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Document 62019CJ0287

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 11 de novembro de 2020.
DenizBank AG contra Verein für Konsumenteninformation.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof.
Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva (UE) 2015/2366 — Serviços de pagamento no mercado interno — Artigo 4.o, ponto 14 — Conceito de instrumento de pagamento — Cartões bancários multifunções personalizados — Função de leitura por aproximação (NFC) — Artigo 52.o, ponto 6, alínea a), e artigo 54.o, n.o 1 — Informações a fornecer ao utilizador — Alteração das condições de um contrato‑quadro — Aceitação tácita — Artigo 63.o, n.o 1, alíneas a) e b) — Direitos e obrigações relativamente aos serviços de pagamento — Derrogação para instrumentos de pagamento de baixo valor — Requisitos de aplicação — Instrumento de pagamento que não pode ser bloqueado — Instrumento de pagamento utilizado de forma anónima — Limitação dos efeitos do acórdão no tempo.
Processo C-287/19.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:897

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

11 de novembro de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva (UE) 2015/2366 — Serviços de pagamento no mercado interno — Artigo 4.o, ponto 14 — Conceito de instrumento de pagamento — Cartões bancários multifunções personalizados — Função de leitura por aproximação (NFC) — Artigo 52.o, ponto 6, alínea a), e artigo 54.o, n.o 1 — Informações a fornecer ao utilizador — Alteração das condições de um contrato‑quadro — Aceitação tácita — Artigo 63.o, n.o 1, alíneas a) e b) — Direitos e obrigações relativamente aos serviços de pagamento — Derrogação para instrumentos de pagamento de baixo valor — Requisitos de aplicação — Instrumento de pagamento que não pode ser bloqueado — Instrumento de pagamento utilizado de forma anónima — Limitação dos efeitos do acórdão no tempo»

No processo C‑287/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria), por Decisão de 25 de janeiro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de abril de 2019, no processo

DenizBank AG

contra

Verein für Konsumenteninformation,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, L. Bay Larsen, C. Toader, M. Safjan e N. Jääskinen (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 13 de fevereiro de 2020,

vistas as observações apresentadas:

em representação da DenizBank AG, por G. Ganzger e A. Egger, Rechtsanwälte,

em representação da Verein für Konsumenteninformation, por S. Langer, Rechtsanwalt,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e S. Šindelková, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, P. Barros da Costa, S. Jaulino e G. Fonseca, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por G. Braun, T. Scharf e H. Tserepa‑Lacombe, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de abril de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, ponto 14, do artigo 52.o, ponto 6, alínea a), lido em conjugação com o artigo 54.o, n.o 1, e do artigo 63.o, n.o 1, da Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, que altera as Diretivas 2002/65/CE, 2009/110/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.o 1093/2010, e que revoga a Diretiva 2007/64/CE (JO 2015, L 337, p. 35, e retificação no JO 2018, L 102, p. 97).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a DenizBank AG, sociedade de direito austríaco, à Verein für Konsumenteninformation (Associação para a Informação dos Consumidores, Áustria; a seguir «VKI») a respeito da validade de cláusulas contratuais relativas ao uso de cartões bancários multifunções personalizados que estão equipados especialmente com a função de leitura por aproximação (Near Field Communication) (a seguir «função NFC»), comummente denominada função de «pagamento sem contacto».

Quadro jurídico

Diretiva 93/13/CEE

3

O artigo 2.o da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29), enuncia:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

“Cláusulas abusivas”, as cláusulas de um contrato tal como são definidas no artigo 3.o;

b)

“Consumidor”, qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com fins que não pertençam ao âmbito da sua atividade profissional;

c)

“Profissional”, qualquer pessoa singular ou coletiva que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, seja ativa no âmbito da sua atividade profissional, pública ou privada.»

4

O artigo 3.o desta diretiva dispõe:

«1.   Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

[…]

3.   O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

5

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

6

O artigo 8.o da mesma diretiva prevê que «[o]s Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio regido pela presente diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor».

7

O anexo da Diretiva 93/13, que contém uma lista indicativa e não exaustiva das «[c]láusulas previstas no n.o 3 do artigo 3.o» desta diretiva menciona, no seu ponto 1, alínea j), as «cláusulas que têm como objetivo ou como efeito [a]utorizar o profissional a alterar unilateralmente os termos do contrato sem razão válida e especificada no mesmo». O ponto 2 deste anexo determina o alcance da referida alínea j).

Diretiva (UE) 2015/2366

8

A Diretiva (UE) 2015/2366 revogou a Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, que altera as Diretivas 97/7/CE, 2002/65/CE, 2005/60/CE e 2006/48/CE e revoga a Diretiva 97/5/CE (JO 2007, L 319, p. 1), com efeitos em 13 de janeiro de 2018.

9

Nos termos dos considerandos 6, 53 a 55, 63, 81, 91 e 96 da Diretiva 2015/2366:

«(6)

[…] Deverão ser garantidas aos operadores já presentes no mercado […] condições equivalentes para o exercício da atividade, permitindo a implantação generalizada dos novos meios de pagamento no mercado e garantindo um elevado nível de proteção dos consumidores na utilização desses serviços de pagamento em toda a União. Tal situação deverá gerar eficiências em todo o sistema de pagamentos e traduzir‑se numa maior escolha e numa maior transparência no domínio dos serviços de pagamento, reforçando simultaneamente a confiança dos consumidores num mercado de pagamentos harmonizado.

[…]

(53)

Uma vez que os consumidores e as empresas não se encontram na mesma situação, não necessitam do mesmo nível de proteção. Embora seja importante garantir os direitos dos consumidores através de disposições que não possam ser derrogadas por contrato, é razoável deixar as empresas e as organizações decidirem em contrário quando não estiverem a tratar com consumidores. […]

(54)

A presente diretiva deverá especificar as obrigações dos prestadores de serviços de pagamento no que respeita à prestação de informações aos utilizadores desses serviços, que deverão receber o mesmo nível elevado de informações claras sobre tais serviços, a fim de efetuarem uma escolha com conhecimento de causa e estarem em condições de escolher livremente em toda a União. […]

(55)

Os consumidores deverão estar protegidos contra as práticas desleais e enganosas nos termos da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2005, L 149, p. 22)], bem como das Diretivas [do Parlamento Europeu e do Conselho] 2000/31/CE[, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade da informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno (JO 2000, L 178, p. 1)], 2002/65/CE[, de 23 de setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores e que altera as Diretivas 90/619/CEE do Conselho, e as Diretivas 97/7/CE e 98/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2002, L 271, p. 16)], 2008/48/CE[, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008, L 133, p. 66)], 2011/83/UE[, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2011, L 304, p. 64)] e 2014/92/UE[, de 23 de julho de 2014, relativa à comparabilidade das comissões relacionadas com as contas de pagamento, à mudança de conta de pagamento e ao acesso a contas de pagamento com características básicas (JO 2014, L 257, p. 214). As disposições dessas diretivas continuam a ser aplicáveis. Todavia, deverá clarificar‑se em particular a relação entre os requisitos de informação pré‑contratual estabelecidos na presente diretiva e na Diretiva 2002/65/CE.

[…]

(63)

A fim de garantir um elevado nível de proteção dos consumidores, os Estados‑Membros deverão, no interesse dos consumidores, poder manter ou introduzir restrições ou proibições relativas a alterações unilaterais das condições de um contrato‑quadro, por exemplo se não houver razões que justifiquem tal alteração.

[…]

(81)

Os instrumentos de pagamento de baixo valor deverão ser uma alternativa de fácil utilização e pouco onerosa no caso de bens e serviços com um preço baixo e não deverão ser objeto de requisitos excessivos. […] Apesar deste regime mais simplificado, os utilizadores do serviço de pagamento deverão beneficiar de uma proteção adequada, tendo em conta os riscos limitados destes instrumentos de pagamento, especialmente no que se refere aos instrumentos de pagamento pré‑pagos.

[…]

(91)

Os prestadores de serviços de pagamento são responsáveis pelas medidas de segurança. Essas medidas têm de ser proporcionadas em relação aos riscos de segurança em causa. Os prestadores de serviços de pagamento deverão estabelecer um quadro para mitigar os riscos e manter procedimentos eficazes de gestão de incidentes. […] Além disso, a fim de minimizar os danos que possam ser causados aos utilizadores, […] é essencial que os prestadores de serviços de pagamento sejam obrigados a comunicar sem demora indevida às autoridades competentes os incidentes graves em termos de segurança. […]

[…]

(96)

As medidas de segurança deverão ser compatíveis com o nível de risco que o serviço de pagamento envolve. A fim de permitir o desenvolvimento de meios de pagamento acessíveis e de fácil utilização para pagamentos de baixo risco, como, por exemplo, os pagamentos de baixo valor através de tecnologia de leitura por aproximação (contactless), sejam eles baseados num telemóvel ou não, as isenções à aplicação dos requisitos de segurança deverão ser especificadas em normas técnicas de regulamentação. […]»

10

O artigo 4.o desta diretiva, com a epígrafe «Definições», tem a seguinte redação:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

8)

“Ordenante”, uma pessoa singular ou coletiva que detém uma conta de pagamento e que autoriza uma ordem de pagamento a partir dessa conta, ou, caso não exista conta de pagamento, uma pessoa singular ou coletiva que emite uma ordem de pagamento;

9)

“Beneficiário”, uma pessoa singular ou coletiva que é a destinatária prevista de fundos que foram objeto de uma operação de pagamento;

10)

“Utilizador de serviços de pagamento”, uma pessoa singular ou coletiva que utiliza um serviço de pagamento a título de ordenante ou de beneficiário, ou a ambos os títulos;

[…]

14)

“Instrumento de pagamento”, um dispositivo personalizado e/ou um conjunto de procedimentos, acordados entre o utilizador do serviço de pagamento e o prestador do serviço de pagamento, utilizados para iniciar uma ordem de pagamento;

[…]

20)

“Consumidor”, uma pessoa singular que atua, nos contratos de serviços de pagamento abrangidos pela presente diretiva, com objetivos alheios às suas atividades comerciais, empresariais ou profissionais;

21)

“Contrato‑quadro”, um contrato de serviços de pagamento que rege a execução futura de operações de pagamento individuais e sucessivas e que pode enunciar as obrigações e condições para a abertura de uma conta de pagamento;

[…]

29)

“Autenticação”, um procedimento que permite ao prestador de serviços de pagamento verificar a identidade de um utilizador de serviços de pagamento ou a validade da utilização de um instrumento de pagamento específico, incluindo a utilização das credenciais de segurança personalizadas do utilizador;

30)

“Autenticação forte do cliente”, uma autenticação baseada na utilização de dois ou mais elementos pertencentes às categorias conhecimento (algo que só o utilizador conhece), posse (algo que só o utilizador possui) e inerência (algo que o utilizador é), os quais são independentes, na medida em que a violação de um deles não compromete a fiabilidade dos outros, e que é concebida de modo a proteger a confidencialidade dos dados de autenticação;

31)

“Credenciais de segurança personalizadas”, elementos personalizados fornecidos pelo prestador de serviços de pagamento a um utilizador de serviços de pagamento para efeitos de autenticação;

[…]»

11

O título III da Diretiva 2015/2366, com a epígrafe «Transparência das condições e dos requisitos de informação aplicáveis aos serviços de pagamento», contém um capítulo 1, relativo às «Regras gerais», composto pelos artigos 38.o a 42.o desta diretiva.

12

O artigo 38.o da referida diretiva, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», enuncia no seu n.o 1:

«O presente título aplica‑se às operações de pagamento de caráter isolado, aos contratos‑quadro e às operações de pagamento por eles abrangidas. As partes podem acordar em que o disposto no presente título não se aplique no todo ou em parte quando o utilizador de serviços de pagamento não seja um consumidor.»

13

O artigo 42.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Derrogação dos requisitos de informação para instrumentos de pagamento de baixo valor e moeda eletrónica», dispõe:

«1.   No caso dos instrumentos de pagamento que, de acordo com o contrato‑quadro relevante, digam exclusivamente respeito a operações de pagamento individuais que não excedam 30 [euros], que tenham um limite de despesas de 150 [euros] ou que permitam armazenar fundos cujo montante não exceda em momento algum 150 [euros]:

a)

Em derrogação do disposto nos artigos 51.o, 52.o e 56.o, o prestador de serviços de pagamento só presta ao ordenante informações sobre as principais características do serviço de pagamento, incluindo o modo como o instrumento de pagamento pode ser utilizado, a responsabilidade, os encargos faturados e outras informações significativas necessárias para tomar uma decisão informada, bem como a indicação das fontes onde podem ser obtidas, de uma forma facilmente acessível, quaisquer outras informações e condições especificadas no artigo 52.o;

b)

Pode ser acordado que, em derrogação do disposto no artigo 54.o, o prestador de serviços de pagamento não tenha de propor alterações das condições do contrato‑quadro conforme previsto no artigo 51.o, n.o 1;

[…]»

14

O título III da Diretiva 2015/2366 inclui um capítulo 3, relativo aos «Contratos‑quadro», composto pelos seus artigos 50.o a 58.o

15

O artigo 51.o desta diretiva, com a epígrafe «Informações gerais prévias», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros exigem que, em tempo útil antes de o utilizador de serviços de pagamento ficar vinculado por um contrato‑quadro ou por uma proposta de contrato‑quadro, o prestador de serviços de pagamento comunique ao utilizador de serviços de pagamento, em suporte papel ou em qualquer outro suporte duradouro, as informações e condições especificadas no artigo 52.o Essas informações e condições são enunciadas em termos facilmente compreensíveis e de forma clara e inteligível, numa língua oficial do Estado‑Membro em que o serviço de pagamento é oferecido ou em qualquer outra língua acordada entre as partes.»

16

O artigo 52.o desta diretiva, com a epígrafe «Informações e condições», enuncia:

«Os Estados‑Membros asseguram que sejam fornecidas ao utilizador de serviços de pagamento as seguintes informações e condições:

[…]

6)

Quanto à alteração e à resolução do contrato‑quadro:

a)

Se tal for acordado, a informação de que se considera que o utilizador de serviços de pagamento aceitou a alteração das condições nos termos do artigo 54.o, a menos que o utilizador de serviços de pagamento tenha notificado o prestador de serviços de pagamento, antes da data proposta para a entrada em vigor da alteração, de que não a aceita;

[…]»

17

O artigo 54.o da referida diretiva, com a epígrafe «Alteração das condições do contrato‑quadro», prevê, no seu n.o 1:

«A alteração do contrato‑quadro ou das informações e condições especificadas no artigo 52.o é proposta pelo prestador de serviços de pagamento nos termos previstos no artigo 51.o, n.o 1, o mais tardar dois meses antes da data proposta para a sua aplicação. O utilizador de serviços de pagamento pode aceitar ou rejeitar a alteração antes da data proposta para a sua entrada em vigor.

Se tal for aplicável nos termos do artigo 52.o, ponto 6, alínea a), o prestador de serviços de pagamento informa o utilizador de serviços de pagamento de que considera que este último aceitou essa alteração se o utilizador de serviços de pagamento não tiver notificado o prestador de serviços de pagamento, antes da data proposta para a entrada em vigor da alteração, de que não a aceita. O prestador de serviços de pagamento informa também o utilizador de serviços de pagamento de que, caso este rejeite a alteração, tem o direito de resolver o contrato‑quadro gratuitamente e com efeitos em qualquer momento até à data em que a alteração teria sido aplicada.»

18

O título IV da Diretiva 2015/2366, com a epígrafe «Direitos e obrigações relativamente à prestação e utilização de serviços de pagamento», inclui um capítulo 1, relativo às «Disposições comuns», composto pelos seus artigos 61.o a 63.o

19

O artigo 63.o da referida diretiva, com a epígrafe «Derrogação para instrumentos de pagamento de baixo valor e moeda eletrónica», dispõe, no seu n.o 1:

«No caso de instrumentos de pagamento que, de acordo com o contrato‑quadro, digam exclusivamente respeito a operações de pagamento individuais que não excedam 30 [euros], ou que tenham um limite de despesas de 150 [euros], ou que permitam armazenar fundos cujo montante não exceda em momento algum 150 [euros], os prestadores de serviços de pagamento podem acordar com os seus utilizadores que:

a)

Não se aplique o artigo 69.o, n.o 1, alínea b), o artigo 70.o n.o 1, alíneas c) e d), e o artigo 74.o, n.o 3, se o instrumento de pagamento não puder ser bloqueado nem for possível impedir a sua utilização subsequente;

b)

Não se apliquem os artigos 72.o e 73.o e o artigo 74.o, n.os 1 e 3, se o instrumento de pagamento for utilizado de forma anónima ou o prestador de serviços de pagamento não puder fornecer, por outros motivos intrínsecos ao instrumento de pagamento, prova de que a operação de pagamento foi autorizada;

[…]»

20

O título IV da Diretiva 2015/2366 contém também um capítulo 2, relativo à «Autorização de operações de pagamento», composto pelos seus artigos 64.o a 77.o

21

O artigo 69.o desta diretiva, com a epígrafe «Obrigações do utilizador de serviços de pagamento relativas aos instrumentos de pagamento e às credenciais de segurança personalizadas», prevê, no seu n.o 1:

«O utilizador de serviços de pagamento habilitado a utilizar um instrumento de pagamento:

[…]

b)

Comunica sem demora indevida e logo que tenha tomado conhecimento dos factos, ao prestador de serviços de pagamento ou à entidade indicada por este último, a perda, o furto, a apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento.»

22

O artigo 70.o da referida diretiva, com a epígrafe «Obrigações do prestador de serviços de pagamento associadas aos instrumentos de pagamento», enuncia, no seu n.o 1:

«O prestador de serviços de pagamento que emite um instrumento de pagamento:

[…]

c)

Assegura a disponibilidade a todo o momento de meios adequados para permitir que o utilizador de serviços de pagamento proceda à comunicação prevista no artigo 69.o, n.o 1, alínea b), ou solicite o desbloqueio do instrumento de pagamento nos termos do artigo 68.o, n.o 4; o prestador de serviços de pagamento faculta ao utilizador de serviços de pagamento, a pedido deste, os meios necessários para fazer prova, nos 18 meses subsequentes à comunicação, de que o utilizador de serviços de pagamento efetuou essa comunicação;

d)

Concede ao utilizador de serviços de pagamento a possibilidade de efetuar uma comunicação prevista no artigo 69.o, n.o 1, alínea b), a título gratuito, apenas cobrando, se for caso disso, os custos de substituição diretamente imputáveis ao instrumento de pagamento;

[…]»

23

O artigo 72.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Prova de autenticação e execução das operações de pagamento», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros exigem que, caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada ou alegue que a referida operação não foi corretamente executada, caiba ao prestador de serviços de pagamento fazer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada, e que não foi afetada por qualquer avaria técnica ou por outra deficiência do serviço prestado pelo prestador de serviços de pagamento.

Se a operação de pagamento for iniciada através de um prestador do serviço de iniciação do pagamento, recai sobre este último o ónus de provar que, no âmbito da sua esfera de competências, a operação de pagamento foi autenticada e devidamente registada, e não foi afetada por qualquer avaria técnica ou por outra deficiência relacionada com o serviço de pagamento pelo qual é responsável.

2.   Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, incluindo o prestador do serviço de iniciação do pagamento, se for caso disso, não é necessariamente suficiente, por si só, para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante ou que este último agiu de forma fraudulenta ou não cumpriu, com dolo ou por negligência grosseira, uma ou mais obrigações decorrentes do artigo 69.o O prestador de serviços de pagamento, incluindo, se for caso disso, o prestador do serviço de iniciação do pagamento, apresenta elementos que demonstrem a existência de fraude ou de negligência grosseira da parte do utilizador de serviços de pagamento.»

24

O artigo 73.o da Diretiva 2015/2366, com a epígrafe «Responsabilidade do prestador de serviços de pagamento por operações de pagamento não autorizadas», tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que, sem prejuízo do artigo 71.o, no caso de uma operação de pagamento não autorizada, o prestador de serviços de pagamento do ordenante reembolse imediatamente o ordenante do montante dessa operação e, em todo o caso, o mais tardar até ao final do primeiro dia útil seguinte, após ter tido conhecimento da operação ou após esta lhe ter sido comunicada, exceto se o prestador de serviços de pagamento do ordenante tiver motivos razoáveis para suspeitar de fraude e comunicar por escrito esses motivos à autoridade nacional relevante. Se for caso disso, o prestador de serviços de pagamento do ordenante repõe a conta de pagamento debitada na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido executada. O prestador de serviços de pagamento do ordenante assegura igualmente que a data‑valor do crédito na conta de pagamento do ordenante não seja posterior à data em que o montante foi debitado.

2.   Caso a operação de pagamento seja iniciada através de um prestador do serviço de iniciação do pagamento, o prestador de serviços de pagamento que gere a conta reembolsa imediatamente e, em todo o caso, o mais tardar até ao final do primeiro dia útil seguinte, o montante da operação de pagamento não autorizada e, se for caso disso, repõe a conta de pagamento debitada na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido executada.

Se o prestador do serviço de iniciação de pagamento for responsável pela operação de pagamento não autorizada, indemniza imediatamente o prestador de serviços de pagamento que gere a conta, a pedido deste, pelos danos sofridos ou pelos montantes pagos em resultado do reembolso ao ordenante, incluindo o montante da operação de pagamento não autorizada. Nos termos do artigo 72.o, n.o 1, recai sobre o prestador de serviços de iniciação de pagamentos o ónus de provar que, no âmbito da sua esfera de competências, a operação de pagamento foi autenticada e devidamente registada, e não foi afetada por qualquer avaria técnica ou por outra deficiência relacionada com o serviço de pagamento pelo qual é responsável.

3.   Pode ser fixada uma indemnização financeira suplementar nos termos do direito aplicável ao contrato celebrado entre o ordenante e o prestador de serviços de pagamento, ou ao contrato celebrado entre o ordenante e o prestador do serviço de iniciação do pagamento, se for caso disso.»

25

O artigo 74.o desta diretiva, com a epígrafe «Responsabilidade do ordenante por operações de pagamento não autorizadas», enuncia, nos seus n.os 1 e 3:

«1.   Em derrogação do disposto no artigo 73.o, o ordenante pode ser obrigado a suportar, até ao montante máximo de 50 [euros], as perdas relativas às operações de pagamento não autorizadas resultantes da utilização de um instrumento de pagamento perdido ou furtado ou da apropriação abusiva de um instrumento de pagamento.

O primeiro parágrafo não se aplica se:

a)

A perda, o furto ou a apropriação abusiva de um instrumento de pagamento não pudesse ser detetada pelo ordenante antes da realização de um pagamento, salvo se o ordenante tiver atuado fraudulentamente; ou

b)

A perda tiver sido causada por atos ou omissões de um trabalhador, de um agente ou de uma sucursal do prestador de serviços de pagamento, ou de uma entidade à qual as suas atividades tenham sido externalizadas.

O ordenante suporta todas as perdas relativas a operações de pagamento não autorizadas se nelas tiver incorrido devido a atuação fraudulenta ou ao incumprimento com dolo ou por negligência grosseira de uma ou mais obrigações previstas no artigo 69.o Nestes casos, não se aplica o montante máximo a que se refere primeiro parágrafo.

Caso o ordenante não tenha atuado de modo fraudulento nem tenha dolosamente deixado de cumprir as suas obrigações nos termos do artigo 69.o, os Estados‑Membros podem reduzir a responsabilidade referida no presente número, tendo especialmente em conta a natureza das credenciais de segurança personalizadas e as circunstâncias específicas da perda, furto ou apropriação abusiva do instrumento de pagamento.

[…]

3.   O ordenante não suporta quaisquer consequências financeiras resultantes da utilização de um instrumento de pagamento perdido, furtado ou abusivamente apropriado após ter procedido à comunicação a que se refere o artigo 69.o, n.o 1, alínea b), salvo se tiver atuado fraudulentamente.

Se o prestador de serviços de pagamento não fornecer meios adequados que permitam a comunicação, a qualquer momento, da perda, furto ou apropriação abusiva de um instrumento de pagamento, conforme exigido pelo artigo 70.o, n.o 1, alínea c), o ordenante não fica obrigado a suportar as consequências financeiras resultantes da utilização desse instrumento de pagamento, salvo se tiver atuado fraudulentamente.»

26

O artigo 107.o da Diretiva 2015/2366, com a epígrafe «Harmonização total», que figura no título VI da mesma, relativo às «Disposições finais», enuncia:

«1.   Sem prejuízo do artigo 2.o, do artigo 8.o, n.o 3, do artigo 32.o, do artigo 38.o, n.o 2, do artigo 42.o, n.o 2, do artigo 55.o, n.o 6, do artigo 57.o, n.o 3, do artigo 58.o, n.o 3, do artigo 61.o, n.os 2 e 3, do artigo 62.o, n.o 5, do artigo 63.o, n.os 2 e 3, do artigo 74.o, n.o 1, quarto parágrafo, e do artigo 86.o, na medida em que a presente diretiva contenha disposições harmonizadas, os Estados‑Membros não podem manter em vigor nem introduzir outras disposições para além das previstas na presente diretiva.

[…]

3.   Os Estados‑Membros asseguram que os prestadores de serviços de pagamento não procedam, em detrimento dos utilizadores de serviços de pagamento, à derrogação das disposições de direito nacional que transpõem a presente diretiva, salvo disposição expressa da presente diretiva.

Contudo, os prestadores de serviços de pagamento podem decidir conceder condições mais favoráveis aos utilizadores de serviços de pagamento.»

Regulamento Delegado (UE) 2018/389

27

Nos termos dos considerandos 9 e 11 do Regulamento Delegado (UE) 2018/389 da Comissão, de 27 de novembro de 2017, que complementa a Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho no que respeita às normas técnicas de regulamentação relativas à autenticação forte do cliente e às normas abertas de comunicação comuns e seguras (JO 2018, L 69, p. 23):

«(9)

Em conformidade com a Diretiva (UE) 2015/2366, as isenções do princípio da autenticação forte do cliente foram definidas com base no nível de risco, no montante, na recorrência e no canal de pagamento utilizado para a execução da operação de pagamento.

[…]

(11)

As isenções relativas aos pagamentos sem contacto de baixo valor em pontos de venda, tendo igualmente em conta um número máximo de operações consecutivas ou um determinado valor máximo fixo de operações consecutivas sem aplicação da autenticação forte do cliente, permitem o desenvolvimento de serviços de pagamento de fácil utilização e de baixo risco, devendo, por isso, ser contempladas. […]»

28

O artigo 1.o do Regulamento Delegado 2018/389, com a epígrafe «Objeto», enuncia:

«O presente regulamento estabelece os requisitos a cumprir pelos prestadores de serviços de pagamento a fim de implementarem medidas de segurança que lhes permitam efetuar o seguinte:

a)

Aplicar o procedimento da autenticação forte do cliente nos termos do artigo 97.o da Diretiva (UE) 2015/2366;

b)

Isentar da aplicação dos requisitos de segurança da autenticação forte do cliente, sob reserva de condições específicas e limitadas tendo por base o nível de risco, o montante e a recorrência da operação de pagamento e o canal de pagamento utilizado para a sua execução;

[…]»

29

O artigo 2.o deste regulamento delegado, com a epígrafe «Requisitos gerais de autenticação», prevê, no seu n.o 1, primeiro parágrafo:

«Os prestadores de serviços de pagamento devem dispor de mecanismos de controlo das operações que lhes permitam detetar operações de pagamento fraudulentas ou não autorizadas para efeitos da aplicação das medidas de segurança a que se refere o artigo 1.o, alíneas a) e b).»

30

O artigo 11.o do referido regulamento delegado, com a epígrafe «Pagamentos sem contacto no ponto de venda», tem a seguinte redação:

«Os prestadores de serviços de pagamento podem não aplicar a autenticação forte do cliente, sob reserva do cumprimento dos requisitos previstos no artigo 2.o, sempre que o ordenante inicie uma operação de pagamento eletrónico sem contacto, desde que estejam preenchidas as seguintes condições:

a)

O montante da operação de pagamento eletrónico sem contacto não ultrapassa 50 [euros]; e

b)

O montante acumulado das anteriores operações de pagamento eletrónico sem contacto iniciadas por meio de um instrumento de pagamento com uma funcionalidade sem contacto desde a data da última aplicação da autenticação forte do cliente não ultrapassa 150 [euros]; ou

c)

Não ocorreram mais de cinco operações de pagamento eletrónico sem contacto sucessivas iniciadas por meio de um instrumento de pagamento com uma funcionalidade sem contacto desde a última aplicação da autenticação forte do cliente.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

31

A VKI é uma associação sediada na Áustria que, em conformidade com a legislação austríaca, está habilitada a agir judicialmente a fim de proteger os interesses dos consumidores.

32

O DenizBank é uma instituição bancária que exerce as suas atividades no território austríaco. No âmbito das relações com os seus clientes, esta sociedade aplica condições gerais, nomeadamente no que respeita à utilização de cartões bancários equipados com a função NFC. A referida função, que é automaticamente ativada quando da primeira utilização do cartão pelo cliente, permite efetuar pagamentos de baixo valor, até 25 euros por unidade, sem inserção do cartão num terminal de pagamento e sem ter de marcar o número de identificação pessoal (a seguir «código PIN»), nas caixas com o equipamento adaptado. Em contrapartida, o pagamento de montantes superiores está sujeito a autenticação através de um código PIN.

33

O conteúdo das cláusulas dessas condições gerais que são pertinentes no presente processo pode ser resumido do seguinte modo:

a cláusula 14 prevê, em especial, que as alterações das condições gerais relativas aos cartões de débito devem ser propostas ao cliente o mais tardar dois meses antes da data prevista para a sua entrada em vigor e que se considera que o cliente aceitou essas alterações salvo oposição expressa deste antes dessa data, com uma possibilidade de livre rescisão concedida ao cliente que tem a qualidade de consumidor, facto de que este deve ser informado na proposta de alteração que o DenizBank lhe envia;

a cláusula 15 enuncia que o DenizBank não é obrigado a provar que os pagamentos de baixo valor efetuados sem marcação do código pessoal, portanto através da função NFC, foram autorizados, nem que essas operações não foram afetadas por uma deficiência técnica ou outra;

a cláusula 16 isenta o DenizBank da sua responsabilidade e de qualquer obrigação de reembolso, no caso de tais operações de pagamento não terem sido autorizadas pelo titular do cartão;

a cláusula 17 estipula que o titular da conta bancária suporta o risco de qualquer utilização abusiva do seu cartão para pagamentos deste tipo;

a cláusula 18 refere que, em caso de desaparecimento do cartão de débito, devido, por exemplo, a perda ou furto, é tecnicamente impossível bloquear o cartão no que respeita aos pagamentos de baixo valor e que, mesmo após o bloqueio, ainda podem ser efetuados tais pagamentos, até 75 euros no total, sem que sejam reembolsáveis pelo DenizBank;

a cláusula 19 prevê que as disposições relativas aos serviços de cartões são, em princípio, igualmente aplicáveis aos pagamentos de baixo valor.

34

Por Petição de 9 de agosto de 2016, a VKI intentou uma ação inibitória no Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena, Áustria), a fim de obter a interdição de aplicação pelo DenizBank das seis cláusulas acima referidas, com fundamento na sua nulidade. Na contestação, o DenizBank objetou que a cláusula 14 era lícita e que havia que apreciar distintamente as diversas funções de pagamento dos cartões equipados com a função NFC.

35

Por Sentença de 28 de abril de 2017, o órgão jurisdicional de primeira instância julgou a ação procedente. Considerou que a cláusula 14 era gravemente prejudicial e que a função NFC não estava abrangida pelas disposições derrogatórias previstas para os instrumentos de pagamento de baixo valor, com o fundamento de que o cartão também podia ser utilizado para outros tipos de pagamentos e que a função NFC não podia ser considerada, em si mesma, um instrumento de pagamento.

36

Por Acórdão de 20 de novembro de 2017, o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria), chamado a pronunciar‑se em sede de recurso, confirmou parcialmente a sentença proferida em primeira instância. Esse órgão jurisdicional considerou, nomeadamente, que o uso da função NFC não constituía uma utilização de um instrumento de pagamento, mas era equiparável às transações de cartões de crédito efetuadas por correio ou por telefone. A este respeito, salientou que a função NFC era ativada automaticamente, diferentemente do «porta‑moedas eletrónico», e que o cartão com essa função não era anonimizado, mas simultaneamente personalizado e protegido através de um código.

37

O órgão jurisdicional de reenvio, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria), foi chamado a conhecer de recursos de «Revision», interpostos pela VKI e pelo DenizBank, contra o acórdão proferido em segunda instância.

38

Esse órgão jurisdicional informa, em primeiro lugar, que declarou reiteradamente que uma ampla alteração das condições do contrato‑quadro, pelo prestador de serviços de pagamento, não pode ser objeto de uma aceitação tácita, pelo cliente, como a que resulta da cláusula 14 das condições gerais em causa no processo principal. Considera que tal alteração é contrária ao artigo 52.o, ponto 6, alínea a), e ao artigo 54.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2366, transposta em termos idênticos para a ordem jurídica austríaca pela Zahlungsdienstegesetz 2018 (Lei Relativa aos Serviços de Pagamento de 2018, BGBl. I, 17/2018), bem como ao objetivo de proteção dos consumidores enunciado no considerando 63 desta diretiva. Acrescenta que, na sua opinião, a referida cláusula deveria ser submetida a um controlo adicional nos termos do Diretiva 93/13. Refere que, todavia, a sua jurisprudência acima referida foi criticada por uma parte da doutrina austríaca, que alegou, nomeadamente, que os interesses das empresas deveriam ser ponderados com os dos consumidores, os quais poderiam, aliás, beneficiar de uma alteração desta natureza.

39

Em segundo lugar, referindo‑se à jurisprudência do Tribunal de Justiça, especialmente aos n.os 33 e 35 do Acórdão de 9 de abril de 2014, T‑Mobile Austria (C‑616/11, EU:C:2014:242), o órgão jurisdicional de reenvio entende que o acionamento de uma ordem de pagamento através da utilização da função NFC de um cartão bancário associado a uma determinada conta bancária pode constituir um «conjunto de procedimentos» não personalizado e, portanto, um «instrumento de pagamento», na aceção do artigo 4.o, ponto 14, desta diretiva.

40

Na hipótese de ser esse o caso, pergunta, em terceiro lugar, se um pagamento efetuado através da função NFC desse cartão personalizado pode ser considerado uma utilização «anónima» de um instrumento de pagamento, na aceção do artigo 63.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2015/2366, ou se essa qualificação só é acolhida quando o pagamento foi efetuado simultaneamente por meio de um cartão não associado a uma conta individualizada e sem nenhum outro elemento de autenticação, como os definidos no artigo 4.o, pontos 29 e 30, da referida diretiva.

41

Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se um prestador de serviços de pagamento que pretenda invocar a derrogação prevista no artigo 63.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2015/2366 tem de provar que, à luz dos últimos conhecimentos científicos disponíveis, o instrumento de pagamento não pode ser bloqueado ou que não se pode impedir a sua utilização subsequente. Esse órgão jurisdicional pronuncia‑se a favor de uma resposta afirmativa, numa perspetiva de proteção dos consumidores e tendo em conta que o referido prestador é responsável pelas medidas de segurança, segundo o considerando 91 da Diretiva 2015/2366. Precisa que, no caso em apreço, o DenizBank não contestou a alegação da VKI segundo a qual tal bloqueio era tecnicamente realizável.

42

Nestas condições, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 52.o, [ponto] 6, alínea a), em conjugação com o artigo 54.o, n.o 1, da Diretiva [2015/2366], segundo os quais a proposta de alteração das condições do contrato‑quadro se deve considerar aceite por parte do utilizador de serviços de pagamento, a menos que o utilizador de serviços de pagamento tenha notificado o prestador de serviços de pagamento, antes da data proposta para a entrada em vigor da alteração, de que não a aceita, ser interpretado no sentido de que também pode ser acordada com o consumidor uma ficção geral de consentimento, sem qualquer limitação, em relação a toda e qualquer condição contratual?

2)

a)

Deve o artigo 4.o, [ponto] 14, da Diretiva [2015/2366] ser interpretado no sentido de que a função de pagamento por aproximação (NFC) de um cartão bancário multifuncional personalizado, mediante a qual são realizados pagamentos de baixo valor por débito na conta do cliente associada, constitui um instrumento de pagamento?

b)

No caso de resposta afirmativa à [segunda questão, alínea a)]:

Deve o artigo 63.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva [2015/2366], que prevê uma exceção para pagamentos de baixo valor e moeda eletrónica, ser interpretado no sentido de que um pagamento de baixo valor sem contacto, mediante a utilização da função NFC de um cartão bancário multifuncional personalizado, deve ser considerado uma utilização de forma anónima do instrumento de pagamento na aceção daquela exceção?

3)

Deve o artigo 63.o, n.o 1, alínea [a]), da Diretiva [2015/2366] ser interpretado no sentido de que o prestador de serviços de pagamento só pode invocar esta exceção se o instrumento de pagamento comprovadamente, de acordo com o estado objetivo da técnica, não puder ser bloqueado nem for possível impedir a sua utilização subsequente?»

43

Em 26 de novembro de 2019, em aplicação do artigo 101.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça dirigiu ao órgão jurisdicional de reenvio um pedido de esclarecimentos convidando‑o a precisar as razões pelas quais havia de considerar que a Diretiva 2015/2366, assim como a legislação austríaca que a transpôs, era aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal, quando a ação que deu início à instância foi intentada pela VKI em 9 de agosto de 2016, data em que a Diretiva 2007/64 ainda estava em vigor, dado que a sua revogação ocorreu em 13 de janeiro de 2018.

44

Na sua resposta, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 24 de janeiro de 2020, o órgão jurisdicional de reenvio precisou que, chamado a pronunciar‑se sobre um recurso relativo a uma injunção para não aplicação no futuro das cláusulas contratuais que são objeto do litígio no processo principal, deverá apreciar a licitude dessas cláusulas à luz não só das disposições em vigor no momento da propositura da ação mas também das disposições aplicáveis após a revogação da Diretiva 2007/64.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

45

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 52.o, ponto 6, alínea a), da Diretiva 2015/2366, lido em conjugação com o artigo 54.o, n.o 1, da mesma, deve ser interpretado no sentido de que um prestador de serviços de pagamento que celebrou um contrato‑quadro com um utilizador desses serviços pode acordar com este último que se presume que este aceitou uma alteração do seu contrato‑quadro, nas condições previstas nestas disposições, incluindo quando o utilizador tenha a qualidade de consumidor e independentemente das cláusulas contratuais sujeitas a essa presunção.

46

Por força do artigo 52.o, ponto 6, alínea a), da Diretiva 2015/2366, os Estados‑Membros devem assegurar que o utilizador de serviços de pagamento seja informado de que, se tal for acordado entre as partes no contrato‑quadro, se considera que aceitou a alteração das condições do contrato proposta pelo prestador desses serviços nos termos do artigo 54.o, n.o 1, da referida diretiva, a menos que tenha notificado a esse prestador a sua recusa antes da data proposta para a entrada em vigor da alteração em causa.

47

Importa salientar que a presunção de aceitação tácita do utilizador de serviços de pagamento, cuja aplicação foi acordada com o prestador desses serviços, apenas tem por objeto, como resulta destas disposições, as «alterações» das condições do contrato‑quadro, a saber, alterações que não afetam as condições desse contrato‑quadro num grau tal que a proposta do prestador consistiria, na realidade, em celebrar um novo contrato. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se num litígio relativo a uma aceitação tácita deste tipo verificar se esta última modalidade é corretamente aplicada.

48

Em contrapartida, a redação do artigo 52.o, ponto 6, alínea a), da Diretiva 2015/2366, lido em conjugação com o artigo 54.o, n.o 1, da mesma, não contém nenhuma precisão quanto à qualidade do utilizador de serviços de pagamento, como previsto na primeira questão. Ora, quando a qualidade de «consumidor», na aceção do artigo 4.o, ponto 20, desta diretiva, constitui um elemento determinante, as disposições da mesma diretiva precisam‑no expressamente, como acontece, nomeadamente, no seu artigo 38.o

49

Daqui resulta que o artigo 52.o, ponto 6, alínea a), da Diretiva 2015/2366 se aplica tanto aos utilizadores de serviços de pagamento que têm a qualidade de consumidores como aos utilizadores que não têm essa qualidade.

50

De resto, decorre da redação do referido artigo 52.o, ponto 6, alínea a), lido em conjugação com o referido artigo 54.o, n.o 1, segundo parágrafo, que a primeira disposição tem por único objetivo estabelecer requisitos em matéria de informação prévia, e não determinar o conteúdo das alterações de um contrato‑quadro que podem ser tacitamente aceites, dado que estas disposições se limitam a reconhecer a possibilidade de tais alterações e a impor uma plena transparência a seu respeito, sem definir a substância das mesmas.

51

Esta análise é corroborada por uma interpretação contextual do artigo 52.o, ponto 6, alínea a), da Diretiva 2015/2366, lido em conjugação com o seu artigo 54.o, n.o 1.

52

Com efeito, este artigo 52.o, com a epígrafe «Informações e condições», e este artigo 54.o, com a epígrafe «Alteração das condições do contrato‑quadro», figuram no capítulo 3 da Diretiva 2015/2366, relativo às operações de pagamento abrangidas por um contrato‑quadro, que faz parte do seu título III, com a epígrafe «Transparência das condições e dos requisitos de informação aplicáveis aos serviços de pagamento». Daqui resulta que os referidos artigos 52.o e 54.o se destinam a regular unicamente as condições e as informações que um prestador de serviços de pagamento está obrigado a comunicar ao utilizador dos seus serviços, e não a definir o conteúdo das obrigações recíprocas que essas pessoas estão autorizadas a assumir contratualmente, conteúdo que se rege pelas disposições do título IV desta diretiva, com a epígrafe «Direitos e obrigações relativamente à prestação e utilização de serviços de pagamento».

53

Além disso, o artigo 42.o da Diretiva 2015/2366, que figura igualmente no título III desta e que tem por epígrafe «Derrogação dos requisitos de informação para instrumentos de pagamento de baixo valor e moeda eletrónica», indica claramente que os referidos artigos 52.o e 54.o dizem respeito às informações relativas aos serviços de pagamento que devem, salvo derrogação expressamente autorizada, ser fornecidas pelo prestador destes serviços.

54

Por outro lado, o artigo 51.o desta diretiva precisa que a comunicação pelo prestador de serviços de pagamento das informações e condições especificadas no seu artigo 52.o deve ser efetuada num suporte duradouro e de forma clara e inteligível, em tempo útil antes de o utilizador de serviços de pagamento ficar vinculado por um contrato‑quadro ou por uma proposta, a fim de permitir ao utilizador efetuar uma escolha com pleno conhecimento de causa, como resulta do considerando 54 da referida diretiva.

55

O conjunto das considerações precedentes não são contrariadas pela interpretação teleológica do artigo 52.o, ponto 6, alínea a), da Diretiva 2015/2366, lido em conjugação com o seu artigo 54.o, n.o 1.

56

É certo que, como salientam o órgão jurisdicional de reenvio e a VKI, o considerando 63 desta diretiva enuncia que, «[a] fim de garantir um elevado nível de proteção dos consumidores, os Estados‑Membros deverão, no interesse dos consumidores, poder manter ou introduzir restrições ou proibições relativas a alterações unilaterais das condições de um contrato‑quadro, por exemplo se não houver razões que justifiquem tal alteração».

57

No entanto, resulta do artigo 107.o da Diretiva 2015/2366 que o artigo 52.o, ponto 6, alínea a), e o artigo 54.o, n.o 1, da mesma se destinam a realizar uma harmonização total no domínio regulado por estas disposições, a saber, tendo em conta a sua redação, em matéria de informação prévia relativa à aceitação tácita de alterações de um contrato‑quadro em caso de acordo das partes nesse sentido, e que nem os Estados‑Membros nem os prestadores desses serviços as podem derrogar, salvo na medida em que esses prestadores decidam conceder condições mais favoráveis aos utilizadores dos seus serviços.

58

Por conseguinte, o artigo 52.o, ponto 6, alínea a), lido em conjugação com o artigo 54.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2366, não pode, à luz do considerando 63 da mesma diretiva, ser interpretado no sentido de que estabelece restrições no que respeita à qualidade do utilizador ou ao tipo de cláusulas contratuais que podem ser abrangidas por tais acordos relativos às alterações aceites tacitamente.

59

Ao mesmo tempo, em conformidade com jurisprudência assente, no âmbito do procedimento de cooperação com os órgãos jurisdicionais nacionais instituído no artigo 267.o TFUE, cabe ao Tribunal de Justiça dar ao juiz de reenvio uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, o Tribunal de Justiça pode extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, nomeadamente da fundamentação da decisão de reenvio, as normas e os princípios do direito da União que necessitem de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal, mesmo que essas disposições não sejam expressamente mencionadas nas questões que lhe são submetidas pelo referido órgão jurisdicional (v., nomeadamente, Acórdãos de 19 de dezembro de 2019, Airbnb Ireland, C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.o 36, e de 12 de março de 2020, Caisse d’assurance retraite et de la santé au travail d’Alsace‑Moselle, C‑769/18, EU:C:2020:203, n.os 39 e 40).

60

No caso em apreço, na fundamentação da sua decisão, o órgão jurisdicional de reenvio estabeleceu, acertadamente, uma ligação entre a cláusula 14 das condições gerais objeto do processo principal, cujo teor é exposto no n.o 33 do presente acórdão, e as disposições da Diretiva 93/13 relativas às cláusulas abusivas contidas nos contratos celebrados com consumidores. Além disso, esse órgão jurisdicional considera que a cláusula controvertida é, na prática, suscetível de conduzir a uma alteração unilateral do contrato‑quadro através da presunção de aceitação nela prevista, na medida em que os utilizadores de serviços de pagamento não analisem suficientemente bem as implicações de tais cláusulas.

61

A este respeito, há que declarar que, no que respeita aos utilizadores de serviços de pagamento que têm a qualidade de «consumidor» na aceção do artigo 2.o da Diretiva 93/13, a fiscalização do caráter abusivo de uma cláusula relativa à aceitação tácita de alterações de um contrato‑quadro, como a que está em causa no processo principal, se rege pelas disposições desta diretiva.

62

Com efeito, resulta das disposições da Diretiva 2015/2366, especialmente à luz do seu considerando 55, que outros diplomas do direito da União relativos à proteção dos consumidores, como, nomeadamente, a Diretiva 2011/83, continuam a ser aplicáveis. Consequentemente, quando o utilizador de serviços de pagamento tem a qualidade de consumidor, a Diretiva 2015/2366 pode aplicar‑se simultaneamente com a Diretiva 93/13, conforme alterada pela Diretiva 2011/83, e, portanto, sem prejuízo das medidas tomadas pelos Estados‑Membros para transpor esta última, a qual, no domínio que rege, apenas realiza uma harmonização mínima e, por conseguinte, autoriza a adoção ou a manutenção de medidas nacionais mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para assegurar um nível de proteção mais elevado para os consumidores (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2020, Condominio di Milano, via Meda, C‑329/19, EU:C:2020:263, n.o 33).

63

Assim, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 define a medida em que uma cláusula constante de um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional pode ser declarada abusiva. O n.o 3 deste artigo 3.o remete para o anexo da referida diretiva, que contém uma lista indicativa de tais cláusulas, entre as quais figuram, no ponto 1, alínea j), desse anexo, as «cláusulas que têm como objetivo ou como efeito […] [a]utorizar o profissional a modificar unilateralmente os termos do contrato sem razão válida e especificada no mesmo». Por outro lado, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 prevê que, nas condições fixadas pelo direito nacional aplicável, uma cláusula abusiva, na aceção desta diretiva, não vincula o consumidor. O artigo 8.o da referida diretiva precisa que os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio por ela regido, disposições mais protetoras do consumidor do que as enunciadas por esta última, desde que sejam compatíveis com o Tratado.

64

Por conseguinte, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se a cláusula 14 das condições gerais relativa à alteração tácita do contrato‑quadro celebrado com consumidores, que está em causa no processo principal, reveste ou não caráter abusivo e, sendo caso disso, retirar as consequências de uma ilicitude dessa cláusula, à luz das disposições da Diretiva 93/13, e não à luz do artigo 52.o, ponto 6, alínea a), da Diretiva 2015/2366, lido em conjugação com o artigo 54.o, n.o 1, desta última.

65

A este respeito, importa recordar que, no que se refere às cláusulas gerais que permitem uma adaptação unilateral dos contratos, o Tribunal de Justiça declarou que estas devem satisfazer as exigências da boa‑fé, do equilíbrio e da transparência impostas pela Diretiva 93/13 (v., neste sentido, Acórdão de 21 de março de 2013, RWE Vertrieb, C‑92/11, EU:C:2013:180, n.o 47).

66

Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 52.o, ponto 6, alínea a), da Diretiva 2015/2366, lido em conjugação com o artigo 54.o, n.o 1, da mesma, deve ser interpretado no sentido de que rege as informações e as condições a fornecer por um prestador de serviços de pagamento que pretenda acordar, com o utilizador dos seus serviços, uma presunção de aceitação relativa à alteração, em conformidade com as modalidades previstas nestas disposições, do contrato‑quadro que celebraram, mas não fixa restrições no que respeita à qualidade do utilizador ou ao tipo de cláusulas contratuais que podem ser objeto de tal acordo, sem prejuízo, todavia, quando o utilizador tenha a qualidade de consumidor, de uma possível fiscalização do caráter abusivo dessas cláusulas à luz das disposições da Diretiva 93/13.

Quanto à segunda questão, alínea a)

67

Com a sua segunda questão, alínea a), o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 4.o, ponto 14, da Diretiva 2015/2366 deve ser interpretado no sentido de que a função NFC de um cartão bancário multifunções personalizado que permite efetuar pagamentos de baixo valor por débito da conta bancária associada a esse cartão constitui um «instrumento de pagamento», conforme definido nesta disposição.

68

O artigo 4.o, ponto 14, define «[i]nstrumento de pagamento» como «um dispositivo personalizado e/ou um conjunto de procedimentos, acordados entre o utilizador do serviço de pagamento e o prestador do serviço de pagamento, utilizados para iniciar uma ordem de pagamento».

69

Redigido em termos equivalentes, o artigo 4.o, ponto 23, da Diretiva 2007/64 definia o conceito de «[i]nstrumento de pagamento» como «qualquer dispositivo personalizado e/ou conjunto de procedimentos acordados entre o utilizador e o prestador do serviço de pagamento e utilizados pelo utilizador de serviços de pagamento para emitir uma ordem de pagamento».

70

A este respeito, há que salientar que, no n.o 31 do Acórdão de 9 de abril de 2014, T‑Mobile Austria (C‑616/11, EU:C:2014:242), relativo à interpretação do artigo 4.o, ponto 23, da Diretiva 2007/64, o Tribunal de Justiça salientou, antes de mais, que existia uma certa divergência entre as diferentes versões linguísticas desta disposição, no que respeita à utilização do epíteto «personalizado» em relação com o sintagma «qualquer dispositivo» e/ou com o sintagma «conjunto de procedimentos» segundo as referidas versões. Em seguida, recordou, no n.o 32 desse acórdão, a jurisprudência constante segundo a qual, por um lado, as disposições do direito da União devem ser interpretadas e aplicadas de modo uniforme, à luz das versões redigidas em todas as línguas da União Europeia, e, por outro, em caso de divergência entre as diferentes versões linguísticas de um diploma de direito da União, a disposição em causa deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento. Por último, no n.o 33 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que, para ser qualificado de «personalizado», na aceção desta disposição, um instrumento de pagamento deve permitir ao prestador de serviços de pagamento verificar que a ordem de pagamento foi iniciada por um utilizador habilitado a fazê‑lo.

71

Assim, o Tribunal de Justiça considerou, nos n.os 34 e 35 do mesmo acórdão, que decorria necessariamente da existência de instrumentos de pagamento não personalizados, como os expressamente referidos no artigo 53.o desta diretiva, atual artigo 63.o da Diretiva 2015/2366, que o conceito de «instrumento de pagamento», definido no referido artigo 4.o, ponto 23, era suscetível de cobrir um conjunto de procedimentos não personalizados, acordados entre o utilizador e o prestador de serviços de pagamento, aos quais o utilizador recorre para iniciar uma ordem de pagamento.

72

É à luz desta definição do conceito de «instrumento de pagamento», na aceção do artigo 4.o, ponto 23, da Diretiva 2007/64, atual artigo 4.o, ponto 14, da Diretiva 2015/2366, que há que responder à segunda questão, alínea a), submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio no presente processo.

73

No caso em apreço, esse órgão jurisdicional considera, acertadamente, que decorre da jurisprudência referida nos n.os 70 e 71 do presente acórdão que a função NFC de um cartão bancário multifunções associado a uma conta bancária individual, como o que está em causa no processo principal, não constitui um «dispositivo personalizado», na aceção da primeira hipótese prevista no artigo 4.o, ponto 14, da Diretiva 2015/2366, uma vez que a utilização da referida função, em si mesma, não permite ao prestador de serviços de pagamento verificar que a ordem de pagamento foi iniciada por um utilizador habilitado para o efeito, diferentemente de outras funções desse cartão que requerem o uso de credenciais de segurança personalizadas, como um código PIN ou uma assinatura.

74

Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a utilização da função NFC é suscetível de constituir, em si mesma, um «conjunto de procedimentos» não personalizados, na aceção da segunda hipótese prevista no artigo 4.o, ponto 14, da Diretiva 2015/2366, e, portanto, um «instrumento de pagamento», para efeitos de aplicação desta diretiva.

75

Como alega o advogado‑geral, nos n.os 37 a 40 das suas conclusões, a utilização da função NFC de um cartão bancário associado a uma conta bancária individual representa um conjunto de procedimentos não personalizados que deve ter sido acordado entre o utilizador e o prestador de serviços de pagamento e que são utilizados para iniciar uma ordem de pagamento, pelo que esta função constitui um «instrumento de pagamento», na aceção do artigo 4.o, ponto 14, segunda hipótese, da Diretiva 2015/2366.

76

Com efeito, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a função NFC, após a sua ativação pelo titular da conta bancária associada a esse cartão, pode, nos termos do contrato celebrado entre o prestador de serviços de pagamento e esse utilizador, ser utilizada por qualquer indivíduo que se encontre na posse do cartão, para pagamentos de baixo valor inscritos no débito dessa conta, dentro do limite autorizado pelo referido contrato, sem ter de utilizar credenciais de segurança personalizadas, que são próprias do titular da conta em causa, para efeitos de «autenticação», ou mesmo de «autenticação forte», da ordem de pagamento, na aceção do artigo 4.o, pontos 29 a 31, desta diretiva.

77

Importa precisar que a função NFC é, tendo em conta as suas especificidades, juridicamente dissociável das outras funções do cartão bancário que lhe serve de suporte, que necessitam, por sua vez, da utilização de credenciais de segurança personalizadas, especialmente para pagar montantes de valor superior ao limite fixado para a utilização da função NFC. Por conseguinte, esta última, considerada isoladamente, pode ser qualificada de instrumento de pagamento, na aceção do artigo 4.o, ponto 14, da Diretiva 2015/2366, e estar abrangida pelo seu âmbito de aplicação material.

78

Tal interpretação é suscetível de contribuir para a realização dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2015/2366, uma vez que o facto de a função NFC estar, assim, diretamente sujeita às exigências impostas por esta diretiva favorece não só o desenvolvimento deste novo meio de pagamento no âmbito de uma concorrência equitativa entre os prestadores de serviços de pagamento mas também a proteção dos utilizadores desses serviços, em especial dos que têm a qualidade de consumidores, em conformidade com as orientações dadas pelo preâmbulo desta diretiva, nomeadamente pelo seu considerando 6.

79

Consequentemente, há que responder à segunda questão, alínea a), que o artigo 4.o, ponto 14, da Diretiva 2015/2366 deve ser interpretado no sentido de que a função NFC de um cartão bancário multifunções personalizado que permite efetuar pagamentos de baixo valor por débito da conta bancária associada a esse cartão constitui um «instrumento de pagamento», conforme definido nesta disposição.

Quanto à segunda questão, alínea b)

80

Com a sua segunda questão, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 63.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2015/2366 deve ser interpretado no sentido de que um pagamento de baixo valor efetuado sem contacto, através da função NFC de um cartão bancário multifunções personalizado, constitui uma utilização «anónima» do instrumento de pagamento em causa, na aceção desta disposição derrogatória.

81

Nos termos do artigo 63.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2015/2366, no caso de instrumentos de pagamento de baixo valor, conforme definidos na frase introdutória do referido número, um prestador de serviços de pagamento pode acordar com o utilizador dos seus serviços que derrogarão as disposições enumeradas nessa alínea b), quando «o instrumento de pagamento for utilizado de forma anónima» ou quando «o prestador do serviço de pagamento não puder fornecer, por outros motivos intrínsecos ao instrumento de pagamento, prova de que a operação de pagamento foi autorizada».

82

O Tribunal de Justiça salientou que resultava do artigo 53.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2007/64, atual artigo 63.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2015/2366, que alguns instrumentos de pagamento são utilizados de forma anónima, caso em que os prestadores de serviços de pagamento não são obrigados a fornecer prova da autenticação da operação considerada, na hipótese prevista no artigo 59.o desta primeira diretiva, atual artigo 72.o desta segunda diretiva (Acórdão de 9 de abril de 2014, T‑Mobile Austria, C‑616/11, EU:C:2014:242, n.o 34).

83

Mais precisamente, o artigo 63.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2015/2366 permite ao prestador de serviços de pagamento e ao utilizador dos seus serviços derrogar, por via convencional, em primeiro lugar, o artigo 72.o desta diretiva, que impõe que o prestador faça prova da autenticação e da execução das operações de pagamento, em segundo lugar, o artigo 73.o da mesma, que estabelece o princípio da responsabilidade do prestador em caso de operações de pagamento não autorizadas e, em terceiro lugar, o artigo 74.o, n.os 1 e 3, da referida diretiva, que derroga parcialmente o referido princípio, ao prever em que medida o ordenante pode ser obrigado a suportar, até ao montante de 50 euros, as perdas relativas a tais operações, salvo após ter procedido à comunicação ao prestador da perda, furto ou apropriação indevida do instrumento de pagamento.

84

Há que sublinhar que, em razão do seu caráter derrogatório, o artigo 63.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva deve ser objeto de uma interpretação estrita.

85

Como indicaram o órgão jurisdicional de reenvio e a Comissão, resulta da redação do referido artigo 63.o, n.o 1, alínea b), lido à luz das disposições que menciona, que as duas hipóteses em que se pode recorrer à derrogação que prevê têm como característica comum a incapacidade objetiva de o prestador de serviços de pagamento demonstrar que uma operação de pagamento foi devidamente autorizada, quer em razão da utilização «anónima» do instrumento de pagamento em causa quer por «outros motivos intrínsecos a [este último]».

86

No caso em apreço, quanto à questão de saber se um pagamento efetuado através da função NFC de um cartão bancário multifunções personalizado pode ser qualificado de utilização «anónima», na aceção do artigo 63.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2015/2366, importa ter em conta as circunstâncias a seguir expostas.

87

Por um lado, o cartão considerado é denominado «personalizado», uma vez que está associado à conta bancária de um determinado cliente, a saber, o «ordenante» conforme definido no artigo 4.o, ponto 8, desta diretiva, e essa conta é debitada após um pagamento efetuado através da função NFC. Por outro lado, um pagamento deste tipo, que é limitado a montantes de baixo valor, necessita unicamente da posse desse cartão, uma vez que a referida função tenha sido ativada pelo cliente, e não de uma autenticação através da utilização de credenciais de segurança pessoais, como um código PIN ou uma assinatura. Resulta desta última circunstância que qualquer pessoa que tenha acesso ao referido cartão pode efetuar tal pagamento, dentro do limite máximo autorizado, incluindo sem o consentimento do titular da conta, em caso de perda, furto ou apropriação indevida do cartão.

88

Neste contexto, importa estabelecer uma distinção entre a identificação do titular da conta debitada, que decorre diretamente da personalização do cartão em causa, e a autorização de pagamento eventualmente dada por esse titular, que não pode ser atestada pela simples utilização do cartão quando o pagamento considerado é efetuado através da função NFC. Com efeito, o acordo do titular em relação a esse pagamento não pode ser inferido da simples posse física do cartão equipado com esta função.

89

Por conseguinte, a utilização da função NFC para efeitos de pagamentos de baixo valor constitui uma utilização «anónima», na aceção do artigo 63.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva, mesmo que o cartão com a referida função esteja associado à conta bancária de um determinado cliente. Com efeito, nessa situação, o prestador de serviços de pagamento encontra‑se na incapacidade objetiva de identificar a pessoa que pagou por esse meio e, portanto, de verificar, ou mesmo provar, que a operação foi devidamente autorizada pelo titular da conta.

90

Como o DenizBank alegou, esta interpretação é corroborada pelos objetivos da Diretiva 2015/2366, que consistem em «permitir o desenvolvimento de meios de pagamento acessíveis e de fácil utilização para pagamentos de baixo risco, como, por exemplo, pagamentos de baixo valor através de tecnologia de leitura por aproximação», como enuncia o seu considerando 96, e em «permiti[r] a implantação generalizada dos novos meios de pagamento […] garantindo um elevado nível de proteção dos consumidores na utilização desses serviços de pagamento», como enuncia o considerando 6 desta diretiva. Do mesmo modo, o considerando 81 desta última indica que «[o]s instrumentos de pagamento de baixo valor deverão ser uma alternativa de fácil utilização e pouco onerosa no caso de bens e serviços de preço baixo e não deverão ser objeto de requisitos excessivos», precisando que «os utilizadores do serviço de pagamento deverão beneficiar de uma proteção adequada». Com efeito, é do interesse não só do prestador de serviços de pagamento mas também do seu cliente dispor, desde que este o pretenda e continue suficientemente protegido, de meios de pagamento inovadores, rápidos e simples de utilizar, como a função NFC.

91

Além disso, esta interpretação do artigo 63.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2015/2366 é conforme com a economia geral da referida diretiva, na medida em que, à luz das regras fixadas por esta, se deve considerar que um cliente que escolheu beneficiar de um instrumento de pagamento simplificado e sem necessidade de identificação para os pagamentos de baixo valor, como a função NFC, aceitou ficar eventualmente exposto aos efeitos das limitações convencionais da responsabilidade do prestador que são permitidas ao abrigo desta disposição.

92

Com efeito, o legislador da União, ao limitar, como resulta da frase introdutória do referido n.o 1, o montante das perdas financeiras que um cliente deve potencialmente assumir, permite assegurar, em conformidade com os artigos desta diretiva lidos à luz dos considerandos referidos no n.o 90 do presente acórdão, um equilíbrio entre as vantagens e os riscos induzidos por tal instrumento, especialmente para os clientes que têm a qualidade de consumidores.

93

Consequentemente, há que responder à segunda questão, alínea b), que o artigo 63.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2015/2366 deve ser interpretado no sentido de que um pagamento de baixo valor efetuado sem contacto, através da função NFC de um cartão bancário multifunções personalizado, constitui uma utilização «anónima» do instrumento de pagamento em causa, na aceção desta disposição derrogatória.

Quanto à terceira questão

94

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 63.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2015/2366 deve ser interpretado no sentido de que um prestador de serviços de pagamento que pretenda invocar a derrogação prevista nesta disposição se pode limitar a afirmar que é impossível bloquear o instrumento de pagamento em causa ou impedir a sua utilização subsequente, quando, tendo em conta o estado objetivo dos conhecimentos técnicos disponíveis, essa impossibilidade não pode ser demonstrada.

95

Nos termos do artigo 63.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2015/2366, no caso de instrumentos de pagamento de baixo valor, conforme definidos na frase introdutória do referido número, um prestador de serviços de pagamento pode acordar com o utilizador dos seus serviços que serão dispensados de algumas das suas obrigações recíprocas, a saber, as resultantes das disposições enumeradas nessa alínea a), «se o instrumento de pagamento» que é objeto do contrato‑quadro que celebraram «não puder ser bloqueado» ou «[não] for possível impedir a sua utilização subsequente».

96

Resulta claramente da redação deste artigo 63.o, n.o 1, alínea a), que a aplicação do regime derrogatório previsto nesta disposição está subordinada à verificação da impossibilidade, inerente ao instrumento de pagamento em questão, de o bloquear ou de impedir a sua utilização subsequente.

97

Do mesmo modo, o artigo 53.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2007/64, ao qual corresponde o artigo 63.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2015/2366, previa que a derrogação que instituía se aplicava caso «o instrumento de pagamento não permit[isse] bloquear [as] operações nem impe[dir] a sua utilização subsequente».

98

Por conseguinte, um prestador de serviços de pagamento que pretenda fazer uso da faculdade prevista no artigo 63.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2015/2366 não se pode, para se isentar das suas próprias obrigações, limitar a mencionar, no contrato‑quadro relativo ao instrumento de pagamento em causa, que se encontra na incapacidade de bloquear esse instrumento ou de impedir a sua utilização subsequente. Esse prestador deve demonstrar, cabendo‑lhe o ónus da prova em caso de litígio, que o referido instrumento não permite, de modo nenhum, por razões técnicas, proceder ao seu bloqueio ou impedir a sua utilização subsequente. Se o órgão jurisdicional chamado a decidir considerar que era materialmente possível proceder a esse bloqueio ou impedir essa utilização, tendo em conta o estado objetivo dos conhecimentos técnicos disponíveis, mas que o prestador não recorreu a esses conhecimentos, não se poderá aplicar, em seu benefício, o referido artigo 63.o, n.o 1, alínea a).

99

Esta interpretação da redação do artigo 63.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2015/2366 é corroborada tanto por uma interpretação sistemática como por uma interpretação teleológica da referida disposição.

100

No que respeita à economia geral da Diretiva 2015/2366, há que recordar que o artigo 63.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva permite ao prestador de serviços de pagamento e ao utilizador dos seus serviços derrogar, por via convencional, a aplicação das obrigações resultantes, em primeiro lugar, do artigo 69.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva, que obriga o utilizador a comunicar sem demora ao prestador de serviços a perda, o furto, a apropriação indevida ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento em causa, em segundo lugar, do artigo 70.o, n.o 1, alíneas c) e d), da mesma diretiva, que impõe ao prestador de serviços que disponibilize ao utilizador os meios para efetuar gratuitamente essa comunicação ou solicitar o desbloqueio do referido instrumento e, em terceiro lugar, do artigo 74.o, n.o 3, da referida diretiva, que desonera o ordenante das consequências financeiras da utilização do instrumento perdido, furtado ou abusivamente apropriado após ter procedido à referida comunicação, salvo se tiver atuado fraudulentamente.

101

Uma vez que institui uma exceção às regras decorrentes das outras disposições mencionadas no número anterior, o artigo 63.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2015/2366 deve ser objeto de uma interpretação estrita, pelo que as condições de aplicação desta última disposição não podem ser concebidas de uma forma que conduza a suprimir o ónus da prova que deve recair sobre a pessoa que invoca a referida exceção e, portanto, a dispensar essa pessoa das consequências prejudiciais que podem decorrer da aplicação das referidas regras.

102

Quanto aos objetivos da Diretiva 2015/2366, resulta, nomeadamente, dos seus considerandos 6, 53 e 63 que esta diretiva visa proteger os utilizadores de serviços de pagamento e, especialmente, proporcionar um elevado nível de proteção aos que têm a qualidade de consumidores (v., no que respeita à Diretiva 2007/64, Acórdãos de 25 de janeiro de 2017, BAWAG, C‑375/15, EU:C:2017:38, n.o 45, e de 2 de abril de 2020, Privatbank, C‑480/18, EU:C:2020:274, n.o 66).

103

Por outro lado, nos termos do considerando 91 da Diretiva 2015/2366, os prestadores desses serviços são responsáveis pelas medidas de segurança, que têm de ser proporcionadas em relação aos riscos associados a esses serviços, e devem, especialmente, estabelecer um quadro para mitigar os riscos e manter procedimentos eficazes de gestão de incidentes, em conformidade com o artigo 95.o desta diretiva. Embora o considerando 96 da referida diretiva pareça atenuar um pouco estas obrigações no que respeita aos «pagamentos de baixo valor através de tecnologia de leitura por aproximação», não põe, todavia, em causa o princípio da responsabilidade dos prestadores de serviços de pagamento em matéria de segurança, ao enunciar que «as isenções à aplicação dos requisitos de segurança deverão ser especificadas em normas técnicas de regulamentação», como prevê o artigo 98.o da mesma diretiva. Assim, os artigos 2.o e 11.o do Regulamento Delegado 2018/389, lidos à luz dos seus considerandos 9 e 11, determinam em que medida os referidos prestadores podem derrogar a regra da autenticação forte para esses pagamentos efetuados através de tecnologia de leitura por aproximação.

104

Ora, como sublinha o advogado‑geral nos n.os 60 e 61 das suas conclusões, se um prestador de serviços de pagamento se pudesse eximir da sua responsabilidade alegando simplesmente que está impossibilitado de bloquear o instrumento de pagamento ou de impedir a sua utilização subsequente, poderia facilmente, apresentando uma proposta tecnicamente medíocre, fazer recair sobre o utilizador dos seus serviços os riscos ligados aos pagamentos não autorizados. Tal transferência desses riscos e das correspondentes consequências prejudiciais não seria conforme com o objetivo de proteção dos utilizadores de serviços de pagamento, mais especificamente, dos consumidores, nem com a regra segundo a qual os prestadores de serviços de pagamento assumem a responsabilidade de tomar as medidas de segurança adequadas, ambos subjacentes ao regime estabelecido pela Diretiva 2015/2366.

105

A interpretação assim acolhida do artigo 63.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2015/2366 não pode ser posta em causa pelos argumentos do DenizBank segundo os quais esta análise prejudicaria o desenvolvimento de novos modelos comerciais no domínio dos serviços de pagamentos de baixo valor e violaria a liberdade dos prestadores de proporem um cartão de pagamento relativamente ao qual se declarasse simplesmente que não pode ser bloqueado, independentemente do motivo. Com efeito, estes argumentos opõem‑se não só à redação desta disposição mas também à economia geral desta diretiva e aos objetivos visados pela regulamentação em que a referida disposição se insere.

106

Consequentemente, há que responder à terceira questão que o artigo 63.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2015/2366 deve ser interpretado no sentido de que um prestador de serviços de pagamento que pretenda invocar a derrogação prevista nesta disposição não se pode limitar a afirmar que é impossível bloquear o instrumento de pagamento em causa ou impedir a sua utilização subsequente, quando, tendo em conta o estado objetivo dos conhecimentos técnicos disponíveis, essa impossibilidade não pode ser demonstrada.

Quanto à limitação dos efeitos do presente acórdão no tempo

107

Nas suas observações escritas, o DenizBank pediu, em substância, que o Tribunal de Justiça limitasse no tempo os efeitos do seu acórdão, mais especificamente, no caso de este decidir que a função NFC de um cartão bancário multifunções personalizado não constitui um «instrumento de pagamento» na aceção do artigo 4.o, ponto 14, da Diretiva 2015/2366. Em apoio deste pedido, invocou os importantes efeitos financeiros que o acórdão era suscetível de produzir e o facto de que as empresas afetadas podiam legitimamente esperar outra interpretação.

108

A este respeito, há que recordar que só a título verdadeiramente excecional pode o Tribunal de Justiça, aplicando o princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa‑fé. Para que essa limitação possa ser decidida, é necessário que estejam preenchidos dois critérios essenciais, a saber, a boa‑fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (v., nomeadamente, Acórdãos de 10 de julho de 2019, WESTbahn Management, C‑210/18, EU:C:2019:586, n.o 45, e de 3 de outubro de 2019, Schuch‑Ghannadan, C‑274/18, EU:C:2019:828, n.o 61 e jurisprudência referida).

109

Além disso, importa salientar que se afigura que o pedido do DenizBank só foi apresentado na hipótese de o Tribunal de Justiça responder negativamente à segunda questão, alínea a), o que não é o caso. De qualquer modo, o DenizBank não forneceu nenhum elemento concreto e preciso suscetível de demonstrar a procedência do seu pedido, uma vez que se limita a invocar argumentos de ordem geral.

110

Por conseguinte, não há que limitar no tempo os efeitos do presente acórdão.

Quanto às despesas

111

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 52.o, ponto 6, alínea a), da Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, que altera as Diretivas 2002/65/CE, 2009/110/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.o 1093/2010, e que revoga a Diretiva 2007/64/CE, lido em conjugação com o artigo 54.o, n.o 1, da mesma, deve ser interpretado no sentido de que rege as informações e as condições a fornecer por um prestador de serviços de pagamento que pretenda acordar, com o utilizador dos seus serviços, uma presunção de aceitação relativa à alteração, em conformidade com as modalidades previstas nestas disposições, do contrato‑quadro que celebraram, mas não fixa restrições no que respeita à qualidade do utilizador ou ao tipo de cláusulas contratuais que podem ser objeto de tal acordo, sem prejuízo, todavia, quando o utilizador tenha a qualidade de consumidor, de uma possível fiscalização do caráter abusivo dessas cláusulas à luz das disposições da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores.

 

2)

O artigo 4.o, ponto 14, da Diretiva 2015/2366 deve ser interpretado no sentido de que a função de leitura por aproximação (Near Field Communication) de um cartão bancário multifunções personalizado que permite efetuar pagamentos de baixo valor por débito da conta bancária associada a esse cartão constitui um «instrumento de pagamento», conforme definido nesta disposição.

 

3)

O artigo 63.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2015/2366 deve ser interpretado no sentido de que um pagamento de baixo valor efetuado sem contacto, através da função de leitura por aproximação (Near Field Communication) de um cartão bancário multifunções personalizado, constitui uma utilização «anónima» do instrumento de pagamento em causa, na aceção desta disposição derrogatória.

 

4)

O artigo 63.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2015/2366 deve ser interpretado no sentido de que um prestador de serviços de pagamento que pretenda invocar a derrogação prevista nesta disposição não se pode limitar a afirmar que é impossível bloquear o instrumento de pagamento em causa ou impedir a sua utilização subsequente, quando, tendo em conta o estado objetivo dos conhecimentos técnicos disponíveis, essa impossibilidade não pode ser demonstrada.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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