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Document 62019CC0041

    Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 27 de fevereiro de 2020.
    FX contra GZ.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Amtsgericht Köln.
    Reenvio prejudicial — Competência, reconhecimento e execução das decisões em matéria de obrigações alimentares — Regulamento (CE) n.o 4/2009 — Artigo 41.o, n.o 1 — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 24.o, n.o 5 — Título declarado executivo, que reconhece a existência de um crédito alimentar — Oposição à execução — Competência do órgão jurisdicional do Estado‑Membro de execução.
    Processo C-41/19.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:132

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MICHAL BOBEK

    apresentadas em 27 de fevereiro de 2020 ( 1 )

    Processo C‑41/19

    FX

    contra

    GZ, representada pela sua mãe

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Amtsgericht Köln (Tribunal de Primeira Instância de Colónia, Alemanha)]

    «Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência em matéria de obrigações alimentares — Regulamento (CE) n.o 4/2009 — Competência para decidir sobre a oposição a uma execução de decisão de alimentos»

    I. Introdução

    1.

    A demandada no presente processo é uma menor a cargo residente na Polónia. Foi proferida a favor da demandada, pelos tribunais polacos, uma decisão que declarava as obrigações alimentares do seu pai (o demandante), que reside na Alemanha. Após ter obtido uma declaração de força executória da decisão polaca relativa às obrigações alimentares na Alemanha, a demandada pretende agora que seja dada execução a essa decisão neste Estado‑Membro. O demandante opõe‑se à execução da decisão com o fundamento de que as suas obrigações de pagamento foram, em grande parte, cumpridas. Alega que ele próprio efetuou pagamentos de alimentos e que, além disso, foram efetuados, em seu nome, pagamentos à demandada pelo Fundo de Garantia de Alimentos polaco, sob a forma de prestações do Estado.

    2.

    O presente processo diz respeito à oposição à execução com fundamento na liquidação da dívida, apresentada pelo demandante nos tribunais alemães. A principal questão suscitada pelo presente pedido de decisão prejudicial consiste em saber se os tribunais alemães têm competência para decidir sobre esta oposição com fundamento no Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares ( 2 ).

    II. Quadro jurídico

    A.   Direito da União

    1. Regulamento n.o 4/2009

    3.

    Segundo o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009, «[o] presente regulamento é aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade».

    4.

    Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009, para efeitos do disposto neste regulamento, entende‑se por: «“Decisão”, qualquer decisão em matéria de obrigações alimentares proferida por um tribunal de um Estado‑Membro, independentemente da designação que lhe for dada, tal como acórdão, sentença, despacho judicial ou mandado de execução, bem como a fixação pelo secretário do tribunal do montante das custas ou despesas do processo […]».

    5.

    O artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 4/2009 estabelece que «[s]ão competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados‑Membros:

    a)

    O tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual; ou

    b)

    O tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual; […]

    […]»

    6.

    Segundo o artigo 8.o do Regulamento n.o 4/2009, com a epígrafe «Limitações dos processos»: «Quando uma decisão tiver sido proferida num Estado‑Membro ou num Estado parte contratante na Convenção da Haia de 2007 onde o credor tem a sua residência habitual, o devedor não pode propor uma ação para alterar ou obter uma nova decisão em qualquer outro Estado‑Membro enquanto o credor continuar a ter a sua residência habitual no Estado onde foi proferida a decisão».

    7.

    O capítulo IV do Regulamento n.o 4/2009 diz respeito ao «Reconhecimento, força executória e execução das decisões». Este capítulo é composto por três secções: a secção 1 é aplicável às decisões proferidas num Estado‑Membro vinculado pelo Protocolo de Haia de 2007 (artigos 17.o a 22.o) ( 3 ); a secção 2 é aplicável às decisões proferidas num Estado‑Membro não vinculado pelo Protocolo de Haia de 2007 (artigos 23.o a 38.o); e a secção 3 contém disposições comuns (artigos 39.o a 43.o).

    8.

    O artigo 21.o do Regulamento n.o 4/2009, sob a epígrafe «Recusa ou suspensão da execução», que figura na secção 1 acima referida, dispõe:

    «1.   Os motivos de recusa ou suspensão da execução ao abrigo da lei do Estado‑Membro de execução aplicam‑se desde que não sejam incompatíveis com a aplicação dos n.os 2 e 3.

    2.   A pedido do devedor, a autoridade competente do Estado‑Membro de execução recusa, no todo ou em parte, a execução da decisão do tribunal de origem quando o direito de obter a execução da decisão do tribunal de origem se encontrar extinto devido à prescrição ou caducidade da ação, quer nos termos da legislação do Estado‑Membro de origem, quer nos termos da legislação do Estado‑Membro de execução, consoante a que previr um prazo de caducidade mais longo.

    Além disso, a pedido do devedor, a autoridade competente do Estado‑Membro de execução pode recusar, no todo ou em parte, a execução da decisão do tribunal de origem quando essa decisão for incompatível com uma decisão proferida no Estado‑Membro de execução ou com uma decisão proferida noutro Estado‑Membro ou num país terceiro que reúna as condições necessárias para o seu reconhecimento no Estado‑Membro de execução.

    Uma decisão que tenha por efeito alterar, com base na alteração das circunstâncias, uma decisão anterior em matéria de obrigações alimentares não é considerada uma decisão incompatível na aceção do segundo parágrafo.

    […]»

    9.

    O artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009 dispõe que, «[s]ob reserva das disposições do presente regulamento, o processo de execução das decisões proferidas noutro Estado‑Membro é regido pelo direito do Estado‑Membro de execução. Uma decisão proferida num Estado‑Membro que seja executória no Estado‑Membro de execução deve ser neste executada nas mesmas condições que uma decisão proferida nesse Estado‑Membro de execução».

    10.

    Nos termos do artigo 42.o do Regulamento n.o 4/2009, «[u]ma decisão proferida num Estado‑Membro não pode em caso algum ser revista quanto ao mérito no Estado‑Membro em que seja pedido o reconhecimento, a força executória ou a execução».

    11.

    O artigo 75.o do Regulamento n.o 4/2009 contém as disposições transitórias. Tem a seguinte redação:

    «1.   O presente regulamento é aplicável exclusivamente aos processos já instaurados, às transações judiciais aprovadas ou celebradas e aos atos autênticos estabelecidos posteriormente à sua data de aplicação, sob reserva dos n.os 2 e 3.

    2.   As secções 2 e 3 do capítulo IV são aplicáveis:

    a)

    Às decisões proferidas nos Estados‑Membros antes da data de aplicação do presente regulamento relativamente às quais o reconhecimento e a declaração da força executória são solicitados após essa data;

    […]

    O Regulamento (CE) n.o 44/2001 [do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial ( 4 ),] continua a ser aplicável aos procedimentos de reconhecimento e de execução em curso na data de aplicação do presente regulamento.

    […]»

    2. Regulamento (UE) n.o 1215/2012

    12.

    O considerando 10 do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial ( 5 ), tem a seguinte redação:

    «(10)

    O âmbito de aplicação material do presente regulamento deverá incluir o essencial da matéria civil e comercial, com exceção de certas matérias bem definidas, em particular as obrigações de alimentos, que deverão ser excluídas do âmbito de aplicação do presente regulamento na sequência da adoção do Regulamento [n.o 4/2009].»

    13.

    Segundo o artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012:

    «O presente regulamento não se aplica:

    […]

    e)

    Às obrigações de alimentos decorrentes de uma relação familiar, parentesco, casamento ou afinidade;

    […]»

    14.

    O artigo 24.o do Regulamento n.o 1215/2012, que faz parte da secção 6 do capítulo II, com a epígrafe «Competências exclusivas», dispõe que «[t]êm competência exclusiva os seguintes tribunais de um Estado‑Membro, independentemente do domicílio das partes:

    […]

    5)

    Em matéria de execução de decisões, os tribunais do Estado‑Membro do lugar da execução».

    B.   Direito alemão

    15.

    Nos termos do § 66 da Gesetz zur Geltendmachung von Unterhaltsansprüchen mit ausländischen Staaten, or Auslandsunterhaltsgesetz (Lei relativa à Cobrança das Obrigações Alimentares nas Relações com Estados Terceiros, a seguir «AUG») ( 6 ):

    «(1)   Se tiver sido declarada a força executória de um título estrangeiro ao abrigo do [Regulamento n.o 4/2009] sem o processo de exequatur ou cuja execução foi permitida nos termos do mesmo regulamento […], o devedor pode arguir exceções contra esse título no âmbito do processo instaurado ao abrigo do § 120, n.o 1, da [Gesetz über das Verfahren in Familiensachen und in den Angelegenheiten der freiwilligen Gerichtsbarkeit (Lei relativa aos Processos em Matéria de Direito da Família e de Jurisdição Voluntária, a seguir “FamFG”)], em conjugação com o § 767 do [Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil Alemão, a seguir “ZPO”)]. Se estiver em causa uma decisão judicial, tal só é aplicável na medida em que os fundamentos das exceções tenham ocorrido após a decisão ter sido proferida.

    (2)   Se for autorizada a execução coerciva de um título nos termos de uma das convenções referidas no § 1, n.o 1, primeiro período, ponto 2, o devedor apenas pode arguir exceções contra o pedido no âmbito do processo instaurado ao abrigo do § 120, n.o 1, da [FamFG], em conjugação com o § 767 do [ZPO], se os fundamentos dessas exceções não tiverem ocorrido:

    1.

    até ao termo do prazo em que poderia ter interposto o recurso; ou

    2.

    se o recurso tiver sido interposto, após o encerramento desse processo.

    (3)   Nos termos do § 120, n.o 1, da [FamFG], em conjugação com o § 767 do [ZPO], a ação é apresentada perante o tribunal que se pronunciou sobre o pedido de emissão do título executivo. Nos casos abrangidos pelo n.o 1, a competência é determinada em conformidade com o § 35, n.os 1 e 2.»

    16.

    Nos termos do § 767 do ZPO:

    «(1)   Os devedores devem arguir exceções contra o pedido, conforme estabelecido na sentença, intentando a ação correspondente perante o tribunal de primeira instância ao qual foi submetido o processo.

    (2)   As exceções arguidas mediante ação judicial nos termos do número anterior só são admissíveis desde que os respetivos fundamentos tenham ocorrido após o encerramento da audiência que, nos termos das disposições do presente código, constitui a última oportunidade para formular exceções, já não podendo, assim, ser apresentadas por via de contestação.

    (3)   No processo a instaurar, o devedor deve arguir todas as exceções que podia ter apresentado no momento em que intentou a ação.»

    17.

    O § 120, n.o 1, da FamFG estabelece:

    «A execução em matéria de contencioso matrimonial e familiar ocorre em conformidade com as disposições do [ZPO] relativas à execução coerciva.»

    III. Matéria de facto, tramitação do processo e questões prejudiciais

    18.

    O demandante no presente processo é residente na Alemanha. É pai de uma menor que reside na Polónia.

    19.

    O demandante foi condenado, por Decisão do Tribunal de Primeira Instância de Cracóvia de 26 de maio de 2009, a pagar à sua filha uma pensão de alimentos mensal no montante de 500,00 zlótis polacos (PLN) (cerca de 44 euros), a partir de 1 de setembro de 2008, e, retroativamente, 430,00 PLN (cerca de 95 euros) por mês pelo período compreendido entre 19 de junho de 2008 e 31 de agosto de 2008 (a seguir «decisão de alimentos polaca»).

    20.

    Em 20 de julho de 2016, a demandada apresentou junto do Amtsgericht Köln (Tribunal de Primeira Instância de Colónia, Alemanha), o órgão jurisdicional de reenvio, um pedido para reconhecimento da decisão de alimentos polaca e declaração da sua força executória na Alemanha, em conformidade com o Regulamento n.o 4/2009.

    21.

    Por Despacho de 27 de julho de 2016, o órgão jurisdicional de reenvio ordenou, nos termos dos artigos 23.o e seguintes e 75.o, n.o 2, do Regulamento n.o 4/2009, que fosse emitido título executivo relativamente à decisão de alimentos polaca. A demandada pretende a execução da decisão de alimentos polaca na Alemanha com base no referido título executivo.

    22.

    Por petição de 5 de abril de 2018, o demandante apresentou oposição à execução da decisão de alimentos. Segundo o demandante, o crédito por alimentos da demandada incorporado na decisão de alimentos polaca foi extinto mediante pagamento. Alega que, concretamente entre 2008 e 2010, inclusive, o próprio pagou um total de 6640,05 PLN (cerca de 1460 euros) em pensões de alimentos e, além disso, a partir de dezembro de 2010, o Fundo de Garantia de Alimentos polaco pagou à demandada 500,00 PLN (cerca de 110 euros) por mês sob a forma de prestações do Estado. O demandante esclarece que o Fundo de Garantia de Alimentos está em contacto com ele e que reembolsou os montantes pagos à demandada por esse Fundo dentro dos limites da sua capacidade económica. Segundo o demandante, o crédito por alimentos da demandada está, de qualquer modo, em grande parte extinto.

    23.

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que a oposição à execução apresentada configura uma questão de obrigação de alimentos, na aceção do Regulamento n.o 4/2009. O órgão jurisdicional de reenvio entende, porém, que este regulamento não lhe atribui competência, pelo facto de não estarem preenchidos os requisitos previstos no seu artigo 3.o. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio considera que está impedido de declarar oficiosamente a sua incompetência com base no artigo 10.o do Regulamento n.o 4/2009, uma vez que, ao contrário dos processos para alteração de uma decisão de alimentos previstos no artigo 8.o deste regulamento, os pedidos de oposição a uma execução não são expressamente mencionados no Regulamento n.o 4/2009 nem no Regulamento n.o 1215/2012.

    24.

    Foi nestas circunstâncias que o Amtsgericht Köln (Tribunal de Primeira Instância de Colónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    A oposição a uma execução por alimentos com base num título estrangeiro, nos termos do § 767 do [ZPO)], constitui uma questão de obrigação de alimentos, na aceção do Regulamento [n.o 4/2009]?

    2)

    Em caso de resposta negativa à primeira questão, a oposição a uma execução por alimentos com base num título estrangeiro, nos termos do § 767 do [ZPO], constitui um processo em matéria de execução de decisões, na aceção do artigo 24.o, n.o 5, do Regulamento [n.o 1215/2012]?»

    25.

    A demandada, os Governos alemão, polaco e português e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. O demandante, os Governos alemão e polaco e a Comissão Europeia apresentaram observações orais na audiência que teve lugar em 27 de novembro de 2019.

    IV. Análise

    26.

    As presentes conclusões estão estruturadas do seguinte modo. Em primeiro lugar, apresentarei alguns esclarecimentos preliminares sobre o alcance e o significado das duas questões submetidas ao Tribunal de Justiça (A). Em segundo lugar, identificarei o quadro jurídico pertinente para as circunstâncias do presente processo. Para esse efeito, centrar‑me‑ei na aplicabilidade do Regulamento n.o 4/2009 no que diz respeito à fase de execução das decisões de alimentos e no que pode ser deduzido deste regulamento quanto à competência em matéria de execução (B). Por último, abordarei a questão específica de saber se a oposição a uma execução com fundamento na liquidação da dívida se inscreve no âmbito de um processo de execução, de modo que seja igualmente da competência dos tribunais do Estado‑Membro de execução (C).

    A.   Esclarecimentos preliminares

    27.

    As duas questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no presente processo, que devem, na minha opinião, ser preferencialmente tratadas em conjunto, visam, em substância, determinar se esse órgão jurisdicional tem competência para se pronunciar sobre a oposição a uma execução da decisão de alimentos polaca na Alemanha. Todavia, as questões não são apresentadas nesses termos. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em primeiro lugar, se a oposição a uma execução constitui uma questão de obrigação de alimentos na aceção do Regulamento n.o 4/2009. Em segundo lugar, em caso de resposta negativa a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a oposição a uma execução está abrangida pelo conceito de processo em matéria de execução de decisões na aceção do artigo 24.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1215/2012.

    28.

    O modo como está redigida a primeira questão prejudicial assenta no seguinte pressuposto: o órgão jurisdicional de reenvio tende a considerar que não tem competência caso o Tribunal de Justiça venha a concluir que a oposição a uma execução constitui uma questão de obrigação de alimentos na aceção do Regulamento n.o 4/2009. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, nessa hipótese, os critérios gerais de determinação da competência em matéria de obrigações alimentares previstos no artigo 3.o do Regulamento n.o 4/2009 teriam de estar preenchidos, incluindo no que respeita à oposição a uma execução, o que não é o caso no processo principal. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio considera que os tribunais da Polónia estariam em melhor posição para conhecer da alegação do demandante de que cumpriu a sua obrigação nos termos do artigo 3.o, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 4/2009. Por conseguinte, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em caso de resposta negativa do Tribunal de Justiça à primeira questão, se a sua competência pode ser fundamentada pelo artigo 24.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1215/2012.

    29.

    Em suma, o entendimento do órgão jurisdicional de reenvio parece ser no sentido de que estão em causa duas possibilidades que se excluem mutuamente. Se o Regulamento n.o 4/2009 fosse aplicável, isso significaria que o órgão jurisdicional de reenvio não tem competência por força do artigo 3.o deste regulamento. Apenas na hipótese de não ser aplicável o Regulamento n.o 4/2009 é que o artigo 24.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1215/2012 permitiria fundamentar a competência dos tribunais do Estado‑Membro de execução para conhecer de um processo em matéria de execução de decisões.

    30.

    Na minha opinião, o raciocínio descrito no número anterior assenta num pressuposto incorreto. Com efeito, como a seguir se expõe, a aplicabilidade do Regulamento n.o 4/2009 não implica que o órgão jurisdicional de reenvio não tenha competência. É meu entendimento que, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, é necessário identificar, em primeiro lugar, se o Regulamento n.o 4/2009 é aplicável na fase de execução das decisões de alimentos e o que pode ser deduzido deste regulamento quanto à competência nessa fase. Procederei a esta análise na secção seguinte das presentes conclusões (B). Após ter concluído que o Regulamento n.o 4/2009 é aplicável na fase de execução e que a competência dos tribunais dos Estados‑Membros de execução é inerente ao sistema deste regulamento, analisarei a questão específica subjacente ao presente processo quanto à competência para decidir sobre a oposição a uma execução da decisão de alimentos com fundamento na liquidação da dívida (C).

    B.   Regulamento n.o 4/2009 e competência para execução das decisões de alimentos

    31.

    A Convenção de Bruxelas e o Regulamento n.o 44/2001 previam disposições específicas relativas à competência em matéria de obrigações de prestação de alimentos ( 7 ). O Regulamento n.o 4/2009 alterou o Regulamento n.o 44/2001, substituindo as disposições deste regulamento aplicáveis em matéria de obrigações alimentares ( 8 ). O Regulamento n.o 4/2009 constitui, por conseguinte, uma lex specialis no que diz respeito às questões de competência, lei aplicável, reconhecimento das decisões e cooperação em matéria de obrigações alimentares. O Regulamento n.o 1215/2012 revogou o Regulamento n.o 44/2001. Ao contrário dos seus antecessores — o Regulamento n.o 44/2001 e a Convenção de Bruxelas — o Regulamento n.o 1215/2012 passou a excluir expressamente as obrigações de alimentos do seu âmbito de aplicação, que são reguladas pelo Regulamento n.o 4/2009 ( 9 ).

    32.

    Apesar de conter capítulos específicos que regulam a competência (capítulo II) e o reconhecimento, força executória e execução (capítulo IV), o Regulamento n.o 4/2009 não prevê qualquer norma expressa relativa à competência em matéria de execução de decisões de alimentos.

    33.

    Esta situação contrasta com o Regulamento n.o 1215/2012, que prevê, no seu artigo 24.o, n.o 5, uma norma expressa que atribui competência exclusiva em matéria de execução de decisões aos tribunais do Estado‑Membro do lugar da execução. Esta norma constava igualmente do Regulamento n.o 44/2001 e da Convenção de Bruxelas ( 10 ).

    34.

    Com base neste quadro jurídico, as partes interessadas que apresentaram observações no presente processo chegaram a conclusões diferentes.

    35.

    O Governo português, seguindo a abordagem preconizada pelo órgão jurisdicional de reenvio, considera que, devido ao objetivo de proteção do Regulamento n.o 4/2009 no que respeita aos credores de alimentos, a oposição a uma execução deve ser considerada uma ação em matéria de obrigações alimentares regida por este regulamento. Embora não esteja expressamente formulada nestes termos, afigura‑se que o Governo português alega, em linha com o órgão jurisdicional de reenvio, que devem ser aplicadas as regras de competência previstas nos artigos 3.o e 4.o deste regulamento. A demandada adota uma abordagem semelhante.

    36.

    Nas suas observações escritas, o Governo polaco baseia‑se no pressuposto de que o Regulamento n.o 4/2009 não regula a competência na fase da execução. Nas suas observações escritas, este Governo sustenta que, uma vez que os direitos e obrigações reconhecidos na decisão de alimentos não são afetados, a oposição à execução não tem por objeto obrigações de alimentos e é, portanto, regida pelo artigo 24.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1215/2012. Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, o Governo polaco alterou a sua posição quanto à aplicabilidade da norma em razão do tempo e sustentou na audiência que a disposição em causa é o artigo 22.o, n.o 5, do Regulamento n.o 44/2001.

    37.

    O Governo alemão e a Comissão defendem, no essencial, que o Regulamento n.o 4/2009 é aplicável. Todavia, contrariamente ao que considera o órgão jurisdicional de reenvio, são de opinião de que, se o Regulamento n.o 4/2009 for aplicável, isso não significa que o órgão jurisdicional de reenvio não seja competente, mas sim que tem competência no âmbito do presente processo. Esta posição é, no essencial, partilhada pelo demandante. Segundo o Governo alemão e a Comissão, nem o Regulamento n.o 1215/2012 nem o Regulamento n.o 44/2001 são aplicáveis no presente processo.

    38.

    Concordo com esta última opinião: apenas o Regulamento n.o 4/2009 é aplicável. Todavia, isso não implica que órgão jurisdicional de reenvio não tenha competência.

    39.

    Em primeiro lugar, não subsistem dúvidas de que a decisão de alimentos em causa no presente processo, cuja execução a demandada agora pretende, tem por objeto uma obrigação alimentar decorrente das relações de família na aceção do artigo 1.o do Regulamento n.o 4/2009. A decisão de alimentos polaca é efetivamente abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 4/2009. O presente processo diz respeito à execução dessa decisão.

    40.

    A circunstância de a fase processual, no caso em apreço, ser a da execução não permite concluir que o seu objeto deixou de ser as obrigações de alimentos. O objeto do processo não se alterou. Com efeito, o Regulamento n.o 4/2009 prevê, no seu capítulo IV, regras específicas relativas ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria de obrigações alimentares.

    41.

    Em segundo lugar, é certo que o capítulo IV, relativo ao reconhecimento e à execução das decisões de alimentos, não contém qualquer norma expressa relativa à competência na fase de execução.

    42.

    Todavia, contrariamente ao que parecem considerar o órgão jurisdicional de reenvio e o Governo português, não decorre desta circunstância que as regras de competência estabelecidas no capítulo II do Regulamento n.o 4/2009 sejam aplicáveis. Como o Governo alemão corretamente refere, o capítulo II e, em particular, o artigo 3.o do Regulamento n.o 4/2009 estabelecem as regras de competência no que respeita ao mérito do processo principal, mas não no que diz respeito à execução das respetivas decisões.

    43.

    Em terceiro lugar, embora o capítulo IV do Regulamento n.o 4/2009 não contenha qualquer norma de competência expressa relativa à execução, tal norma pode ser considerada inerente ao sistema deste regulamento.

    44.

    Em termos gerais, a competência internacional para a execução pertence aos tribunais do Estado‑Membro do lugar da execução. Como o Governo polaco sublinha, esta regra é uma expressão do que poderia ser considerado um princípio geral do direito internacional que diz respeito à soberania do Estado: só as autoridades do Estado de execução podem decidir quanto à execução das decisões, uma vez que as medidas de execução só podem ser aplicadas pelas autoridades dos Estados‑Membros onde se encontram os bens ou pessoas contra os quais a execução é pedida. Esta regra é válida, a fortiori, quando já foi reconhecida a força executória de uma decisão no Estado‑Membro do lugar da execução.

    45.

    Por conseguinte, não é necessário recorrer ao artigo 24.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1215/2012 como disposição supletiva para estabelecer que os tribunais do Estado‑Membro de execução também têm competência quanto à execução de decisões de alimentos abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 4/2009. Com efeito, este artigo pode ser considerado a expressão do princípio geral acima referido ( 11 ).

    46.

    Além disso, a aplicação supletiva do Regulamento n.o 1215/2012 neste contexto revelar‑se‑ia bastante problemática, uma vez que as obrigações de alimentos são expressamente excluídas do seu âmbito de aplicação. ( 12 ) De qualquer modo, tendo em conta o facto de que o artigo 24.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1215/2012 prevê uma regra que pode ser considerada inerente ao sistema do Regulamento n.o 4/2009, pode perguntar‑se qual seria o valor acrescentado dessa aplicação supletiva.

    47.

    Do mesmo modo, nenhuma conclusão válida pode ser retirada do facto de o Regulamento n.o 1215/2012 prever uma regra expressa a este respeito ao passo que o Regulamento n.o 4/2009 não a estabelece: como sublinhado pela Comissão na audiência, o facto de esta regra ser expressamente reconhecida no Regulamento n.o 1215/2012 está ligado à estrutura deste regulamento, que prevê vários tipos de competência exclusiva. Não é esse o caso do Regulamento n.o 4/2009, que não cria nenhuma competência exclusiva. Concordo com a Comissão no sentido de que o legislador da União poderia ter considerado que não era necessário incluir esta regra no âmbito do Regulamento n.o 4/2009. Em que outro lugar deveria ser fixada a competência em matéria de execução a não ser no Estado‑Membro do lugar da execução?

    48.

    Isto é igualmente confirmado pelo artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009, segundo o qual, «[s]ob reserva das disposições do presente regulamento, o processo de execução das decisões proferidas noutro Estado‑Membro é regido pelo direito do Estado‑Membro de execução». Nos termos desta disposição, «[u]ma decisão proferida num Estado‑Membro que seja executória no Estado‑Membro de execução deve ser neste executada nas mesmas condições que uma decisão proferida nesse Estado‑Membro de execução». Seria difícil explicar esta disposição se a competência para a execução não coubesse aos tribunais do Estado‑Membro do lugar da execução.

    49.

    Todavia, importa agora precisar se a oposição a uma execução com fundamento na liquidação da dívida se inscreve no âmbito de um processo de execução, pelo que é igualmente da competência dos tribunais do Estado‑Membro de execução.

    C.   Oposição a uma execução

    50.

    A questão essencial que se coloca é, então, saber se a oposição a uma execução com fundamento na liquidação da dívida se deve considerar, para efeitos de competência, compreendida no âmbito do processo de execução. A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Convenção de Bruxelas e ao Regulamento n.o 44/2001 sugere que se responda afirmativamente a esta questão (1). A conclusão a que se chegou nessa jurisprudência é válida em relação ao Regulamento n.o 4/2009, tendo em conta as limitações específicas estabelecidas tanto pela jurisprudência do Tribunal de Justiça como por esse regulamento (2). Isto leva‑me a concluir que os tribunais do Estado‑Membro de execução são competentes para conhecer da oposição a uma execução com o fundamento de que a dívida foi liquidada, mesmo que a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos polaco no pagamento da dívida acrescente efetivamente um certo grau de complexidade ao processo (3).

    1. Jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Convenção de Bruxelas e ao Regulamento n.o 44/2001

    51.

    A jurisprudência do Tribunal de Justiça confirmou, com fundamento nas disposições relativas à competência da Convenção de Bruxelas ou do Regulamento n.o 44/2001, que a competência em matéria de vias de recurso contra a execução, tais como ações ou pedidos de oposição a uma execução, pertence, em princípio, aos tribunais do Estado‑Membro do lugar da execução.

    52.

    O Acórdão proferido no processo AS‑Autoteile Service dizia respeito à oposição a uma execução de decisão proferida por um tribunal alemão quanto às despesas no âmbito de um processo judicial, com fundamento na mesma disposição nacional em causa no presente processo (§ 767 do ZPO). A ação tinha por objeto uma compensação entre o direito cuja execução era pedida (direito às despesas) e o pedido que esteve na origem do processo inicial, em relação ao qual os tribunais alemães já tinham declarado a sua incompetência. Por uma questão de princípio, o Tribunal de Justiça declarou que um processo «como o previsto no artigo 767.o do [ZPO] se enquadra, enquanto tal, na regra de competência [prevista na Convenção de Bruxelas] em virtude da sua estreita articulação com o processo de execução» ( 13 ).

    53.

    Na mesma ordem de ideias, o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão Hoffmann, após ter reconhecido que a Convenção de Bruxelas não continha regras específicas em matéria de execução, que «a execução de uma sentença estrangeira à qual foi aposta a fórmula executória [se efetua] segundo as regras de processo do direito nacional do juiz requerido, incluindo as relativas aos recursos» ( 14 ).

    54.

    Esta abordagem foi posteriormente confirmada no Acórdão Prism Investments. Esse processo dizia respeito a um recurso de anulação interposto por um devedor contra uma declaração de executoriedade de um tribunal neerlandês relativamente a uma sentença proferida na Bélgica, com base no facto de a decisão já ter sido executada pela via da compensação. O Tribunal de Justiça considerou que o Regulamento n.o 44/2001 não permitia recusar ou revogar uma declaração de executoriedade de uma decisão com esse fundamento ( 15 ). No entanto, confirmou que um fundamento relativo ao cumprimento desta obrigação pode ser sujeito à «análise do juiz da execução do Estado‑Membro requerido», na medida em que, «segundo jurisprudência assente, uma vez esta decisão integrada na ordem jurídica do Estado‑Membro requerido, as regras nacionais deste último Estado relativas à execução aplicam‑se do mesmo modo que às decisões adotadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais» ( 16 ).

    55.

    Contudo, não deve deduzir‑se dessa jurisprudência que qualquer tipo de pedido apresentado na fase de execução com determinado fundamento deve ser considerado admissível perante os tribunais do Estado‑Membro de execução. Com efeito, a jurisprudência também estabeleceu expressamente os limites da competência dos tribunais do Estado‑Membro de execução com base nas regras de competência previstas na Convenção de Bruxelas, bem como no Regulamento n.o 44/2001 e no Regulamento n.o 1215/2012.

    56.

    Mais precisamente no Acórdão AS Autoteile Service, o Tribunal de Justiça declarou que o facto de um processo de oposição a uma execução, como o previsto no § 767 do ZPO, se enquadrar no artigo 16.o, n.o 5, da Convenção de Bruxelas deixa em aberto a questão de saber quais as exceções que poderiam ser arguidas sem exceder os limites desta disposição ( 17 ). Com vista a resolver esta questão, o Tribunal de Justiça teve em conta a economia geral da Convenção de Bruxelas, nomeadamente a articulação entre a cláusula de competência específica em matéria de execução e a regra geral segundo a qual as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante devem ser demandadas perante os órgãos jurisdicionais desse Estado ( 18 ). Uma vez que a competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro em cujo território uma decisão deve ser executada se baseia no nexo específico entre o litígio e esse Estado‑Membro, o Tribunal de Justiça declarou que uma parte não pode invocar este fundamento de competência exclusiva para submeter a esses órgãos jurisdicionais um litígio que é da competência dos órgãos jurisdicionais de outro Estado segundo a aplicação das regras gerais ( 19 ).

    57.

    Do mesmo modo, no Acórdão Hoffmann, o Tribunal de Justiça estabeleceu, no contexto da Convenção de Bruxelas, os limites das vias de recurso contra uma execução disponíveis perante os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de execução, declarando que devem ser excluídas quando «o recurso contra a execução de uma decisão estrangeira à qual foi aposta a fórmula executória é interposto pela mesma pessoa que poderia ter interposto um recurso contra o exequatur e se baseia num fundamento que poderia ser invocado no âmbito deste recurso» ( 20 ).

    58.

    Os limites à competência dos tribunais do Estado‑Membro de execução para determinados pedidos de oposição à execução foram recentemente confirmados no Acórdão Reitbauer e o. Nesse processo, o Tribunal de Justiça rejeitou um fundamento de oposição à execução destinado a obter a declaração de que o crédito deixou de existir em razão de um pedido de compensação, porque esse pedido ia além das questões relativas à execução enquanto tal, pelo que não apresentava o grau de proximidade exigido com essa execução para justificar a aplicação da regra de competência exclusiva prevista no artigo 24.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1215/2012 ( 21 ).

    59.

    Por conseguinte, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em princípio, a competência em matéria de oposição a uma execução cabe aos tribunais do Estado‑Membro de execução com base em dois elementos: em primeiro lugar, a sua estreita articulação com o processo de execução; por outro lado, a regra segundo a qual, uma vez integradas na ordem jurídica de um Estado‑Membro, as decisões originárias de outro Estado‑Membro são equiparadas às decisões nacionais. Na falta de regras específicas na legislação da União, as decisões de um Estado‑Membro reconhecidas noutro Estado‑Membro devem ser executadas de acordo com as regras processuais do direito interno do tribunal perante o qual a execução é pedida.

    60.

    Contudo, existem limitações quanto às vias de recurso que podem ser interpostas nesta fase perante os referidos tribunais. Em primeiro lugar, os tribunais do Estado‑Membro de execução não têm competência para apreciar litígios que não apresentem um grau suficiente de proximidade com a execução ou que sejam da competência dos tribunais de outro Estado caso fossem apresentados autonomamente. Em segundo lugar, uma parte não pode invocar, perante esses tribunais, fundamentos que poderiam ter sido apresentados em sede de recurso da decisão sobre a ação de declaração de executoriedade. A fortiori, os fundamentos que poderiam ter sido invocados no âmbito do processo inicial também estão excluídos na fase da execução.

    2. Competência para conhecer da oposição a uma execução no âmbito do Regulamento n.o 4/2009

    61.

    Em seguida, há que abordar a questão de saber se os princípios que decorrem da jurisprudência analisada na secção anterior são igualmente válidos para efeitos da interpretação do Regulamento n.o 4/2009.

    62.

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que o objetivo de proteção do Regulamento n.o 4/2009 não seria alcançado se o credor de alimentos tivesse de se defender de uma oposição a uma execução no Estado de execução. O credor da obrigação de alimentos que, em conformidade com os princípios em matéria de competência do Regulamento n.o 4/2009, obteve um título em matéria de alimentos no Estado‑Membro da sua residência habitual ficaria obrigado a defender esse título noutro Estado‑Membro contra a impugnação do devedor de alimentos, até então parte vencida. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio considera que os tribunais do Estado onde o crédito foi inicialmente declarado estão em melhor posição para conhecer das exceções materiais a esse crédito do que os tribunais de outro Estado‑Membro onde o título apenas deverá ser executado.

    63.

    Esta é, no essencial, também a posição defendida pelo Governo português, que pôs em dúvida a pertinência da jurisprudência anterior no âmbito do Regulamento n.o 4/2009 em razão da sua finalidade específica de proteção do credor de alimentos.

    64.

    Na minha opinião, as principais linhas de raciocínio que decorrem da jurisprudência resumida na secção anterior são igualmente aplicáveis no que respeita à oposição a uma execução no âmbito do Regulamento n.o 4/2009. Ainda que o objetivo de proteção do credor de alimentos, enquanto parte mais fraca, seja claramente reconhecido pelo Regulamento n.o 4/2009, tal não deve, na minha opinião, conduzir ao abandono de um dos princípios básicos comuns a todas as medidas de cooperação civil, a saber, que as medidas no âmbito da execução são da competência do Estado‑Membro de execução.

    65.

    Em primeiro lugar, confirmando esta lógica, o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009 reconhece a premissa principal subjacente à jurisprudência acima referida, uma vez que estabelece que, «[s]ob reserva das disposições do presente regulamento, o processo de execução das decisões proferidas noutro Estado‑Membro é regido pelo direito do Estado‑Membro de execução» e que «[u]ma decisão proferida num Estado‑Membro que seja executória no Estado‑Membro de execução deve ser neste executada nas mesmas condições que uma decisão proferida nesse Estado‑Membro de execução».

    66.

    Em segundo lugar, a conclusão de que os tribunais do Estado‑Membro do lugar da execução devem, em princípio, gozar de competência relativamente à oposição a uma execução não prejudica de modo algum as garantias específicas em matéria de competência previstas pelo Regulamento n.o 4/2009, tendo em conta as limitações já estabelecidas pela jurisprudência.

    67.

    Com efeito, tendo em conta o objetivo específico do Regulamento n.o 4/2009 de proteger o credor de alimentos como parte mais fraca, as regras em matéria de competência previstas no mesmo visam facilitar a essa parte a defesa do seu crédito ( 22 ). Por esta razão, uma vez proferida uma decisão no Estado‑Membro onde o credor da obrigação de alimentos reside, só os tribunais desse Estado‑Membro podem proceder à alteração ou revisão dessa decisão. Duas disposições do Regulamento n.o 4/2009 traduzem este objetivo de proteção. Por um lado, segundo o artigo 8.o do Regulamento n.o 4/2009, o devedor não pode propor uma ação em qualquer outro Estado‑Membro para alterar uma decisão proferida no Estado‑Membro onde o credor tem a sua residência habitual enquanto o credor continuar a ter a sua residência habitual neste Estado‑Membro. Por outro lado, o artigo 42.o proíbe que uma decisão proferida num Estado‑Membro seja revista quanto ao mérito no Estado‑Membro em que seja pedida a execução.

    68.

    Todavia, estas duas disposições não impedem que a oposição a uma execução que não implique alteração ou revisão de uma decisão em matéria de alimentos proferida no primeiro Estado‑Membro seja tratada no âmbito da competência dos tribunais do Estado‑Membro de execução.

    69.

    Em terceiro lugar, há que salientar que, no presente processo, a decisão de alimentos foi «integrada» no ordenamento jurídico alemão — o Estado‑Membro de execução — através de uma declaração de executoriedade emitida em conformidade com o artigo 23.o do Regulamento n.o 4/2009. Na fase posterior relativa à execução propriamente dita, que sentido faria regressar ao Estado‑Membro que emitiu a decisão de alimentos? Na minha opinião, tal solução só em teoria serviria o objetivo de proteção do regulamento. Em contrapartida, seria uma fonte de incerteza.

    70.

    Por último, o objetivo específico de proteção do credor de alimentos previsto no Regulamento n.o 4/2009 não deve ter por efeito atribuir competência aos tribunais do Estado de residência do credor de alimentos em matérias que estejam em estreita articulação com a execução. É certo que o Regulamento n.o 4/2009 tem por objetivo facilitar, na medida do possível, a execução das pensões de alimentos internacionais. Contudo, «facilitar» não significa inverter toda a lógica subjacente ao sistema de reconhecimento e execução das decisões de alimentos. Contrariamente ao que parecem considerar o órgão jurisdicional de reenvio, o Governo português e a demandada, o objetivo de proteção do Regulamento n.o 4/2009 não deve conduzir à conclusão de que a oposição em causa no presente processo constitui uma ação autónoma que dá origem a um novo litígio em matéria de alimentos, cuja competência deve ser atribuída ex novo segundo os critérios do artigo 3.o deste regulamento. Aliás, tal poderia ter um impacto negativo na cobrança efetiva das obrigações de alimentos, ao prolongar indevidamente o processo de execução.

    71.

    Além disso, a título subsidiário, como alegou o Governo alemão na audiência, o Regulamento n.o 1215/2012 prevê regras de competência destinadas a proteger as diversas «partes mais fracas» (como salienta o seu considerando 18 em matéria de contratos de seguro, de consumo e de trabalho). Todavia, a regra de competência em matéria de execução (e de vias de recurso contra a execução) não é alterada pelo facto de a competência na ação principal ter sido determinada em função de um dos regimes específicos destinados a proteger uma dessas partes mais fracas.

    72.

    Por conseguinte, considero que é igualmente válida no âmbito do Regulamento n.o 4/2009 a conclusão de que a competência em matéria de oposição a uma execução pertence, em princípio, aos tribunais do Estado‑Membro do lugar da execução.

    3. Presente processo: oposição a uma execução com fundamento na liquidação da dívida

    73.

    A oposição em causa no presente processo baseia‑se na alegação do demandante de que a dívida declarada pela decisão de alimentos se encontra, em grande parte, liquidada. O demandante pagou uma parte do montante devido diretamente à demandada. O Fundo de Garantia de Alimentos polaco pagou igualmente parte da dívida de alimentos em nome do demandante. O demandante alega igualmente que reembolsou o Fundo de Garantia de Alimentos polaco desses montantes, na medida das suas capacidades financeiras. Como o demandante explicou na audiência, o litígio no presente processo tem origem no facto de a demandada não reconhecer que o montante pago pelo Fundo de Garantia de Alimentos polaco corresponde à dívida do demandante.

    74.

    Na minha opinião, a oposição a uma execução com o referido fundamento parece estar em conformidade com as limitações impostas pelo Regulamento n.o 4/2009 e pela jurisprudência do Tribunal de Justiça à regra geral segundo a qual a competência para as ações em estreita articulação com a execução pertence aos tribunais do Estado‑Membro do lugar da execução.

    75.

    Em primeiro lugar, o fundamento subjacente à oposição à execução no presente processo está em estreita articulação com o processo de execução e não pode ser considerado uma ação para a alteração de uma decisão em matéria de alimentos na aceção do artigo 8.o do Regulamento n.o 4/2009, nem para a revisão dessa decisão quanto ao mérito na aceção do artigo 42.o deste regulamento.

    76.

    As dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio surgem precisamente porque considera que a oposição à execução no presente processo pode equivaler a uma ação de alteração da decisão em matéria de alimentos na aceção do artigo 8.o do Regulamento n.o 4/2009. Esta posição é partilhada, no essencial, pelo Governo português e pela demandada.

    77.

    Não sou da mesma opinião. Como alega o Governo alemão, há que fazer uma distinção importante entre a oposição a uma execução e um pedido de alteração de uma decisão de alimentos. Enquanto este pode, em última instância, conduzir a uma alteração quanto ao mérito da decisão que declara a obrigação de alimentos, a primeira não tem qualquer impacto sobre o mérito da decisão judicial.

    78.

    A satisfação do crédito é, por norma, um dos fundamentos de oposição reconhecidos na fase de execução. Como alegam tanto o Governo alemão como a Comissão, a oposição a uma execução com fundamento na liquidação da dívida não altera nem visa rever o mérito ou o valor jurídico da decisão subjacente que declara a existência da dívida, sendo exclusivamente dirigida contra a força executória dessa decisão. Mais precisamente, conforme foi salientado pelo Governo polaco, o que está em causa é o montante até ao qual a decisão de alimentos pode ser executada. Por conseguinte, na minha opinião, essa oposição está em estreita articulação com a execução e não equivale a «propor uma ação para alterar [uma decisão]» nos termos do artigo 8.o nem a uma revisão da decisão quanto ao mérito a que se refere o artigo 42.o do Regulamento n.o 4/2009.

    79.

    Todavia, parece ter sido a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos polaco que fundamentou a apreciação do órgão jurisdicional de reenvio no sentido de os tribunais polacos estarem em melhor posição para decidir sobre a liquidação da dívida. Não creio que a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos polaco altere a conclusão que decorre do número anterior.

    80.

    O Governo polaco esclareceu na audiência que o Fundo de Garantia de Alimentos polaco intervém nos termos da lei e atua como devedor substituto face ao credor: a dívida é extinta relativamente aos montantes pagos pelo Fundo em vez do devedor de alimentos, que deve então reembolsar diretamente o Fundo desses montantes. Esse sistema é coerente com o papel das entidades públicas que geralmente concedem prestações aos credores de alimentos em vez dos devedores de alimentos. Este papel é reconhecido no artigo 64.o do Regulamento n.o 4/2009 ( 23 ). Do ponto de vista da dívida a cargo do devedor de alimentos, a intervenção do Fundo diz respeito ao modo pelo qual a dívida é liquidada e não tem impacto sobre o mérito da decisão de alimentos, que não sofre qualquer alteração. Assim, o que parece ter ocorrido é um pagamento parcial do crédito por um terceiro que atua em nome do devedor, o que confirma que a oposição à execução no processo principal faz parte das exceções comuns da execução de um crédito.

    81.

    É certo que a intervenção de entidades públicas como o Fundo de Garantia de Alimentos polaco em processos transfronteiriços em matéria de alimentos pode efetivamente conduzir a alguma complexidade adicional quanto à administração da prova. A este respeito, pode ser útil recordar que o artigo 64.o, n.o 4, do Regulamento n.o 4/2009 prevê expressamente, no que se refere aos processos de execução em que essas entidades intervêm diretamente, que as mesmas forneçam, a pedido, os documentos necessários para provar que as prestações foram concedidas ao credor. Considero que, para assegurar o funcionamento eficaz do Regulamento n.o 4/2009, esta obrigação das entidades públicas existe igualmente no âmbito dos processos previstos neste regulamento quando estas pagaram prestações em vez dos alimentos a cargo do devedor e quando o devedor de alimentos alega que reembolsou o fundo de garantia de alimentos desses montantes.

    82.

    Em segundo lugar, como salienta o Governo alemão, resulta do considerando 30 do Regulamento n.o 4/2009 que o legislador da União considerou expressamente que deveria ser permitido ao devedor de alimentos invocar o pagamento da dívida nas condições previstas no Estado‑Membro do lugar da execução. Com efeito, este considerando refere «o pagamento da dívida pelo devedor no momento da execução» como um exemplo de motivo de recusa da execução admissível nos termos do artigo 21.o do Regulamento n.o 4/2009 ( 24 ). É certo que o artigo 21.o não é aplicável nas circunstâncias do presente processo ( 25 ). Todavia, o facto de o artigo 21.o figurar na secção 1 do capítulo IV pode ser explicado no contexto da supressão do sistema do exequatur, devido à necessidade de estabelecer determinadas limitações aos motivos de recusa da execução previstos pelo direito nacional. Neste contexto, embora a liquidação da dívida no momento da execução seja considerada um dos motivos de recusa admissíveis, se previsto no direito do Estado‑Membro de execução no âmbito da secção 1 do capítulo IV, o mesmo deve ser aplicável, a fortiori, no que respeita à secção 2 do referido capítulo IV, que não estabelece qualquer limitação quanto aos motivos de recusa da execução, como os enunciados no artigo 21.o ( 26 ).

    83.

    Em terceiro lugar, as limitações previstas pelas disposições nacionais aplicáveis ao presente processo garantem que os motivos que poderiam ter sido invocados junto dos tribunais polacos não possam ser invocados por esta via processual perante os tribunais alemães. Como esclarece o Governo alemão, o § 66, n.o 1, da AUG apenas permite ao devedor de alimentos arguir exceções com base em circunstâncias ocorridas após ter sido proferida a decisão de alimentos. Os fundamentos subjacentes à oposição em causa baseados na liquidação dos pagamentos relativos à obrigação de alimentos não poderiam ter sido invocados no processo principal sobre os alimentos. Além disso, é igualmente de salientar que estes fundamentos não poderiam ter sido invocados em sede de recurso da decisão sobre o pedido de declaração de força executória perante os tribunais alemães. Esses tribunais apenas podem recusar ou revogar tal declaração por um dos motivos especificados no artigo 34.o do Regulamento n.o 4/2009, e a extinção do crédito não figura entre eles ( 27 ).

    84.

    Por conseguinte, concluo que a oposição a uma execução com fundamento na liquidação da dívida se enquadra no processo e nas condições de execução, que, segundo o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009, se regem pelo direito do Estado‑Membro de execução nas mesmas condições que as decisões proferidas nesse Estado‑Membro. Em primeiro lugar, tal oposição está intrinsecamente relacionada com a execução. Em segundo lugar, a mesma oposição não visa a alteração da decisão de alimentos nem a sua revisão quanto ao mérito. Em terceiro lugar, não invoca qualquer fundamento que pudesse ter sido invocado perante os tribunais polacos durante o processo que conduziu à decisão de alimentos (nem, a este respeito, qualquer motivo de recusa ou revogação da declaração de força executória perante os tribunais alemães).

    85.

    Por estas razões, considero que a competência para decidir sobre a oposição a uma execução com fundamento na liquidação da dívida cabe aos tribunais do Estado‑Membro do lugar da execução. Por uma questão de exaustividade, gostaria de salientar dois pontos em modo de conclusão. Com efeito, por um lado, a análise aqui efetuada e a conclusão a que se chegou tiveram por objeto apenas o fundamento da oposição baseado na liquidação da dívida. Por outro lado, para além deste fundamento específico, não é tomada qualquer posição sobre a compatibilidade global do § 767 do ZPO com o direito da União.

    V. Conclusão

    86.

    Proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Amtsgericht Köln (Tribunal de Primeira Instância de Colónia, Alemanha) do seguinte modo:

    O Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, em especial o seu artigo 41.o, n.o 1, deve ser interpretado no sentido de que os tribunais do Estado‑Membro do lugar da execução de uma decisão de alimentos proferida noutro Estado‑Membro têm competência para decidir sobre a oposição a uma execução, na medida em que esteja intrinsecamente relacionada com um processo de execução, não vise a alteração ou a revisão da decisão de alimentos e se baseie em fundamentos que não poderiam ter sido invocados perante o órgão jurisdicional que proferiu a decisão de alimentos. Estas condições parecem estar reunidas no caso da oposição à execução com fundamento na liquidação da dívida em causa no presente processo, o que cabe, no entanto, em última instância, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) JO 2009, L 7, p. 1.

    ( 3 ) A União Europeia e os seus Estados‑Membros participaram nas negociações no âmbito da Convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos Filhos e de outros Membros da Família, celebrada em Haia, em 23 de novembro de 2007, aprovada, em nome da União Europeia, pela Decisão 2011/432/UE do Conselho, de 9 de junho de 2011 (JO 2011, L 192, p. 39, a seguir «Convenção de Haia de 2007»), e do Protocolo de Haia, de 23 de novembro de 2007, sobre a lei aplicável às obrigações alimentares, aprovado, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2009/941/CE do Conselho, de 30 de novembro de 2009 (JO 2009, L 331, p. 17, a seguir «Protocolo de Haia de 2007»). O considerando 8 do Regulamento n.o 4/2009 enuncia que estes dois instrumentos devem ser tidos em conta no âmbito deste regulamento.

    ( 4 ) Regulamento do Conselho, de 22 de dezembro de 2000 (JO 2001, L 12, p. 1).

    ( 5 ) JO 2012, L 351, p. 1.

    ( 6 ) BGBl. 2011 I, p. 898, posteriormente alterada.

    ( 7 ) V. artigo 5.o, n.o 2, da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (JO 1972, L 299, p. 32), conforme alterada pelas sucessivas convenções relativas à adesão dos novos Estados‑Membros, bem como o artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001.

    ( 8 ) V. considerando 44 e artigo 68.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009.

    ( 9 ) V. considerando 10 e artigo 1.o, n.o 2, alínea e), do Regulamento n.o 1215/2012.

    ( 10 ) V. artigo 16.o, n.o 5, da Convenção de Bruxelas, que reconhece que, «[e]m matéria de execução de decisões, os tribunais do Estado contratante do lugar onde a execução deve ser cumprida» têm competência exclusiva. O mesmo é estabelecido no artigo 22.o, n.o 5, do Regulamento n.o 44/2001.

    ( 11 ) V., por exemplo, de Lima Pinheiro, L., «Exclusive jurisdiction. Article 24», in Ulrich Magnus, e o. Brussels Ibis Regulation — Commentary, Otto Schmidt KG, Verlag, 2016, p. 581.

    ( 12 ) Resulta dos esclarecimentos contidos no projeto da AUG que correspondem ao seu artigo 66.o, conforme reproduzidos na decisão de reenvio, que o legislador alemão invocou o artigo 22.o, n.o 5, do Regulamento n.o 44/2001 como uma lei supletiva no que respeita à execução das decisões em matéria de obrigações alimentares. Este regulamento não continha, de facto, a exclusão que consta atualmente do Regulamento n.o 1215/2012. Todavia, o artigo 22.o, n.o 5, do Regulamento n.o 44/2001 não pode ser considerado aplicável no presente processo, ainda que supletivamente. Com efeito, nos termos do artigo 75.o, n.o 2, do Regulamento n.o 4/2009, «[o] [Regulamento n.o 44/2001] continua a ser aplicável aos procedimentos de reconhecimento e de execução em curso na data de aplicação do presente regulamento». Esta data é 18 de junho de 2011, segundo o artigo 76.o do Regulamento n.o 4/2009. O processo de reconhecimento e de execução no caso em apreço não estava em curso nesse momento, uma vez que teve início em 27 de julho de 2016, data em que, em todo o caso, o Regulamento n.o 1215/2012 era igualmente aplicável em razão do tempo (uma vez que, segundo o seu artigo 81.o, se aplica a partir de 10 de janeiro de 2015). V., sobre o âmbito de aplicação temporal deste regulamento, Acórdão de 9 de março de 2017, Pula Parking (C‑551/15, EU:C:2017:193, n.os 25 a 28).

    ( 13 ) Acórdão de 4 de julho de 1985 (220/84, EU:C:1985:302, n.o 12).

    ( 14 ) Acórdão de 4 de fevereiro de 1988 (145/86, EU:C:1988:61, n.os 27 e 28). O sublinhado é meu.

    ( 15 ) Acórdão de 13 de outubro de 2011 (C‑139/10, EU:C:2011:653, n.o 37).

    ( 16 ) Acórdão de 13 de outubro de 2011 (C‑139/10, EU:C:2011:653, n.o 40 e jurisprudência referida).

    ( 17 ) Acórdão de 4 de julho de 1985 (220/84, EU:C:1985:302, n.o 12).

    ( 18 ) Acórdão de 4 de julho de 1985 (220/84, EU:C:1985:302, n.os 14 e 15).

    ( 19 ) Acórdão de 4 de julho de 1985 (220/84, EU:C:1985:302, n.os 16 e 17).

    ( 20 ) Acórdão de 4 de fevereiro de 1988 (145/86, EU:C:1988:61, n.o 30).

    ( 21 ) Acórdão de 10 de julho de 2019, Reitbauer e o. (C‑722/17, EU:C:2019:577, n.os 54 e 55).

    ( 22 ) V., neste sentido, Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Sanders e Huber (C‑400/13 e C‑408/13, EU:C:2014:2461, n.os 26 a 28).

    ( 23 ) Esta disposição regula a lei aplicável ao direito das entidades públicas de atuar em vez do credor de alimentos e de reclamar o reembolso, bem como as regras aplicáveis ao reconhecimento, à declaração de executoriedade ou à execução de uma decisão proferida contra os devedores de alimentos.

    ( 24 ) Segundo esta disposição, os motivos de recusa ou de suspensão da execução previstos pela legislação do Estado‑Membro de execução aplicam‑se desde que não sejam incompatíveis com a aplicação dos outros números do mesmo artigo.

    ( 25 ) Como referido no n.o 7 supra, o Regulamento n.o 4/2009 estabelece um sistema de duas vias no capítulo IV. A secção 1, a que pertence o artigo 21.o, suprime o sistema de exequatur para as decisões proferidas num Estado‑Membro vinculado pelo Protocolo de Haia de 2007. A secção 2 mantém, contudo, o sistema de exequatur para as decisões proferidas num Estado‑Membro não vinculado pelo Protocolo de Haia de 2007. Embora a Polónia e a Alemanha estejam vinculadas pelo Protocolo de Haia, a secção 1 não se aplica no presente processo devido às disposições transitórias do Regulamento n.o 4/2009. Nos termos do artigo 75.o, n.o 2, alínea a), as secções 2 e 3 do capítulo IV são aplicáveis «[à]s decisões proferidas nos Estados‑Membros antes da data de aplicação do presente regulamento relativamente às quais o reconhecimento e a declaração da força executória são solicitados após essa data». Segundo o artigo 76.o, o Regulamento n.o 4/2009 entrou em vigor em 18 de junho de 2011. Consequentemente, a secção 1 não é aplicável ao presente processo, uma vez que a decisão de alimentos cuja execução é pedida foi proferida na Polónia em 26 de maio de 2009, e o pedido de reconhecimento foi apresentado pela demandada em 20 de julho de 2016.

    ( 26 ) Não é surpreendente o facto de o Regulamento n.o 4/2009 não conter qualquer disposição expressa sobre esta questão na secção 2 do seu capítulo IV, na qual o sistema de exequatur continua em vigor. Os diferentes regulamentos da União no domínio da cooperação civil que ainda assentam num sistema de exequatur preveem motivos de recusa de reconhecimento, mas não estabelecem, em geral, qualquer regra relativa aos motivos de recusa de execução, baseando‑se, para esse efeito, nas regras internas do Estado de execução. V., por exemplo, Jimenez Blanco, P., «La ejecución forzosa de las resoluciones judiciales en el marco de los reglamentos europeos», Revista Española de Derecho Internacional, vol. 70 (2018), pp. 101 a 125.

    ( 27 ) V. artigo 34.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009.

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