Residência habitual do devedor insolvente

    44.

    Por último, a residência habitual é um critério (indireto) de competência judiciária internacional e, por extensão, um elemento de conexão da regra de conflito no Regulamento (UE) 2015/848 relativo aos processos de insolvência ( 31 ).

    45.

    O seu artigo 3.o, n.o 1, presume que o «centro dos interesses principais» do devedor, tratando‑se de uma pessoa singular, é a sua residência habitual. Neste domínio, os interesses relevantes são económicos e financeiros; os indícios a avaliar são os que permitem a terceiros reconhecer facilmente esse «centro de interesses» ( 32 ).

    b)   Adaptação desta abordagem ao artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003

    46.

    Dada a sua flexibilidade, a abordagem descrita é adequada para a identificação da residência habitual no artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003, de forma a permitir atribuir competência aos tribunais de um Estado‑Membro em matéria de divórcio, separação e anulação do casamento.

    47.

    O regulamento não contém qualquer orientação sobre o que é ou como se determina a «residência habitual» de um adulto em situação de crise conjugal nem remete para os ordenamentos jurídicos nacionais para o efeito. Esta ausência constitui uma opção deliberada (e comum aos instrumentos anteriores).

    48.

    O Relatório Borrás salienta‑o quando nele se afirma que:

    O assunto foi discutido, a propósito da inclusão do (atual) sexto travessão do artigo 3.o, n.o 1, alínea a) ( 33 ); acabou por se excluir a previsão de uma norma que fixasse o local da residência habitual para efeitos da Convenção de 1998 ( 34 ).

    Teve‑se «particularmente em conta» a definição, utilizada pelo Tribunal de Justiça noutros domínios, nos termos da qual «residência habitual» é «o local onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir um caráter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses» ( 35 ).

    Foram rejeitadas outras propostas ( 36 ), o que permite considerar que a que foi tida «particularmente em conta» foi aceite como conceito de trabalho durante as negociações.

    49.

    Dada a continuidade entre a Convenção de 1998 e o regulamento em vigor, pode deduzir‑se que os critérios atuais de competência judiciária internacional para os litígios em matéria de divórcio, separação e anulação do casamento se inspiram nesse mesmo desígnio.

    50.

    A concretização dos interesses relevantes para a identificação da residência habitual dos cônjuges e para a escolha dos fatores de conexão que, no âmbito de uma avaliação conjunta, permitem a sua determinação em cada caso deve ser efetuada, como já referi, de forma autónoma, à luz do contexto da disposição e da finalidade do Regulamento n.o 2201/2003 ( 37 ).

    51.

    Além disso, importa não esquecer que, nesses processos, a situação é suscetível de mudar rapidamente devido, precisamente, à crise conjugal. Frequentemente ocorre a transferência da residência habitual, seguida, por vezes, do regresso de um dos cônjuges ao seu Estado‑Membro de origem, no caso de cônjuges de nacionalidades distintas.

    2.   Contexto do artigo 3.o e finalidade do Regulamento n.o 2201/2003

    a)   Precisão: funções da residência habitual na secção 1 do capítulo II do Regulamento n.o 2201/2003 e unidade do conceito

    52.

    A residência habitual e a nacionalidade de um Estado‑Membro são os elementos fundamentais da secção 1 («Divórcio, separação e anulação do casamento») do capítulo II («Competência») do Regulamento n.o 2201/2003.

    53.

    Esses elementos desempenham duas funções: atribuir competência judiciária internacional em litígios relativos a crises conjugais, nos termos do artigo 3.o; e delimitar o alcance dessa secção, em conformidade com os artigos 6.o e 7.o ( 38 ).

    54.

    Sendo o conceito de «residência habitual» o mesmo nos dois casos, a definição adotada no âmbito do artigo 3.o, n.o 1, tem incidência nos artigos 7.o e 6.o Isto resulta do considerando 8 do Regulamento n.o 1347/2000, anterior ao atual, quando alarga o instrumento aos nacionais de Estados terceiros «que apresentem um vínculo suficientemente forte ao território de um dos Estados‑Membros, em conformidade com os critérios de competência previstos no regulamento» ( 39 ).

    b)   Um critério de competência judiciária internacional ad hoc

    55.

    Para as situações de crises conjugais, o artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 2201/2003 prevê foros de competência judiciária internacional baseados em circunstâncias pessoais de um ou de ambos os cônjuges. São foros exclusivos e não existe uma hierarquia entre eles ( 40 ).

    56.

    A lista dos foros retoma os critérios do artigo 3.o do Regulamento n.o 1347/2000, e este, os do artigo 2.o da Convenção de 1998. No que respeita à residência habitual, esses critérios dizem respeito:

    à residência habitual comum a ambas as partes, ou à que foi comum no passado ( 41 );

    à residência habitual de uma única parte:

    após acordo com a outra parte, se o pedido for conjunto; nesse caso, podem ser competentes os tribunais do Estado‑Membro da residência habitual do requerente ou do requerido;

    se for a do requerido;

    se for a do requerente, desde que aí tenha residido, pelo menos, no ano anterior à data do pedido, ou nos seis meses se se localizar no Estado‑Membro da nacionalidade do autor (ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, este aí tenha o seu «domicile»).

    57.

    O Relatório Borrás explica a seleção dos foros e o seu caráter alternativo: respondem aos interesses das partes, acarretam uma regulação flexível, adaptada à mobilidade das pessoas, e revelam proximidade, entendida como vínculo real entre a pessoa e um Estado‑Membro. Em suma, procuram «favorecer as pessoas sem que se perca segurança jurídica» ( 42 ).

    58.

    O Tribunal de Justiça aderiu a estas explicações em diversos acórdãos proferidos a propósito do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 ( 43 ).

    59.

    O Relatório Borrás indica igualmente que a possibilidade de se intentar a ação no local que corresponda apenas ao centro de interesses de um dos cônjuges, quando não é a do requerido nem houve um acordo entre os cônjuges, se encontra no texto porque foi condição sine qua non da aceitação da Convenção de 1998 por alguns Estados ( 44 ).

    60.

    Reflete‑se, assim, a preocupação relativa à deslocação específica do cônjuge que, devido à crise conjugal, se muda para outro Estado‑Membro, hipótese já referida ( 45 ). Essa deslocação implica frequentemente o regresso, até mesmo imediato, àquele que era o seu domicílio antes de se casar, ou ao da sua nacionalidade. Nestas situações, é possível apreciar a ligação entre o indivíduo e o foro, mesmo que ainda não se tenha consolidado uma proximidade geográfica objetiva.

    3.   A residência habitual ao serviço da atribuição de competência judiciária internacional

    61.

    O conceito em que assentam os foros do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003:

    Corresponde ao centro dos interesses vitais do indivíduo, sendo considerados como tais os relativos à vida social e familiar. A localização dos interesses profissionais e patrimoniais contribui para a identificação desse centro; todavia, estes elementos não podem pôr em causa o peso dos interesses pessoais, por si só, quando a sua localização geográfica não coincida.

    Pressupõe, em princípio, a estadia (e não a simples presença) do indivíduo num local, de forma qualificada: seja porque é permanente, seja porque possui uma certa regularidade ou constância, de modo que estejam reunidas as condições para uma integração real no meio social.

    62.

    A caracterização de uma estadia como «residência habitual» de um adulto não depende, em caso algum, do decurso de um determinado período. Nem de que, durante esse período, se consolide a proximidade geográfica objetiva entre o sujeito e o tribunal chamado a pronunciar‑se sobre o divórcio, a separação ou a anulação do casamento.

    63.

    Se o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), quinto e sexto travessões, do Regulamento n.o 2201/2003 exige, além da residência habitual, o preenchimento de determinados requisitos temporais, é porque estes não são essenciais à própria residência, no âmbito da sua qualificação como «habitual» ( 46 ).

    64.

    A exigência do decurso de um ano no Estado de residência habitual do requerente, ou de seis meses quando é o da sua nacionalidade (se for o caso, o «domicílio»), relativizam o peso do fator «tempo» como indicador do caráter habitual da residência.

    65.

    Por conseguinte, é legítimo considerar que, na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003, é possível uma aquisição quase imediata (ou após um breve período) da residência habitual por um cônjuge, como consequência da transferência que se segue à crise conjugal.

    66.

    Nessas circunstâncias, a duração, a regularidade ou a constância de uma presença física, que normalmente caracterizam a «residência habitual», podem ser completadas, ou mesmo substituídas, pela intenção do indivíduo adulto de se estabelecer e de se integrar noutro Estado (ou de se restabelecer e reintegrar no Estado de origem), adquirindo uma nova residência habitual e abandonando a anterior ( 47 ).

    67.

    Essa intenção pode existir desde o início ou constituir‑se gradualmente. Em ambos os casos, para ser tida em consideração, deve ser reconhecível através de elementos tangíveis ou sinais externos ( 48 ). Caso contrário, a aplicação da regra atributiva de competência judiciária seria excessivamente difícil, ou mesmo impossível.

    68.

    Para reconhecer o centro dos interesses vitais de uma pessoa (ou, se for caso disso, a intenção de o estabelecer) num local, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003, há que tomar em consideração, como noutros domínios próximos ( 49 ), todos os fatores suscetíveis de revelar a conexão vital entre a pessoa e esse local.

    69.

    Em especial, podem apresentar tal caráter as condições e as razões da sua estadia no território e, com as matizes que indiquei anteriormente, a sua duração e a sua regularidade. Não pretendendo ser exaustivo, entre esses indícios figuram os seguintes:

    o local situa‑se no Estado de origem;

    é o local onde se encontram familiares e amigos;

    o indivíduo reside regularmente nesse local, com um contrato de arrendamento, ou em propriedade, ou efetuou diligências nesse sentido;

    o local situa‑se no Estado da sua nacionalidade;

    o indivíduo tem ou procura trabalho estável nesse local;

    o indivíduo compartilha a cultura desse local.

    70.

    A relevância destes indícios ou de outros semelhantes (que, repito, não esgotam a lista dos possíveis) ( 50 ) é confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à residência habitual de uma criança de tenra idade ou em idade lactente. O seu núcleo vital infere‑se da integração num ambiente familiar e social, o do progenitor de quem a criança depende, a partir dos elementos que o próprio Tribunal de Justiça destaca para o reconhecimento desse ambiente ( 51 ).

    C. Uma residência habitual

    71.

    A determinação da residência habitual de um adulto e a decisão, com base nisso, relativa ao tribunal competente para dirimir o pedido de divórcio são da responsabilidade do juiz chamado a pronunciar‑se sobre esse pedido. O juiz deve procurar identificar uma (ou seja, a) residência habitual, de um dos cônjuges, ou de ambos.

    72.

    É certo que o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 não afasta nem a multiplicidade dos tribunais competentes nem a escolha do foro (forum shopping) no âmbito de litígios que incidam exclusivamente sobre o divórcio, a separação ou a nulidade do casamento. A simultaneidade dos processos está prevista e é resolvida no artigo 19.o, n.os 1 e 3, do regulamento.

    73.

    Todavia, entendo que esse argumento não justifica a proliferação ainda maior dos foros que decorre da admissão geral da possibilidade de se residir habitualmente em diversos locais em simultâneo, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003.

    74.

    Contra essa interpretação militam o teor literal desta disposição, o seu objetivo e outras considerações de ordem sistemática.

    1.   Teor literal e sentido dos termos

    75.

    O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003 refere‑se sempre aos tribunais do Estado‑Membro da residência habitual, utilizando o singular.

    76.

    Paralelamente, nos termos do artigo 66.o do mesmo regulamento, que rege a aplicação dos foros em Estados‑Membros com dois ou mais sistemas jurídicos, «[q]ualquer referência à residência habitual nesse Estado‑Membro diz respeito à residência habitual numa unidade territorial» ( 52 ).

    77.

    De resto, se a residência habitual fosse equiparada ao centro dos interesses vitais da pessoa, não seria coerente aceitar a simultaneidade de diversas residências com esse caráter.

    78.

    Em contrapartida, nada se opõe a que existam múltiplas residências «simples» ( 53 ), ou seja, que uma pessoa tenha, simultaneamente com a sua residência habitual ou principal, outra ou outras residências secundárias (de férias, por motivos de trabalho ou semelhantes). Estas últimas não produzem nenhum efeito no contexto do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003.

    2.   Objetivo da norma

    79.

    Admitir um cúmulo de residências habituais também não corresponderia ao objetivo que o Regulamento n.o 2201/2003 prossegue através do seu artigo 3.o, n.o 1, alínea a).

    80.

    Como já expliquei ( 54 ), esse objetivo consiste:

    por um lado, em incentivar a mobilidade das pessoas no interior da União, incluindo quando a transferência de residência de um Estado‑Membro para outro ocorre após uma crise conjugal;

    por outro lado, em garantir a segurança jurídica e a proximidade entre os indivíduos e o foro.

    81.

    Os elementos de conexão tidos em conta procuram o equilíbrio entre estes dois objetivos: servem tanto os interesses das partes interessadas como os da administração da justiça. Contribui para este equilíbrio o facto de os critérios de competência baseados na residência habitual não oferecerem alternativas correspondentes ao número de travessões do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003, embora assim pudesse parecer à primeira vista ( 55 ).

    82.

    Uma interpretação permissiva quanto ao número de residências habituais simultâneas de um mesmo indivíduo poderia destruir de facto o equilíbrio entre as partes, alargando as ocasiões de recurso ao forum actoris. Além disso, aumentaria as dificuldades da identificação antecipada dos tribunais que podem decidir sobre o divórcio, separação ou anulação do casamento na União ( 56 ).

    83.

    Estas reflexões, acrescidas às que apresentarei seguidamente, militam a favor de uma interpretação restritiva do conceito de residência habitual do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003, mesmo que uma pessoa desenvolva a sua vida em diversos Estados‑Membros.

    3.   A residência habitual na perspetiva do critério da interpretação sistemática (em sentido amplo)

    84.

    Se o teor literal, o sentido e o objetivo do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003 se opõem a que sejam atribuídas as consequências jurídicas nele previstas a uma multiplicidade de residências habituais, este postulado vai além dos litígios relativos a crises conjugais, não obstante o que o considerando 8 desse regulamento sugere ( 57 ).

    85.

    O legislador europeu alargou o mesmo critério de competência judiciária internacional a instrumentos posteriores que regulam: a) a lei aplicável ao divórcio e à separação judicial ( 58 ); b) a competência judiciária internacional para ações relativas a uma obrigação alimentar ( 59 ); e c) a competência judiciária internacional para pedidos relativos ao regime matrimonial, associados aos pedidos de divórcio, separação ou anulação do casamento ( 60 ).

    86.

    Quanto mais alargado for o conceito de «residência habitual» que figura no artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003, mais os tribunais dos Estados‑Membros serão potencialmente competentes nesses outros domínios, em detrimento da previsibilidade dos interessados ( 61 ).

    87.

    Centrar‑me‑ei, em especial, nos efeitos na lei aplicável ao divórcio e à separação judicial.

    88.

    O Regulamento n.o 1259/2010 pretende «garantir aos cidadãos soluções adequadas em termos de segurança jurídica, previsibilidade e flexibilidade» ( 62 ). Concretizar este objetivo implica que a lei aplicável ao mérito seja, sempre, apenas uma, independentemente do tribunal da União chamado a conhecer do divórcio ou da separação judicial. Assim, os elementos de conexão que o Regulamento n.o 1259/2010 reproduz, embora sejam vários, são organizados «em cascata» e não como critérios alternativos.

    89.

    Embora em menor medida ( 63 ), o objetivo descrito assenta, além disso, na correlação forum‑ius consagrada no artigo 8.o do Regulamento n.o 1259/2010, no âmbito da regulação da lei aplicável na ausência de escolha pelas partes:

    como orientação de princípio, através da correspondência de diversos foros do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, com os elementos de conexão do artigo 8.o do Regulamento n.o 1259/2010;

    diretamente, como solução residual: na ausência de escolha da lei pelas partes, e não se aplicando também os critérios do artigo 8.o, alíneas a), b) e c), do Regulamento n.o 1259/2010, aplica‑se a lei do foro, em conformidade com a alínea d) da disposição.

    90.

    Uma aplicação flexível do conceito de residência habitual do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003, que autorizasse a duplicação ou a multiplicação da competência judiciária internacional baseada nesse critério, comprometeria a finalidade do Regulamento n.o 1259/2010 de duas formas:

    destruindo a correlação fórum‑ius, se o órgão jurisdicional agisse na qualidade de tribunal de uma das residências habituais de um cônjuge, mas tivesse de aplicar a lei de outro Estado‑Membro, porque a residência habitual comum dos cônjuges aí se situa ( 64 );

    levando a que dois (ou mais) tribunais competentes por força da residência ou das residências habituais de um cônjuge, situados em Estados‑Membros diferentes, apliquem a lei «do foro» ao abrigo do artigo 8.o, alínea d), do Regulamento n.o 1259/2010.

    a)  Artigo 3.o, n.o 1, alínea a), e Acórdão Hadadi [artigo 3.o, n.o 1, alínea b)]

    91.

    A interpretação restritiva que preconizo não se opõe à adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Hadadi ( 65 ), que, no âmbito do artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003, reconhece a competência dos tribunais de diversos Estados‑Membros quando os interessados têm várias nacionalidades ( 66 ).

    92.

    As diferenças entre o processo decidido pelo Acórdão Hadadi e o que agora nos ocupa são significativas. Naquele acórdão, o Tribunal de Justiça rejeitou que o elemento de conexão «nacionalidade» se limitasse à «nacionalidade efetiva», circunstância inteiramente alheia a este litígio:

    Em primeiro lugar, a qualidade «efetiva» da nacionalidade não consta como requisito do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003; em contrapartida, prevê o requisito de que a residência seja «habitual».

    Em segundo lugar, a nacionalidade que confere competência no referido artigo 3.o, n.o 1, alínea b), deve ser sempre comum. Quando apenas um dos cônjuges tem dupla nacionalidade, conta apenas, para efeitos da norma, a nacionalidade compartilhada: o cônjuge com nacionalidade simples não é prejudicado nem beneficiado ( 67 ). Em contrapartida, tal poderia acontecer se a residência habitual múltipla fosse admitida, por força das regras de competência que se baseiam na residência habitual de um único cônjuge ( 68 ).

    Em terceiro lugar, o elemento de conexão nacionalidade é, como salientou o Tribunal de Justiça, «unívoco e de fácil aplicação» ( 69 ), ao passo que a identificação da nacionalidade «efetiva» obrigaria a que se tomasse em consideração em cada caso toda uma série de circunstâncias, sem certeza quanto a um resultado claro ( 70 ).

    93.

    Este último seria igualmente possível na aplicação do elemento de conexão «residência habitual». No entanto, não penso que a dificuldade seja resolvida (bem pelo contrário) se se aceitar que, em caso de dúvida, seja preferível admitir a existência de mais do que uma residência habitual.

    94.

    Proceder desta forma não asseguraria menos discussão entre as partes quanto à questão de saber qual é a residência que, de entre várias, é relevante para um processo. Pelo contrário, acrescenta um novo fator de complexidade no debate: sempre que uma parte apresentasse como habitual duas ou mais residências, seria necessário determinar se efetivamente todas o são. Em última análise, aumentaria o risco de que uma residência «simples» (e não a habitual do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003) acabasse por determinar a competência judiciária internacional.

    D. Impossibilidade de identificar a residência habitual?

    95.

    O Regulamento n.o 2201/2003 previu soluções para a impossibilidade de se determinar a residência habitual de uma criança; em contrapartida, não o fez se tratar de um adulto.

    96.

    Esse silêncio não é casual. Em sentido positivo, exclui a existência de pessoas cuja residência habitual não pode ser verificada (mesmo que com dificuldades de prova). Em sentido negativo, confirma, na minha opinião, o facto de não serem reconhecidas a um adulto duas ou mais residências habituais em diversos Estados‑Membros, para efeitos do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003.

    97.

    Se, para efeitos dialéticos, se admitisse que assim não é, e que é verdadeiramente impossível determinar ( 71 ), entre várias, a residência habitual na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003, poderiam ser imaginadas duas saídas:

    na primeira, preferida pela Comissão ( 72 ), seria suficiente que um dos dois (ou mais) centros de vida do interessado se encontrasse no Estado‑Membro do tribunal onde foi apresentado o pedido de divórcio, para que este se declarasse competente;

    na segunda, nenhum destes centros de vida em diferentes Estados‑Membros seria suscetível de conferir competência a título de residência habitual.

    98.

    Os argumentos acima desenvolvidos, contrários à admissão de múltiplas residências habituais simultâneas para o mesmo indivíduo, no contexto do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003, levam‑me a privilegiar a segunda opção, na medida em que é menos perturbadora para o conjunto do sistema.

    99.

    Esta segunda opção (que teria um caráter excecional) confirma a incapacidade do elemento de conexão «residência habitual» para determinar a competência judiciária internacional. O facto de ser assim não privaria necessariamente as partes de proteção jurisdicional na União, quando um dos outros critérios do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 ( 73 ) fosse aplicável, ou se se recorresse aos foros previstos pelas leis de cada Estado‑Membro ( 74 ), cuja aplicação residual se encontra prevista no artigo 7.o

    100.

    Só de forma subsidiária (isto é, uma vez esgotadas ou excluídas essas possibilidades) e excecionalmente, se fosse indispensável para evitar denegação de justiça, me pareceria aceitável atribuir competência aos tribunais de qualquer um dos Estados‑Membros de residência de um cônjuge, quando nenhuma delas for reconhecível como a habitual para efeitos do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003.

    V. Conclusão

    101.

    Atendendo ao exposto, proponho que se responda à questão submetida pela cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) nos seguintes termos:

    «O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da atribuição de competência, só pode ser reconhecida uma residência habitual de cada cônjuge.

    Quando um cônjuge divide a sua vida entre dois Estados‑Membros, de modo que não é de forma alguma possível identificar um deles como sendo o da sua residência habitual na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003, a competência judiciária internacional deve ser determinada em conformidade com outros critérios desse regulamento e, se for caso disso, com os residuais em vigor nos Estados‑Membros.

    Nessa mesma hipótese, pode ser atribuída competência, a título excecional, aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros de residência não habitual de um cônjuge, quando a aplicação do Regulamento n.o 2201/2003 e dos foros residuais não revelar a competência internacional de nenhum Estado‑Membro.»


    ( 1 ) Língua original: espanhol.

    ( 2 ) Tratado da União Europeia (JO 1992, C 191, p. 1); em especial, artigo K.3, em conjugação com o artigo K.1.

    ( 3 ) Tratado que institui a Comunidade Europeia (versão consolidada Amesterdão) (JO 1997, C 340, p. 173); em especial, artigo 61.o

    ( 4 ) Convenção de 28 de maio de 1998 relativa à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial (JO 1998, C 221, p. 1, a seguir «Convenção de 1998»).

    ( 5 ) Regulamento do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal (JO 2000, L 150, p. 19).

    ( 6 ) Regulamento do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1).

    ( 7 ) Quanto à sua vigência, v. n.o 27 das presentes conclusões.

    ( 8 ) Por exemplo, relativamente à dupla nacionalidade de um cônjuge. Acórdão de 16 de julho de 2009, Hadadi (C‑168/08, EU:C:2009:474, a seguir «Acórdão Hadadi»).

    ( 9 ) Em matéria de sucessões, Acórdão de 16 de julho de 2020, E. E. (Competência jurisdicional e lei aplicável às sucessões) [C‑80/19, EU:C:2020:569; a seguir «Acórdão E. E. (Competência jurisdicional e lei aplicável às sucessões)»].

    ( 10 ) Um estudo sociológico revelaria provavelmente o aumento atual de casos em que uma pessoa (ou os dois cônjuges) se encontra nessa mesma situação.

    ( 11 ) Relatório explicativo da Convenção, elaborada com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial (JO 1998, C 221, p. 27, a seguir «Relatório Borrás»). Foi aprovado pelo Conselho em 28 de maio de 1998.

    ( 12 ) Regulamento do Conselho relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças (reformulação) (JO 2019, L 178, p. 1). Sob reserva das disposições transitórias do seu artigo 100.o, este regulamento revogará o regulamento atualmente em vigor a partir de 1 de agosto de 2022: v. artigo 104.o

    ( 13 ) V. considerando 6 do Regulamento n.o 1347/2000 e considerando 3 do Regulamento n.o 2201/2003. O Acórdão de 29 de novembro de 2007, Sundelind Lopez (C‑68/07, EU:C:2007:740, a seguir «Acórdão Sundelind Lopez», n.o 26) retoma os considerandos do Regulamento n.o 1347/2000 para interpretar o artigo 3.o em vigor. A referência ao Relatório Borrás como apoio à interpretação do regulamento em vigor é frequente nas conclusões dos advogados‑gerais: v. Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Purrucker (C‑256/09, EU:C:2010:296, n.os 13, 84, 85 e 86); da advogada‑geral J. Kokott no processo Hadadi (C‑168/08, EU:C:2009:152, n.os 37, 57 e 58); do advogado‑geral Y. Bot no processo Liberato (C‑386/17, EU:C:2018:670, n.os 55 e 69); ou do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo UD (C‑393/18 PPU, EU:C:2018:749, n.o 28).

    ( 14 ) Acórdão de 13 de outubro de 2016, Mikołajczyk (C‑294/15, EU:C:2016:772, n.o 33): «[…] como resulta do seu considerando 1, o Regulamento n.o 2201/2003 contribui para criar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça em que será garantida a livre circulação das pessoas».

    ( 15 ) Considerando 4 do Regulamento n.o 1347/2000.

    ( 16 ) Por exemplo, a Convenção relativa à competência das autoridades e à lei aplicável em matéria de proteção de menores, celebrada em Haia, em 5 de outubro de 1961; a Convenção sobre o reconhecimento dos divórcios e separações de pessoas, celebrada em Haia, em 1 de junho de 1970; a Convenção relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de proteção da criança, celebrada em Haia, em 19 de outubro de 1996; ou a Convenção europeia sobre o reconhecimento e a execução das decisões relativas à guarda de menores e sobre o restabelecimento da guarda de crianças, celebrada no Luxemburgo, em 20 de maio de 1980.

    ( 17 ) Critérios tradicionais, como a nacionalidade ou o domicílio, antes privilegiados como expressão da ligação entre o indivíduo e o sistema jurídico, são abandonados ou passam para segundo plano.

    ( 18 ) V., por exemplo, Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1), que utiliza o termo «residência». O seu artigo 1.o, alínea j), precisa que se trata do «lugar em que a pessoa reside habitualmente». O Acórdão de 5 de junho de 2014, I (C‑255/13, EU:C:2014:1291), distingue entre «residência» e «estada» nesse contexto.

    ( 19 ) Por exemplo, a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, celebrada em Istambul, em 11 de maio de 2011 (artigo 44.o).

    ( 20 ) Esta falta assenta na vontade de não influenciar outros diplomas que utilizam o mesmo conceito, segundo Lagarde, P., Relatório explicativo da Convenção relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de proteção da criança, celebrada em Haia, em 19 de outubro de 1996, in Actes et documents de la Dix‑huitième session de la Conférence de La Haye de droit international privé, 1996, volume II, p. 552, n.o 40.

    ( 21 ) No mesmo sentido, v. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo A (C‑523/07, EU:C:2009:39, n.o 15), a respeito da residência habitual inscrita no artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003.

    ( 22 ) Essa apreciação ad casum compete, logicamente, aos tribunais nacionais. Porque é específica, «[i]mpõe‑se […] uma atitude de prudência na transposição para um processo das indicações dadas no âmbito de outro processo». Acórdão de 28 de junho de 2018, HR (C‑512/17, EU:C:2018:513, a seguir «Acórdão HR», n.o 54).

    ( 23 ) Ibidem, n.o 40: «Não havendo, neste [Regulamento n.o 2201/2003] uma definição do conceito de “residência habitual” […] ou uma remissão para o direito dos Estados‑Membros a este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou reiteradamente que se trata de um conceito autónomo de direito da União, que deve ser interpretado à luz do contexto das disposições que o mencionam e dos objetivos do Regulamento n.o 2201/2003». A interpretação autónoma é igualmente privilegiada no domínio das convenções: v. n.o 35 e nota 20 das presentes conclusões.

    ( 24 ) Por conseguinte, não concordo com a afirmação de França de que o próprio conceito de residência habitual neste e noutros regulamentos [nomeadamente o Regulamento (UE) n.o 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu (JO 2012, L 201, p. 107),] deve ser comum.

    ( 25 ) São relevantes as normas que recorrem à residência habitual enquanto critério de competência, bem como o artigo 11.o do Regulamento n.o 2201/2003, no que respeita às deslocações ilícitas. V., quanto ao primeiro, Acórdão HR, e Acórdão de 8 de junho de 2017, OL (C‑111/17 PPU, EU:C:2017:436, a seguir «Acórdão OL»), quanto ao segundo.

    ( 26 ) Considerando 12 do Regulamento n.o 2201/2003; Acórdãos de 2 de abril de 2009, A (C‑523/07, EU:C:2009:225, a seguir «Acórdão A», n.o 35); OL, n.o 66; HR, n.o 59, entre outros. Evidentemente, este elemento não é aplicável no caso da residência habitual do adulto.

    ( 27 ) Entre outros, Acórdãos A, n.os 37 e segs.; de 22 de dezembro de 2010, Mercredi (C‑497/10 PPU, EU:C:2010:829, n.os 47 e segs.); e OL, n.os 42 e segs.

    ( 28 ) Acórdão A, n.o 36.

    ( 29 ) A última residência habitual do falecido constitui o fator de conexão geral para determinar a competência judiciária internacional e a lei aplicável.

    ( 30 ) Considerando 23 e 24. V., igualmente, minhas Conclusões no processo E. E. (Competência jurisdicional e lei aplicável as sucessões) (C‑80/19, EU:C:2020:230, n.os 45 e segs.); e Acórdão E. E. (Competência jurisdicional e lei aplicável às sucessões) (n.os 38 a 40).

    ( 31 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência (JO 2015, L 141, p. 19).

    ( 32 ) Considerando 28 do Regulamento 2015/848; e Acórdão de 16 de julho de 2020, Novo Banco (C‑253/19, EU:C:2020:585, n.o 21).

    ( 33 ) O equivalente na Convenção de 1998 era o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão.

    ( 34 ) Relatório Borrás, n.o 32.

    ( 35 ) Loc. ult. cit. Esta definição diz respeito a processos em matéria de função pública e de segurança social.

    ( 36 ) Loc. ult. cit.

    ( 37 ) N.os 38 e 39 das presentes conclusões.

    ( 38 ) Nos termos do artigo 6.o, as regras de competência judiciária em vigor segundo a lei de cada Estado‑Membro não podem ser utilizadas em litígios em que o requerido tenha a sua residência habitual num deles ou tenha a sua nacionalidade (ou, no caso da Irlanda, o seu «domicile») no território. No Acórdão Sundelind Lopez, o Tribunal de Justiça declarou que os foros residuais podem ser utilizados contra um indivíduo que não tem residência habitual num Estado‑Membro ou da nacionalidade de um deles, desde que não exista nenhum Estado‑Membro competente nos termos do regulamento.

    ( 39 ) O sublinhado é meu.

    ( 40 ) Acórdão Hadadi, n.o 48. Não existe uma hierarquia formal entre os foros, apesar das opiniões favoráveis à introdução desta aquando da reformulação do regulamento (por exemplo, do Groupe européen de droit international privé, na sua reunião de Antuérpia em setembro de 2018: https://www.gedip‑egpil.eu/documents/Anvers%202018/DivorceCompletV5.7.2.19.pdf). O novo artigo 3.o mantém as mesmas regras de competência, todas ao mesmo nível. A situação é diferente quanto ao grau de aceitação de cada uma destas regras: neste sentido, o Relatório Borrás, n.os 30 e 32, salienta que alguns critérios dos incluídos beneficiavam de uma ampla aceitação nos Estados‑Membros, ao passo que outros exigiram um compromisso político. Os segundos correspondem hoje aos quinto e sexto travessões do artigo 3.o, n.o 1, alínea a).

    ( 41 ) Nesta segunda hipótese, é necessário que um dos cônjuges resida ainda nesse Estado. O momento em que esta circunstância deve ser verificada não é especificado. O quinto e sexto travessões referem a data do pedido, e parece razoável concluir o mesmo para os outros foros.

    ( 42 ) Relatório Borrás, n.os 27, 28 e 30. No Regulamento n.o 1347/2000, o considerando 12 referia a existência de um vínculo real entre uma parte e o Estado‑Membro que exerce a competência, sem distinguir entre os litígios relativos às crises conjugais e os relativos à responsabilidade parental.

    ( 43 ) Acórdãos Sundelind Lopez, n.o 26; Hadadi, n.o 48; e de 13 de outubro de 2016, Mikołajczyk (C‑294/15, EU:C:2016:772, n.os 49 e 50).

    ( 44 ) Nota 40 das presentes conclusões.

    ( 45 ) N.o 51 das presentes conclusões.

    ( 46 ) O aditamento destes requisitos é geralmente explicado como um sinal da vontade de limitar o forum actoris previsto nos dois últimos travessões do artigo 3.o, n.o 1, alínea a). Ainda que seja correta, esta explicação não nega as consequências destes requisitos sobre o conceito de residência habitual.

    ( 47 ) Na falta da intenção de abandono, a residência habitual continua a ser a anterior.

    ( 48 ) Acórdão HR, n.o 46 e jurisprudência aí referida.

    ( 49 ) No mesmo sentido, relativamente à residência habitual do falecido, Acórdão E. E. (Competência jurisdicional e lei aplicável às sucessões, n.o 38; e minhas Conclusões no mesmo processo (C‑80/19, EU:C:2020:230, n.os 49 e segs.) No que respeita à residência habitual da criança, entre outros, Acórdão A, n.o 39.

    ( 50 ) Poderiam acrescentar‑se, por exemplo, o registo junto das autoridades ou, caso o adulto viva com crianças em idade escolar, a sua inscrição em creches ou em escolas: neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo A (C‑523/07, EU:C:2009:39, n.o 44).

    ( 51 ) Acórdãos A, n.o 40; de 22 de dezembro de 2010, Mercredi (C‑497/10 PPU, EU:C:2010:829, n.os 53 a 56); de 9 de outubro de 2014, C (C‑376/14 PPU, EU:C:2014:2268, n.o 52); e HR, n.os 44 a 47.

    ( 52 ) O sublinhado é meu.

    ( 53 ) Retiro a expressão residência «simples», por oposição à expressão residência «habitual», das Conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Mercredi (C‑497/10 PPU, EU:C:2010:738, n.o 71).

    ( 54 ) N.os 57 e 58 das presentes conclusões.

    ( 55 ) As condições a que está subordinada a residência habitual enquanto critério atributivo de competência determinam que alguns foros sejam mutuamente exclusivos e outros possam sobrepor‑se entre si. Não será invulgar que vários dos critérios apontem para o mesmo Estado‑Membro.

    ( 56 ) Segundo a Comissão (n.o 14 das suas observações escritas em substituição da audiência de alegações), admitir duas residências habituais de uma pessoa na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003 «supprime un aléa et augmente la sécurité juridique, en apportant à l’époux qui partage sa vie entre deux États, l’assurance qu’il peut saisir les juridictions de l’un de ces États sans risquer une décision d’incompétence, et les coûts associés à une telle procédure». Esta opinião não me convence. A dificuldade em decidir quanto à residência habitual não desaparece por se admitir que poderiam ser várias; pelo contrário, essa pluralidade constituiria uma questão suplementar com base na qual teria que se formar a convicção do juiz chamado a conhecer do litígio. O aditamento de um foro suplementar ao artigo 3.o do regulamento aumenta a incerteza quanto à questão de saber onde se pode ser requerido, incluindo para o cônjuge que tenha mais do que uma residência habitual.

    ( 57 )

    ( 58 ) No Regulamento (UE) n.o 1259/2010 do Conselho, de 20 de dezembro de 2010, que cria uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial (JO 2010, L 343, p. 10).

    ( 59 ) Artigo 3.o, alínea c), do Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (JO 2009, L 7, p. 1).

    ( 60 ) Artigo 5.o do Regulamento (UE) 2016/1103 do Conselho, de 24 de junho de 2016, que implementa a cooperação reforçada no domínio da competência, da lei aplicável, do reconhecimento e da execução de decisões em matéria de regimes matrimoniais (JO 2016, L 183, p. 1).

    ( 61 ) Não é irrazoável supor que, uma vez aceite por esta via indireta a pluralidade das residências habituais para atribuir competência, deva igualmente ser aceite no âmbito da interpretação do critério «residência habitual» contido nos mesmos instrumentos para os pedidos quando não sejam acessórios, mas independentes.

    ( 62 ) Considerando 9. Pretende igualmente «impedir situações em que um cônjuge pede o divórcio antes do outro para que o processo seja regido por uma lei específica, que considera mais favorável à salvaguarda dos seus interesses». Esta preocupação não se aplica ao artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003, que institui foros alternativos; ora, a sua interpretação deve ser feita, na medida do possível, de forma a não comprometer os objetivos do outro regulamento.

    ( 63 ) Contrariamente ao que acontece noutras matérias, o paralelismo entre a competência judiciária internacional e a lei aplicável não constitui uma preocupação prioritária: pode não ocorrer, desde o início, quando as partes escolhem a lei aplicável em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, alíneas a), b) e c), do regulamento. Além disso, importa recordar que o instrumento, resultante de uma cooperação reforçada, não é aplicável em todos os Estados‑Membros.

    ( 64 ) Esta combinação poderia ocorrer no litígio, se o tribunal francês se tivesse declarado competente nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), sexto travessão, do Regulamento n.o 2201/2003, depois de admitir que IB tem igualmente a sua residência habitual na Irlanda. Nessa situação, se as partes não escolhem validamente outra lei, é o direito irlandês que é aplicável, quanto ao mérito, nos termos do artigo 8.o, alínea a), do Regulamento n.o 1259/2010.

    ( 65 ) Referem‑se a este acórdão, nas suas observações escritas, FA, n.os 71 e segs., o Governo português, n.os 36 e segs., a Comissão, n.os 13 e 32, bem como IB nas suas observações escritas, em substituição da audiência, n.o 31.

    ( 66 ) Acórdão Hadadi, n.os 51 e segs.

    ( 67 ) Enquanto requerente, o cônjuge com dupla nacionalidade não dispõe de um foro suplementar por esse motivo, mas também não há um foro suplementar para intentar a ação contra ele.

    ( 68 ) A pluralidade de residências habituais tanto pode beneficiar o cônjuge que delas desfruta, quando é o requerente [como consequência do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), quinto e sexto travessões], como pode prejudicá‑lo, quando é requerido, por força do mesmo artigo, n.o 1, alínea a), terceiro travessão.

    ( 69 ) Acórdão Hadadi, n.o 51.

    ( 70 ) Ibidem, n.o 55.

    ( 71 ) A probabilidade de duas situações terem de igual modo os elementos típicos da residência habitual é baixa. A fim de dar cumprimento ao Regulamento n.o 2201/2003, os tribunais nacionais devem procurar identificar uma residência habitual, como referi nos n.os 71 e segs. das presentes conclusões.

    ( 72 ) N.os 33 e 34 das suas observações escritas e proposta de conclusão.

    ( 73 ) No caso em apreço, com base nos elementos de que disponho, penso que IB poderia intentar a sua ação na Irlanda enquanto último local de residência habitual dos cônjuges onde um deles ainda reside, e enquanto local de residência habitual da requerida.

    ( 74 ) Contrariamente ao que sugere a Irlanda (n.o 10 das suas observações escritas em substituição da audiência de alegações), nem todos os Estados‑Membros preveem foros residuais. Além disso, mesmo que o façam, não podem recorrer a esses foros num caso concreto, devido à restrição do artigo 6.o do Regulamento n.o 2201/2003.

    Upp