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Document 62019CJ0584

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 8 de dezembro de 2020.
Processo penal contra A. e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landesgericht für Strafsachen Wien.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisão europeia de investigação — Diretiva 2014/41/UE — Artigo 1.o, n.o 1 — Artigo 2.o, alínea c), i) e ii) — Conceitos de “autoridade judiciária” e de “autoridade de emissão” — Decisão europeia de investigação emitida pelo Ministério Público de um Estado‑Membro — Independência em relação ao poder executivo.
Processo C-584/19.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:1002

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

8 de dezembro de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisão europeia de investigação — Diretiva 2014/41/UE — Artigo 1.o, n.o 1 — Artigo 2.o, alínea c), i) e ii) — Conceitos de “autoridade judiciária” e de “autoridade de emissão” — Decisão europeia de investigação emitida pelo Ministério Público de um Estado‑Membro — Independência em relação ao poder executivo»

No processo C‑584/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landesgericht für Strafsachen Wien (Tribunal Regional Penal de Viena, Áustria), por Decisão de 1 de agosto de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de agosto de 2019, no processo penal contra

A. e o.,

sendo interveniente:

Staatsanwaltschaft Wien,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Prechal, M. Vilaras, E. Regan, L. Bay Larsen, N. Piçarra, A. Kumin e N. Wahl, presidentes de secção, T. von Danwitz, C. Toader, K. Jürimäe (relatora), L. S. Rossi, I. Jarukaitis e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo austríaco, por J. Schmoll, J. Herrnfeld e C. Leeb, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por L. Aguilera Ruiz, na qualidade de agente,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman, M. H. S. Gijzen e J. Langer, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid e R. Troosters, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de julho de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal (JO 2014, L 130, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um pedido de execução, na Áustria, de uma decisão europeia de investigação em matéria penal emitida pelo Staatsanwaltschaft Hamburg (Ministério Público de Hamburgo, Alemanha) relativa a A. e outras pessoas não conhecidas suspeitas de terem falsificado ordens de transferência bancária.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 2, 5 a 8, 10 a 12, 15, 19, 21, 22, 34 e 39 da Diretiva 2014/41 têm a seguinte redação:

«(2)

Nos termos do artigo 82.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a cooperação judiciária em matéria penal na União assenta no princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais, princípio esse comummente referido, desde o Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999, como a pedra angular da cooperação judiciária em matéria penal na União.

[…]

(5)

Desde que as Decisões‑Quadro [2003/577/JAI do Conselho, de 22 de julho de 2003, relativa à execução na União Europeia das decisões de congelamento de bens ou de provas (JO 2003, L 196, p. 45),] e [2008/978/JAI do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativa a um mandado europeu de obtenção de provas destinado à obtenção de objetos, documentos e dados para utilização no âmbito de processos penais (JO 2008, L 350, p. 72),] foram adotadas, tornou‑se claro que o enquadramento existente para a recolha de elementos de prova é demasiado fragmentado e complexo. Por conseguinte, é necessária uma nova abordagem.

(6)

No Programa de Estocolmo, aprovado pelo Conselho Europeu de 10‑11 de dezembro de 2009, o Conselho Europeu considerou que os trabalhos para a criação de um sistema global de obtenção de elementos de prova nos processos de dimensão transfronteiriça, com base no princípio do reconhecimento mútuo, deveriam ser prosseguidos. O Conselho Europeu indicou que os instrumentos existentes neste domínio constituíam um regime fragmentário e que era necessária uma nova abordagem baseada no princípio do reconhecimento mútuo mas tendo em conta a flexibilidade do sistema tradicional de auxílio judiciário mútuo. Por conseguinte, o Conselho Europeu apelou à criação de um sistema global, destinado a substituir todos os instrumentos existentes neste domínio, incluindo a Decisão‑Quadro 2008/978/JAI, que abranja tanto quanto possível todos os tipos de elementos de prova, que contenha prazos de execução e que limite, tanto quanto possível, os motivos de recusa.

(7)

Esta nova abordagem deve assentar num instrumento único, denominado decisão europeia de investigação (DEI). Deve ser emitida uma DEI para que uma ou várias medidas específicas de investigação sejam realizadas no Estado que executa a DEI (“Estado de execução”) tendo em vista a recolha de elementos de prova. A execução deve incluir a obtenção de elementos de prova que já estejam na posse da autoridade de execução.

(8)

A DEI deverá ter um âmbito horizontal, aplicando‑se, por conseguinte, a todas as medidas de investigação que visam recolher elementos de prova. Todavia, a criação de equipas de investigação conjuntas e a recolha de elementos de prova por essas equipas requerem regras específicas que é melhor tratar separadamente. Sem prejuízo da aplicação da presente diretiva, os instrumentos existentes deverão portanto continuar a aplicar‑se a esse tipo de medidas de investigação.

[…]

(10)

A DEI deverá centrar‑se na medida de investigação que deve ser executada. A autoridade de emissão é a mais bem colocada para decidir da medida de investigação a utilizar, com base no conhecimento que tem dos dados da investigação em causa. No entanto, a autoridade de execução deve recorrer, sempre que possível, a outro tipo de medidas de investigação, caso a medida indicada não exista no seu direito nacional ou não esteja disponível em processos nacionais semelhantes. A disponibilidade deverá remeter para as ocasiões em que a medida de investigação indicada existe na lei do Estado de execução mas só está legalmente disponível em determinadas situações, por exemplo, quando a medida de investigação só pode ser aplicada por infrações de certa gravidade, contra pessoas a respeito das quais já existe um certo nível de suspeita, ou com o consentimento da pessoa em causa. A autoridade de execução deverá ser autorizada a recorrer a outro tipo de medida de investigação que conduza ao mesmo resultado que a medida de investigação indicada na DEI mas utilize meios que impliquem uma menor interferência nos direitos fundamentais da pessoa em causa.

(11)

A DEI deverá ser escolhida quando a execução de uma medida de investigação parecer proporcionada, adequada e aplicável no caso concreto. A autoridade de emissão deverá por conseguinte confirmar se os elementos de prova procurados são necessários e proporcionados para efeitos do processo, se as medidas de investigação escolhidas são necessárias e proporcionadas para a recolha dos elementos de prova em causa e se, no âmbito da emissão da DEI, outro Estado‑Membro deveria participar na recolha desses elementos de prova. Deverá ser efetuada a mesma avaliação no processo de validação, sempre que a validação da DEI seja exigida ao abrigo da presente diretiva. A execução de uma DEI não deverá ser recusada por outros motivos que não sejam os estabelecidos na presente diretiva. Todavia, a autoridade de execução deverá poder optar por uma medida de investigação menos intrusiva do que a indicada numa DEI, se esta permitir atingir o mesmo resultado.

(12)

Ao emitir uma DEI, a autoridade de emissão deverá prestar especial atenção a que fique assegurada a plena observância dos direitos consagrados no artigo 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“Carta”). A presunção de inocência e o direito à defesa em processo penal são uma pedra angular dos direitos fundamentais reconhecidos na Carta no domínio do direito penal. Qualquer limitação desses direitos por uma medida de investigação ordenada nos termos da presente diretiva deverá obedecer aos requisitos estabelecidos no artigo 52.o da Carta no que diz respeito à necessidade, à proporcionalidade e aos objetivos dessa medida, em especial a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.

[…]

(15)

A presente diretiva deverá ser aplicada tendo em conta [a Diretiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal (JO 2010, L 280, p. 1), a Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio 2012, relativa ao direito à informação em processo penal (JO 2012, L 142, p. 1), e a Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares (JO 2013, L 294, p. 1)], relativas a direitos processuais em processo penal.

[…]

(19)

A criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça na União baseia‑se na confiança mútua e na presunção de que os outros Estados‑Membros cumprem o direito da União e, em particular, respeitam os direitos fundamentais. No entanto, essa presunção é refutável. Em consequência, se houver motivos substanciais para supor que a execução de uma medida de investigação indicada na DEI se traduziria na violação de um direito fundamental da pessoa em causa, e que o Estado de execução ignoraria as suas obrigações relativamente à proteção dos direitos reconhecidos na Carta, a execução da DEI deverá ser recusada.

[…]

(21)

Os prazos‑limite são necessários para garantir que a cooperação em matéria penal entre os Estados‑Membros seja rápida, eficaz e coerente. A decisão relativa ao reconhecimento ou à execução, bem como a execução efetiva da medida de investigação deverão processar‑se com as mesmas celeridade e prioridade que em processos nacionais similares. Deverão ser estabelecidos prazos para garantir uma decisão ou execução num prazo razoável ou para cumprimento dos trâmites processuais do Estado de emissão.

(22)

As vias de recurso contra uma DEI deverão ser pelo menos idênticas às que existem em processos nacionais contra a medida de investigação em causa. Os Estados‑Membros garantem, de acordo com a lei nacional, a aplicabilidade destas vias de recurso, incluindo a informação em tempo útil a qualquer parte interessada sobre as possibilidades de interpor recurso. Quando as objeções à DEI forem apresentadas pela parte interessada no Estado de execução relativamente aos fundamentos materiais da emissão da DEI, é conveniente que a autoridade de emissão seja informada dessa contestação, e disso seja dado conhecimento à parte interessada.

[…]

(34)

Dado o seu âmbito, a presente diretiva apenas trata de medidas provisórias para recolha de elementos de prova. […]

[…]

(39)

A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.o do TUE e pela Carta, nomeadamente no seu Título VI, pelo direito internacional e pelos acordos internacionais em que a União ou todos os Estados‑Membros são partes, incluindo a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, e pelas constituições dos Estados‑Membros nos respetivos âmbitos de aplicação. […]»

4

Sob a epígrafe «A decisão europeia de investigação e a obrigação de a executar», o artigo 1.o desta diretiva enuncia:

«1.   A decisão europeia de investigação (DEI) é uma decisão judicial emitida ou validada por uma autoridade judiciária de um Estado‑Membro (“Estado de emissão”) para que sejam executadas noutro Estado‑Membro (“Estado de execução”) uma ou várias medidas de investigação específicas, tendo em vista a obtenção de elementos de prova em conformidade com a presente diretiva.

Também pode ser emitida uma DEI para obter elementos de prova que já estejam na posse das autoridades competentes do Estado de execução.

2.   Os Estados‑Membros executam uma DEI com base no princípio do reconhecimento mútuo e nos termos da presente diretiva.

3.   A emissão de uma DEI pode ser requerida por um suspeito ou por um arguido, ou por um advogado em seu nome, no quadro dos direitos da defesa aplicáveis nos termos do processo penal nacional.

4.   A presente diretiva não tem por efeito alterar a obrigação de respeitar os direitos e os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o do TUE, incluindo os direitos de defesa das pessoas sujeitas a ação penal, nem prejudica quaisquer obrigações que nesta matéria incumbam às autoridades judiciárias.»

5

Nos termos do artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definições»:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

c)

“Autoridade de emissão”:

i)

um juiz, tribunal, juiz de instrução ou magistrado do Ministério Público competente no processo em causa; ou

ii)

qualquer outra autoridade competente definida pelo Estado de emissão e que, no caso em apreço, atue enquanto autoridade de investigação num processo penal com competência para ordenar a obtenção de elementos de prova no processo de acordo com a lei nacional. Além disso, antes de ser transmitida à autoridade de execução, a DEI é validada por um juiz, por um tribunal, por um juiz de instrução ou por um magistrado do Ministério Público no Estado de emissão, após análise da sua conformidade com as condições de emissão de uma DEI ao abrigo da presente diretiva, designadamente as condições previstas no artigo 6.o, n.o 1. Se a DEI tiver sido validada por uma autoridade judiciária, esta também pode ser equiparada a autoridade de emissão para efeitos de transmissão da DEI;

d)

“Autoridade de execução”, uma autoridade com competência para reconhecer a DEI e garantir a sua execução de acordo com a presente diretiva e com os procedimentos aplicáveis num processo nacional semelhante. Esses procedimentos podem exigir uma autorização do tribunal no Estado de execução, nos casos previstos na lei desse Estado».

6

O artigo 3.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação da DEI», prevê:

«A DEI abrange qualquer medida de investigação, com exceção da criação de uma equipa de investigação conjunta e da obtenção de elementos de prova por essa equipa […].»

7

Nos termos do artigo 4.o da Diretiva 2014/41, sob a epígrafe «Tipos de processos para os quais pode ser emitida uma DEI»:

«A DEI pode ser emitida:

a)

Relativamente a processos penais instaurados por uma autoridade judiciária, ou que possam ser instaurados perante uma tal autoridade, relativamente a uma infração penal ao abrigo do direito interno do Estado de emissão;

[…]

c)

Em processos instaurados pelas autoridades judiciárias em processos referentes a atos puníveis ao abrigo do direito interno do Estado de emissão, por configurarem uma infração à lei; e quando caiba recurso da decisão para um órgão jurisdicional competente, nomeadamente, em matéria penal; e

[…]»

8

O artigo 6.o desta diretiva, sob a epígrafe «Condições de emissão e de transmissão de uma DEI», dispõe:

«1.   A autoridade de emissão só pode emitir uma DEI se estiverem reunidas as seguintes condições:

a)

A emissão da DEI é necessária e proporcionada para efeitos dos processos a que se refere o artigo 4.o, tendo em conta os direitos do suspeito ou do arguido; e

b)

A medida ou medidas de investigação indicadas na DEI poderiam ter sido ordenadas nas mesmas condições em processos nacionais semelhantes.

2.   As condições referidas no n.o 1 são avaliadas pela autoridade de emissão, caso a caso.

3.   Se a autoridade de execução tiver razões para considerar que as condições previstas no n.o 1 não estão preenchidas, pode consultar a autoridade de emissão quanto à importância de executar a DEI. Após essa consulta, a autoridade de emissão pode decidir retirar a DEI.»

9

O artigo 9.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Reconhecimento e execução», prevê, nos seus n.os 1 a 3:

«1.   A autoridade de execução deve reconhecer uma DEI transmitida em conformidade com a presente diretiva, sem impor outras formalidades, e garante a sua execução nas condições que seriam aplicáveis se a medida de investigação em causa tivesse sido ordenada por uma autoridade do Estado de execução, salvo se essa autoridade decidir invocar um dos motivos de não reconhecimento ou de não execução ou um dos motivos de adiamento previstos na presente diretiva.

2.   A autoridade de execução respeita as formalidades e os procedimentos expressamente indicados pela autoridade de emissão, salvo disposição em contrário da presente diretiva e desde que não sejam contrários aos princípios fundamentais do direito do Estado de execução.

3.   Caso uma autoridade de execução receba uma DEI que não tenha sido emitida por uma autoridade de emissão na aceção do artigo 2.o, alínea c), a autoridade de execução devolve‑a ao Estado de emissão.»

10

O artigo 10.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Recurso a um tipo diferente de medida de investigação», dispõe, nos seus n.os 1, 3 e 4:

«1.   Sempre que possível, a autoridade de execução recorre a uma medida de investigação diferente da prevista na DEI, caso:

a)

A medida de investigação indicada na DEI não exista na lei do Estado de execução; ou

b)

A adoção da medida de investigação indicada na DEI não seja possível num processo nacional semelhante;

[…]

3.   A autoridade de execução pode ainda recorrer a uma medida de investigação diferente da indicada na DEI, caso essa medida selecionada pela autoridade de execução conduza ao mesmo resultado que a medida de investigação indicada na DEI, mas utilize meios menos intrusivos.

4.   Quando a autoridade de execução decidir recorrer à possibilidade referida nos n.os 1 e 3, informa primeiro a autoridade de emissão, que pode decidir retirar ou complementar a DEI.»

11

O artigo 11.o da Diretiva 2014/41, sob a epígrafe «Motivos de não reconhecimento ou não execução», enumera, no seu n.o 1, os motivos de não reconhecimento ou de não execução de uma decisão europeia de investigação no Estado de execução. Entre estes motivos, figura, na alínea f) desta disposição, a existência de «motivos substanciais para crer que a execução da medida de investigação indicada na DEI será incompatível com as obrigações do Estado de execução nos termos do artigo 6.o do TUE e da Carta».

12

O artigo 14.o desta diretiva, sob a epígrafe «Vias de recurso», tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que sejam aplicáveis às medidas de investigação indicadas na DEI vias de recurso equivalentes às existentes em processos nacionais semelhantes.

2.   Os fundamentos materiais subjacentes à emissão de uma DEI só podem ser impugnados em ação interposta no Estado de emissão, sem prejuízo das garantias dos direitos fundamentais no Estado de execução.

3.   Se tal não comprometer a necessidade de garantir a confidencialidade da investigação, ao abrigo do artigo 19.o, n.o 1, a autoridade de emissão e a autoridade de execução tomam as medidas adequadas para assegurar que seja prestada informação sobre as possibilidades, de interpor recurso existentes ao abrigo da lei nacional, quando forem aplicáveis e em tempo útil para permitir o seu exercício efetivo.

4.   Os Estados‑Membros asseguram‑se de que os prazos para interpor recurso sejam os mesmos que os previstos em processos nacionais semelhantes e sejam aplicados de forma a garantir a possibilidade do exercício efetivo do recurso pelas partes interessadas.

5.   A autoridade de emissão e a autoridade de execução informam‑se mutuamente acerca dos recursos interpostos na sequência da emissão, reconhecimento ou execução de uma DEI.

6.   A impugnação não suspende a execução da medida de investigação a não ser que tal esteja previsto em processos nacionais semelhantes.

7.   Se a impugnação do reconhecimento ou execução de uma DEI for procedente, essa decisão será tida em conta pelo Estado de emissão de acordo com a lei nacional. Sem prejuízo do disposto no direito processual nacional, os Estados‑Membros asseguram‑se de que, no processo penal no Estado de emissão, quando da avaliação dos elementos de prova obtidos através da DEI, são respeitados os direitos da defesa e a equidade do processo.»

13

Os artigos 22.o e 23.o da referida diretiva contêm disposições específicas relativas à transferência temporária de pessoas detidas, respetivamente, para o Estado de emissão para efeito de levar a cabo uma medida de investigação e para o Estado de execução para efeito de levar a cabo uma medida de investigação.

Direito nacional

Direito alemão

14

O § 146 da Gerichtsverfassungsgesetz (Lei da Organização Judiciária) dispõe que os funcionários do Ministério Público devem seguir as instruções oficiais do seu superior hierárquico.

15

Nos termos do § 147 desta lei:

«O direito de supervisão e direção incumbe:

1.   Ao ministro federal da Justiça e da Proteção dos Consumidores no que respeita ao procurador‑geral federal e aos procuradores federais;

2.   À Administração de justiça do Land no que respeita a todos os funcionários do Ministério Público do Land em questão;

3.   Ao mais alto funcionário do Ministério Público junto dos tribunais regionais superiores e dos tribunais regionais, no que respeita a todos os funcionários do Ministério Público da área de competência do tribunal em questão.»

Direito austríaco

16

A Diretiva 2014/41 foi transposta para o direito austríaco através de uma alteração da Bundesgesetz über die justizielle Zusammenarbeit in Strafsachen mit den Mitgliedstaaten der Europäischen Union (Lei Federal relativa à Cooperação Judiciária em Matéria Penal com os Estados‑Membros da União Europeia), de 15 de maio de 2018 (BGBl. I, 28/2018).

17

O § 55, n.o 3, desta lei dispõe:

«Quando, no Estado de emissão, o processo não seja conduzido por uma autoridade judiciária, uma decisão europeia de investigação só pode ser executada se for possível recorrer num órgão jurisdicional contra a decisão da autoridade de emissão e se a decisão de investigação tiver sido autorizada por uma autoridade judiciária do Estado de emissão.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

18

O Ministério Público de Hamburgo instaurou um inquérito penal por fraude contra A. e outras pessoas não conhecidas. Estas pessoas são suspeitas de terem, no mês de julho de 2018, utilizando dados obtidos ilegalmente e com intenção fraudulenta, falsificado treze ordens de transferência através das quais 9775,05 euros foram ou deviam ter sido transferidos para uma conta bancária aberta em nome de A. num banco austríaco.

19

Para efeitos da instrução desse processo, o Ministério Público de Hamburgo emitiu, em 15 de maio de 2019, uma decisão europeia de investigação que transmitiu ao Staatsanwaltschaft Wien (Ministério Público de Viena, Áustria). Através dessa decisão, o Ministério Público de Hamburgo pediu ao Ministério Público de Viena que lhe transmitisse cópias dos extratos bancários em causa, para o período compreendido entre 1 de junho e 30 de setembro de 2018.

20

Resulta da decisão de reenvio que, em conformidade com o Strafprozessordnung (Código de Processo Penal austríaco), um banco só pode ser obrigado a transmitir extratos bancários por força de uma medida de investigação que deve ser ordenada pelo Ministério Público com base numa autorização judicial. Assim, sem autorização judicial, o Ministério Público austríaco não pode ordenar esta medida de investigação.

21

Em 31 de maio de 2019, o Ministério Público de Viena requereu ao Landesgericht für Strafsachen Wien (Tribunal Regional Penal de Viena, Áustria), órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, que autorizasse a referida medida de investigação, a fim de poder obrigar o banco em causa a comunicar os extratos bancários referidos na decisão europeia de investigação.

22

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, contudo, sobre se o Ministério Público de Hamburgo, que emitiu essa decisão, pode ser qualificado de «autoridade judiciária», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2014/41. Interroga‑se igualmente sobre se este pode estar abrangido pelo conceito de «autoridade de emissão», na aceção do artigo 2.o, alínea c), desta diretiva, e, mais especificamente, pelo conceito de «magistrado do Ministério Público», que figura na alínea i) desta última disposição, na medida em que, nos termos dos §§ 146 e 147 da Lei da Organização Judiciária em vigor na Alemanha, esse Ministério Público pode receber instruções, incluindo em casos individuais, do Justizsenator von Hamburg (Conselheiro para a Justiça de Hamburgo, Alemanha).

23

A este respeito, esse órgão jurisdicional salienta que resulta de uma leitura conjugada do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2014/41 que, para poder ser executada, a decisão europeia de investigação deve ser emitida por um juiz, um tribunal, um juiz de instrução ou um magistrado do Ministério Público, ou ser validada por uma destas autoridades.

24

No entanto, o referido órgão jurisdicional sublinha que, embora a Diretiva 2014/41 enuncie que a decisão europeia de investigação é uma decisão «judicial», esta mesma diretiva prevê, não obstante, que essa decisão pode ser emitida ou validada por um magistrado do Ministério Público, sendo certo que nem todos os Ministérios Públicos dos Estados‑Membros preenchem todos os critérios que devem ser preenchidos pelos juízes ou pelos órgãos jurisdicionais, nomeadamente, o critério da independência que, no plano externo, pressupõe que a instância em causa exerça as suas funções com total autonomia, sem estar sujeita a um vínculo hierárquico ou de subordinação em relação seja a quem for e sem receber ordens ou instruções seja qual for a origem destas.

25

A este respeito, considera que os fundamentos dos Acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau) (C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456), e de 27 de maio de 2019, PF (Procurador‑Geral da Lituânia) (C‑509/18, EU:C:2019:457), relativos ao mandado de detenção europeu visado pela Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), são aplicáveis à decisão europeia de investigação.

26

Com efeito, a Diretiva 2014/41 e a Decisão‑Quadro 2002/584 assentam nos mesmos princípios do reconhecimento e da confiança mútuos. Utilizam os mesmos conceitos de «autoridade judiciária» e de «autoridade de emissão» e contêm uma enumeração exaustiva dos motivos pelos quais o Estado de execução pode recusar a execução, respetivamente, de uma decisão europeia de investigação e de um mandado de detenção europeu.

27

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha, contudo, que, contrariamente à Decisão‑Quadro 2002/584, a Diretiva 2014/41 confere expressamente aos magistrados do Ministério Público a qualidade de «autoridade de emissão» e permite‑lhes emitir ou validar decisões europeias de investigação. Considera que esta diretiva poderia, por conseguinte, ser interpretada no sentido de que a questão de saber se um magistrado do Ministério Público está ou não exposto ao risco de estar sujeito a instruções individuais do poder executivo é irrelevante no âmbito desta.

28

Esse órgão jurisdicional expõe, além disso, que o requisito relativo à independência da autoridade de emissão de um mandado de detenção europeu é justificado pelas ofensas graves aos direitos fundamentais da pessoa visada por esse mandado, o qual implica uma privação da liberdade e a transferência dessa pessoa para outro Estado‑Membro. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, ofensas da mesma natureza são cometidas pela decisão europeia de investigação, que abrange todas as medidas de investigação, incluindo buscas, uma vigilância visual ou auditiva, ou mesmo uma vigilância das telecomunicações.

29

O órgão jurisdicional de reenvio precisa ainda que, se o Ministério Público de Hamburgo for considerado uma «autoridade judiciária», na aceção da Diretiva 2014/41 e do § 55, n.o 3, da Lei Federal relativa à Cooperação Judiciária em Matéria Penal com os Estados‑Membros da União Europeia, a decisão europeia de investigação em causa no processo principal deveria ser executada na Áustria, uma vez que todos os outros requisitos previstos pelo direito nacional estão preenchidos.

30

Nestas circunstâncias, o Landesgericht für Strafsachen Wien (Tribunal Regional Penal de Viena) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os conceitos de “autoridade judiciária”, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da [Diretiva 2014/41,] e de “magistrado do Ministério Público”, na aceção do artigo 2.o, alínea c), [i)], da mesma diretiva, ser interpretados no sentido de que abrangem igualmente os serviços do Ministério Público de um Estado‑Membro em relação aos quais existe o risco de, no âmbito da adoção de uma decisão relativa à emissão de uma decisão europeia de investigação, estarem direta ou indiretamente sujeitos a ordens ou instruções individuais do poder executivo, como o [Conselheiro para a Justiça de Hamburgo]?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

31

O órgão jurisdicional de reenvio pediu ao Tribunal de Justiça que submetesse o presente processo a tramitação acelerada em aplicação do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo deste último.

32

Em apoio do seu pedido, alega, em primeiro lugar, que existem vários processos de inquérito que suscitam a mesma questão que a invocada no âmbito do presente reenvio prejudicial e que visam determinar se as decisões de investigação europeia emitidas pelos Ministérios Públicos alemães devem ser executadas. Além disso, esta questão é igualmente importante para outros Estados‑Membros nos quais, como na Alemanha, os Ministérios Públicos estão expostos ao risco de estarem sujeitos a instruções individuais do poder executivo. Em segundo lugar, em razão das ofensas cometidas, quando dos processos de investigação, aos direitos fundamentais das pessoas procuradas, esses processos deveriam, à semelhança do que prevê o direito austríaco, ser concluídos o mais rapidamente possível.

33

Resulta do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode, quando a natureza do processo exija o tratamento deste dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada, em derrogação das disposições do presente regulamento.

34

Em 6 de setembro de 2019, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidos a juíza‑relatora e o advogado‑geral, indeferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio recordado no n.o 31 do presente acórdão.

35

Com efeito, por um lado, o fundamento relativo ao facto de o pedido de decisão prejudicial ter por objeto a execução de uma decisão europeia de investigação e, por conseguinte, exigir uma resposta célere não basta, por si só, para justificar que o presente processo seja sujeito à tramitação acelerada referida no artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, uma vez que esta última constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária (v., por analogia, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2018, Minister for Justice and Equality, C‑508/18 e C‑509/18, não publicado, EU:C:2018:766, n.o 11 e jurisprudência referida).

36

Por outro lado, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o número significativo de pessoas ou de situações jurídicas potencialmente afetadas pela decisão que um órgão jurisdicional de reenvio deve proferir depois de ter chamado o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se a título prejudicial não é suscetível, enquanto tal, de constituir uma circunstância excecional que possa justificar o recurso à tramitação acelerada. O mesmo se aplica quanto ao número significativo de processos que poderiam ser suspensos enquanto se aguarda a decisão do Tribunal de Justiça proferida sobre o reenvio prejudicial (Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2018, Minister for Justice and Equality, C‑508/18 e C‑509/18, não publicado, EU:C:2018:766, n.o 14 e jurisprudência referida).

37

Contudo, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu que o presente processo seria julgado com prioridade, em aplicação do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

Quanto à questão prejudicial

38

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 1, e o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2014/41 devem ser interpretados no sentido de que estão abrangidos pelos conceitos de «autoridade judiciária» e de «autoridade de emissão», na aceção destas disposições, o procurador de um Estado‑Membro ou, mais genericamente, o Ministério Público de um Estado‑Membro, independentemente da relação de subordinação legal que possa existir entre esse procurador ou esse Ministério Público e o poder executivo desse Estado‑Membro, e da exposição desse procurador ou desse Ministério Público ao risco de estar sujeito, direta ou indiretamente, a ordens ou instruções individuais por parte desse poder no âmbito da adoção de uma decisão europeia de investigação.

39

A título preliminar, importa recordar que esta diretiva tem por objeto, como resulta dos seus considerandos 5 a 8, substituir o quadro fragmentado e complexo existente em matéria de obtenção de provas nos processos penais que revistam uma dimensão transfronteiriça e pretende, através da instauração de um sistema simplificado e mais eficaz baseado num instrumento único denominado «decisão europeia de investigação», facilitar e acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir para realizar o objetivo atribuído à União de se tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça, baseando‑se num grau de confiança elevado que deve existir entre os Estados‑Membros.

40

A este respeito, decorre nomeadamente dos considerandos 2, 6 e 19 da referida diretiva que a decisão europeia de investigação é um instrumento abrangido pela cooperação judiciária em matéria penal prevista no artigo 82.o, n.o 1, TFUE, que se baseia no princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e das decisões judiciais. Este princípio, que constitui a «pedra angular» da cooperação judiciária em matéria penal, baseia‑se ele próprio na confiança mútua e na presunção ilidível de que os outros Estados‑Membros respeitam o direito da União e, em especial, os direitos fundamentais.

41

Neste contexto, o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2014/41 define a decisão europeia de investigação como uma decisão judicial emitida ou validada por uma autoridade judiciária de um Estado‑Membro para que sejam executadas noutro Estado‑Membro uma ou várias medidas de investigação específicas, tendo em vista a obtenção de elementos de prova, em conformidade com a presente diretiva, incluindo os que já estejam na posse das autoridades competentes desse Estado‑Membro.

42

O artigo 2.o, alínea c), desta diretiva define o que se deve entender, para efeitos da referida diretiva, por «autoridade de emissão», precisando, na alínea ii) desta disposição, que, quando uma decisão europeia de investigação for emitida por uma autoridade competente do Estado‑Membro de emissão diferente de uma das referidas na alínea i) desta, essa decisão deve ser validada por uma «autoridade judiciária» antes de ser transmitida à autoridade de execução.

43

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2014/41, os Estados‑Membros executam uma decisão europeia de investigação com base no princípio do reconhecimento mútuo e nos termos da presente diretiva.

44

Em especial, por força do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2014/41, a autoridade de execução deve reconhecer uma decisão europeia de investigação sem impor outras formalidades, e garante a sua execução nas condições que seriam aplicáveis se a medida de investigação em causa tivesse sido ordenada por uma autoridade do Estado de execução. No entanto, ao abrigo desta mesma disposição, essa autoridade pode decidir não executar uma decisão europeia de investigação ao invocar um dos motivos de não reconhecimento ou de não execução ou um dos motivos de adiamento previstos na presente diretiva.

45

Além disso, o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2014/41 prevê que, caso uma autoridade de execução receba uma decisão europeia de investigação que não tenha sido emitida por uma autoridade de emissão, na aceção do artigo 2.o, alínea c), desta diretiva, a autoridade de execução devolve‑a ao Estado de emissão.

46

Decorre das considerações precedentes, por um lado, que uma decisão europeia de investigação apenas pode ser executada se a autoridade que a emitiu for uma «autoridade de emissão», na aceção do artigo 2.o, alínea c), da referida diretiva, e, por outro, que, quando for emitida por uma autoridade de emissão diferente das referidas na alínea i) desta disposição, essa decisão deve ser validada por uma «autoridade judiciária» antes de ser transmitida para efeitos da sua execução noutro Estado‑Membro.

47

No caso em apreço, a questão submetida tem por objeto, em substância, saber se um procurador de um Estado‑Membro ou, mais genericamente, o Ministério Público de um Estado‑Membro corresponde aos conceitos de «autoridade judiciária» e de «autoridade de emissão», na aceção, respetivamente, do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2014/41, mesmo que esteja numa relação de subordinação legal em relação ao poder executivo desse Estado‑Membro, expondo‑o ao risco de estar sujeito, direta ou indiretamente, a ordens ou a instruções individuais por parte desse poder no âmbito da adoção de uma decisão europeia de investigação.

48

Esta questão coloca‑se na medida em que, como resulta do n.o 25 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre a aplicabilidade, no contexto da Diretiva 2014/41, da jurisprudência decorrente dos Acórdãos de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau) (C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456, n.o 90), e de 27 de maio de 2019, PF (Procurador‑Geral da Lituânia) (C‑509/18, EU:C:2019:457, n.o 57), nos quais o Tribunal de Justiça interpretou o conceito de «autoridade judiciária de emissão», que figura no artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, no sentido de que, no âmbito da adoção de uma decisão relativa à emissão de um mandado de detenção europeu, não se refere aos ministérios públicos de um Estado‑Membro que estejam expostos a esse risco.

49

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, com vista à interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [Acórdão de 3 de março de 2020, X (Mandado de detenção europeu — Dupla incriminação), C‑717/18, EU:C:2020:142, n.o 21 e jurisprudência referida].

50

No que diz respeito, em primeiro lugar, à redação das disposições referidas no n.o 47 do presente acórdão, importa salientar que, enquanto a Decisão‑Quadro 2002/584, em especial o seu artigo 6.o, n.o 1, utiliza o conceito de «autoridade judiciária de emissão» sem especificar as autoridades abrangidas por este conceito, o artigo 2.o, alínea c), i), da Diretiva 2014/41 prevê expressamente que o magistrado do Ministério Público figura entre as autoridades que, à semelhança do juiz, do tribunal ou do juiz de instrução, são consideradas uma «autoridade de emissão».

51

Esta última disposição sujeita a qualificação de «autoridade de emissão» apenas à condição de que o tribunal e as pessoas que exercem a função de juiz, de juiz de instrução ou de magistrado do Ministério Público tenham competência no processo em causa.

52

Assim, uma vez que, ao abrigo do direito nacional, o procurador de um Estado‑Membro ou, mais genericamente, o Ministério Público desse Estado‑Membro tem competência para ordenar medidas de investigação com vista à obtenção de provas num determinado processo, este está abrangido pelo conceito de «autoridade de emissão», na aceção do artigo 2.o, alínea c), i), da Diretiva 2014/41.

53

Decorre igualmente dos termos do artigo 2.o, alínea c), ii), desta diretiva que o magistrado do Ministério Público figura entre as «autoridades judiciárias» habilitadas a validar uma decisão europeia de investigação antes da sua transmissão à autoridade de execução, quando essa decisão tenha sido emitida por uma autoridade de emissão diferente de uma das referidas na alínea i) desta disposição.

54

Importa observar que nem a alínea i) nem a alínea ii) deste artigo 2.o, alínea c), subordinam a qualificação de «autoridade de emissão» ou de «autoridade judiciária» do magistrado do Ministério Público, para efeitos da Diretiva 2014/41, à inexistência de uma relação de subordinação legal deste relativamente ao poder executivo do Estado‑Membro a que pertence.

55

Resulta igualmente de uma leitura conjugada do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 2.o, alínea c), i) e ii), da Diretiva 2014/41 que a emissão ou a validação de uma decisão europeia de investigação por um magistrado do Ministério Público confere a essa decisão a qualidade de decisão judicial.

56

No que se refere, em segundo lugar, ao contexto em que se inserem estas disposições, há que salientar, primeiramente, que a emissão ou a validação de uma decisão europeia de investigação está sujeita, por força da Diretiva 2014/41, a um procedimento e a garantias distintas das que enquadram a emissão de um mandado de detenção europeu. Esta diretiva prevê disposições específicas destinadas a assegurar que a emissão ou a validação de uma decisão europeia de investigação por um magistrado do Ministério Público como o que figura no artigo 2.o, alínea c), da referida diretiva é rodeada de garantias próprias da adoção das decisões judiciais, em especial as relativas ao respeito pelos direitos fundamentais da pessoa em causa, nomeadamente do direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

57

Antes de mais, ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2014/41, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea c), e com o considerando 11 desta diretiva, essa emissão ou validação está sujeita ao duplo requisito de que, por um lado, seja necessária e proporcionada às finalidades dos processos, nomeadamente penais, visadas no artigo 4.o da referida diretiva, tendo em conta os direitos do suspeito ou do arguido, e de que, por outro, a medida ou as medidas de investigação indicadas na decisão europeia de investigação poderiam ter sido ordenadas nas mesmas condições no âmbito de um processo nacional semelhante.

58

Assim, quando emite ou valida uma decisão europeia de investigação, um magistrado do Ministério Público como o que figura no artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2014/41 deve garantir o respeito das garantias processuais nacionais, que devem ser conformes com as diretivas, enunciadas no considerando 15 desta diretiva, relativas aos direitos processuais em processo penal.

59

Da mesma forma, como é, aliás, recordado nos considerandos 12 e 39 da referida diretiva, deve garantir o respeito dos direitos consagrados na Carta, em especial, o direito à presunção de inocência e os direitos de defesa previstos no seu artigo 48.o Além disso, qualquer restrição ao exercício desses direitos por uma medida de investigação ordenada nos termos desta mesma diretiva deve respeitar as exigências previstas no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, o que pressupõe, nomeadamente, que a restrição em causa, respeitando o princípio da proporcionalidade, seja necessária e corresponda efetivamente a um objetivo de interesse geral reconhecido pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

60

Em seguida, o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2014/41, lido à luz do seu considerando 22, prevê uma obrigação geral para os Estados‑Membros de assegurarem que vias de recurso pelo menos equivalentes às existentes em processos nacionais semelhantes sejam aplicáveis às medidas de investigação indicadas na decisão europeia de investigação.

61

Em conformidade com o artigo 14.o, n.o 3, desta diretiva, a autoridade de emissão deve assegurar que as pessoas às quais diga respeito essa decisão disponham de informação suficiente sobre as vias e prazos de recurso contra esta previstos no direito nacional, a fim de garantir o exercício efetivo do seu direito de recurso.

62

Por último, nos termos do artigo 14.o, n.o 7, da referida diretiva, se a impugnação do reconhecimento ou execução de uma decisão europeia de investigação for procedente, essa decisão será tida em conta pelo Estado de emissão de acordo com a lei nacional. Assim, sem prejuízo do disposto no direito processual nacional, os Estados‑Membros devem assegurar que, no processo penal no Estado de emissão, quando da avaliação dos elementos de prova obtidos através de uma decisão europeia de investigação, são respeitados os direitos de defesa e da equidade do processo.

63

Resulta das disposições da Diretiva 2014/41 referidas nos n.os 57 a 62 do presente acórdão que um magistrado do Ministério Público, como o que figura no artigo 2.o, alínea c), desta diretiva, que emite ou valida uma decisão europeia de investigação deve ter em conta o princípio da proporcionalidade e os direitos fundamentais da pessoa em causa, nomeadamente os consagrados na Carta, e que a sua decisão deve poder ser objeto de vias de recurso efetivas pelo menos equivalentes às existentes no âmbito de um processo nacional semelhante.

64

Em segundo lugar, embora a decisão europeia de investigação seja, é certo, um instrumento baseado nos princípios da confiança e do reconhecimento mútuos, cuja execução constitui o princípio e a recusa de execução é concebida como uma exceção que deve ser objeto de uma interpretação restrita [v., por analogia, Acórdão de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau), C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456, n.o 45 e jurisprudência referida], as disposições da Diretiva 2014/41 permitem, contudo, à autoridade de execução e, de um modo mais geral, ao Estado de execução assegurar o respeito pelo princípio da proporcionalidade e pelos direitos processuais e fundamentais da pessoa em causa.

65

Antes de mais, decorre do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2014/41 que o processo de execução de uma decisão europeia de investigação pode necessitar da autorização de um órgão jurisdicional no Estado de execução quando o seu direito nacional o preveja. Como resulta da decisão de reenvio, é esse o caso do direito austríaco, que subordina a execução de determinadas medidas de investigação, como um pedido de comunicação de informações relativas a uma conta bancária, à autorização de um órgão jurisdicional.

66

Em seguida, nos termos do artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva, quando a autoridade de execução tiver razões para considerar que as condições enunciadas no n.o 1 deste artigo não foram preenchidas, nomeadamente a relativa ao facto de a medida de investigação ser necessária e proporcionada aos objetivos dos processos para os quais foi emitida, tendo em conta os direitos da pessoa em causa, pode consultar a autoridade de emissão quanto à importância de executar a decisão europeia de investigação, o que pode levar, se for caso disso, à revogação dessa decisão pela autoridade de emissão.

67

Ao abrigo do artigo 10.o da referida diretiva, a autoridade de execução pode igualmente recorrer a uma medida de investigação diferente da indicada na decisão europeia de investigação. Esta possibilidade existe, em especial, como resulta do n.o 3 deste artigo, lido à luz do considerando 10 desta diretiva, quando esta autoridade considere que essa outra medida de investigação permite obter o mesmo resultado que a medida indicada na decisão europeia de investigação através de meios que impliquem uma violação menor dos direitos fundamentais.

68

Por último, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, alínea f), da referida diretiva, o reconhecimento ou a execução de uma decisão europeia de investigação pode ser recusada no Estado de execução se houver motivos substanciais para crer que a execução da medida de investigação indicada na decisão europeia de investigação será incompatível com as obrigações do Estado de execução nos termos do artigo 6.o TUE e da Carta.

69

Tendo em conta os elementos referidos nos n.os 57 a 68 do presente acórdão, o artigo 1.o, n.o 1, e o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2014/41 inserem‑se num quadro normativo que inclui um conjunto de garantias tanto na fase da emissão ou da validação como da execução da decisão europeia de investigação, com vista a assegurar a proteção dos direitos fundamentais da pessoa em causa.

70

No que diz respeito, em terceiro lugar, ao objetivo da Diretiva 2014/41, esta visa garantir, como foi recordado nos n.os 39 e 40 do presente acórdão, uma cooperação simplificada e eficaz entre os Estados‑Membros, assegurando o reconhecimento mútuo das decisões tomadas pelas autoridades judiciárias desses Estados‑Membros para efeitos da obtenção de provas em processos penais que revistam uma dimensão transfronteiriça.

71

Como sublinha o considerando 34 desta diretiva, esta prevê medidas provisórias unicamente para recolha de elementos de prova. Além disso, nos termos do artigo 1.o, n.o 3, da referida diretiva, a emissão de uma decisão europeia de investigação pode ser requerida por um suspeito ou por um arguido, ou por um advogado em nome de um suspeito ou de um arguido. Como salienta o advogado‑geral no n.o 71 das suas conclusões, essa medida pode assim ser ordenada no interesse da pessoa em causa.

72

Por outro lado, importa sublinhar que a decisão europeia de investigação regida pela Diretiva 2014/41 prossegue, no âmbito de um processo penal, um objetivo distinto do mandado de detenção europeu regido pela Decisão‑Quadro 2002/584. Com efeito, enquanto o mandado de detenção europeu visa, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, a detenção e a entrega de uma pessoa procurada para o exercício de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, a decisão europeia de investigação visa, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2014/41, executar uma ou várias medidas de investigação específicas tendo em vista a obtenção de elementos de prova.

73

É certo que, como resulta dos artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2014/41, uma decisão europeia de investigação é suscetível de abranger, em princípio, qualquer medida de investigação para efeitos, designadamente, de procedimento penal. Ora, algumas dessas medidas podem ser intrusivas, na medida em que violam, nomeadamente, o direito à vida privada ou o direito de propriedade da pessoa em causa. No entanto, como todos os interessados que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça alegaram, salvo no caso particular da transferência temporária de pessoas já detidas para efeitos da realização de uma medida de investigação, que é objeto de garantias específicas nos artigos 22.o e 23.o da Diretiva 2014/41, a decisão europeia de investigação não é, ao contrário de um mandado de detenção europeu, suscetível de violar o direito à liberdade da pessoa em causa, consagrado no artigo 6.o da Carta.

74

Tendo em conta as diferenças de ordem textual, contextual e teleológica salientadas nas considerações precedentes entre a Decisão‑Quadro 2002/584 e a Diretiva 2014/41, a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 acolhida pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau) (C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456), e de 27 de maio de 2019, PF (Procurador‑Geral da Lituânia) (C‑509/18, EU:C:2019:457), segundo a qual o conceito de «autoridade judiciária de emissão», na aceção desta disposição, não abrange os Ministérios Públicos de um Estado‑Membro que estejam expostos ao risco de estarem sujeitos a instruções individuais por parte do poder executivo, não é transponível para o contexto da Diretiva 2014/41.

75

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 1.o, n.o 1, e o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2014/41 devem ser interpretados no sentido de que estão abrangidos pelos conceitos de «autoridade judiciária» e de «autoridade de emissão», na aceção destas disposições, o procurador de um Estado‑Membro ou, mais genericamente, o Ministério Público de um Estado‑Membro, independentemente da relação de subordinação legal que possa existir entre esse procurador ou esse Ministério Público e o poder executivo desse Estado‑Membro, e da exposição do referido procurador ou do referido Ministério Público ao risco de estar sujeito, direta ou indiretamente, a ordens ou instruções individuais por parte desse poder no âmbito da adoção de uma decisão europeia de investigação.

Quanto às despesas

76

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

O artigo 1.o, n.o 1, e o artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal, devem ser interpretados no sentido de que estão abrangidos pelos conceitos de «autoridade judiciária» e de «autoridade de emissão», na aceção destas disposições, o procurador de um Estado‑Membro ou, mais genericamente, o Ministério Público de um Estado‑Membro, independentemente da relação de subordinação legal que possa existir entre esse procurador ou esse Ministério Público e o poder executivo desse Estado‑Membro, e da exposição do referido procurador ou do referido Ministério Público ao risco de estar sujeito, direta ou indiretamente, a ordens ou instruções individuais por parte desse poder no âmbito da adoção de uma decisão europeia de investigação.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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