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Document 62019CC0546

    Conclusões do advogado-geral P. Pikamäe apresentadas em 10 de fevereiro de 2021.
    BZ contra Westerwaldkreis.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht.
    Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Política de imigração — Regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular — Diretiva 2008/115/CE — Artigo 2.o, n.o 1 — Âmbito de aplicação — Nacional de um país terceiro — Condenação penal no Estado‑Membro — Artigo 3.o, ponto 6 — Proibição de entrada — Razões de ordem pública e segurança pública — Revogação da decisão de regresso — Legalidade da proibição de entrada.
    Processo C-546/19.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:105

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    PRIIT PIKAMÄE

    apresentadas em 10 de fevereiro de 2021 ( 1 )

    Processo C‑546/19

    BZ

    contra

    Westerwaldkreis

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha)]

    «Reenvio prejudicial — Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de imigração — Regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular — Diretiva 2008/115/CE — Âmbito de aplicação — Proibição de entrada decretada contra um nacional de um país terceiro na sequência da sua condenação penal — Razões de ordem pública e segurança pública — Revogação da decisão de regresso — Legalidade da proibição de entrada»

    1.

    No presente processo, o Tribunal de Justiça é uma vez mais chamado pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha) a pronunciar‑se sobre um pedido de decisão prejudicial que tem por objeto a interpretação da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular ( 2 ).

    2.

    No caso, as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio permitirão ao Tribunal de Justiça fornecer os esclarecimentos necessários acerca de dois aspetos relativos à «proibição de entrada» prevista na Diretiva 2008/115, que impede qualquer entrada e qualquer permanência no território de todos os Estados‑Membros. Mais precisamente, o Tribunal de Justiça é chamado a definir, em primeiro lugar, o alcance da margem deixada aos Estados‑Membros para adotarem proibições de entrada reguladas exclusivamente pelas regras do direito nacional e, em segundo lugar, o vínculo jurídico, estabelecido pela diretiva em causa, entre a proibição de entrada e a decisão de regresso.

    I. Quadro jurídico

    A.   Direito da União

    1. Diretiva 2008/115

    3.

    O artigo 1.o da Diretiva 2008/115, com a epígrafe «Objeto», prevê:

    «A presente diretiva estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito comunitário e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de proteção dos refugiados e de direitos do Homem.»

    4.

    O artigo 2.o, n.os 1 e 2, desta diretiva, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

    «1.   A presente diretiva é aplicável aos nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro.

    2.   Os Estados‑Membros podem decidir não aplicar a presente diretiva aos nacionais de países terceiros que:

    […]

    b)

    Estejam obrigados a regressar por força de condenação penal ou em consequência desta, nos termos do direito interno, ou sejam objeto de processo de extradição.»

    5.

    O artigo 3.o da referida diretiva, com a epígrafe «Definições», enuncia:

    «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

    […]

    4)

    “Decisão de regresso”, uma decisão ou ato administrativo ou judicial que estabeleça ou declare a situação irregular de um nacional de país terceiro e imponha ou declare o dever de regresso;

    […]

    6)

    “Proibição de entrada”, uma decisão ou ato administrativo ou judicial que proíbe a entrada e a permanência no território dos Estados‑Membros durante um período determinado e que acompanha uma decisão de regresso;

    […]»

    6.

    O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, com a epígrafe «Decisão de regresso», tem a seguinte redação:

    «1.   Sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.»

    7.

    Nos termos do artigo 9.o, n.o 1, com a epígrafe «Adiamento do afastamento», da referida diretiva:

    «1.   Os Estados‑Membros adiam o afastamento nos seguintes casos:

    a)

    O afastamento representa uma violação do princípio da não repulsão […]»

    8.

    O artigo 11.o da referida diretiva, com a epígrafe «Proibição de entrada», prevê:

    «1.   As decisões de regresso são acompanhadas de proibições de entrada sempre que:

    a)

    Não tenha sido concedido qualquer prazo para a partida voluntária; ou

    b)

    A obrigação de regresso não tenha sido cumprida.

    Nos outros casos, as decisões de regresso podem ser acompanhadas da proibição de entrada.

    2.   A duração da proibição de entrada é determinada tendo em devida consideração todas as circunstâncias relevantes do caso concreto, não devendo em princípio exceder cinco anos. Essa duração pode, contudo, ser superior a cinco anos se o nacional de país terceiro constituir uma ameaça grave para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional.

    […]»

    2. Regulamento (CE) n.o 1987/2006

    9.

    O artigo 24.o, n.os 1 a 3, do Regulamento (CE) n.o 1987/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo ao estabelecimento, ao funcionamento e à utilização do Sistema de Informação de Schengen de segunda geração (SIS II) ( 3 ), enuncia:

    «1.   Os dados relativos a nacionais de países terceiros indicados para efeitos de não admissão ou interdição de permanência são introduzidos com base numa indicação nacional resultante de uma decisão tomada pelas autoridades administrativas ou pelos órgãos jurisdicionais competentes de acordo com as regras processuais previstas pela legislação nacional, com base numa avaliação individual. Os recursos de tais decisões são tramitados nos termos do direito nacional.

    2.   Deve ser introduzida uma indicação quando a decisão a que se refere o n.o 1 se fundar no facto de a presença de um nacional de um país terceiro no território de um Estado‑Membro constituir ameaça para a ordem pública ou para a segurança nacional. Esta situação verifica‑se, nomeadamente, no caso de:

    a)

    O nacional de um país terceiro ter sido condenado num Estado‑Membro por um crime passível de uma pena privativa de liberdade de pelo menos, um ano;

    b)

    Existirem fortes razões para crer que o nacional de um país terceiro praticou factos puníveis graves ou indícios reais para supor que tenciona praticar tais factos no território de um Estado‑Membro.

    3.   Também pode ser introduzida uma indicação quando a decisão a que se refere o n.o 1 se fundar no facto de recair sobre o nacional de um país terceiro uma medida de afastamento, de não admissão ou de expulsão não revogada nem suspensa que inclua ou seja acompanhada por uma interdição de entrada ou, se for caso disso, de permanência, fundada no incumprimento das regulamentações nacionais relativas à entrada ou à estada de nacionais de países terceiros.»

    B.   Direito alemão

    10.

    A Gesetz über den Aufenthalt, die Erwerbstätigkeit und die Integration von Ausländern im Bundesgebiet (Lei da Permanência, do Trabalho e da Integração dos Estrangeiros no Território Federal) (BGBl. 2008 I, p. 162), na sua versão aplicável aos factos do processo principal (a seguir «AufenthG»), contém um §11, intitulado «Proibição de entrada e de permanência», com a seguinte redação:

    «1.   Um estrangeiro que tenha sido objeto de uma medida de expulsão, de repulsão ou de afastamento não pode voltar a entrar no território federal nem nele permanecer e não lhe será concedida nenhuma autorização de permanência, mesmo no caso de ter direito à mesma nos termos da presente lei.

    2.   A duração da proibição de entrada e de permanência é fixada automaticamente. Este prazo começa a correr a partir da data de partida do estrangeiro. Em caso de expulsão, a duração da proibição deve ser fixada ao mesmo tempo que é emitida a ordem de expulsão. Nos outros casos, é fixada ao mesmo tempo que é emitida a ordem para abandonar o território sob pena de afastamento e, o mais tardar, quando o afastamento ou a repulsão tiver lugar […].

    3.   A duração da proibição de entrada e de permanência é determinada por decisão discricionária. Essa duração só pode ser superior a cinco anos se o estrangeiro tiver sido expulso na sequência de condenação penal ou se constituir uma ameaça grave para a segurança pública e para a ordem pública. A duração da proibição não pode exceder dez anos.

    […]»

    11.

    O § 50 da AufenthG, com a epígrafe «Obrigação de abandonar o território», prevê o seguinte:

    «1.   O estrangeiro está sujeito a uma obrigação de abandonar o território se não for ou tiver deixado de ser titular da autorização de residência exigida […].

    2)   O estrangeiro é obrigado a abandonar imediatamente o território da República Federal ou, se lhe tiver sido concedido um prazo para abandonar o território, antes do termo desse prazo.

    […]»

    12.

    O § 51 da AufenthG, com a epígrafe «Fim da legalidade da permanência; manutenção de restrições», prevê, no seu n.o 1, ponto 5:

    «1.   A autorização de residência deixa de ser válida nos seguintes casos:

    […]

    5) em caso de expulsão do estrangeiro, […]»

    13.

    Nos termos do § 53, n.o 1, da AufenthG, com a epígrafe «Expulsão»:

    «O estrangeiro cuja permanência constitua uma ameaça para a segurança pública e para ordem pública, para a ordem constitucional democrática e livre ou para qualquer outro interesse fundamental da República Federal da Alemanha será objeto de uma medida de expulsão se, tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto, a ponderação entre o interesse que representa a sua partida e o seu interesse em permanecer no território da República Federal mostrar que o interesse público na sua partida prevalece.»

    14.

    O § 54, n.o 1, ponto 1, da AufenthG prevê:

    «1.   O interesse na expulsão do estrangeiro, na aceção do § 53, n.o 1, é particularmente importante:

    1)

    se, por decisão transitada em julgado, tiver sido condenado em pena privativa da liberdade […]»

    15.

    O § 58 da AufenthG, com a epígrafe «Afastamento», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

    «1.   O estrangeiro é objeto de uma medida de afastamento se a sua obrigação de abandonar o território for executória, se não lhe tiver sido concedido nenhum prazo para abandonar o território ou se esse prazo tiver expirado e se o cumprimento voluntário da sua obrigação de abandonar o território não estiver assegurado ou se o controlo desse cumprimento se revelar necessário por razões de segurança pública e ordem pública. […]

    2.   […] Nos outros casos, a obrigação de abandonar o território só se torna executória se a recusa de emitir a autorização de residência ou outro ato administrativo por força do qual o estrangeiro tenha de abandonar o território, em conformidade com o § 50, n.o 1, se tornar ela própria executória.

    […]»

    16.

    O § 60a do AufenthG, com a epígrafe «Suspensão provisória do afastamento», enuncia, nos seus n.os 2 a 4:

    «2.   O afastamento do estrangeiro é suspenso enquanto esse afastamento for impossível por razões de facto e de direito e enquanto não lhe tiver sido concedida nenhuma autorização de residência temporária. […]

    3.   A suspensão do afastamento do estrangeiro não prejudica a sua obrigação de abandonar o território.

    4.   Ao estrangeiro que beneficie do adiamento do afastamento é emitido um certificado.

    […]»

    II. Factos na origem ao litígio, tramitação do processo principal e questões prejudiciais

    17.

    BZ, de nacionalidade indeterminada, nasceu na Síria e vive na Alemanha desde 1990. Embora esteja sujeito, desde essa data, à obrigação de abandonar o território, permaneceu, contudo, nesse Estado‑Membro com base num estatuto de tolerância, regularmente prorrogado, nos termos do § 60a da AufenthG.

    18.

    Em 17 de março de 2013, BZ foi condenado a uma pena privativa da liberdade de três anos e quatro meses por crimes de apoio ao terrorismo. Em março de 2014, beneficiou de uma suspensão da execução do período remanescente da pena.

    19.

    Devido a esta condenação penal, o Westerwaldkreis (Distrito de Westerwald, Alemanha) adotou, por Decisão de 24 de fevereiro de 2014, uma medida de expulsão relativamente a BZ ao abrigo do § 53, n.o 1, da AufenthG (a seguir «ordem de expulsão»). Essa ordem compreendia também uma proibição de entrada e de permanência no território federal durante um período de seis anos, posteriormente reduzido para quatro anos, a contar da data de partida e limitado a 21 de julho de 2023, o mais tardar. Ao mesmo tempo, o Distrito de Westerwald adotou relativamente a BZ uma ordem para abandonar o território sob pena de afastamento.

    20.

    BZ deduziu oposição às decisões referidas no número anterior. Na sua audição na Comissão de Oposição, o Distrito de Westerwald revogou a ordem para abandonar o território sob pena de afastamento. A oposição foi indeferida quanto ao restante.

    21.

    BZ interpôs, então, recurso de anulação da ordem de expulsão e da proibição de entrada e de permanência no território federal junto do Verwaltungsgericht Koblenz (Tribunal Administrativo de Coblença, Alemanha), ao qual foi negado provimento por acórdão desse órgão jurisdicional. BZ interpôs recurso desse acórdão para o Oberverwaltungsgericht Rheinland‑Pfalz (Tribunal Administrativo Superior da Renânia‑Palatinado, Alemanha).

    22.

    Posteriormente, um pedido de asilo de BZ foi indeferido pelo Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço Federal para a Migração e os Refugiados, Alemanha), por Decisão de 21 de julho de 2017, por ser manifestamente infundado nos termos do direito nacional. Simultaneamente, essa autoridade declarou que BZ não podia ser afastado para a Síria, uma vez que os pressupostos de uma proibição de afastamento previstas no § 60 da AufenthG, lido em conjugação com o artigo 3.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, estavam preenchidos no que se referia a esse país.

    23.

    Por Acórdão de 5 de abril de 2018, o Oberverwaltungsgericht Rheinland‑Pfalz (Tribunal Administrativo Superior da Renânia‑Palatinado) negou provimento ao recurso de BZ. Este interpôs, então, recurso de «Revision» desse acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio.

    24.

    O órgão jurisdicional de reenvio indica que já negou provimento a esse recurso na parte que dizia respeito à ordem de expulsão emitida relativamente a BZ, a qual se tornou assim definitiva, e desentranhou‑a do processo de revisão, que prosseguiu unicamente na parte que tem por objeto a decisão de reduzir a duração da proibição de entrada e de permanência, que acompanha a ordem de expulsão, para quatro anos a contar de uma eventual partida e o mais tardar até 21 de julho de 2023.

    25.

    Decorre das explicações do órgão jurisdicional de reenvio relativas ao direito alemão que a ordem de expulsão, adotada nos termos do § 53 da AufenthG, não conduz necessariamente ao afastamento do estrangeiro em causa. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as pessoas cuja permanência constitui uma ameaça para a segurança pública podem, com efeito, ser objeto de uma medida de expulsão mesmo que o seu afastamento do território alemão não seja possível devido à situação existente no país de destino. Nesse caso, a adoção de uma medida de expulsão tem como efeito, por um lado, pôr termo à validade da autorização de residência do estrangeiro em causa, em conformidade com o § 51, n.o 1, ponto 5, da AufenthG, e, por outro, proibir, nos termos do § 11, n.o 1, da AufenthG, a entrada e a permanência, bem como a emissão de uma nova autorização de residência a esse estrangeiro antes do termo da duração da ordem de expulsão.

    26.

    Neste contexto, o órgão jurisdicional nacional interroga‑se sobre a questão de saber se é compatível com o direito da União uma proibição de entrada e de permanência que pode ser emitida, nos termos do direito nacional, mesmo na inexistência de uma ordem para abandonar o território sob pena de afastamento. A este respeito, o referido órgão jurisdicional esclarece que, segundo o direito alemão, a ordem de expulsão não constitui, enquanto tal, uma «decisão de regresso» na aceção do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, devendo, em contrapartida, essa qualificação ser reconhecida à ordem para abandonar o território sob pena de afastamento.

    27.

    Em especial, tem dúvidas quanto à questão de saber se uma proibição de entrada e de permanência decretada contra um nacional de um país terceiro para «outros fins não associados à migração», nomeadamente em conjugação com uma ordem de expulsão, é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115. Em caso de resposta afirmativa a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se uma proibição de entrada e de permanência não pode ser considerada conforme com as exigências desta diretiva quando a ordem para abandonar o território sob pena de afastamento, adotada ao mesmo tempo que essa proibição, tenha sido retirada pela autoridade que a emitiu.

    28.

    Se se considerar que a retirada da decisão de regresso implica necessariamente a ilegalidade da proibição de entrada que acompanha aquela decisão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se esse é igualmente o caso quando a ordem de expulsão que precedeu a decisão de regresso se tornou definitiva.

    29.

    Foi nestas circunstâncias que o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    a)

    A proibição de entrada emitida “para outros fins não associados à migração” contra um nacional de um país terceiro é, em qualquer caso, abrangida pelo [âmbito] de aplicação da [Diretiva 2008/115], se o Estado‑Membro não tiver exercido a faculdade prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea b), dessa diretiva?

    b)

    Em caso de resposta negativa à [primeira] questão[, alínea a)]: tal proibição de entrada também não está abrangida pela Diretiva [2008/115] mesmo que o nacional de um país terceiro, independentemente de lhe ter sido aplicada uma medida de expulsão a que está ligada a proibição de entrada, esteja em situação de permanência ilegal e, assim, se encontrar no campo de aplicação material da [mesma diretiva]?

    c)

    A proibição de entrada emitida em ligação com uma ordem de expulsão por motivos de segurança e ordem públicas (in casu: apenas por motivos de prevenção geral e com o objetivo de luta contra o terrorismo) constitui uma proibição de entrada emitida “para outros fins não associados à migração”?

    2)

    Se a primeira questão for respondida no sentido de que a proibição de entrada em apreço está abrangida pelo [âmbito] de aplicação da [Diretiva 2008/115]:

    a)

    A [revogação de uma] decisão de regresso (in casu: [uma ordem para abandonar o território sob pena de afastamento]) tem como consequência tornar ilegal a proibição de entrada [(na aceção do artigo 3.o, n.o 6, da Diretiva 2008/115) emitida ao mesmo tempo que] aquela decisão […]?

    b)

    Esta consequência jurídica verifica‑se mesmo que a ordem de expulsão, anterior à decisão de regresso, se tenha tornado definitiva?»

    III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    30.

    Estas questões foram objeto de observações escritas dos Governos alemão e neerlandês e da Comissão Europeia.

    31.

    Em 23 de abril de 2020, o Tribunal de Justiça enviou um pedido de informações ao órgão jurisdicional de reenvio sobre o quadro jurídico do litígio no processo principal. A respetiva resposta, datada de 6 de maio de 2020, deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de maio de 2020.

    32.

    Como medida de organização do processo, de 8 de outubro de 2020, o Tribunal de Justiça colocou a todas as partes interessadas uma questão para resposta escrita. As observações escritas sobre essa questão foram apresentadas no prazo fixado.

    IV. Análise

    33.

    O Governo alemão invocou a inadmissibilidade da primeira questão prejudicial. Como esse argumento me parece visar implicitamente também a segunda questão, começarei a minha análise pela apreciação da admissibilidade (secção A), antes de me debruçar sobre o mérito de cada uma dessas questões (secção B).

    A.   Quanto à admissibilidade

    34.

    Nas suas observações escritas, o Governo alemão sustenta que, contrariamente ao que resulta da decisão de reenvio, a República Federal da Alemanha fez uso da faculdade, prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2008/115, de não aplicar esta última aos nacionais de países terceiros que estejam obrigados a regressar por força de condenação penal ou em consequência desta, nos termos do direito interno.

    35.

    Em apoio desta afirmação, o referido Governo chama a atenção do Tribunal de Justiça para o facto de a exposição de motivos da lei nacional alemã que transpõe a Diretiva 2008/115 conter a seguinte passagem relativa ao § 11 da AufenthG, que transpõe o artigo 11.o da Diretiva 2008/115: «As derrogações à duração normal de cinco anos previstas na nova quarta frase baseiam‑se no artigo 2.o, n.o 2, alínea b) (trata‑se, a este respeito, de uma restrição ao âmbito de aplicação da diretiva em relação a pessoas objeto de condenações penais), e no artigo 11.o, n.o 2, segunda frase (ameaça grave para a segurança pública e para ordem pública) da Diretiva 2008/115».

    36.

    A este respeito, saliento que, na sequência do pedido de informações que lhe foi enviado pelo Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio manteve a sua interpretação do direito alemão tal como a expôs na decisão reenvio, segundo a qual a República Federal da Alemanha não decidiu, ao abrigo do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2008/115, excluir da totalidade do âmbito de aplicação da referida diretiva os nacionais de países terceiros que estejam obrigados a regressar por força de condenação penal ou em consequência desta.

    37.

    Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a passagem da exposição de motivos citada pelo Governo alemão se refere ao § 11, n.o 3, da AufenthG na versão aplicável aos factos no processo principal, segundo o qual a duração da proibição de entrada só pode ser superior a cinco anos «se o estrangeiro tiver sido expulso na sequência de condenação penal ou se constituir uma ameaça grave para a segurança pública e para a ordem pública» ( 4 ). Considera assim que, como decorre da referida passagem, no caso dos nacionais de países terceiros que são objeto de uma medida de expulsão na sequência de uma condenação penal, o legislador alemão, ao invocar o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2008/115, pretendeu derrogar pontualmente a regra específica, estabelecida no seu artigo 11.o, n.o 2, que limita a duração da validade da proibição de entrada a cinco anos e só permite derrogações em caso de ameaça grave para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional.

    38.

    Ora, é jurisprudência constante que, no quadro da repartição das competências entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais no processo prejudicial, o Tribunal de Justiça é obrigado a ter em conta o contexto factual e regulamentar em que se inserem as questões prejudiciais, tal como definido pelo órgão jurisdicional de reenvio. Isto implica que, quaisquer que sejam as críticas do Governo alemão à interpretação do direito nacional feita pelo órgão jurisdicional de reenvio, o exame do presente reenvio prejudicial deve ser efetuado à luz da interpretação ( 5 ) segundo a qual, quando fez referência ao artigo 2.o, n.o 2, alínea b), o legislador alemão não quis excluir da totalidade do âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115 os nacionais de países terceiros expulsos na sequência da sua condenação penal ( 6 ).

    39.

    O facto de, como o Governo alemão salientou, o Tribunal de Justiça ter aceitado uma interpretação contrária da legislação nacional alemã no Acórdão Filev e Osmani ( 7 ) não pode, a meu ver, permitir chegar a uma conclusão diferente. Com efeito, no processo que deu origem a este acórdão, o Tribunal de Justiça estava vinculado, por força da jurisprudência constante referida no número anterior das presentes conclusões, à interpretação do direito nacional feita pelo Amtsgericht Laufen (Tribunal de Primeira Instância de Laufen, Alemanha), autor do pedido de decisão prejudicial.

    40.

    Dado que a pertinência das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não pode, portanto, ser posta em causa, entendo que estas questões devem ser consideradas admissíveis.

    B.   Quanto ao mérito

    1. Observações preliminares

    41.

    Antes de mais, há que definir os traços essenciais do quadro jurídico relevante para efeitos da interpretação pedida ao Tribunal de Justiça.

    42.

    A Diretiva 2008/115 tem como objetivo definir uma política eficaz de afastamento e repatriamento baseada em normas comuns, para proceder aos repatriamentos em condições humanamente dignas e com pleno respeito pelos direitos fundamentais e a dignidade das pessoas ( 8 ).

    43.

    Para esse efeito, a referida diretiva estabelece com precisão o procedimento, acompanhado de garantias jurídicas, que deve ser aplicado por cada Estado‑Membro no que se refere ao regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular e fixa a ordem de tramitação das várias fases que esse procedimento comporta.

    44.

    Mais exatamente, a referida diretiva prevê que a situação irregular de qualquer nacional de país terceiro no território de um Estado‑Membro dá origem à obrigação, a cargo deste último, de emitir relativamente a esse nacional uma «decisão de regresso» ( 9 ). Esta decisão impõe ao nacional em causa um «dever de regresso», ou seja, o dever de regressar ao seu país de origem, a um país de trânsito ou a outro país ( 10 ), e fixa eventualmente um prazo adequado dentro do qual o nacional do país terceiro deve abandonar voluntariamente o território ( 11 ). Se não tiver sido concedido nenhum prazo para a partida voluntária ou se a obrigação de regresso não tiver sido cumprida, os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para executar a decisão de regresso ( 12 ).

    45.

    A decisão de regresso pode — ou, em certos casos, deve — ser acompanhada por uma «proibição de entrada». Embora seja adotada por um único Estado‑Membro, essa decisão destina‑se, segundo a definição que decorre do artigo 3.o, n.o 6, da Diretiva 2008/115, a proibir a entrada e a permanência do destinatário no território de todos os Estados‑Membros. A referida decisão confere, assim uma «dimensão europeia» aos efeitos das medidas nacionais de regresso ( 13 ).

    46.

    Para que essa dimensão não seja puramente teórica, essa diretiva prevê igualmente que, ao ponderar a emissão de uma autorização de residência ou de outro título que confira direito de permanência a um nacional de país terceiro objeto de proibição de entrada emitida por outro Estado‑Membro, os Estados‑Membros devem consultar previamente este último Estado e ter em conta os seus interesses ( 14 ). O desencadeamento desse procedimento de consulta pressupõe o conhecimento prévio das proibições de entrada emitidas pelos outros Estados‑Membros, o que é possível na medida em que as informações relativas a essas proibições de entrada podem ser objeto de uma indicação nacional introduzida no Sistema de Informação Schengen de segunda geração nos termos do artigo 24.o, n.o 3 do Regulamento n.o 1987/2006 ( 15 ).

    47.

    É precisamente a proibição de entrada que constitui o objeto das questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e que me proponho examinar nos desenvolvimentos que seguem.

    2. Quanto à primeira questão

    48.

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se uma proibição de entrada e de permanência, decretada contra um nacional de um país terceiro ao mesmo tempo que uma ordem de expulsão adotada com base numa condenação penal anterior, está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115.

    49.

    Desde logo, cabe observar que, como decorre da decisão de reenvio, as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio têm a sua origem no enunciado do ponto 11 do «Manual do Regresso» da Comissão ( 16 ), nos termos do qual a Diretiva 2008/115 se aplica apenas às proibições de entrada relacionadas com a violação das normas em matéria de migração nos Estados‑Membros («proibições relacionadas com o regresso»), ou seja, as normas que regulam a entrada e a permanência de nacionais de países terceiros, uma vez que essa diretiva não incide sobre as proibições de entrada «por razões não associadas à migração». Esta segunda categoria inclui, para além das proibições de entrada que constituem uma medida restritiva adotada nos termos do título V, capítulo 2, TUE, as proibições de entrada emitidas contra nacionais de países terceiros que cometeram crimes graves ou relativamente aos quais exista um indício concreto da intenção de cometer esses crimes. Assim, a proibição em causa no processo principal pode, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, enquadrar‑se nesta categoria e, por esse motivo, escapar ao âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115.

    50.

    Por outras palavras, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre a exatidão de uma interpretação segundo a qual a Diretiva 2008/115 se aplica apenas às proibições impostas devido a uma violação das normas em matéria de migração, enquanto as proibições exteriores a esta categoria, nomeadamente as que se destinam a proteger a ordem pública e a segurança pública nos Estados‑Membros, continuam a ser da competência destes últimos.

    51.

    Importa observar, antes de mais, que o artigo 3.o, n.o 6, da Diretiva 2008/115 define «proibição de entrada» como «uma decisão ou ato administrativo ou judicial que proíbe a entrada e a permanência no território dos Estados‑Membros durante um período determinado e que acompanha uma decisão de regresso», de modo que essa disposição não permite uma interpretação no sentido de o legislador da União ter pretendido visar nesse artigo exclusivamente as medidas motivadas pela violação das normas em matéria de migração. A meu ver, o artigo 11.o, n.o 1, da mesma diretiva, também não permite essa interpretação, na medida em que essa disposição se limita a enunciar as condições em que as decisões de regresso são (ou podem ser) acompanhadas de uma proibição de entrada, sem fazer qualquer referência aos motivos que conduziram à imposição dessa proibição.

    52.

    No que diz respeito ao exame da sistemática da Diretiva 2008/115, subscrevo a leitura do órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual essa diretiva não permite extrair nenhum elemento favorável a uma restrição do seu âmbito de aplicação como a prevista no ponto 11 do «Manual do Regresso».

    53.

    A este respeito, importa começar por referir as disposições através das quais essa diretiva delimita o seu próprio âmbito de aplicação.

    54.

    O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 estabelece que a mesma se aplica aos nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro, entendendo‑se que constitui uma situação irregular, nos termos do artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva, «a presença, no território de um Estado‑Membro, de um nacional de país terceiro que não preencha ou tenha deixado de preencher as condições de entrada previstas no artigo 5.o do [Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) ( 17 ),] ou outras condições aplicáveis à entrada, permanência ou residência nesse Estado‑Membro». Ora, tendo em conta a generalidade dos seus termos, estas disposições não deixam dúvidas quanto ao facto de o legislador da União ter pretendido definir o âmbito de aplicação da referida diretiva de forma muito ampla, na medida em que previu que o caráter irregular da situação por ela visada não decorre apenas da violação das normas em matéria de migração («as condições de entrada previstas no artigo 5.o do Código das Fronteiras Schengen ou outras condições aplicáveis à entrada […] nesse Estado‑Membro»), mas igualmente da violação de outras normas («outras condições aplicáveis à […] permanência ou residência nesse Estado‑Membro»).

    55.

    Como acima indicado, o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2008/115 confere aos Estados‑Membros a faculdade de decidirem não aplicar esta diretiva aos nacionais de países terceiros que tenham sido objeto, nomeadamente, de uma condenação penal que preveja ou tenha como consequência o seu regresso, em conformidade com o direito nacional. Assim, este artigo procede necessariamente da premissa de que a situação irregular suscetível de conduzir à aplicação da Diretiva 2008/115 também pode resultar de uma violação grave da lei penal nacional. Com efeito, não se pode deixar de observar que a presença de uma disposição desta natureza teria sido totalmente supérflua no caso de a situação irregular relevante para efeitos da aplicação da referida diretiva só poder consistir numa situação relacionada com a violação das normas em matéria de migração. Conclui‑se que uma decisão de regresso, bem como a proibição de entrada que a acompanha, podem igualmente ser adotadas para fins relacionados com a proteção da ordem pública ou da segurança pública.

    56.

    Esta conclusão parece impor‑se ainda mais quando se tem em conta outras disposições da Diretiva 2008/115, como o artigo 6.o, n.o 2 ( 18 ), o artigo 7.o, n.o 4 ( 19 ), o artigo 11.o, n.os 2 e 3, e o artigo 12.o, n.o 1, segundo parágrafo ( 20 ). Com efeito, estas disposições provam que as medidas de proteção da ordem pública, da segurança pública e da segurança nacional não estão subtraídas ao regime harmonizado estabelecido por esta diretiva, uma vez que os objetivos prosseguidos por essas medidas implicam unicamente a possibilidade de os Estados‑Membros derrogarem as regras estabelecidas nos referidos artigos ( 21 ).

    57.

    Em especial, no que respeita à proibição de entrada, o artigo 11.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 prevê que, embora a duração dessa proibição não possa, em princípio, exceder cinco anos, os Estados‑Membros podem emitir uma proibição superior a esse limite se o nacional de um país terceiro constituir uma ameaça grave para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional. Além disso, o artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva 2008/115 dispõe, em substância, que os Estados‑Membros não podem adotar uma proibição de entrada relativamente a pessoas que sejam vítimas de tráfico de seres humanos e a quem tenha sido concedido um título de residência, exceto se essas pessoas constituírem um perigo para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional.

    58.

    Os trabalhos preparatórios confirmam, a meu ver, que o legislador da União de modo nenhum tencionou prever qualquer restrição do âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115 com base nos motivos da ilegalidade da situação. Em minha opinião, a Comissão não poderia tê‑lo exprimido mais claramente do que fez na Proposta de Diretiva ( 22 ) e no Documento de trabalho SEC(2005) 1175 dos serviços da Comissão ( 23 ). Com efeito, a Comissão afirmou no primeiro documento que este «tem por finalidade […] estabelecer um conjunto horizontal de normas aplicáveis a todos os nacionais de países terceiros em situação irregular, qualquer que seja o motivo da irregularidade da sua situação (por exemplo, termo de validade do visto ou de uma autorização de residência, cancelamento ou retirada da autorização de residência, decisão final negativa sobre um pedido de asilo, retirada do estatuto de refugiado, entrada ilegal)» ( 24 ), ao passo que, no segundo documento, precisou que a diretiva proposta se devia aplicar não apenas quando os nacionais de países terceiros se encontravam em situação irregular por não preencherem as condições de entrada previstas no artigo 5.o da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen (atual artigo 6.o do Código das Fronteiras Schengen) mas também quando a sua situação era irregular por outros motivos, citando como exemplo o caso de um nacional de um país terceiro que perde a sua autorização de residência e está ao mesmo tempo sujeito a um procedimento de regresso devido à prática de um crime grave.

    59.

    É verdade que, na referida proposta, a Comissão admitiu que a questão de saber se o conceito de «expulsão/afastamento por razões de segurança nacional e de ordem pública» também deveria ter sido objeto de harmonização na diretiva proposta foi examinada. Admitiu igualmente que a resposta foi negativa, em razão, nomeadamente, do facto de essa harmonização não dever ter sido efetuada no contexto de uma diretiva que trata do fim da situação irregular e do regresso, mas das diretivas que regulam as condições de entrada e de permanência — e de fim — da residência/permanência legal. Todavia, a Comissão explicou seguidamente que isso não significava que a situação de um nacional de um país terceiro cuja permanência legal tinha terminado por razões de ordem pública ou de segurança nacional não estivesse abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva proposta. Pelo contrário, essa pessoa tinha passado a ser um cidadão em situação irregular, qualificação que, sem que seja necessário precisá‑la posteriormente, conduz à aplicação da diretiva em causa ( 25 ).

    60.

    Uma apreciação do artigo 3.o, n.o 6, e do artigo 11.o da Diretiva 2008/115 do ponto de vista teleológico também sugere, em minha opinião, que esta diretiva foi concebida, em princípio, com um âmbito de aplicação tão lato que não pode ser limitado às proibições de entrada por violação das normas em matéria de migração. Com efeito, a «dimensão europeia» que a proibição de entrada prevista por estas disposições visa conferir aos efeitos das medidas nacionais de regresso explica‑se, como o órgão jurisdicional de reenvio recorda acertadamente, pela finalidade das referidas disposições, que consiste em impedir a imigração clandestina e evitar que nacionais de países terceiros em situação irregular possam, beneficiando das divergências normativas existentes entre os Estados‑Membros, contornar as medidas nacionais que põem termo à sua permanência. Ora, estes objetivos não são compatíveis, a meu ver, com uma restrição do círculo de pessoas relativamente às quais pode ser emitida uma proibição de entrada, tal como previsto no «Manual do Regresso».

    61.

    No entanto, nesta fase, há que reconhecer que as dúvidas mais importantes do órgão jurisdicional de reenvio parecem estar relacionadas com a questão de saber se uma interpretação como a que proponho nas presentes conclusões é correta à luz das disposições do Regulamento n.o 1987/2006.

    62.

    Com efeito, convém recordar que o ponto 11 do «Manual do Regresso» menciona expressamente, entre as proibições de entrada «emitidas para outros fins não associados à migração», que escapam assim à aplicação da Diretiva 2008/115, as proibições de entrada relativamente a nacionais de países terceiros que tenham cometido crimes graves ou relativamente aos quais exista um indício concreto da intenção de cometer tal crime. Esse ponto 11 remete a este título para as proibições de entrada e de permanência baseadas numa ameaça para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional, visadas no artigo 24.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1987/2006, lido em conjugação com o artigo 24.o, n.o 1, deste regulamento. Acrescento que o artigo 24.o, n.o 3, do referido regulamento regula as proibições de entrada e de permanência emitidas relativamente a nacionais de países terceiros que tenham sido objeto de «uma medida de afastamento, de não admissão ou de expulsão» e que se baseiem no «incumprimento das regulamentações nacionais relativas à entrada ou à estada [desses nacionais]».

    63.

    Decorre assim do artigo 24.o do Regulamento n.o 1987/2006, adotado antes da entrada em vigor da Diretiva 2008/115, que as proibições de entrada e de permanência baseadas numa ameaça para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional e as proibições emitidas relativamente a nacionais de países terceiros que tenham sido objeto de uma medida de afastamento, de não admissão ou de expulsão são definidas como pertencendo a categorias distintas, na medida em que obedecem a um regime jurídico próprio a cada uma delas (a obrigação de inserir uma indicação no SIS só existe em relação à primeira). O Regulamento 2018/1861, que será aplicável em vez do Regulamento n.o 1987/2006 a partir de 28 de dezembro de 2021, reproduz, no seu artigo 24.o, n.o 1, a estrutura de duas categorias e o conteúdo do artigo 24.o do Regulamento n.o 1987/2006 ( 26 ), afirmando que a segunda categoria de proibições de entrada passou a estar harmonizada pela Diretiva 2008/115 («proibição de entrada por procedimentos que respeitem a Diretiva 2008/115 relativamente a um nacional de país terceiro») ( 27 ).

    64.

    O órgão jurisdicional de reenvio parece interrogar‑se sobre a questão de saber se isso deve levar à conclusão de que qualquer proibição de entrada baseada numa ameaça para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional não está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115 e, por conseguinte, apenas está sujeita ao regime jurídico que lhe é aplicável nos termos do direito nacional, como sustenta o Governo neerlandês nas suas observações escritas.

    65.

    É verdade que, visto a Diretiva 2008/115 constituir um desenvolvimento do acervo de Schengen, deve ser interpretada tendo em conta a necessária coerência deste acervo ( 28 ), que inclui, sem sombra de dúvida, as disposições do Regulamento n.o 1987/2006. Parece‑me, contudo, que a interpretação do artigo 24.o, n.o 2, deste regulamento, contemplada no número anterior, assenta numa leitura errada do âmbito pessoal desta disposição.

    66.

    Com efeito, considero que as proibições de entrada e de permanência baseadas numa ameaça para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional, tal como enunciadas no artigo 24.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1987/2006, visam unicamente os nacionais de países terceiros que se encontram fora do território do Estado‑Membro em causa no momento em que são emitidas. Isto explica a razão pela qual essas proibições são tratadas como uma categoria distinta daquelas que estão abrangidas pela Diretiva 2008/115: como se pode pensar em desencadear um procedimento de regresso relativamente aos nacionais em causa se não se encontrarem em situação irregular no território do referido Estado‑Membro?

    67.

    Em contrapartida, o artigo 24.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1987/2006 não visa, como alega o Governo neerlandês, proibições de entrada e de permanência como a proibição do processo principal, ou seja, adotadas por razões de ordem pública ou de segurança pública relativamente a nacionais que se encontram no território de um Estado‑Membro. Com efeito, a adoção dessas proibições de entrada e de permanência pressupõe que esses nacionais se encontram em situação irregular e que, consequentemente, devem ser objeto de uma decisão de regresso. Trata‑se, portanto, de proibições «relacionadas com o regresso», que são reguladas, enquanto tais, pela Diretiva 2008/115.

    68.

    Em suma, os Estados‑Membros continuam a ser competentes para prever proibições de entrada relativamente a pessoas que constituem uma ameaça para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional, nomeadamente se tiverem sido condenadas num Estado‑Membro por um crime punível com pena privativa de liberdade de duração mínima de um ano, desde que se encontrem fora do território do Estado‑Membro em causa no momento em que as proibições são emitidas. Em contrapartida, os Estados‑Membros são obrigados a cumprir as regras harmonizadas previstas pela Diretiva 2008/115, a começar pela obrigação de adotar uma decisão de regresso, quando preveem proibições de entrada relativamente a pessoas que constituem uma ameaça para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional, se as pessoas em questão já se encontrarem dentro do seu território ( 29 ). Essa diretiva é aplicável, a menos que o Estado‑Membro em causa tenha feito uso da faculdade prevista no artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2008/115, nos casos em que as ameaças ou os perigos para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional resultem do facto de as pessoas em causa terem sido objeto de uma condenação penal grave ou de processos de extradição ( 30 ).

    69.

    Por conseguinte, é a relação com a necessidade de proceder ao regresso dos nacionais de países terceiros em causa que distingue as proibições de entrada abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115 daquelas que se baseiam exclusivamente no direito nacional, e não os motivos da adoção dessas proibições. Nas suas observações escritas, a própria Comissão admite que o ponto 11 do «Manual do Regresso» se presta a confusões na medida em que se refere a proibições de entrada emitidas «para fins não associados à migração», em vez de usar a expressão correta de proibições de entrada «não associadas ao regresso».

    70.

    Atendendo a estas considerações, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão prejudicial no sentido de que uma proibição de entrada e de permanência, decretada contra um nacional de um país terceiro ao mesmo tempo que uma ordem de expulsão adotada com base numa condenação penal anterior, está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115.

    3. Quanto à segunda questão

    71.

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a Diretiva 2008/115 se opõe à manutenção em vigor de uma proibição de entrada e de permanência, decretada contra um nacional de um país terceiro em simultâneo com uma ordem de expulsão, que se tornou definitiva, adotada com base numa condenação penal anterior, quando a decisão de regresso tenha sido revogada.

    72.

    Esta questão tem a sua origem nas particularidades da legislação nacional alemã, tal como resultam da exposição do quadro jurídico nacional na decisão de reenvio, as quais podem ser resumidas da seguinte forma: i) a ordem de expulsão não constitui uma «decisão de regresso», na aceção da Diretiva 2008/115, sendo essa qualificação reconhecida à ordem de abandonar o território alemão sob pena de afastamento; ii) qualquer ordem de expulsão tem como efeito tornar ilegal a situação do estrangeiro, sujeitando‑o assim à obrigação abstrata de abandonar o território alemão; iii) a proibição de entrada e de permanência está associada, ipso iure, não apenas a qualquer ordem de abandonar o território sob pena de afastamento mas também a qualquer ordem de expulsão. Estes elementos levam o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a questão de saber se a proibição de entrada deve ter o mesmo destino jurídico que a decisão de regresso e não pode, portanto, subsistir após a revogação dessa decisão.

    73.

    Após ter salientado que o enunciado do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, segundo o qual as decisões de regresso são (primeiro parágrafo) ou podem ser (segundo parágrafo) «acompanhadas» de uma proibição de entrada, não permite responder a essa questão, o órgão jurisdicional de reenvio explica que o facto de o artigo 3.o, n.o 6, dessa diretiva definir a proibição de entrada como uma decisão ou um ato administrativo ou judicial que «acompanha uma decisão de regresso» não implica necessariamente, segundo ele, que a retirada da decisão de regresso prive de fundamento a proibição de entrada que a acompanha. A este respeito, interroga‑se sobre se a relação temporal entre estes dois atos se traduz igualmente numa relação material à luz da referida diretiva, o que, em contrapartida, permitiria a interpretação no sentido de a proibição de entrada se tornar ilegal uma vez revogada a ordem de regresso.

    74.

    Considero necessário fornecer um esclarecimento a fim de assegurar uma leitura coerente do artigo 3.o, n.o 6, e do artigo 11.o, 1, da Diretiva 2008/115. Não creio que o membro de frase «que acompanha uma decisão de regresso» se destine a expressar uma relação temporal, ou uma simultaneidade, entre os dois atos em causa, como o órgão jurisdicional de reenvio parece tomar por certo. Com efeito, a este respeito, cabe salientar que, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, uma das duas hipóteses em que os Estados‑Membros são obrigados a adotar uma proibição de entrada se verifica quando a obrigação de regresso não tenha sido cumprida no prazo concedido, na decisão de regresso, para a partida voluntária [alínea b)]. Ora, uma vez que, nesse caso, a proibição de entrada é imposta numa fase posterior à decisão de regresso, a necessidade de uma relação de simultaneidade entre esses dois atos não pode, na minha opinião, encontrar o seu lugar na definição da proibição de entrada.

    75.

    Esta constatação poderia sugerir que a formulação dessa definição é desastrada e que, ao empregar o verbo «acompanhar», o legislador da União quis impor a necessidade de um tipo de relação diferente entre as proibições de entrada abrangidas pela Diretiva 2008/115 e as decisões de regresso, nomeadamente um nexo de ligação material que implique, enquanto tal, que a proibição de entrada não possa ser mantida em vigor após a retirada da decisão de regresso.

    76.

    Na minha opinião, essa hipótese é apoiada pelo Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Ouhrami ( 31 ). Com efeito, no âmbito da sua resposta relativa à interpretação do artigo 11.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115, nomeadamente no que respeita ao momento a partir do qual a duração de uma proibição de entrada deve ser calculada, o Tribunal de Justiça indicou que o artigo 3.o, n.o 6, e o artigo 11.o, n.o 1, conjugados com o artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, devem ser interpretados no sentido de que a proibição de entrada «visa completar uma decisão de regresso, ao proibir o interessado de, durante um determinado período de tempo após […] a sua partida do território dos Estados‑Membros, voltar a entrar nesse território e aí permanecer» ( 32 ), tendo concluído que «a produção de efeitos de uma proibição desta natureza pressupõe que o interessado tenha, previamente, abandonado o referido território» ( 33 ). Ora, a meu ver, no plano textual, os termos utilizados pelo Tribunal de Justiça implicam qualificar a decisão de regresso de condição prévia necessária à validade da proibição de entrada. Em todo o caso, esta conclusão parece‑me decorrer dos desenvolvimentos que o Tribunal de Justiça consagra à interpretação sistemática da disposição em causa, segundo os quais a Diretiva 2008/115 estabelece uma distinção clara entre a etapa do procedimento que vai até ao momento da execução voluntária ou forçada da obrigação de regresso, durante a qual a situação irregular da pessoa em causa é regulada pela decisão de regresso, e a etapa seguinte, durante a qual a proibição de entrada produz os seus efeitos jurídicos, que se materializam por uma proibição de entrar no território dos Estados‑Membros e de aí permanecer na sequência de uma nova entrada ilegal ( 34 ).

    77.

    No entanto, importa referir que as observações escritas do Governo alemão defendem uma leitura um pouco diferente desse acórdão. Segundo este Governo, embora a proibição de entrada produza os seus efeitos jurídicos a partir do momento da execução da obrigação de abandonar o território que decorre da situação irregular do nacional de um país terceiro, não é necessariamente a decisão de regresso, tal como prevista no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, que estabelece essa obrigação. Longe de ser sistematicamente um elemento constitutivo da ilegalidade da situação, a decisão de regresso limita‑se, segundo o referido governo, a constatar essa irregularidade.

    78.

    Embora a ilegalidade da situação não tenha imperativamente de ser formalizada por uma decisão de regresso, uma medida de proibição de entrada continua a ser possível, segundo o Governo alemão, mesmo em caso de revogação dessa decisão, uma vez que a proibição de entrada pode produzir os efeitos jurídicos que lhe são próprios se o nacional de um país terceiro cumprir a obrigação que lhe incumbe por força do § 50 da AufenthG, abandonando voluntariamente o território alemão.

    79.

    Não posso subscrever este argumento. Com efeito, essa interpretação não seria conforme nem com a lógica nem com o espírito da Diretiva 2008/115.

    80.

    No que respeita à sua lógica, é verdade que esta diretiva deixa aos Estados‑Membros a liberdade de preverem que uma medida de expulsão torna ilegal a situação de um nacional de um país terceiro e que esse nacional está assim sujeito a uma obrigação jurídica geral e abstrata de abandonar o território do Estado‑Membro em causa, como a que decorre do § 50 da AufenthG. Contudo, uma vez estabelecido o caráter irregular da situação, a referida diretiva não permite que o Estado‑Membro em causa tolere a presença desse nacional enquanto aguarda que ele decida abandonar de livre vontade o território nacional. Pelo contrário, esse Estado é obrigado a emitir uma decisão de regresso relativamente ao referido nacional, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, dessa mesma diretiva ( 35 ), a menos que decida regularizar a situação do interessado, concedendo‑lhe uma autorização de residência ou de outro tipo que lhe confira um direito de permanência, nos termos do artigo 6.o, n.o 4, da mesma diretiva ( 36 ). Não há exceções à obrigação de os Estados‑Membros iniciarem um procedimento de regresso se não concederem direito de permanência. Essa obrigação cabe assim aos Estados‑Membros, independentemente da questão de saber se, num determinado caso, a decisão de regresso é um elemento constitutivo da irregularidade da situação ou tem valor meramente declarativo.

    81.

    No que respeita ao espírito da Diretiva 2008/115, a obrigação prevista no seu artigo 6.o, n.o 1, visa, como a Comissão explica no «Manual do Regresso», reduzir as «zonas cinzentas» (de imigração ilegal), com vista a evitar a exploração das pessoas em situação irregular e reforçar a segurança jurídica para todas as partes envolvidas ( 37 ). Ora, uma interpretação como a defendida pelo Governo alemão — segundo a qual entrada em vigor de uma proibição de entrada não exige necessariamente que o interessado tenha abandonado o território nacional na sequência da adoção de uma decisão de regresso a seu respeito, pois basta que o tenha feito para dar cumprimento a uma obrigação geral e abstrata prevista pela legislação nacional — ignoraria, a meu ver, de forma flagrante aqueles objetivos. As «zonas cinzentas» a que a Comissão se refere não podem ser eficazmente reduzidas através de uma obrigação dessa natureza uma vez que, diversamente da obrigação de regresso contida na decisão com o mesmo nome, não contém necessariamente nem o prazo em que o interessado tem de abandonar voluntariamente o território do Estado‑Membro em causa, nem uma execução coerciva da sua partida no caso não o ter feito.

    82.

    Se uma proibição de entrada abrangida pela Diretiva 2008/115 só pode produzir os efeitos jurídicos que lhe são próprios após a execução, voluntária ou forçada, da decisão de regresso, é evidente que não pode permanecer em vigor depois da revogação dessa decisão.

    83.

    A tese apresentada nas presentes conclusões de que essa proibição de entrada constitui um instrumento de caráter necessariamente acessório em relação à decisão de regresso ( 38 ) parece‑me, aliás, estar claramente refletida nas finalidades subjacentes à introdução da proibição de entrada na diretiva em causa. Já foi várias vezes recordado nas presentes conclusões que, ao excluir qualquer entrada e qualquer permanência no território de todos os Estados‑Membros, a proibição de entrada visa conferir «uma dimensão europeia aos efeitos das medidas nacionais de regresso» ( 39 ). Importa acrescentar, tal como expõe, em substância, o ponto 11 do «Manual do Regresso», que a proibição de entrada visa reforçar a credibilidade do procedimento de regresso, enviando uma mensagem clara a quem foi expulso por desrespeitar as normas em matéria de migração nos Estados‑Membros que não serão autorizados a reentrar em nenhum Estado‑Membro durante um período específico. Estes objetivos não deixam dúvidas, na minha opinião, de que qualquer proibição de entrada abrangida pela Diretiva 2008/115 não pode, em circunstância alguma, ser adotada na inexistência de uma decisão de regresso, nem ser mantida em caso de revogação dessa decisão.

    84.

    Acresce que não vejo como pode alterar essa conclusão o facto, mencionado pelo órgão jurisdicional de reenvio, de a ordem de expulsão adotada a montante da decisão de regresso se ter tornado definitiva. Pelo contrário, o facto de, tendo em conta esta circunstância, faltar apenas uma decisão administrativa para se obter a execução coerciva da obrigação de partida do recorrente no processo principal, tal como prevista no § 50 da AufenthG, mais não faz do que realçar o facto de a ordem de regresso já não existir juridicamente, pelo que a proibição de entrada que dela decorre é destituída de qualquer fundamento.

    85.

    Nesta fase, poder‑se‑ia, no entanto, perguntar se a revogação da decisão de regresso tem o efeito de a proibição de entrada que a acompanhava inicialmente se tornar numa «proibição não associada ao regresso» e ficar assim excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115, questão que foi objeto de um pedido de resposta escrita às partes no presente processo.

    86.

    Sobre este ponto, partilho da opinião negativa expressada pela Comissão. Como esta salienta, a proibição de entrada e de permanência, que acompanhava inicialmente a decisão de regresso no processo principal, integra‑se no âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115 na medida em que foi decretada contra um nacional de um país terceiro em situação irregular, em razão precisamente da sua situação irregular. Uma vez que a simples revogação dessa decisão não tem qualquer incidência nesses elementos, parece‑me óbvio que, na inexistência de uma nova medida das autoridades nacionais, essa revogação não é suscetível de implicar uma alteração da qualificação jurídica da referida proibição de entrada e de permanência. Com efeito, ao invés das proibições de entrada adotadas ao abrigo do artigo 11.o da Diretiva 2008/115, as proibições de entrada de alcance nacional têm condições de aplicação que não incluem o caráter irregular da situação ( 40 ). A este respeito, as autoridades alemãs continuam a ter a possibilidade de adotar um ato administrativo que contenha uma proibição de entrada de alcance nacional, se as condições para a aplicação dessa proibição, não associadas ao regresso, estiverem preenchidas.

    87.

    Impõe‑se uma última observação. Estou ciente de que a preocupação que levou as autoridades alemãs a revogarem a decisão de regresso, deixando intacta a proibição de entrada e de permanência, era impedir que o recorrente no processo principal consolidasse o seu direito de permanência na Alemanha ( 41 ). Observo, porém, à semelhança da Comissão e do Governo neerlandês, que a Diretiva 2008/115 oferece aos Estados‑Membros uma via jurídica que lhes permite fazer face a essas situações, a saber, a via indicada no artigo 9.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva, que prevê que os Estados‑Membros devem adiar o afastamento no caso de este ser contrário ao princípio da não repulsão, enviando ao mesmo tempo às pessoas em causa uma confirmação escrita da situação em que se encontram, de acordo com o considerando 12 da referida diretiva ( 42 ). Essa via permite às autoridades nacionais fazerem com que a decisão de regresso seja simplesmente suspensa e evitarem assim qualquer dúvida quanto à legalidade da manutenção em vigor da proibição de entrada que a acompanha. Na medida em que o afastamento do recorrente no processo principal parece ter sido suspenso em virtude do estatuto de tolerância previsto no § 60a da AufenthG, pergunto‑me se as autoridades alemãs terão feito uso dessa possibilidade.

    88.

    Atendendo a estas considerações, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão prejudicial no sentido de que a Diretiva 2008/115 se opõe à manutenção em vigor de uma proibição de entrada e de permanência, decretada contra um nacional de um país terceiro ao mesmo tempo que uma ordem de expulsão adotada com base numa condenação penal anterior, quando a decisão de regresso tenha sido revogada. Isto é igualmente válido se a ordem de expulsão se tiver tornado definitiva.

    V. Conclusão

    89.

    À luz destas considerações, proponho que o Tribunal de Justiça responda como se segue às questões prejudiciais submetidas pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha):

    1)

    Uma proibição de entrada e de permanência, decretada contra um nacional de um país terceiro ao mesmo tempo que uma ordem de expulsão adotada com base numa condenação penal anterior, está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular.

    2)

    A Diretiva 2008/115 opõe‑se à manutenção em vigor de uma proibição de entrada e de permanência, decretada contra um nacional de um país terceiro ao mesmo tempo que uma ordem de expulsão adotada com base numa condenação penal anterior, quando a decisão de regresso tenha sido revogada. Isto é igualmente válido se a ordem de expulsão se tiver tornado definitiva.


    ( 1 ) Língua original: francês.

    ( 2 ) JO 2008, L 348, p. 98.

    ( 3 ) JO 2006, L 381, p. 4.

    ( 4 ) O sublinhado é meu.

    ( 5 ) V. Acórdão de 21 de junho de 2016, New Valmar (C‑15/15, EU:C:2016:464, n.o 25 e jurisprudência aí referida).

    ( 6 ) No que respeita à questão de saber se o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2008/115 permite aos Estados‑Membros derrogarem esta disposição de maneira pontual, o órgão jurisdicional de reenvio sustenta, na minha opinião acertadamente, que esta questão não é determinante para a decisão da causa principal, uma vez que, do ponto de vista jurídico, uma resposta negativa implicaria apenas a inaplicabilidade das durações de uma proibição de entrada superiores a cinco anos.

    ( 7 ) Acórdão de 19 de setembro de 2013 (C‑297/12, EU:C:2013:569).

    ( 8 ) V. considerandos 2 e 11 da Diretiva 2008/115.

    ( 9 ) Artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115.

    ( 10 ) Artigo 3.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2008/115.

    ( 11 ) Artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115. Os Estados‑Membros podem não conceder esse prazo nos casos identificados no n.o 4 da mesma disposição (v. nota 18 das presentes conclusões).

    ( 12 ) Artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115.

    ( 13 ) V. considerando 14 da Diretiva 2008/115.

    ( 14 ) Artigo 11.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, que remete a este respeito para o artigo 25.o da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns (JO 2000, L 239, p. 19).

    ( 15 ) Importa observar que o referido regulamento foi revogado pelo Regulamento (UE) 2018/1861 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de novembro de 2018, relativo ao estabelecimento, ao funcionamento e à utilização do Sistema de Informação Schengen (SIS) no domínio dos controlos de fronteira, e que altera a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen e altera e revoga o Regulamento (CE) n.o 1987/2006 (JO 2018, L 312, p. 14), que será aplicável a partir de 28 de dezembro de 2021. O artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1861, que se destina a substituir o artigo 24.o do Regulamento n.o 1987/2006, prevê a obrigação de os Estados‑Membros introduzirem uma indicação no SIS em todos os casos em que tenha sido emitida uma proibição de entrada relativamente a um nacional de um país terceiro em situação irregular, de acordo com as disposições da Diretiva 2008/115.

    ( 16 ) Recomendação (UE) 2017/2338 da Comissão, de 16 de novembro de 2017, que estabelece um Manual do Regresso comum a utilizar pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros no exercício de atividades relacionadas com o regresso (JO 2017, L 339, p. 83).

    ( 17 ) JO 2006, L 105, p. 1.

    ( 18 ) O artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 prevê: «Os nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro, que sejam detentores de um título de residência válido ou de outro título, emitido por outro Estado‑Membro e que lhes confira direito de permanência estão obrigados a dirigir‑se imediatamente para esse Estado‑Membro. Em caso de incumprimento desta exigência pelo nacional de país terceiro em causa ou se for necessária a partida imediata deste por razões de ordem pública ou de segurança nacional, aplica‑se o n.o 1» (o sublinahdo é meu).

    ( 19 ) O artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115 prevê: «Se houver risco de fuga ou se tiver sido indeferido um pedido de permanência regular por ser manifestamente infundado ou fraudulento, ou se a pessoa em causa constituir um risco para a ordem ou segurança pública ou para a segurança nacional, os Estados‑Membros podem não conceder um prazo para a partida voluntária ou podem conceder um prazo inferior a sete dias» (o sublinhado é meu).

    ( 20 ) O artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 dispõe o seguinte: «As decisões de regresso e, se tiverem sido emitidas, as decisões de proibição de entrada e as decisões de afastamento são emitidas por escrito e contêm as razões de facto e de direito que as fundamentam, bem como informações acerca das vias jurídicas de recurso disponíveis.

    As informações sobre as razões de facto podem ser limitadas caso o direito interno permita uma restrição ao direito de informação, nomeadamente para salvaguardar a segurança nacional, a defesa, a segurança pública e a prevenção, investigação, deteção e repressão de infrações penais» (o sublinhado é meu).

    ( 21 ) V., neste sentido, minhas Conclusões no processo Stadt Frankfurt am Main (C‑18/19, EU:C:2020:130, n.o 40).

    ( 22 ) Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular [SEC(2005) 1057, COM(2005) 391 final — 2005/0167 (COD), secção 4, capítulo I].

    ( 23 ) Commission staff working document — Detailed comments on Proposal for a European Parliament and Council Directive on common standards on procedures in Member States for returning illegally staying third country nationals [COM(2005) 391 final].

    ( 24 ) O sublinhado é meu.

    ( 25 ) V. secção 3, n.o 12, da proposta.

    ( 26 ) A única alteração substancial introduzida é a extensão da obrigação de inserir uma indicação no SIS às proibições de entrada emitidas em conformidade com os procedimentos estabelecidos na Diretiva 2008/115. V., nomeadamente, proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo ao estabelecimento, ao funcionamento e à utilização do Sistema de Informação de Schengen (SIS) no domínio dos controlos das fronteiras e que altera o Regulamento (UE) n.o 515/2014 e revoga o Regulamento (CE) n.o 1987/2006, COM/2016/0882 final ‑ 2016/0408 (COD), p. 4. V., também, nota 15 das presentes conclusões.

    ( 27 ) O artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento 2018/1861 tem a seguinte redação: «Os Estados‑Membros introduzem uma indicação para efeitos de recusa de entrada e de permanência sempre que estiver preenchida uma das seguintes condições: a) O Estado‑Membro ter concluído, com base numa avaliação individual que inclui uma avaliação das circunstâncias pessoais do nacional de país terceiro em causa e das consequências de lhe recusar a entrada e permanência, que a presença desse nacional de país terceiro no seu território constitui uma ameaça para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional, tendo o Estado‑Membro consequentemente adotado, nos termos do seu direito nacional, uma decisão judicial ou administrativa de recusa de entrada e de permanência e emitido uma indicação nacional para efeitos de recusa de entrada e de permanência; ou b) O Estado‑Membro ter emitido uma proibição de entrada por procedimentos que respeitem a Diretiva [2008/115] relativamente a um nacional de país terceiro».

    ( 28 ) Acórdão de 26 de outubro de 2010, Reino Unido/Conselho (C‑482/08, EU:C:2010:631, n.o 48).

    ( 29 ) A distinção entre estas duas categorias de proibição de entrada pode ser ilustrada através de uma referência à ordem jurídica francesa, nomeadamente ao code de l’entrée et du séjour des étrangers et du droit d’asile (Código da Entrada e da Permanência de Estrangeiros e do Direito de Asilo). A primeira categoria, denominada «Proibição administrativa do território», está prevista no artigo L214‑2 desse código, segundo o qual «[qualquer nacional de um país terceiro] pode, se não residir habitualmente em França e não se encontrar em território francês, ser objeto de uma proibição administrativa do território, se a sua presença em França constituir uma ameaça grave para a ordem pública, a segurança interna ou as relações internacionais da França» (o sublinhado é meu). A segunda categoria, denominada «Proibição de regresso ao território francês», está prevista no artigo L511‑1 do referido código, segundo o qual «[a] autoridade administrativa pode obrigar um estrangeiro não nacional de um Estado‑Membro da União Europeia a abandonar o território francês […] se se encontrar num dos seguintes casos […] 7.o Se o comportamento de um estrangeiro que não resida regularmente em França há mais de três meses constituir uma ameaça para a ordem pública».

    ( 30 ) A título de exemplo, a República Francesa fez uso desta opção no que diz respeito à «Proibição do território francês», prevista no artigo L541‑1 do Código da Entrada e da Permanência de Estrangeiros e do Direito de Asilo, ou seja, uma pena suscetível de ser aplicada pela autoridade judicial relativamente a um estrangeiro condenado por um crime ou um delito e regulada pelas disposições dos artigos 131‑30, 131‑30‑1 e 131‑30‑2 do Código Penal francês.

    ( 31 ) Acórdão de 26 de julho de 2017, Ouhrami (C‑225/16, EU:C:2017:590).

    ( 32 ) Acórdão de 26 de julho de 2017, Ouhrami (C‑225/16, EU:C:2017:590, n.o 45). O sublinhado é meu.

    ( 33 ) Acórdão de 26 de julho de 2017, Ouhrami (C‑225/16, EU:C:2017:590, n.o 45). O sublinhado é meu.

    ( 34 ) Acórdão de 26 de julho de 2017, Ouhrami (C‑225/16, EU:C:2017:590, n.os 46 a 49). Mais recentemente, o Tribunal de Justiça baseou‑se nesse raciocínio no seu Acórdão de 17 de setembro de 2020, JZ (Pena de prisão em caso de proibição de entrada) (C‑806/18, EU:C:2020:724, n.os 32 a 34).

    ( 35 ) V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Celaj (C‑290/14, EU:C:2015:285, n.o 50), segundo as quais «[a]s obrigações que recaem sobre os Estados‑Membros por força do artigo 6.o e seguintes da Diretiva 2008/115 são contínuas e aplicam‑se ininterruptamente, no sentido de que surgem automaticamente quando as condições previstas nesses artigos estão preenchidas» (o sublinhado é meu).

    ( 36 ) V. resposta da Comissão à pergunta parlamentar n.o P‑1687/10 (JO 2011, C 138 E, p. 1), que precisa, à luz da obrigação assim imposta aos Estados‑Membros, tal como o Reino de Espanha, o seguinte «It implies that Spanish authorities are not free any more — once they become aware of the presence of an illegally staying third‑country national on their territory — to tolerate this situation without either initiating return procedures or launching procedures for granting a right to stay» («Implica que as autoridades espanholas — tendo tomado conhecimento da presença dos nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território — deixam de ser livres de tolerar essa situação sem dar início a um procedimento de regresso ou a procedimentos destinados a conceder um direito de permanência» (tradução livre).

    ( 37 ) V. «Manual do regresso», n.o 5, p. 100. V., igualmente, resposta da Comissão à pergunta parlamentar n.o P‑1687/10 (JO 2011, C 138 E, p. 1), segundo a qual «[t]he obligation on Member States to either initiate return procedures or to grant a right to stay has been proposed by the Commission and was adopted by the European Parliament and Council in order to reduce “grey areas”, to prevent exploitation of illegally staying persons and to improve legal certainty for all involved».

    ( 38 ) V., igualmente, Martucci, F., «La directive “retour”: la politique européenne d'immigration face à ses paradoxes», Revue trimestrielle de droit de l'Union européenne, 2009, p. 50, que define a proibição de entrada do artigo 11.o da Diretiva 2008/115 como o «acessório do regresso».

    ( 39 ) Diretiva 2008/115, considerando 14.

    ( 40 ) A este respeito, v. n.o 68 das presentes conclusões.

    ( 41 ) V. n.o 25 das presentes conclusões.

    ( 42 ) O considerando 12 da Diretiva 2008/115 afirma: «[…] A fim de poder provar a sua situação específica em caso de verificações ou controlos administrativos, [os nacionais de países terceiros em situação irregular que ainda não possam ser afastados] devem receber uma confirmação escrita da sua situação […]».

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