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Document 62019CJ0066

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 26 de março de 2020.
    JC contra Kreissparkasse Saarlouis.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Saarbrücken.
    Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 2008/48/CE — Contratos de crédito aos consumidores — Direito de retratação — Prazo para exercer esse direito — Requisitos relativos às informações que devem constar do contrato — Nota de informação que se limita a fazer referência, em cascata, a disposições nacionais.
    Processo C-66/19.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:242

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

    26 de março de 2020 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 2008/48/CE — Contratos de crédito aos consumidores — Direito de retratação — Prazo para exercer esse direito — Requisitos relativos às informações que devem constar do contrato — Nota de informação que se limita a fazer referência, em cascata, a disposições nacionais»

    No processo C‑66/19,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landgericht Saarbrücken (Tribunal Regional de Saarbrücken, Alemanha), por Decisão de 17 de janeiro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de janeiro de 2019, no processo

    JC

    contra

    Kreissparkasse Saarlouis,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    composto por: M. Safjan (relator), presidente de secção, L. Bay Larsen e N. Jääskinen, juízes,

    advogado‑geral: E. Sharpston,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de JC, por T. Röske, Rechtsanwalt,

    em representação da Kreissparkasse Saarlouis, por G. Rohleder, Rechtsanwalt,

    em representação do Governo alemão, por J. Möller, M. Hellmann, E. Lankenau e A. Berg, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e S. Šindelková, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por G. Goddin e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008, L 133, p. 66, e retificações JO 2009, L 207, p. 14, JO 2010, L 199, p. 40, JO 2011, L 234, p. 46, e JO 2015, L 36, p. 15).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe JC, um consumidor, à Kreissparkasse Saarlouis a respeito do exercício por parte de JC do direito de retratação do contrato de crédito celebrado com a Kreissparkasse Saarlouis.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Os considerandos 8 a 10, 14 e 31 da Diretiva 2008/48 enunciam:

    «(8)

    É importante que o mercado proporcione um nível suficiente de defesa dos consumidores, a fim de garantir a confiança por parte destes. […]

    (9)

    A harmonização plena é necessária para garantir que todos os consumidores da Comunidade beneficiem de um nível elevado e equivalente de defesa dos seus interesses e para instituir um verdadeiro mercado interno. Por conseguinte, os Estados‑Membros não deverão ser autorizados a manter nem a introduzir outras disposições para além das estabelecidas na presente diretiva. […]

    (10)

    […] [a] presente diretiva não deverá obstar a que os Estados‑Membros apliquem, de acordo com o direito comunitário, as disposições nela contidas a domínios não abrangidos pelo seu âmbito de aplicação. Um Estado‑Membro pode desse modo manter ou introduzir legislação nacional correspondente às disposições da presente diretiva ou a determinadas disposições da mesma para contratos de crédito fora do âmbito da presente diretiva, por exemplo contratos de crédito de montante inferior a 200 [euros] ou superior a 75000 [euros]. Além disso, os Estados‑Membros podem também aplicar as disposições da presente diretiva ao crédito ligado, que não entra na definição de contrato de crédito ligado constante da presente diretiva. […]

    […]

    (14)

    Há que excluir do âmbito de aplicação da presente diretiva os contratos de crédito que prevejam a concessão de um crédito garantido por um bem imóvel. Este tipo de crédito é de natureza muito específica. Além disso, deverão ser excluídos do âmbito da presente diretiva os contratos de crédito cuja finalidade seja financiar a aquisição ou a manutenção de direitos de propriedade sobre terrenos ou prédios existentes ou projetados. Todavia, não deverão ser excluídos do âmbito da presente diretiva os contratos de crédito apenas pelo facto de a sua finalidade ser a renovação ou a valorização de prédios existentes.

    […]

    (31)

    Para que o consumidor possa conhecer os seus direitos e obrigações decorrentes do contrato de crédito, este deverá conter toda a informação necessária, apresentada de forma clara e concisa.»

    4

    Nos termos do artigo 2.o desta diretiva, intitulado «Âmbito de aplicação»:

    «1.   A presente diretiva é aplicável aos contratos de crédito.

    2.   A presente diretiva não é aplicável a:

    a)

    Contratos de crédito garantidos por hipoteca ou outra garantia equivalente comummente utilizada num Estado‑Membro relativa a um bem imóvel ou garantidos por um direito relativo a um bem imóvel;

    b)

    Contratos de crédito cuja finalidade seja financiar a aquisição ou a manutenção de direitos de propriedade sobre terrenos ou prédios existentes ou projetados;

    c)

    Contratos de crédito cujo montante total de crédito seja inferior a 200 [euros] ou superior a 75000 [euros];

    […]»

    5

    O artigo 10.o da referida diretiva, intitulado «Informação a mencionar nos contratos de crédito», prevê, no seu n.o 2, alínea p):

    «O contrato de crédito deve especificar de forma clara e concisa:

    […]

    p)

    A existência ou inexistência do direito de retratação, o prazo e o procedimento previstos para o seu exercício e outras condições para o seu exercício, incluindo informações sobre a obrigação do consumidor de pagar o capital levantado e os juros, de acordo com a alínea b) do n.o 3 do artigo 14.o, bem como o montante dos juros diários.»

    6

    O artigo 14.o da mesma diretiva, intitulado «Direito de retratação», tem a seguinte redação no seu n.o 1:

    «O consumidor dispõe de um prazo de 14 dias de calendário para exercer o direito de retratação do contrato de crédito sem indicar qualquer motivo.

    O prazo para o exercício do direito de retratação começa a correr:

    a)

    A contar da data da celebração do contrato de crédito; ou

    b)

    A contar da data de receção, pelo consumidor, dos termos do contrato e das informações a que se refere o artigo 10.o, se essa data for posterior à data referida na alínea a) do presente parágrafo.»

    7

    O artigo 22.o da Diretiva 2008/48, intitulado «Harmonização e caráter imperativo da presente diretiva», dispõe, no seu n.o 1:

    «Na medida em que a presente diretiva prevê disposições harmonizadas, os Estados‑Membros não podem manter ou introduzir no respetivo direito interno disposições divergentes daquelas que vêm previstas na presente diretiva para além das nela estabelecidas.»

    Direito alemão

    8

    O § 492 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «BGB»), previa:

    «1.   Os contratos de crédito ao consumo devem ser celebrados por escrito, salvo se estiver prevista uma forma mais estrita. […]

    2.   O contrato deve conter as menções previstas para qualquer contrato de crédito ao consumo nos termos do § 247, n.os 6 a 13, da Einführungsgesetz zum Bürgerlichen Gesetzbuch [(Lei de Introdução ao BGB), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, a seguir “EGBGB”].

    […]»

    9

    O § 495 do BGB dispunha:

    «1.   No caso de um contrato de crédito ao consumo, o mutuário dispõe de um direito de retratação nos termos do § 355.

    2.   Os §§ 355 a 359a são aplicáveis desde que:

    1)

    as menções obrigatórias referidas no § 247, n.o 6, segundo parágrafo, da EGBGB figurem em substituição na nota de informação sobre a retratação;

    2)

    o prazo de retratação não comece a correr

    a)

    antes de o contrato ser celebrado nem

    b)

    antes de o mutuário ter recebido as menções obrigatórias previstas no § 492, n.o 2; e

    3)

    o mutuário […] também tenha reembolsado ao mutuante as despesas que este último tenha suportado junto de organismos públicos e que não possa recuperar.»

    10

    Nos termos do § 503, n.o 1, do BGB:

    «O § 497, n.o 2, e n.o 3, primeiro, segundo, quarto e quinto períodos, bem como os §§ 499, 500 e 502 não se aplicam aos contratos em relação aos quais a disponibilização do crédito esteja subordinada à constituição de uma garantia hipotecária e seja efetuada nos termos de condições que são habituais para contratos garantidos por garantia hipotecária e para o respetivo financiamento provisório.»

    11

    O § 247, n.o 6, primeiro parágrafo, da EGBGB enumerava as menções que deviam figurar num contrato de crédito celebrado por um consumidor. As outras menções obrigatórias que deviam figurar no contrato estavam previstas no § 247, n.o 6, segundo parágrafo, primeiro e segundo períodos, no § 247, n.o 7, no § 247, n.o 8, segundo parágrafo (no que diz respeito aos contratos que comportam prestações complementares), no § 247, n.o 12, primeiro parágrafo, segundo período, ponto 2 (no que diz respeito aos contratos ligados e aos financiamentos a título oneroso), bem como no § 247, n.o 13, primeiro parágrafo (em caso de participação de um intermediário no mútuo), da EGBGB.

    12

    O § 247, n.o 9, da EGBGB dispunha que, no caso dos contratos referidos no § 503 do BGB, em derrogação do disposto nos n.os 3 a 8, 12 e 13, as informações referidas no n.o 3, primeiro parágrafo, pontos 1 a 7, 10 e 13, bem como no n.o 3, quarto parágrafo, e no n.o 8 deste § 247 devem figurar obrigatoriamente na informação pré‑contratual e no contrato de crédito celebrado pelo consumidor. Esta disposição previa que o contrato devia, além disso, conter as menções relativas ao direito de retratação visadas no n.o 6, segundo parágrafo, do referido § 247.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    13

    Durante o ano de 2012, JC, na qualidade de consumidor, celebrou com uma instituição de crédito, a saber, a Kreissparkasse Saarlouis, um contrato de crédito garantido por hipoteca no montante de 100000 euros, a uma taxa de juro anual fixa de 3,61 %, com duração até 30 de novembro de 2012 (a seguir «contrato em causa»).

    14

    O artigo 14.o deste contrato, intitulado «Informação sobre a retratação», tinha a seguinte redação:

    «Direito de retratação

    O mutuário dispõe de 14 dias para exercer o seu direito de retratação por escrito (por exemplo, por carta, fax ou por correio eletrónico) do seu compromisso contratual, sem ter de indicar motivos para tal. O prazo começa a correr a partir do momento em que o contrato é celebrado, mas não antes de o mutuário ter recebido toda a informação obrigatória referida no § 492, n.o 2, do [BGB] (por exemplo, informações sobre a natureza do crédito, sobre o montante líquido do crédito, sobre a duração do contrato). […]»

    15

    Por carta de 30 de janeiro de 2016, JC declarou à Kreissparkasse Saarlouis que exercia o seu direito à retratação do seu compromisso contratual relativo a este contrato.

    16

    JC intentou então no Landgericht Saarbrücken (Tribunal Regional de Saarbrücken, Alemanha) uma ação destinada a obter a declaração, primeiro, de que o crédito da Kreissparkasse Saarlouis a título do contrato em causa não excede o montante de 66537,57 euros, calculado à data de 30 de abril de 2018, segundo, de que a Kreissparkasse Saarlouis se encontra em mora na aceitação do pagamento deste montante e, terceiro, que esta última está obrigada a indemnizar JC a título de qualquer prejuízo resultante da recusa da resolução da dívida. A título subsidiário, JC pede que seja declarado que, desde a data de receção da declaração de retratação, a Kreissparkasse Saarlouis deixou de ter direito aos juros contratuais e ao reembolso do crédito nos termos das modalidades do contrato em causa.

    17

    A Kreissparkasse Saarlouis pediu que a ação de JC seja julgada improcedente pelo facto de ter informado devidamente este último sobre o seu direito de retratação e de o prazo para o exercício desse direito já ter expirado quando JC o invocou.

    18

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/48, esta última não se aplica aos contratos de crédito garantidos por hipoteca. Expõe que o legislador alemão fez, no entanto, uso da faculdade, enunciada no considerando 10 desta diretiva, de aplicar o regime nesta previsto a domínios que não são abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, à semelhança daquele que é aplicável a tais contratos. Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a interpretação das disposições da referida diretiva é necessária para a resolução do litígio no processo principal e que o Tribunal de Justiça é competente para efetuar essa interpretação no presente processo, invocando a este respeito o Acórdão de 17 de julho de 1997, Giloy (C‑130/95, EU:C:1997:372).

    19

    No que se refere ao mérito do processo, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a remissão para o § 492, n.o 2, do BGB, efetuada no contrato em causa relativamente à informação obrigatória que deve ser prestada ao mutuário, satisfaz a exigência prevista no artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48, segundo o qual o contrato de crédito deve especificar de forma «clara e concisa» a existência ou a inexistência do direito de retratação, bem como as modalidades para o exercício deste direito.

    20

    Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio constata que a referida disposição do BGB remete igualmente para outra disposição nacional, a saber, para o § 247, n.os 6 a 13 da EGBGB, remetendo este último artigo, por sua vez, para outras disposições do BGB. Nestas condições, o consumidor é obrigado, para identificar todas as informações obrigatórias cuja comunicação determina o ponto de partida do prazo de retratação do contrato, a recorrer a disposições nacionais contidas em atos legislativos diferentes.

    21

    Além disso, o consumidor é obrigado a determinar, em conformidade com o disposto no § 247, n.o 9, da EGBGB, se o contrato que celebrou com o profissional tem por objeto um crédito imobiliário, na aceção do § 503 do BGB, não podendo esta questão, no entender do órgão jurisdicional de reenvio, ser decidida por um consumidor médio que não tenha formação jurídica.

    22

    Nestas condições, o Landgericht Saarbrücken (Tribunal Regional de Saarbrücken) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da [Diretiva 2008/48], ser interpretado no sentido de que as informações [obrigatórias] sobre o “prazo” ou [“as outras condições”] previst[a]s para o exercício do direito de retratação incluem igualmente os requisitos relativos ao início do prazo de retratação?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à [primeira questão]:

    O artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da [Diretiva 2008/48] opõe‑se a uma interpretação segundo a qual uma informação relativa ao direito de retratação é “clara” e “concisa” quando, no que se refere ao início do prazo de retratação, não inclui toda a informação obrigatória para o início do referido prazo, remetendo a este respeito para uma disposição nacional [no caso em apreço, o § 492[, n.o 2,] do BGB, na sua versão aplicável até 12 de junho de 2014, que, por sua vez, remete para as disposições nacionais, neste caso, o § 247, n.os [6] a 13, da EGBGB, na sua versão aplicável até 12 de junho de 2014], pelo que o consumidor está obrigado a ler numerosas disposições em diferentes atos legislativos para conhecer [com certeza] qual a informação obrigatória que deve ser prestada para saber quando começa a correr o prazo de retratação no caso do seu contrato de [crédito]?

    3)

    Em caso de resposta negativa à [segunda questão] (e [desde que] não haja objeções de princípio relativamente à remissão para disposições nacionais):

    O artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da [Diretiva 2008/48], opõe‑se a uma interpretação segundo a qual uma informação relativa ao direito de retratação é “clara” e “concisa” quando a remissão para uma disposição nacional [no caso em apreço, o § 492[, n.o 2,] do BGB, na sua versão em vigor entre 30 de julho de 2010 e 12 de julho de 2014, e a remissão que esta disposição faz, no presente processo para o § 247, §§ [6] a 13 da EGBGB, na sua versão aplicável até 12 de junho de 2014, implica necessariamente que o consumidor não se possa limitar a uma mera leitura das disposições e deve proceder a uma qualificação jurídica, por exemplo, sobre a questão de saber se o [crédito] lhe foi concedido nas condições habituais previstas para os contratos garantidos por hipoteca e para o seu financiamento provisório, ou se existem contratos [ligados], para saber qual a informação obrigatória que deve ser prestada para que o prazo de retratação comece a correr no caso do seu contrato de [crédito]?»

    Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

    23

    Nas suas observações escritas, o Governo alemão alega que o Tribunal de Justiça não é competente para responder às questões submetidas porque a Diretiva 2008/48 não se aplica aos contratos de crédito garantidos por hipoteca e porque o legislador alemão não decidiu, não obstante a faculdade que lhe foi concedida pelo legislador da União, aplicar o regime previsto por esta diretiva a domínios que não são abrangidos pelo âmbito de aplicação desta, tais como o domínio dos contratos de crédito aos consumidores garantidos por hipoteca, em causa no processo principal.

    24

    O Governo alemão refere igualmente que, antes da adoção da Diretiva 2008/48, o direito alemão já previa uma regulamentação relativa a estes contratos. Tendo sido considerado que esta última correspondia às disposições desta diretiva, o legislador nacional entendeu que só era oportuno reunir as disposições relativas ao crédito ao consumo e ao crédito garantido por hipoteca.

    25

    A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/48, esta não se aplica aos contratos de crédito garantidos por hipoteca ou outra garantia equivalente comummente utilizada num Estado‑Membro relativa a um bem imóvel ou garantidos por um direito relativo a um bem imóvel.

    26

    No entanto, o legislador da União precisou, como resulta do considerando 10 desta diretiva, que um Estado‑Membro pode manter ou introduzir legislação nacional correspondente às disposições da referida diretiva ou a determinadas disposições da mesma para contratos de crédito fora do âmbito da mesma diretiva.

    27

    Ora, resulta da decisão de reenvio que o legislador alemão decidiu assim aplicar o regime previsto na Diretiva 2008/48 a contratos como o que está em causa.

    28

    O Tribunal de Justiça declarou‑se, por diversas vezes, competente para se pronunciar sobre pedidos de decisão prejudicial relativos a disposições do direito da União em situações nas quais os factos em causa no processo principal se situavam fora do âmbito de aplicação deste, sendo por isso da exclusiva competência dos Estados‑Membros, mas nas quais as referidas disposições do direito da União passaram a ser aplicáveis por força do direito nacional devido a uma remissão operada por este último para o conteúdo daquelas (Acórdão de 12 de julho de 2012, SC Volksbank România, C‑602/10, EU:C:2012:443, n.o 86 e jurisprudência referida).

    29

    O Tribunal de Justiça sublinhou nomeadamente que, quando uma legislação nacional decide estar em conformidade, para as soluções que apresenta para situações que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do ato da União em causa, com as soluções adotadas pelo referido ato, existe um interesse manifesto da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos retomados desse ato sejam interpretados de modo uniforme (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Solar Electric Martinique, C‑303/16, EU:C:2017:773, n.o 26 e jurisprudência referida).

    30

    Por outro lado, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua própria responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido formulado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 3 de julho de 2019, UniCredit Leasing, C‑242/18, EU:C:2019:558, n.o 46 e jurisprudência referida).

    31

    Além disso, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que não lhe cabe, no âmbito de um reenvio prejudicial, pronunciar‑se sobre a interpretação das disposições nacionais nem decidir se a interpretação dada pelo órgão jurisdicional nacional é correta, uma vez que essa interpretação é da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais nacionais (Acórdão de 3 de julho de 2019, UniCredit Leasing, C‑242/18, EU:C:2019:558, n.o 47 e jurisprudência referida).

    32

    Nestas condições, há que constatar que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    33

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que, a título das informações a especificar, de forma clara e concisa, num contrato de crédito, em aplicação desta disposição, figuram as modalidades de contagem do prazo de retratação, previstas no artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, desta diretiva.

    34

    Nos termos do artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da referida diretiva, o contrato de crédito deve especificar de forma clara e concisa, não apenas a «existência ou inexistência do direito de retratação» e «o prazo e o procedimento previstos para o seu exercício», mas também as «outras condições para o seu exercício».

    35

    Conforme resulta do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, lido à luz do considerando 31 desta, a exigência que consiste em especificar, num contrato de crédito estabelecido em papel ou noutro suporte duradouro, toda a informação referida por esta disposição, de forma clara e concisa, é necessária para que o consumidor possa conhecer os seus direitos e as suas obrigações (Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia, C‑42/15, EU:C:2016:842, n.o 31).

    36

    Esta exigência contribui para a realização do objetivo prosseguido pela Diretiva 2008/48, que consiste em prever, em matéria de crédito aos consumidores, uma harmonização plena e imperativa em determinados domínios‑chave, a qual é considerada necessária para assegurar a todos os consumidores da União um nível elevado e equivalente de proteção dos seus interesses e para facilitar a emergência de um mercado interno eficaz em matéria de crédito ao consumo (Acórdão de 9 de novembro de 2016, Home Credit Slovakia, C‑42/15, EU:C:2016:842, n.o 32).

    37

    Atendendo à importância do direito de retratação para a defesa do consumidor, a informação relativa a este direito reveste, para esse consumidor, uma importância fundamental. A fim de poder tirar pleno partido desta informação, o consumidor deve conhecer antecipadamente as condições, o prazo e as modalidades de exercício do direito de retratação (v., por analogia, Acórdão de 23 de janeiro de 2019, Walbusch Walter Busch, C‑430/17, EU:C:2019:47, n.o 46).

    38

    Além disso, a eficácia do direito de retratação previsto no artigo 14.o da Diretiva 2008/48 ficaria seriamente enfraquecida se as modalidades de contagem do prazo de retratação não figurassem de entre as condições de exercício deste direito que devem ser obrigatoriamente especificadas no contrato de crédito, na aceção deste artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva.

    39

    Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que, a título das informações a especificar, de forma clara e concisa, num contrato de crédito, em aplicação desta disposição, figuram as modalidades de contagem do prazo de retratação, previstas no artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, desta diretiva.

    Quanto à segunda questão

    40

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um contrato de crédito proceda, no que diz respeito às informações referidas no artigo 10.o desta diretiva, a uma remissão para uma disposição nacional que remete, ela própria, para outras disposições do direito do Estado‑Membro em causa.

    41

    A título preliminar, há que constatar que, no processo principal, o contrato em causa especifica que o prazo de retratação começa a correr depois de o contrato ter sido celebrado, mas não antes de o mutuário ter recebido todas as informações obrigatórias visadas no § 492, n.o 2, do BGB. A referida disposição remete, quanto a ela, para o § 247, n.os 6 a 13, da EGBGB, remetendo este último, por seu turno, para outras disposições do BGB.

    42

    O órgão jurisdicional de reenvio constata assim que as informações obrigatórias cuja comunicação ao consumidor determina o ponto de partida do prazo de retratação do contrato, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 e do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, desta, não figuram, enquanto tais, no contrato em causa. O órgão jurisdicional de reenvio considera que o consumidor é, por conseguinte, obrigado, para as identificar, a estudar uma multitude de disposições nacionais contidas em atos legislativos diferentes.

    43

    Importa recordar que, conforme resulta do artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea b), da Diretiva 2008/48, o prazo de retratação só começa a correr quando as informações previstas no artigo 10.o desta diretiva tiverem sido transmitidas ao consumidor, se essa data for posterior à data da celebração do contrato de crédito. O referido artigo 10.o enumera as informações que devem ser mencionadas nos contratos de crédito.

    44

    Ora, quando um contrato celebrado por um consumidor remete para certas disposições de direito nacional no que se refere às informações cuja menção é exigida nos termos do artigo 10.o da Diretiva 2008/48, o consumidor não está em condições, com base no contrato, de determinar a extensão do seu compromisso contratual, nem de controlar se todos os elementos exigidos, em conformidade com a referida disposição, figuram no contrato que este celebrou, nem, a fortiori, de verificar se o prazo de retratação de que pode dispor começou a correr no que lhe diz respeito.

    45

    Por outro lado, o conhecimento e uma boa compreensão, por parte do consumidor, dos elementos que o contrato de crédito deve obrigatoriamente conter, em conformidade com o disposto no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/48, são necessários para a boa execução desse contrato e, em especial, para o exercício dos direitos do consumidor, entre os quais figura o seu direito de retratação.

    46

    A este respeito, há que salientar que o Tribunal de Justiça declarou que, quando uma diretiva no domínio da defesa dos consumidores prevê uma obrigação, para o profissional, de dar conhecimento ao consumidor do conteúdo do compromisso contratual que lhe é proposto de que certos elementos são determinados pelas disposições legislativas ou regulamentares imperativas de um Estado‑Membro, esse profissional é obrigado a informar esse consumidor do conteúdo das referidas disposições (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2012, Invitel, C‑472/10, EU:C:2012:242, n.o 29).

    47

    Assim, uma simples remissão, constante das condições gerais de um contrato, para um texto legislativo ou regulamentar que estipula os direitos e as obrigações das partes não é suficiente (v., neste sentido, Acórdão de 21 de março de 2013, RWE Vertrieb, C‑92/11, EU:C:2013:180, n.o 50).

    48

    Numa situação como a que está em causa no processo principal, há, por conseguinte, que constatar que uma remissão, no contrato em causa, para as disposições legislativas nacionais, conforme referido no n.o 41 do presente acórdão, não preenche a exigência, visada nos n.os 43 a 47 do presente acórdão, de dar conhecimento ao consumidor, de forma clara e concisa, do prazo e do procedimento previstos para o exercício do direito de retratação e de outras condições para o seu exercício, em conformidade com o disposto no artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48.

    49

    Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder à segunda questão que o artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um contrato de crédito proceda, no que diz respeito às informações visadas no artigo 10.o desta diretiva, a uma remissão para uma disposição nacional que remete, ela própria, para outras disposições do direito do Estado‑Membro em causa.

    Quanto à terceira questão

    50

    Atendendo à resposta dada à segunda questão, não há que responder à terceira questão.

    Quanto às despesas

    51

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que, a título das informações a especificar, de forma clara e concisa, num contrato de crédito, em aplicação desta disposição, figuram as modalidades de contagem do prazo de retratação, previstas no artigo 14.o, n.o 1, segundo parágrafo, desta diretiva.

     

    2)

    O artigo 10.o, n.o 2, alínea p), da Diretiva 2008/48 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um contrato de crédito proceda, no que diz respeito às informações visadas no artigo 10.o desta diretiva, a uma remissão para uma disposição nacional que remete, ela própria, para outras disposições do direito do Estado‑Membro em causa.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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